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Seleção Natural e Variação Este capítulo primeiramente estabelece as condições para que a seleção natural possa operar e distingue as formas di- reciona!, estabilizadora e disruptiva de seleção. Consideramos, depois, o quão comuns na natureza são essas condições e revi- samos as evidências a favor da ocorrência de variação dentro de espécies. A revisão começa em nível de morfologia geral e vai até variações moleculares. As variações originam-se por recombinação e mutação e, assim, finalizamos por discutir os argumentos que mostram que novas variações, quando sur- gem, não são "direcionadas" para uma melhora adaptativa. 102 | Mark Ridley 4.1 Na natureza, há uma luta pela sobrevivência 0 bacalhau produz muito mais ovos do que o neces- sário para propagar a população Assim como fazem todas as formas de vida O bacalhau do Atlântico (Gadus callarias) é um grande peixe marinho e uma importante fonte de alimento para o homem. Eles também produzem uma grande quantidade de ovos. Uma fêmea de 10 anos de idade produz, em média, 2 milhões de ovos em um período re- produtivo e grandes indivíduos são capazes de produzir mais de 5 milhões (Figura 4.1a). A fêmea ascende à superfície, vinda de águas profundas para pôr seus ovos; mas, tão logo eles são liberados, já começam a ser predados. A camada de plâncton é um lugar perigoso para os ovos. Os bilhões de ovos de bacalhau liberados são devorados por inúmeros inver- tebrados planctônicos, por outros peixes e por larvas de peixes. Em torno de 99% dos ovos de bacalhau morrem em seu primeiro mês de vida e outros 90%, aproximadamente, dos sobreviventes morrem antes de atingir a idade de um ano (Figura 4.1b). Uma porção ínfima dos aproximadamente 5 milhões de ovos liberados por uma fêmea ao longo de sua vida irá sobreviver e se reproduzirá - uma fêmea de bacalhau produzirá, em média, uma progênie de apenas dois indivíduos bem-sucedidos. Este quadro, de sobrevivência até a idade reprodutiva para apenas dois ovos por fêmea, não é o resultado de uma observação. Ele é derivado de um cálculo lógico. Somente dois podem sobreviver, porque qualquer outro número seria insustentável em longo prazo. Um par de indivíduos é necessário para que a reprodução aconteça. Se, em média, um par em uma população produz menos de dois indivíduos na sua prole, a população logo será extinta; se ele produz mais de dois, a população rapidamente atingirá o infinito - o que è insustentável. Ao longo de um pequeno número de gerações, uma fêmea em uma população pode produzir, em média, mais ou menos dois indivíduos bem-sucedidos na sua prole, com a população aumen- tando ou diminuindo de acordo. Em longo prazo, a média deve ser de dois. Podemos inferir que, dos 5 milhões de ovos produzidos por uma fêmea de bacalhau ao longo de sua vida, 4.999.998 morrem antes de se reproduzirem. Uma tabela de vida pode ser utilizada para descrever a mortalidade de uma população (Tabela 4.1). Uma tabela de vida começa no estágio de ovo e traça qual proporção dos 100% de ovos originais morre a cada estágio sucessivo da vida. Em algumas espécies, a mortalidade está concentrada no início da vida, em outras, a mortalidade é mais ou menos constante ao longo de toda a vida. Mas em todas as espécies há mortalidade, o que reduz o número de ovos produzidos, de modo a resultar em um número mais baixo de adultos. A condição de "excesso" de fecundidade - na qual as fêmeas produzem uma prole maior do que o número de indivíduos que vai sobreviver - é universal na natureza. Em todas as Figura 4.1 (a) Fecundidade do bacalhau. Note os valores elevados e a variabilidade desses valores entre indivíduos. O bacalhau mais fértil produz talvez cinco vezes mais ovos do que o menos fértil; muito dessa variação associa-se ao tamanho, pois indivíduos maiores produzem mais ovos. (b) Mortalidade do bacalhau em seus dois primeiros anos de vida. Redesenhada, com permissão da editora, de May (1967) e Cushing (1975). Evolução | 103 Tabela 4.1 Uma tabela de vida para a planta anual Phlox drummondii em Nixon, Texas. A tabela de vida apresenta a proporção de uma amostra original (coorte) que sobrevive em várias idades. Uma tabela de vida completa também apresenta a fertilidade