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EA D O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento 2 1. OBJETIVOS • Definir o significado de cultura e jogo na perspectiva da cultura corporal de movimento. • Entender a transmissão cultural de jogos na escola. • Identificar e exemplificar jogos e brincadeiras de infância. 2. CONTEÚDOS • Cultura e cultura corporal de movimento: breves signifi- cados. • Jogos e cultura corporal de movimento. • Jogos culturalmente analisados. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: © Jogos e Brincadeiras I58 1) É claro que você já ouviu falar a respeito de povos que, tal como ocorreu no início da formação do Brasil, foram dominados, não é mesmo? Reparou que, quando isso acontece, esses povos perdem sua identidade, assumin- do os costumes e a língua do povo dominante? Pense, por exemplo, nos índios que viviam (e vivem ainda, mas em condições muitas vezes precárias) na América do Norte. Eles foram dominados, tiveram que aprender a língua e a cultura inglesa e perderam grande parte de seus costumes. Se você ainda não assistiu, procure pelo filme Dança com Lobos, que retrata parte dessa história. 2) Pense que você, quando se formar, será um transmissor e perpetuador da cultura em que vive. Você terá um pa- pel muito importante na vida de seus alunos. Além de ser um amigo, confidente, ídolo e exemplo, contribuirá com a formação cultural de seus alunos! E isso não é ta- refa fácil! 3) Neste texto, não daremos preferência a nenhuma no- menclatura dos jogos praticados na infância. Assim, os termos "jogos populares", "de infância", "de rua" ou "tradicionais" serão aceitos como sinônimos. Procure ler atentamente o conteúdo deste caderno, observando os diferentes nomes dados aos jogos. Futuramente, você verá outros nomes que também são utilizados para des- crever os jogos. 4) Seja curioso e procure verificar a possibilidade de se aprender um jogo esportivo por meio de outros jogos. Um artigo da Prof.ª Zenaide Galvão (disponível em: <www.rc.unesp.br/>. Acesso em: 27 jul. 2010) mostra um trabalho com o handebol. Já o Prof. Rafael Castro Ko- cian o faz no livro Educação Física na infância (RANGEL, 2010, n. p.). 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior, você entrou em contato com as diferen- tes definições de jogo e de brincadeira. Esperamos que tenha for- mado sua opinião a respeito desse tema, mas, caso isso não tenha 59 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento ocorrido, procure pesquisar mais sobre o assunto, pois aprender a pesquisar sobre o que lhe causa dúvidas é muito importante neste processo de construção do conhecimento. A partir desta unidade, você ampliará seu conhecimento so- bre o significado que os jogos apresentam para a compreensão e a continuidade das diferentes culturas, bem como aprenderá que a Educação Física trabalha com uma parte significativa da cultura, denominada cultura corporal de movimento. Você também terá oportunidade de relembrar os jogos de sua infância e verificar como eles foram importantes em sua vida. Esperamos que a leitura e a interação com esta literatura despertem em você o desejo de ensinar jogos. Mas isso ocorrerá em uma nova etapa; por enquanto, vamos conversando e não se esqueça de trocar ideias com seus companheiros de curso. Bom trabalho! 5. CULTURA E CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO: BREVES SIGNIFICADOS Dependendo da "lente" e dos autores que utilizarmos, te- remos uma visão de cultura, pois este termo é complexo e várias áreas do conhecimento o definem. Utilizaremos, aqui, um exem- plo simples que esclarecerá um pouco essa ideia. Nasce uma criança! Em termos biológicos, ela pertence à es- pécie humana, possuindo um corpo humano. Seu desenvolvimen- to, em geral, a fará crescer, engatinhar, ficar em pé, andar. A seguir, ela dirá as primeiras palavras, depois frases. Por volta dos sete anos de idade, ela aprenderá a ler e a escrever, ingressando no mundo da escrita. Depois, entrará na adolescência, passará pelo mundo adulto, chegará à velhice e morrerá. Completa-se, assim, o seu ciclo de vida. © Jogos e Brincadeiras I60 Até aí nada de mais, correto? Errado! Para que essa crian- ça passe pelas fases descritas, ela terá, obrigatoriamente, que ter nascido em uma cultura ocidental. Caso tivesse nascido em outra cultura, talvez ela não aprendesse a ler e a escrever aos sete anos ou talvez não passasse pela adolescência da forma como a conhe- cemos. E se, ainda, essa criança ficasse perdida na selva e fosse criada por lobos? Talvez não andasse e, com certeza, não falaria. Esses exemplos nos mostram que, ao nascer, não iniciamos apenas nosso crescimento fora do útero materno, mas também ingressamos em uma cultura diferenciada. Quando você era pequeno, talvez tenha ouvido uma cantiga de ninar como esta: Nana nenê, Que a Cuca vem pegar, Papai foi pra roça, Mamãe já vem já. Bicho-papão, De cima do telhado, Deixa esse (a) menino (a) Dormir sossegado (a) Além de acalmar as crianças, as cantigas de ninar têm uma representação. É provável que a canção descrita anteriormente seja de uma época e de um contexto que desconhecemos: a roça, o que significa? E o bicho-papão? Quem sabe, daqui a algum tem- po nem saibamos mais o que significará "telhado". Pode ser que apareça outra invenção que o substitua. Afinal, o fato de morarmos e convivermos em uma civiliza- ção significa que aprendemos, absorvemos e modificamos os cos- tumes de uma cultura. Qual seria, então, uma das definições de cultura? A cultura definida pelas Ciências Sociais seria, de acordo 61 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento com Forquin (1993, p. 11), "o conjunto dos traços característicos do modo de vida de uma sociedade, de uma comunidade ou de um