dos indivíduos em cada estágio. Reproduzida, com permissão da editora, de Leverich e Levin (1979). Intervalo de idade (dias) Número de sobreviventes ao final do intervalo Proporção da coorte original que sobreviveu Proporção da coorte original que morreu durante o intervalo Taxa de mortalidade por dia 0-63 996 1,000 0,329 0,005 63-124 668 0,671 0,375 0,009 124-184 295 0,296 0,105 0,006 184-215 190 0,191 0,014 0,002 215-264 176 0,177 0,004 0,001 264-278 172 0,173 0,005 0,002 278-292 167 0,168 0,008 0,003 292-306 159 0,160 0,005 0,002 306-320 154 0,155 0,007 0,003 320-334 147 0,148 0,043 0,021 334-348 105 0,105 0,083 0,057 348-362 22 0,022 0,022 1,000 362- 0 0 - ' ' r i : i - 0 excesso de fecundi- dade resulta em compe- tição, para reprodução e sobrevi- vência espécies, são produzidos mais ovos do que o número capaz de sobreviver até o estágio adulto. O bacalhau representa dramaticamente a questão, devido ao fato de apresentar fecundidade e mortalidade tão elevadas; mas Darwin representou dramaticamente a mesma questão de ou- tro ponto de vista, considerando o tipo oposto de espécie - um tipo de espécie que possui uma taxa reprodutiva extremamente baixa. A fecundidade dos elefantes é baixa, mas mesmo eles produzem prole em número maior do que o capaz de sobreviver. Nas palavras de Darwin: O elefante é reconhecido como o reprodutor mais lento dentre todos os animais e eu tive o tra- balho de estimar a sua taxa mínima provável de incremento natural; seria seguro assumir que ele começa a reproduzir-se aos trinta anos de idade, que continua a fazê-lo até os seus noventa anos, produzindo quarenta e seis filhotes neste intervalo, e que sobrevive até os cem anos de idade; se isso é assim, após um período de 740 a 750 anos, haveria próximo de dezenove milhões de elefantes vivos, descendentes do primeiro par.1 Com elefantes, assim como com o bacalhau, acontece que muitos indivíduos morrem entre o estágio de ovo e o adulto; ambos apresentam excesso de fecundidade. Esse excesso de fecundidade existe porque o mundo não contém recursos suficientes para sustentar a todos os ovos que são produzidos e a todos os filhotes que nascem. O mundo contém apenas quanti- dades limitadas de alimento e espaço. Uma população pode expandir-se até um certo ponto, mas, logicamente, haverá um ponto a partir do qual o suprimento de alimento deverá limitar uma expansão adicional. À medida que os recursos são utilizados, a taxa de mortalidade na Os detalhes numéricos são questionáveis, mas os números exatos de Darwin podem ser obtidos ao assumir-se a sobreposição de gerações. Ver Rickleffs & Miller (2000, p. 300). De qualquer maneira, a validade da idéia geral permanece. 104 | Mark Ridley A luta pela sobrevi- vência refere-se à competição ecológica população aumenta e, quando a taxa de mortalidade iguala-se à de natalidade, a população pára de crescer. Portanto, em um sentido ecológico, os organismos competem para sobreviverem e repro- duzirem-se - tanto diretamente, defendendo territórios, por exemplo, como indiretamente, como no caso de consumir alimentos que poderiam ser comidos por outro indivíduo. Os fatores efetivamente competitivos que limitam os tamanhos de populações naturais consti- tuem uma das principais áreas dos estudos ecológicos. Vários desses fatores já tiveram sua operação demonstrada. O que importa aqui, contudo, é a idéia geral de que os membros de uma população e os membros de diferentes espécies competem entre si para que possam sobreviver. Essacompetição resulta das condições de limitação de recursos e excesso de fecundidade. Darwin referiu-se a essa competição ecológica com "a luta pela sobrevivência". A expressão é metafórica: ela não implica uma luta física pela sobrevivência, embora as lutas às vezes aconteçam. A luta pela sobrevivência acontece em uma rede de relações ecológicas. Acima de um or- ganismo na cadeia alimentar ecológica haverá predadores e parasitas, que buscam alimentar- se dele. Abaixo desse organismo haverá recursos alimentares que ele deverá consumir para permanecer vivo. No mesmo nível da cadeia estão concorrentes que podem estar competindo pelos mesmos recursos de alimento ou de espaço. Um organismo compete mais diretamente com outros membros de sua própria espécie, porque eles possuem necessidades ecológicas mais similares à sua. Outras espécies, em uma ordem decrescente de semelhança ecológica, também competirão com ele e exercerão uma influência negativa sobre as suas chances de sobrevivência. Em resumo, os organismos produzem uma prole em número maior do que o capaz de sobreviver - devido à disponibilidade limitada de recursos - e, por isso, competem pela sobrevivência. Somente os competidores bem-sucedidos se reproduzirão. 4.2 Para que a seleção natural opere, são necessárias algumas condições £ s A teoria da seleção natural pode ser entendi- da como um argumento lógico O excesso de fecundidade e a conseqüente competição pela sobrevivência em cada espécie fornecem as pré-condições para que ocorra o processo que Darwin chamou de seleção natu- ral. A seleção natural é mais fácil de ser abstratamente compreendida como um argumento lógico, que leva das premissas a uma conclusão. O argumento, na sua forma mais geral, requer quatro condições: 1. Reprodução. As entidades devem se reproduzir para formarem uma nova geração. 2. Hereditariedade. A progênie deve tender a lembrar os seus progenitores: grosseira- mente falando, "similar deve produzir similar". 3. Variação entre caracteres individuais entre os membros da população. Se estivermos estudando a seleção natural sobre o tamanho corporal, então diferentes indivíduos na população devem ter diferentes tamanhos corporais. (Ver Seção 1.3.1, p. 30, sobre o modo como os biólogos utilizam a palavra "caráter".) 4. Variação da aptidão do organismo de acordo com seu estado quanto a um cará- ter herdável. Na teoria evolutiva, a aptidão é um termo técnico, que significa o número médio de descendentes diretos deixado por um indivíduo em relação ao número de descendentes diretos deixado por um membro médio da população. Portanto, essa condição significa que um indivíduo da população com alguns ca- racteres deve ter uma maior probabilidade de reproduzir-se (i.e, ter uma maior aptidão) do que outros. (O significado evolutivo do termo aptidão difere do seu significado atlético.) Evolução | 105 Se essas condições existirem para qualquer propriedade de uma espécie, automaticamente haverá seleção natural. E se qualquer uma delas não existir, não haverá seleção natural. Assim, entidades como planetas, que não se reproduzem, não podem evoluir por seleção natural. Entidades que se reproduzem, mas nas quais os caracteres parentais não são her- dados pelos descendentes, também não podem evoluir por seleção natural. Mas quando essas quatro condições existem, as entidades com a propriedade que confere maior aptidão deixarão um número maior de descendentes e a freqüência daquele tipo de entidade au- mentará na população. o HIV ilustra A evolução da resistência a drogas no HIV ilustra o processo (vimos esse exemplo na lógicoment° Seção 3.2, p. 68). A forma usual do HIV possui uma transcriptase reversa que se liga tanto a drogas chamadas de inibidores nucleosídicos como aos próprios constituintes do DNA (A, C, G e T) . Um inibidor nucleosídico em particular, a 3TC, é um análogo molecular de C. Quando a transcriptase reversa coloca uma molécula de 3TC ao invés de uma C em uma cadeia de DNA que está sendo replicada, o alongamento da cadeia é interrompido e a re- produção do HIV também. Na presença da droga 3TC, a população de HIV em um corpo humano evolui de modo a produzir uma forma discriminadora de transcriptase reversa - uma forma que não se liga a 3TC, mas que ainda se liga a C. O HIV evolui, então, uma forma de resistência à droga. A freqüência do HIV resistente à droga aumenta de uma freqüência pra- ticamente indetectável, quando a droga é ministrada pela primeira vez ao paciente, até 100%, em torno de três semanas depois. O aumento da freqüência do HIV resistente à droga é quase que certamente causado pela seleção natural. O vírus satisfaz todas as quatro condições para que a seleção natural opere. O vírus se reproduz; a capacidade de resistir à droga é herdada (porque essa capacidade é devida a uma mudança genética no vírus); a população do vírus no corpo de um paciente humano apresenta variação genética na capacidade de resistência à droga; e as diferentes formas de HIV possuem diferentes aptidões. Em um paciente com AIDS humano que está sendo tra- tado com uma droga com a 3TC, os HIV com a alteração correta de aminoácido nas suas transcriptases reversas se reproduzirão melhor, produzirão uma maior prole viral do mesmo tipo resistente e aumentarão em freqüência. A seleção natural os favorece. 