grupo". Estes traços característicos poderiam ser as comidas típicas, as vestimentas, a língua, as crenças, as músicas, as danças, os jo- gos etc., ou seja, tudo que foi produzido / criado / fabricado por uma comunidade, retirando-se o que é da natureza. No entanto, há outro entendimento para a palavra cultura. Uma pessoa tida como "culta" geralmente é vista como uma pes- soa que possui disposição e "qualidades características do espírito 'cultivado'" (FORQUIN, 1993, p. 11), ou seja, uma pessoa que estu- dou muito, é intelectual ou artisticamente reconhecida, podendo ser classificada como possuidora de muita cultura, enfim, quase um ser "inatingível". Para este texto, vamos nos valer do primeiro conceito de cul- tura. Ela não é algo que apenas se perpetua, de forma que deve ser vista como algo que se modifica continuamente, que é ressig- nificada: Quando nos apropriamos do termo ressignificar, queremos apre- sentar a idéia de que o tradicional produto cultural é paulatinamen- te modificado por intermédio de novos significados acrescentados por aqueles que se apropriam do antigo, ou seja, ressignificar é ação criativa de atribuir novos significados ao tradicional (SCAGLIA, RANGEL, 2004, p. 137). Portanto, é necessário compreendermos o dinamismo cul- tural tanto do passado quanto do presente e do futuro, pois uma sociedade que consegue manter suas tradições culturais, sem se esquecer do presente e do futuro, possui mais chances de não ser atropelada, combatida e dominada por outras culturas. Com essas observações em mente, vamos conhecer, ago- ra, as considerações feitas por Herrero, Fernandes e Franco Neto (2006, n. p.), autores de um livro que nos mostrou a realização de umprojeto audacioso de resgate de jogos do povo Kalapalo, do Alto Xingu: © Jogos e Brincadeiras I62 Certamente este projeto contribui para o resgate das atividades do povo Kalapalo e porventura dos alto-xinguanos de modo geral, que correm o risco de extinção, provavelmente devido ao enfraqueci- mento nos processos tradicionais de transmissão do conhecimen- to. Você pode perceber, então, a importância que este projeto de resgate de jogos teve para o povo Kalapalo. Os pesquisadores, ao resgatarem os jogos, resgataram também uma parte da cultura desse povo, auxiliando para que este não seja extinto. Cultura, escola e jogo Há certo consenso de que uma das funções da escola é a de transmitir cultura a seus alunos. Entretanto, qual seria então essa cultura, seria toda a que é produzida pela humanidade? É certo que não. Mas, é necessário compreendermos que, embora a esco- la tenha de fazer determinadas opções, ela não pode se esquecer de transmitir um acervo cultural predeterminado e chamado de conteúdo. Sobre esse assunto, vejamos o que nos diz Forquin: Neste sentido, pode-se dizer perfeitamente que a cultura é o conte- údo substancial da educação, sua fonte e sua justificação última: a educação não é nada fora da cultura e sem ela. Mas, reciprocamen- te, dir-se-á que é pela e na educação, através do trabalho paciente e continuamente recomeçado de uma tradição docente que a cul- tura se transmite e se perpetua: a educação realiza a cultura como memória viva, reativação incessante e sempre ameaçada, fio pre- cário e promessa necessária da continuidade humana (FORQUIN, 1993, p. 14). Atualmente, tem havido a discussão de quais conteúdos cul- turais deveriam fazer parte do acervo que a escola transmite, pois muito desse conteúdo não tem tido significado para o aluno. Ele tem procurado outras formas, como a televisão e a internet, para aumentar seu conhecimento cultural, abandonando por vezes o que é ensinado na escola. Por outro lado, a forma como os con- teúdos têm sido tratados também não fornece um atrativo para o aluno, que fica desmotivado e é até capaz de abandonar a escola. 63 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento Os últimos estudos a respeito, realizados pelo Ministério da Educação e Cultura, culminaram na criação dos Parâmetros Curri- culares Nacionais, que forneceram uma diretriz para todas as dis- ciplinas, inclusive para a Educação Física, sobre o conhecimento a ser transmitido pelas escolas brasileiras. Dessa forma, não é qualquer conhecimento que deve ser passado pelos professores, mas aquele que implique a formação do cidadão dito educado. Estando entendido o significado de cultura e seu entrelaça- mento com a escola e a educação, vamos a outra compreensão. Qual seria a cultura a ser transmitida pela Educação Física? Você já parou para pensar nisso? O que você acredita que transmitirá e ajudará a reelaborar com seus alunos na escola? Com certeza, você deve ter pensado nos esportes. É quase impossível não pensarmos neste conteúdo atualmente. Mas ele não é a única possibilidade. Há outros conteúdos que são tão im- portantes quanto o esporte. Visto que a dança, a ginástica, a luta e o jogo são conteúdos conhecidos desde que os seres humanos começaram a viver em grupo ou sociedade, em termos culturais, pode-se afirmar que são esses os conteúdos que a Educação Física deve transmitir. O jogo, a ginástica, a luta e as danças são tão antigos quanto a humanidade. A exceção, no caso desses conteúdos, vem do esporte, que é con- siderado uma transformação do jogo, criado na década de 1920. Essas formas de atividades, embora fossem partes da Educa- ção Física, só foram chamadas de cultura corporal de movimento a partir de estudos de Soares et al. (1992); Betti (1992) e Bracht (1992), entre outros autores, que culminaram na apresentação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento lança- do pelo Ministério da Educação e que fez uma proposta para o ensino da Educação Física no Brasil (BRASIL, 1997). © Jogos e Brincadeiras I64 De acordo com Galvão, Rodrigues e Sanches Neto (2005), antes