4.3 A seleção natural explica tanto a evolução como a adaptação A seleção natural leva a mudanças evolutivas... ... e gera adptação Quando o ambiente do HIV muda, como no caso da célula hospedeira passar a conter ini- bidores nucleosídicos, como a 3TC, além de recursos valiosos, como a C, a população viral altera-se ao longo do tempo. Em outras palavras, a população do HIV evolui. A seleção natu- ral produz evolução quando o ambiente muda; ela também produzirá modificações evolutivas em um ambiente constante, caso surja uma nova forma que sobreviva melhor do que a forma corrente da espécie. O processo que opera em qualquer paciente com AIDS sob tratamento com drogas vem operando em todas as formas vivas por 4 bilhões de anos, desde o surgimento inicial da vida na Terra, tendo sido o responsável por mudanças evolutivas muito maiores ao longo desse extenso período de tempo. A seleção natural não é apenas capaz de produzir mudanças evolutivas, ela também pode fazer com que uma população se mantenha constante. Se o ambiente é constante e não surge uma forma superior na população, a seleção natural manterá essa população como está. A seleção natural pode explicar tanto as mudanças evolutivas como a ausência de mudanças. A seleção natural também explica a adaptação. A resistência a drogas do HIV é um exemplo de adaptação (Seção 1.2, p. 29). A enzima transcriptase reversa discriminadora per- mite que o HIV se reproduza em um ambiente contendo inibidores nucleosídicos. A nova adaptação era necessária devido à mudança ambiental. No paciente com AIDS tratada com 106 | Mark Ridley a droga, uma transcriptase reversa mas não-discriminadora não é mais adaptativa. A ação da seleção natural para aumentar a freqüência do gene codificador de uma transcriptase reversa discriminadora resultou na adptação do HIV ao seu ambiente. Ao longo do tempo, a seleção natural gera adaptação. A teoria da seleção natural passa, portanto, pelo teste fundamental estabelecido por Darwin (Seção 1.3.2, p. 33) para uma teoria da evolução satisfatória. 4.4 A seleção natural pode ser direcional, estabilizadora ou disruptiva Muitos caracteres possuem distribuições contínuas A seleção natural altera a forma das distribuições contínuas: ela pode ser direcional... ... ou esta- bilizadora... No H i y a seleção natural ajustou as freqüências de dois tipos distintos (suscetível ou resis- tente à droga). Entretanto, muitos caracteres em muitas espécies não existemcomo tipos distintos. Ao invés disso, esses caracteres apresentam uma variação contínua. O tamanho corporal humano, por exemplo, não vem na forma de dois tipos distintos, "grande" e "peque- no". O tamanho corporal tem distribuição contínua. Uma amostra de seres humanos apresen- tará uma gama de tamanhos, distribuídos em uma "curva em forma de sino" (ou distribuição normal). Em biologia evolutiva, é muitas vezes útil pensar-se na evolução de caracteres con- tínuos, como tamanho corporal, em termos um pouco diferentes daqueles utilizados na con- sideração da evolução de caracteres discretos, como a resistência e a suscetibilidade a drogas. Entretanto, não existem diferenças profundas entre os dois tipos de pensamento. Variações discretas confundem-se com variações contínuas e, em todos os casos, elas são devidas a alte- rações na freqüência de tipos genéticos alternativos. A seleção natural pode agir de três maneiras sobre um caráter, como o tamanho corporal, que é distribuído continuamente. Assuma que indivíduos menores possuem uma maior apti- dão (isto é, produzem uma prole maior) do que indivíduos maiores. A seleção natural então é direcional: ela favorece indivíduos menores e irá, se o caráter for herdável, produzir um decrés- cimo no tamanho corporal médio (Figura 4.2a). A seleção direcional poderia, obviamente, também produzir um aumento evolutivo do tamanho corporal médio, caso indivíduos maiores possuíssem uma maior aptidão. Por exemplo, o salmão rosado (Onchorhynchus