disso, a esse conjunto de conhecimentos, acrescido do co- nhecimento sobre o corpo, foram dadas algumas denominações, tais como: cultura física, cultura corporal e cultura de movimento. Resumidamente, os conteúdos mais reconhecidos da Educação Física, atualmente, são: ginástica, luta, atividades rítmicas e expressivas, conhecimento sobre o corpo, esporte e jogo. A capoeira merece destaque também nesse rol, por ser considerada um conteúdo exclusivamente brasileiro. Galvão, Rodrigues e Sanches Neto (2005, n. p.) compreen- dem, ainda, que "[...] a Educação Física é uma prática pedagógica que trata da Cultura Corporal de Movimento [...]". Você ainda ouvirá falar muito sobre esse assunto, o qual será aprofundado na História da Educação Física. Para este estudo, o conteúdo a ser transmitido na escola é o jogo. Conforme Scaglia e Rangel (2004, p. 85-86): Os jogos, brincadeiras e brinquedos fazem parte do cotidiano das crianças em todos os países e, desde que o ser humano vive em grupos ou sociedades, os indícios de que brincavam são nume- rosos. Esta afirmação pode ser conferida graças à arte rupestre e outras fontes e documentos históricos, onde são narradas formas de jogar. Segundo Kishimoto (1993), por exemplo, a amarelinha, empinar papagaios ou jogar pedrinhas têm registro na Grécia e no Oriente, mostrando a universalidade dos jogos infantis. Os jogos e as brincadeiras são representações que as crian- ças fazem de seu cotidiano. Elas transferem a realidade em que vivem para a forma simbólica, ou seja, relacionam de forma infan- til o que veem os adultos fazendo. As crianças "incorporam" na brincadeira a cultura em que nasceram e em que vivem. Se, por acaso, as crianças mudam de cultura (país, cidade), acabam também aprendendo as formas de brincar do local em que estão. Imaginemos, por exemplo, uma criança que nasceu no 65 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento Japão e viveu lá até os nove anos. Com certeza, ela aprendeu os costumes da região em que morava. Ao se mudar para outro país (digamos que ela tenha vindo para o Brasil), acabará aprendendo os costumes daqui. Até mesmo a língua local será aprendida com mais facilidade se essa criança brincar com crianças brasileiras. Embora não possamos afirmar embasados em pesquisas, cremos que as brincadeiras influenciam muito na aprendizagem, de forma que as crianças aprendem com mais facilidade os cos- tumes de outros países do que os adultos brincando. Você deve conhecer alguém cujos avós vieram de outro país. Geralmente, os filhos e netos falam a língua local e a língua do país dos avós, mas os avós dificilmente falam o português. Isso exemplifica a facilida- de que crianças e jovens possuem em se adaptar. Atualmente, nas escolas, a cultura corporal de movimen- to, representada pelo jogo, possui maior poder de transmissão e transformação. Sobre esse assunto, menciona Rangel: Antigamente, não havia a preocupação educacional de se transmi- tir estes jogos, tendo em vista que eles se manifestavam na rua, nos parques, dentro das casas etc. Isto muda de figura na medida em que em diversos países, onde o aumento populacional das zonas urbanas tem sido constante, tem havido uma redução dos espaços antes reservados às crianças para brincarem (RANGEL, 2007, p. 86). Como já não dá para brincar na rua como antigamente, en- tão as crianças passaram a brincar na escola (Figura 1). As aulas de Educação Física, a entrada e a saída da escola e o intervalo (recreio)transformam-se em poderosos agentes de transmissão cultural dos jogos. Qualquer bolinha de papel, elástico, pedrinha, papel e caneta assumem a vez de um brinquedo. © Jogos e Brincadeiras I66 Figura 1 Aula de Educação Física. 6. JOGO E CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO Na realidade, os jogos não são exclusividades da Educação Física, visto que muitos componentes curriculares ou disciplinas o utilizam como estratégia de ensino. E aí está a diferença: para as outras disciplinas, os jogos são uma estratégia de ensino; para a Educação Física, eles são considerados estratégia e conteúdo, meio e fim da aprendizagem. Essa observação é extremamente importante, já que diferencia os jogos e seu aprendizado para nós. Na Matemática, por exemplo, os educadores utilizam jogos para fixar ou até mesmo fazer que os alunos compreendam de- terminados conceitos e aplicações. Tal procedimento também é usado por educadores de outras disciplinas, como a Língua Portu- guesa, a História, a Geografia etc. Para Freire (2004, p. 102): 67 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento Um fato notável quanto ao jogo como o entendemos na Educa- ção Física é que se trata de um dos poucos conteúdos que não são produzidos especificamente para a escola. Explico melhor: os conteúdos das demais disciplinas são, de modo geral, produções preparadas especialmente para ser ferramentas escolares, mate- rial didático. Essas disciplinas são integradas pelas produções cien- tíficas nas mais diversas áreas. Há um entendimento generalizado, segundo o qual os conteúdos das ciências devem ser ensinados aos alunos didaticamente, isto é, de forma que possam ser veicu- lados em linguagem escrita, falada ou em imagens de diversos ti- pos, acessíveis ao entendimento dos alunos em cada período de desenvolvimento. Aos poucos, conteúdos não científicos, como os da religião, cultura popular, senso comum perdem espaço nas li- ções escolares. O que se ensina em nosso sistema educacional não é exclusivamente o resultado da produção científica, mas este re- cebe privilégio inegável sobre todos os demais. Quando chegam à escola, os conteúdos científicos chegam formatados para o ensino escolar, isto é, adequados didaticamente. Já na Educação Física, não só podemos trabalhar com os jogos para fixar ou ensinar determinado conhecimento (como a ética, a cultura, uma habilidade motora ou o conceito de regras), como podemos, também, ensinar o jogo pelo jogo (aprender a fa- zer e a se divertir com ele). É fácil entendermos isso: se retirarmos os jogos, esportes, danças e lutas que podem auxiliar as outras disciplinas, elas continuam a ter conteúdos; se os retirarmos da Educação Física, ficaremos sem conteúdos, pois estes são os nos- sos representantes. No entanto, temos de dizer que, muitas vezes, utilizamos os jogos, esportes etc. como um meio quando aproveitamos para tra- balhar a cooperação, a cidadania, a coeducação, entre outros. Mas voltemos a falar sobre o jogo. Fazendo parte da cultura corporal de movimento, o jogo pode ser um conteúdo riquíssimo e de fácil aprendizado. Mas, certamente, você deve estar se perguntando: por que os jogos são tão fáceis de serem ensinados? Parte desta resposta está no fato de que, antes de nos tornarmos adultos e professo- res, fomos crianças. Como crianças, brincamos e jogamos muito. © Jogos e Brincadeiras I68 Fizemos tudo que uma criança normalmente faz: acorda e brinca; almoça e brinca; vai para a escola e brinca; toma banho e brin- ca. Em nossa infância, aprendemos os jogos e brincadeiras de rua, brincamos de casinha e de motorista, jogamos com brinquedos inventados por nós e manufaturados, brincamos com o cachorro e brigamos com quem vinha nos chamar para dormir, afinal: tínha- mos acabado de começar a brincar! Por termos passado pela experiência de brincar e jogar, não é tão complicado assim aprender outro jogo, bem como não é difí- cil ensiná-lo. Aliás, outra facilidade do jogo consiste em "jogar para aprender", isto é, vamos aprendendo conforme vamos jogando. É claro que, se o jogo possui muitas regras, elas não serão total- mente assimiladas na primeira vez em que jogarmos. Dessa forma, jogamos, jogamos, jogamos ... e aprendemos o jogo. Segundo Rangel (2007), há, ainda, outros facilitadores para o ensino desse conteúdo na escola. Veja-os: 1) Não exigem, em geral, espaço ou material sofisticado (embora possam existir jogos com tais exigências). 2) Podem variar em complexidade de regras, ou seja, de- pendendo da faixa etária e aptidão dos jogadores, o jogo pode ser jogado com poucas regras ou com regras de altíssimo nível de complexidade. 3) Podem ser praticados em qualquer faixa etária e por me- ninos e meninas ao mesmo tempo. 4) São divertidos e prazerosos para os seus participantes (a menos que sejam levados a extremos de competição ou de função). 5) São aprendidos pelo método global, diferentemente do esporte que, geralmente, é aprendido / ensinado por partes. Ao contrário do esporte, em um grande jogo aprendemos jo- gando, não se explicam nem se "treinam" as partes para depois se jogar. A graça de se aprender o jogo está, justamente, em jogá-lo. Não se aprende, por exemplo, a arremessar para depois se apren- 69 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento der a jogar queimada; o arremesso é aprendido durante o jogo e, se este deve ser mais forte ou mais fraco, em determinada direção, para cima ou para baixo, é o contexto do jogo que vai determinar. Isso não significa que, em algum momento, não se possa pa- rar o jogo e tentar melhorar um arremesso para depois voltar ao jogo. No entanto, essa opção pode partir dos próprios alunos (com a ajuda do professor, é claro). Os jogos coletivos foram criados desta maneira: as pessoas aprendiam jogando. Somente mais tarde, com o aprimoramento técnico e o uso de recursos científicos, passou-se a ensinar / apren- der utilizando processos analíticos de decomposição das partes. Infelizmente, ainda existem muitos professores que utilizam ape- nas o método analítico para ensinar um jogo esportivo, quando há a possibilidade de aprendê-lo também por meio de jogos. Heinz e Rothenberg (1984), em seu livro Ensino de jogos es- portivos, demonstram como sair de um pega-pega e atingir os qua- tro principais esportes praticados no país: futebol, basquetebol, handebol e voleibol. Na cultura corporal de movimento, os jogos ocupam lugar de destaque na Educação Infantil e no Ensino Fundamental (da 1ª à 4ª série). Por que será que isso acontece? Se observarmos nos- so acervo cultural de jogos, entenderemos o porquê. As crianças brincam espontaneamente na infância para apreender a cultura de seu contexto, do local onde vivem, correto? Assim, os jogos e as brincadeiras tidos como "populares, de infância, de rua ou tra- dicionais" são seus preferidos. As regras desses jogos populares não são difíceis e vão au- mentando de complexidade à medida que a compreensão das crianças também vai melhorando. Conforme elas crescem, preci- sam de desafios maiores e passam a abandonar os jogos de infân- cia, pois estes não requerem mais tantas habilidades ou pensa- mento complexo. Elas passam a gostar mais dos esportes, que são jogos mais elaborados. Observe, no entanto, que estamos tratan- do de jogos em si, não dos outros conteúdos que devem ser tão trabalhados quanto os jogos. © Jogos e Brincadeiras I70 No caso citado anteriormente, qual seria, então, a possibi- lidade de se trabalhar com os jogos em idades maiores? Quais as vantagens e desvantagens? Queremos quevocê já comece a pen- sar nesse assunto, o qual será discutido na Unidade 6. Por ora, bas- ta resumir que a cultura corporal de movimento possui um grande acervo de jogos infantis, pois são representativos de uma cultura da infância que os utiliza para apreender seu contexto. No início da presente unidade, dissemos que você iria se lembrar dos jogos de sua infância. Pois bem, aqui está um caça- -palavras (Figura 2) com 15 nomes de jogos e brincadeiras que, provavelmente, você praticou em sua infância. Procure por eles e divirta-se! Figura 2 Caça-palavras. 