gorbuscha), do noroeste do Pacífico, vem apresentando um decréscimo do seu tamanho em anos recentes (Figura 4.3). Em 1945, os pescadores começaram a ser pagos pelo peso, uma vez de por indivíduo, de salmão apanhado e, por isso, aumentaram o uso de um tipo de rede que seletivamente apanha peixes maiores. A seletividade dessa técnica de pesca (gill netting) pode ser demonstrada comparando-se o tamanho médio dos salmões apanhados por esse método com aquele dos salmões apanhados por uma técnica de pesca não-seletiva: a diferença variou de 0,3 a 0,48 lb. (0,14 a 0,22 kg). Portanto, depois que essa técnica de pesca foi introduzida, salmões menores passaram a ter uma chance maior de sobrevivência. A seleção favorável ao menor tamanho na população do salmões foi intensa, pois o esforço de pesca é altamente eficiente - em torno de 75 a 80% dos salmões adultos nadando em rios sob investigação foram capturados nestes anos. O tamanho médio do salmão diminuiu em torno de um terço nos 25 anos seguintes (O Quadro 4-1 des- creve a aplicação prática desse tipo de evolução.) Uma segunda possibilidade (mais comum na natureza) é a da seleção natural ser estabili- zadora (Figura 4.2b). Os membros médios da população, com tamanhos corporais intermediá- rios, possuem uma aptidão maior do que os tipos extremos. A seleção natural agora age contra mudanças no tamanho corporal e mantém a população constante ao longo do tempo. Estudos do peso no nascimento em seres humanos são bons exemplos de seleção estabili- zadora. A Figura 4-4a ilustra um caso clássico de uma amostra de Londres, Reino Unido, entre 1935 e 1946, e resultados similares foram encontrados em Nova Iorque, na Itália e no Japão. Bebês mais pesados ou mais leves do que a média sobrevivem menos do que bebês com peso médio. A seleção estabilizadora provavelmente vem operando sobre o peso no nascimento em Evolução | 107 (a) Seleção direcional (b) Seleção estabilizadora (c) Seleção disruptiva (d) Sem seleção Tamanho corporal Tamanho corporal Tamanho corporal Tamanho corporal § 1 O .> "O irt) "O O 5 . Ç Q . < -O "E o «U S FP Tamanho corporal Tamanho corporal Tamanho corporal Tamanho corporal Tempo Tempo Tempo Tempo Figura 4.2 Os três tipos de seleção. A linha superior mostra a freqüência de distribuição do caráter (tamanho corporal). Para muitos caracteres na natureza, essa distribuição possui um pico central, próximo à média, e é menor nos extremos. (A distribuição normal, ou "curva em forma de sino", é um exemplo particular desse tipo de distribuição.) A segunda linha mostra a relação entre o tamanho corporal e a aptidão, em uma geração, e a terceira mostra a alteração esperada na média do caráter ao longo de muitas gerações (se o tamanho corporal é herdável). (a) Seleção direcional. Indivíduos menores têm uma maior aptidão, e a espécie tem o seu tamanho corporal médio diminuído ao longo do tempo. A Figura 4.3 é um exemplo, (b) Seleção estabilizadora. Indivíduos de tamanho intermediário têm uma maior aptidão. A Figura 4.4a é um exemplo, (c) Seleção disruptiva. Ambos os extremos são favorecidos e, se a seleção é forte o suficiente, a população divide-se em duas. A Figura 4.5 é um exemplo, (d) Nenhuma seleção. Se não há relação entre o caráter e a aptidão, a seleção natural não age nesse caso. populações humanas desde a época da expansão evolutiva de nossos cérebros, em torno de 1 a 2 milhões de anos atrás, até o século XX. Na maior parte do mundo ela ainda continua a operar. Entretanto, nos 50 anos decorridos desde o estudo de Karn e Penrose (1951), a força da seleção estabilizadora sobre o peso no nascimento foi relaxada em países ricos (Figura 4-4b) e, no final da década de 1980, quase desapareceu. O padrão aproximou-se àquele da Figura 4.2d: a porcentagem de sobrevivência passou a ser quase a mesma para todos os pesos no nascimento. A seleção foi relaxada devido à melhora no cuidado a partos prematuros (a principal causa de bebês mais leves) e ao aumento da freqüência de partos por cesariana para bebês grandes em relação a suas mães (a menor sobrevivência de bebês mais pesados era prin- cipalmente devida a lesões no bebê ou na mãe durante o parto). Na década de 1990, a seleção estabilizadora, que vinha agindo sobre o peso humano no nascimento por milhões de anos, praticamente desapareceu nos países ricos. 