71 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento Quando trabalhamos com jogos infantis da cultura popular, temos que compreender que eles são representativos de determi- nada cultura, em seu tempo e espaço, e que são sempre ressigni- ficados. Scaglia e Rangel (2004, p. 137-138) explicam-nos como se dá esse processo: As brincadeiras tradicionais infantis, em especial as de pega-pega, podem nos servir como bons exemplos ilustrativos para explicar esse dinâmico processo de ressignificação dos jogos / brincadeiras. Não se sabe, e nunca se saberá, quem inventou os jogos / brinca- deiras de Pega-pega, mas pode-se, partindo de estudos especula- tivos de certos autores como Kishimoto (1993) e Brougère (1989), inferir que essa brincadeira remonta aos tempos da pré-história. Isto é passível de confirmação quando, ao se estudar os jogos tra- dicionais infantis, se nota que esses representam simbolicamente a sociedade em que estão inseridos. Considerado como parte da cultura popular, o jogo tradicional guar- da a produção espiritual de um povo em certo período histórico. Essa cultura não oficial, desenvolvida, sobretudo, pela oralidade, não fica cristalizada. Está sempre em transformação, incorporando criações anônimas das gerações que vão se sucedendo (KISHIMO- TO, 1993, p. 15). Logo, o pega-pega pode, especulativamente, representar um jogo de caça e caçador – as crianças representando em suas brincadei- ras o ato de caçar, tanto dos humanos quanto entre os animais. As crianças desejando, como sempre, imitar o mundo, transformaram essa atividade de caçar em jogo / brincadeira. Simbolicamente, re- vivem-na correndo umas atrás das outras, imitando seus pais. Essa brincadeira, à medida que o tempo passa, vai incorporando cria- ções de outras gerações, que utilizam as brincadeiras para tentar entender o mundo à sua volta, ou brincar com ele, almejando um dia vivê-lo. Segundo Elkonin (1998), atualmente, todos devem reconhecer que o conteúdo do jogo infantil está relacionado com a vida, o trabalho e a atividade dos membros adultos de uma sociedade. A brincadeira de pega-pega incorporou variações à medida que a sociedade à sua volta se modificava e, em cada variação, novas par- ticularidades surgiam. Foi dessa forma que surgiu o pique-bandei- ra, representação fiel de uma batalha, onde se tem que invadir o campo de batalha adversário, penetrar em seu reino, para capturar a bandeira – que simboliza o reino. © Jogos e Brincadeiras I72 Bruegel, pintor que viveu no século 16, deixou-nos uma obra inestimável: o quadro Jogos infantis, pintado em 1560, ilustra- do na Figura 3. Nele, são retratadas 84 brincadeiras, nem todas conhecidas atualmente. O interessante é que, nessa obra, quem brinca são adultos. O que estaria querendo nos dizer o pintor? Não sabemos exatamente. No entanto, algumas considerações podem ser feitas, como, por exemplo: independentemente da idade, to- dos nós podemos brincar! Qual a sua opinião? Figura 3 Jogos infantis, quadro de Brugel. 7. JOGOS CULTURALMENTE ANALISADOS Nem todos os jogos que o professor utilizará serão jogos que traduzem uma cultura. Por exemplo, os jogos criados para resolver problemas de exclusão entre os gêneros, os jogos sem contato fí- sico, os jogos para locais de pouco espaço, enfim, são jogos utiliza- 73 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento dos como meio para resolução de algo que esteja atrapalhando o ensino e, geralmente, são criados pelo professor ou pelos alunos. Isso, entretanto, não significa que esses jogos não possam ter uma influência da cultura. É claro que, na escola, entram apenas os conteúdos aceitos pela sociedade. Os conteúdos "rejeitados", não escolhidos, discri- minados, são excluídos. Assim, utilizamos uma parcela dos conte- údos e fazemos opções que vão da preferência do próprio profes- sor ao objetivo do contexto escolar. Mas, em se tratando de jogos, quais seriam, então, os conteúdos culturalmente escolhidos? Dentre as possíveis respostas para a questão anterior, está o exemplo dos jogos tradicionais, que já começam a ser esquecidos pela atual geração. Outra possibilidade seria a escolha dos jogos provindos de outras culturas. Você deve estar se perguntando: o que existe de importante, a ponto de analisarmos os jogos de outras culturas? Quais seriam essas possibilidades dentro da escola? São elas: • Verificar as semelhanças e as diferenças com a nossa cul- tura. • Verificar como os demais povos, que são diferentes de nós, resolvem seus problemas sociais e como as crianças os incorporam ou os questionam por meio dos jogos. • Valorizar o que há de bom em outras culturas. Para fazermos uma análise, podemos optar por uma catego- ria de jogos (com bola, de perseguição, com corda, sem material, de tabuleiro, entre outros) a fim de mostrar que em cada cultura eles se modificam. Para tanto, vamos, agora, utilizar alguns exem- plos de jogos de perseguição e, a seguir, jogos com bola, e tentare- mos analisar como e em qual cultura eles aparecem. Iniciaremos com a análise de um jogo praticado no Brasil. Trata-se da cabra-cega. Conforme a região do país, há uma forma específica de se cantar uma "ladainha" que inicia a brincadeira. © Jogos e Brincadeiras I74 De acordo com observações de Rodrigo Caro (apud FRIEDMANN, 2004, p. 32-34), "cabra-cega era um jogo popular entre as crianças da Roma Imperial. Ademais, é encontrado, também, em documen- tos da Idade Média e do Renascimento, e veio para o Brasil com os portugueses e os espanhóis". Cabra-cega • Número de participantes: três ou mais jogadores. • Local adequado: ao ar livre. • Regra do jogo: dispõem-se as crianças em círculo, den- tro do qual permanecerá um jogador de olhos vendados, a cabra-cega. Dado o sinal de início, as