108 | Mark Ridley Ano Figura 4.3 Seleção direcional pela pesca do salmão rosado, Onchorhynchus gorbuscha. O gráfico mostra o decréscimo do salmão rosado apanhado em dois rios da Colúmbia Britânica desde 1950. O decréscimo foi provocado pela pesca seletiva de indivíduos maiores. Duas linhas estão representadas para cada rio: uma para salmões apanhados em anos ímpares e a outra para anos pares. Peixes apanhados em anos ímpares são consistentemente mais pesados, o que presumivelmente está relacionado ao ciclo de vida de dois anos do salmão rosado (5 Ib = 2,2 kg). De Ricker (1981). Reproduzida com permissão do Ministério de Abastecimento e Serviços do Canadá, 1995. O terceiro tipo de seleção natural ocorre quando ambos os extremos são favorecidos em relação aos tipos intermediários. Essa seleção é chamada de disruptiva (Figura 4.2c). T. B. Smith descreveu um exemplo desse tipo de seleção no tentilhão africano Pyrenestes ostrynus, popularmente chamado de quebrador de sementes de barriga preta (Smith & Girman, 2000) (ver Lâmina 2, p. 94). Esses pássaros são encontrados na maior parte da África central e se especializaram em comer sementes de ciperáceas. A maioria das populações contém formas grandes e pequenas, que são encontradas tanto em machos como em fêmeas; este não é um exemplo de dimorfismo sexual. Como ilustrado na Figura 4-5a, este é um caso no qual o cará- ter não está distribuído claramente nem de maneira discreta, nem contínua. As categorias de variação discreta e contínua misturam-se entrç si e os bicos desses tentilhões estão na zona in- termediária. Veremos mais sobre o significado de variação contínua no Capítulo 9, mas, aqui, estamos usando o exemplo somente para ilustrarmos a seleção disruptiva, não importando se a variação representada na Figura 4.5a é chamada de discreta ou contínua. Várias espécies de ciperáceas ocupam o ambiente dos tentilhões e as suas sementes variam em dureza, determinando diferentes dificuldades para que sejam quebradas e abertas. Smith mediuquanto tempo um tentilhão leva para abrir uma semente, dependendo do tamanho do bico. Ele também mediu a aptidão, em função do tamanho do bico, ao longo de um período de sete anos. A Figura 4.5c resume os seus resultados e mostra dois picos de aptidão. Os picos gêmeos existem primariamente porque existem duas espécies principais de ciperáceas. Uma das espécies produz sementes duras, nas quais os tentilhões maiores são especializados; a outra espécie de ciperácea produz sementes macias, nas quais os tentilhões menores são especiali- zados. Em um ambiente com uma distribuição bimodal de recursos, a seleção natural deter- mina que a população de tentilhões tenha uma distribuição bimodal de tamanhos de bico. A seleção natural é, portanto, disruptiva. A seleção disruptiva é de particular interesse teórico, porque pode aumentar a diversidade genética de uma população (por seleção dependente de freqüência - Seção 5.13, p. 156) e também porque pode promover especiação (Capítulo 14). Evolução | 109 10 15 20 25 30 35 Mortalidade média x 1.000 Figura 4.4 (a) O padrão clássico da seleção estabilizadora sobre o peso de recém-nascidos humanos. Crianças pesando 8 Ib (3,6 kg) ao nascer têm uma taxa de sobrevivência maior do que crianças mais pesadas ou mais leves. O gráfico é baseado em 13 700 crianças nascidas em um hospital em Londres, no Reino Unido, de 1936 a 1946. (b) Relaxamento da seleção estabilizadora em países ricos na segunda metade do século XX. O eixo das abscissas representa a mortalidade média em uma população; o eixo das ordenadas representa a mortalidade de crianças na população que tiveram peso ótimo no nascimento (e, portanto, a mortalidade mínima atingida naquela população). Em (a), por exemplo, as meninas têm uma mortalidade mínima de aproximadamente 1,5% e uma mortalidade média em torno de 4%. Quando a média se iguala ao mínimo, deixa de haver seleção: isso corresponde à linha com inclinação de 45° (o caso "sem seleção" da Figura 4 2d geraria um ponto sobre essa linha). Note a maneira como, na Itália, no Japão e nos Estados Unidos, os dados aproximam-se da linha de 45° ao longo do tempo. No final da década de 1980, a