crianças da roda perguntam: – Cabra-cega de onde vieste? – Do moinho de vento. – Que trouxeste? – Fubá e melado. – Dá-nos um pouquinho? – Não. – Então, afasta-te. As crianças largam as mãos e, espalhadas pelo campo, deve- rão fugir da cabra-cega desafiando-a, sem tocá-la. Esta, ouvindo os desafios, tentará pegá-los. Quando conseguir tocar em um dos participantes, tirará a venda e escolherá uma criança substituta. O jogo termina com a substituição da cabra-cega. Há variações da música, de acordo com as regiões, embora as regras sejam as mesmas: Em Natal – Cabra-cega de onde vens? 75 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento – Do moinho. – Que trazes? – Pão e vinho. – Me dá um pouquinho? – Não. – Gulosa, gulosa. – Que é que traz na cesta? – Cravo e canela. – Bumba nela. Em Minas – Cabra-cega? – Senhor? – De onde vieste? – De trás da serra. – Que trouxeste? – Um saquinho da farinha. – Dá-me um bocadinho? – Não chega pra mim mais minha velha. Em Piauí – Cabra-cega de onde vens? – Do quartel. – Que trazes de bom: ouro ou prata? Se responder "prata": – Come casca de barata. Se responder"ouro": © Jogos e Brincadeiras I76 – Come casca de besouro. Na Bahia – Cabra-cega de onde vens? – Do sertão. – O que trouxe? – Requeijão! A versão portuguesa era assim: – Cabra-cega de onde vens? – Da Vizela (ou Castela). – Que trazes na cesta? – Pão e canela. – Dás-me dela? – Não, que é pra mim e pra minha velha. – Zigue-tenela (fingindo beliscar a cabra-cega). Ao verificarmos as ladainhas, podemos observar que, em cada região, muda o que a cabra-cega está escondendo (fubá e melado, pão e vinho, cravo e canela etc.). É interessante perceber que o "escondido" é, geralmente, algo bem original de cada estado (Bahia – requeijão, Piauí – ouro e prata, Minas Gerais – farinha). Não temos provas, mas, talvez, o requeijão relacione-se à Bahia, onde é bastante utilizado, sendo um tipo de queijo coalho, já a farinha de Minas Gerais pode ser o polvilho utilizado para o pão de queijo, enquanto, no Piauí, até hoje se vive da extração do ouro. Em suas futuras aulas, você poderá escolher alguns jogos e brincadeiras, aplicá-los e solicitar uma pesquisa a seus alunos so- bre a origem desses jogos. Poderá fazer o inverso também: solici- tar que as crianças façam uma pesquisa e apresentem-na em aula, na qual poderão fazer a atividade. 77 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento Veremos, agora, o texto "Jogo chinês", traduzido de Orlick. Jogo Chinês – Os dragões ––––––––––––––––––––––––––––– É certo que a China, quase sempre, está associada a dragões. Neste jogo, portanto, um grupo de crianças forma um "dragão", passando seus braços ao redor da cintura da pessoa da frente. A cabeça do dragão (representada pela primeira pessoa da fila) tenta pegar o rabo (representado pela última pessoa da fila), caso consiga, o dragão canta uma canção e dança, as crianças trocam suas posições e começam, assim, um novo dragão. Normalmente, para se formar um dragão é necessário cerca de dez crianças e, algumas vezes, este jogo pode ocorrer dentro de uma área restrita de até 10 metros quadrados (ORLICK, 1978, n. p.). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Observe a Figura 4, que representa o jogo retratado. Figura 4 Jogo chinês. Embora não conheçamos muitos dos costumes chineses, é fato que os dragões são figuras extremamente representativas desta cultura. Não é de se estranhar, portanto, que as crianças re- tratem esse costume em suas brincadeiras. Outro jogo muito parecido vem de Maputo, capital de Mo- çambique. © Jogos e Brincadeiras I78 Nele jogam meninas de 8 a 13 anos, em um espaço aberto, sem uso de material. A descrição do jogo, de acordo com Prista, Tembe e Edmundo (1992, p. 48-49), é a seguinte: Jogo de Moçambique ––––––––––––––––––––––––––––––––– DISPOSIÇÃO INICIAL: As jogadoras formam uma coluna, agarrando-se umas às outras pela cintura. Uma jogadora fora da coluna (a ladra) coloca-se em frente da mesma. DESENVOLVIMENTO: A primeira jogadora da coluna representa a Mãe que protege os seus filhos. A jogadora que se faz de Ladra vai "roubar" as filhas, segundo o processo que se descreve: A jogadora Mãe canta: Mamana ntxengo ntxengo! vana vanga va hela! va hela hi chirobo! (as minhas filhas vão ser todas roubadas, serão todas levadas atrás de mim) A cada verso as filhas respondem em coro: Hyou Mamana Nichengo-Nchengo! Depois do último verso, a Mãe pergunta: – Hala Nike (e ali?) Ao que as filhas respondem: – Hala ni hala se ni sivile (aqui e ali eu fechei) Após esta canção, a Ladra começa a "roubar" uma a uma, isto é, vai tentar agarrar a última da fila sob a oposição da Mãe, que abre os braços e desloca-se juntamente com a coluna de "filhas". Mesmo que com alguma oposição, a desvantagem da Mãe é muito grande, pelo que a Ladra acaba sempre por conseguir roubar todas as filhas que vão sentar em fila e de pernas cruzadas. Quando todas as filhas foram apanhadas, troca-se de mãe e ladra. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Você notou a semelhança entre as brincadeiras? Podemos então dizer que em vários países existem semelhanças entre os jogos e brincadeiras, fruto talvez das constantes andanças / mu- danças de região habitacional dos seres humanos? Você conhece outra brincadeira parecida com essa, que possa descrever para seus colegas no Fórum? O próximo jogo a ser analisado chama-se "Negação de im- posto", trazido também de Moçambique. A descrição desse jogo, conforme Prista, Tembe, Edmundo (1992, p. 44), é a seguinte: 79 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento Negação de Imposto –––––––––––––––––––––––––––––––––– Local de recolha: Niassa. Modelo de Jogo: Um x todos. Idade: 10 aos 13 anos. Sexo: Masculino e Feminino. Participantes: Vários. Material: Nenhum. Terreno de jogo: Área livre. Dois grandes círculos desenhados no chão e distanciados a aproximadamente 7 metros. Disposição inicial: Um jogador é colocado dentro de um dos círculos e os restantes no outro. Desenvolvimento: O jogador que está sozinho simboliza o "sipaio" e os restantes a "população". Entre o sipaio e a população estabelece-se o seguinte diálogo: Sipaio: Meus amigos, venham cá! População: Temos medo. Sipaio: Medo de quê? População: Do imposto. Sipaio: Podem vir, não há problema. Após esta última frase, os jogadores saem do círculo e o "sipaio" vai agarrar um qualquer à sua escolha. A "população" refugia-se no círculo onde estava o "sipaio", e este por sua vez leva o elemento que foi agarrado para o círculo contrário. A partir daqui o processo repete-se, mas os elementos que forem agarrados passam a se fazer de "sipaios", aumentando, assim, o número de elementos a agarrar e diminuindo os que estão a fugir. Fim: O jogo termina quando todos os jogadores tiverem sido agarrados. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Esse jogo, "Negação de imposto", é um dos que os pesqui- sadores portugueses Prista, Tembe e Edmundo (1992) recolheram em Moçambique. Podemos perceber que o jogo imita a realidade, tendo em vista que Moçambique foi colonizada pelos portugueses e que, talvez, na época da criação do jogo, os adultos pagassem o imposto colonial e reclamassem disso. Dessa forma, é possível inferir que as crianças lidavam com essa questão, fingindo enganar o cobrador de impostos. Existem muitos jogos que possuem a mesma estrutura que esta, como, por exemplo, Gavião, no qual também se canta uma ladainha e o gavião tenta pegar os pintinhos que atravessam um determinado espaço, segundo Friedmann (2004). © Jogos e Brincadeiras I80 Vamos, agora, analisar o jogo "Base quatro". Embora não sai- bamos a origem do "Base quatro", ele é um jogo muito popular em São Paulo, sendo uma adaptação do beisebol. Jogo Base Quatro –––––––––––––––––––––––––––––––––––– Inicialmente, o grupo é dividido em duas equipes. Uma delas (a equipe A) perma- nece em coluna atrás de uma base. O jogo acontece em um espaço geralmente grande, com quatro bases demarcadas nos cantos, em forma de círculo ou de quadrado, e uma no centro. Os integrantes da outra equipe (da equipe B) espalham-se pelo local. A equipe em coluna recebe um taco e o professor fica em frente à coluna, de posse de uma bola. Coluna – um aluno atrás do outro. Fileira – um aluno ao lado do outro. O professor lança essa bola para o primeiro aluno que está em pé, atrás da base de número um. Este aluno deverá rebater a bola (terá apenas três tentativas para acertá-la), largar o taco no chão e sair correndo, percorrendo as demais bases. Enquanto isso, os alunos que estão espalhados tentarão pegar a bola e parar o aluno que está percorrendo as bases. Como isso poderá acontecer? Comoparar o aluno que está correndo? Há três formas: "Queimando" o aluno, isto é, jogando a bola contra o corpo do jogador que está correndo. "Queimando" a base que está diante do aluno que está percorrendo as bases. Por exemplo, se ele estiver na base de número dois, tentando alcançar a de nú- mero três, deve-se queimar esta. Encostando a bola no centro, o que significa parar o adversário. Esse deve retornar para a base em que acabou de passar. Cada vez que este aluno consegue passar pelas quatro bases, a equipe recebe um ponto. Quando um aluno para de correr, o professor arremessa a bola para o segundo aluno da coluna (equipe A). Então, este aluno tentará, também, realizar a corrida pelas quatro bases. Se algum outro jogador estiver parado em uma das bases, também deverá sair correndo, tentando completar a corrida pelas quatro bases. Você poderá perguntar: quando a outra equipe começará a rebater? Há duas formas: a) Se alguém da equipe adversária pegar a bola no ar e não deixá-la cair. b) Ao final de um tempo determinado para a duração da rodada. Deve ser estipulado um tempo, por exemplo, de dez minutos, para que haja a troca de lugares. A cada troca de lugares, a coluna deve se organizar de acordo com a última rodada. Você poderá fazer também associação entre uma forma e outra de jogar. Pense nessas possibilidades. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 81 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento No jogo "Base quatro", muito provavelmente, cada criança rebaterá a bola de uma forma diferente. Pode até ser que crianças de culturas muito diferentes rebatam a bola de forma parecida, mas não igual. As crianças norte-americanas e japonesas, que vivem em pa- íses onde o beisebol é bem difundido, certamente apresentarão uma forma de rebater parecida com a dos rebatedores profissio- nais. Conclui-se que um movimento corporal é influenciado pela cultura, até mesmo quando não há a exigência da técnica. Mas, vamos analisar, também, outra adaptação do beisebol. Mais uma vez, veremos um jogo compilado de Orlick (1978, n. p.), que estudou diferentes culturas, procurando observar como a co- operação se dava por meio dos jogos. Apresentamos, a seguir, o beisebol do Alasca. Beisebol do Alasca ––––––––––––––––––––––––––––––––––– Pode ser praticado em qualquer espaço ao ar livre. É igual ao beisebol, mas sem a necessidade de correr para as bases. O grupo deve dividir-se em duas equipes: a equipe A, denominada "campo", e a equipe B, "batedor". Os componentes da equipe "batedor" colocam-se em coluna, enquanto a equipe "campo" permanece espalhada, preparando-se para receber a bola. O primeiro batedor deve arremessar uma bola de borracha o mais longe possível e correr ao redor de sua própria coluna. A equipe A tentará pegar essa bola. O primeiro membro da equipe que conseguir pegá-la para no lugar e os outros jogadores do campo colocam-se rapidamente em coluna atrás dele. Passa-se a bola por debaixo das pernas de toda a coluna. Quando a bola chegar ao último, este então grita "ALTO!" Neste instante, o jogador da outra equipe que estava correndo deve parar imediatamente. As equipes trocam de função. Quando os jogadores aprenderem corretamente o jogo, o arremesso, ora de uma equipe, ora de outra, pode ser feito rapidamente, sem se perder tempo, fazendo o jogo ficar bem dinâmico. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Jogos e Brincadeiras I82 Essa última observação nos fornece a ideia de que, sendo o Alasca um local extremamente frio, quanto mais dinâmico o jogo for, melhor será. Procure responder às questões a seguir. A facilidade ou não em respondê-las lhe dará uma ideia de quanto incorporou do tex- to. 8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade: 1) Por meio da elaboração de um conceito de cultura, que deverá ser constru- ído a partir do texto estudado, explique: por que as crianças não nascem sabendo jogar? 2) Qual é a relação que você pode estabelecer entre uma determinada cultura e as possibilidades que uma pessoa tem para brincar? Você consegue encon- trar exemplos disso no texto? 3) O que é cultura corporal de movimento? Que relação ela estabelece com o ensino da Educação Física na escola? 4) O que se pode ensinar na escola, tendo o jogo e a brincadeira como conteú- dos da cultura corporal de movimento? 5) Depois do estudo desta unidade, você é capaz de apontar os motivos que facilitam o ensino deste conteúdo nas escolas? 9. CONSIDERAÇÕES Há duas possibilidades de se iniciar o trabalho com os jogos: • O professor poderá observar os jogos que as crianças re- alizam espontaneamente e, com base neles, aprimorar o conhecimento dos alunos. • O professor poderá propor jogos que as crianças não co- nheçam ou que conheçam pouco e, com base neles, apri- morar o conhecimento dos alunos. 83 Claretiano - Centro Universitário © U2 – O Jogo como Componente da Cultura Corporal de Movimento Por ora, esperamos que você tenha compreendido a impor- tância de se trabalhar o conteúdo jogo, com base em uma visão da cultura e da cultura corporal de movimento. Os exemplos aqui citados refletem como a cultura de jogos modifica-se a todo instante, representando, assim, o que a socie- dade vive. Analisar a história dos jogos, bem como a História, em geral, faz que revivamos um passado que, com certeza, influencia- rá nosso futuro. Você concorda com essa afirmativa? Você poderá discutir com seus colegas de curso sobre as ob- servações realizadas nesta unidade, concordando ou discordando delas. O importante é formar sua própria opinião. Você poderá, a partir de agora, observar crianças (e adultos) brincando e tentar refletir sobre o que está acontecendo. Compare as brincadeiras atuais e as da sua infância. Algo mudou? Em caso positivo, tente pensar no que foi alterado e o que isso representa. Enfim, quando estudamos algo com um pouco mais de pro- fundidade, mudamos nossa forma de pensar e, até mesmo, de agir. Dessa forma, é possível que você veja os jogos de forma dife- rente a partir de agora. Mas isso não impedirá que eles continuem lhe proporcionando prazer e representando uma magia única: a de simplesmente jogar! 10. E-REFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Aula de Educação Física. Disponível em: <http://www.educacional.com.br/ upload/blogSite/4673/4673066/11665/Sabrina_1308_251.jpg>. Acesso em: 29 fev. 2012. Figura 3 Jogos infantis, quadro de Brugel. Disponível em: <http://www.english.emory. edu/classes/paintings&poems/games.jpg>. Acesso em: 29 fev. 2012. Figura 4 Jogo chinês. Disponível em: <http://arquivochina.files.wordpress. com/2007/03/07-02-10-0162-ano-novo-chines-pic-by-william-t-lee-dragao.jpg>. Acesso em: 29 fev. 2012. © Jogos e Brincadeiras I84 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: educação física. Brasília: MEC/SEF, 1997. BROUGÈRE, G. Jogo e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. ELKONIN, D. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto alegre: Artes Médicas, 1993. FREIRE, J. B.; SCAGLIA, A. J. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione, 2003. FRIEDMANN, A. A arte de brincar: brincadeiras e jogos tradicionais. Petrópolis: Vozes, 2004. GALVÃO, Z. A construção do jogo na escola. Revista Motriz, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 107- 110, 1996. GALVÃO, Z.; RODRIGUES, L. H.; SANCHES NETO, L. Cultura corporal de movimento. In: DARIDO, S.; RANGEL, I. C. A. Educação Física na escola:implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2005. HEINZ, A.; ROTHENBERG, L. Ensino de jogos esportivos. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1984. HERRERO, M.; FERNANDES, U.; FRANCO NETO, J. V. Jogos e brincadeiras do povo Kalapalo. São Paulo: SESC, 2006. KISHIMOTO, T. M. Jogos infantis: o jogo, a criança e a educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1993. ORLICK, T. Libres para cooperar, libres para crear: nuevos juegos y deportes cooperativos. Barcelona: Paidotribo, 1978. PRISTA, A.; TEMBE, M.; EDMUNDO, H. Jogos de Moçambique. Portugal: INEF, 1992. RANGEL, I. C. A. Jogos e brincadeiras nas aulas de Educação Física. In: DARIDO, S. C.; MAITINHO, E. M. Pedagogia cidadã. Caderno de formação: Educação Física, 2007. RANGEL, I. C. A. (Org.). Educação Física na infância. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2010. SCAGLIA, A. J.; RANGEL, I. C. A. Manifestação dos jogos. In: BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Jogo, corpo e escola. n. 3. Brasília: Centro de Educação a Distância/ Universidade de Brasília, 2004. Programa Segundo Tempo. SOARES et al. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
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