população italiana atingiu um ponto que não era significativamente diferente da ausência de seleção. De Karn e Penrose (1951), e Ulizzi e Manzotti (1988). Redesenhada com permissão da Cambridge University Press. Quadro 4.1 Evolução de recursos pesqueiros Quando peixes grandes são apanhados seletivamente, a população evolui para tamanhos menores. A Figura 4.3, neste capítulo, mostra um exemplo do salmão do noroeste do Pacífico. A resposta evolutiva das populações sob pressão pesqueira foi objeto de um estudo adicional feito por Canover e Munch (2002). Eles avaliaram o rendimento obtido a longo prazo de populações de peixes exploradas de várias maneiras. A pesca seletiva de indivíduos maiores pode estabelecer uma seleção não apenas a favor do tamanho pequeno, mas também 110 | Mark Ridley (continuação) de peixes diminuiu. À medida que os peixes passaram a ter um crescimento mais lento, eles evoluíram de modo a haver um número menor de peixes disponível para ser pescado. Na população cujos indivíduos pequenos foram capturados, a evolução e o sucesso do rendimento da pesca foram na outra direção. Conservacionistas e cientistas da indústria pesqueira têm-se preocupado com a manutenção de recursos pesqueiros sustentáveis. Eles têm recomendado regulamentos que resultam na captura de indivíduos maiores. O que tem sido muitas vezes negligenciado é a maneira como a população de peixes evoluirá em relação às práticas de pesca. Em geral, populações exploradas "evoluirão de volta", dependendo de como elas forem exploradas. O experimento de Canover e Munch ilustra essa questão e mostra como uma prática de pesca comumente recomendada também pode fazer com que a evolução determine reduções na produtividade. Figura Q4.1 Evolução em recurso pesqueiro experimental, (a) Taxas de crescimento em populações nas quais peixes grandes (quadrados), pequenos (círculos pretos) ou de tamanho aleatório (círculos abertos) foram removidos experimentalmente a cada geração, (b) Rendimento total da atividade pesqueira experimental. O rendimento total é o número de peixes capturados multiplicado pelo seu peso médio (1 Ib ~ 450 g.) De Canover e Munch (2002). a favor do crescimento lento. A vantagem (para o peixe) do crescimento lento é facilmente observável em uma espécie na qual (ao contrário do salmão) cada indivíduo produz ovos repetidamente ao longo de um período de tempo. Um indivíduo que cresce lentamente terá um período reprodutivo mais longo, antes de atingir o tamanho no qual ele se torna vulnerável à pesca. O crescimento lento pode ser também vantajoso em uma espécie cujos indivíduos se reproduzem apenas uma vez. Os indivíduos de crescimento lento podem (dependendo dos detalhes do ciclo de vida) ser menores no momento da reprodução e, por isso, têm menor probabilidade de serem capturados. A evolução do crescimento lento tem conseqüências comerciais. O suprimento de peixes que atingem o tamanho passível de captura irá diminuir, e o mesmo acontece com a produção total a partir desse recurso pesqueiro. A produção pesqueira é maior quando os peixes crescem rapidamente, mas a pesca seletiva de indivíduos grandes tende a fazer com que a evolução proceda na direção oposta. Conover e Munch (2002) mantiveram várias populações de Menidia menidia (Atlantic silverside) em laboratório. Eles realizaram a pesca experimentalmente em algumas populações, capturando indivíduos maiores do que um certo tamanho a cada geração. Em outras populações, foi feita a captura de indivíduos menores do que um certo tamanho a cada geração e, em um terceiro grupo de populações, os peixes foram capturados ao acaso. Eles mediram várias propriedades das populações de peixes ao longo de quatro gerações. A Figura Q4.1a mostra a evolução da taxa de crescimento. As populações cujos indivíduos grandes foram capturados evoluíram no sentido de taxas de crescimento lentas. Isso teve o efeito previsto sobre o sucesso total do rendimento da pesca experimental. A Figura Q4.1 b mostra como o rendimento total Evolução | 111 12 14 16 18 Largura do bico inferior (mm) (b) /> (alto) 0,20 \ 50 55 Cauda (mm) Figura 4.5 Seleção disruptiva no tentilhão quebrador de sementes Pyrenestes ostrinus. (a) O tamanho do bico não está distribuído como uma curva em forma de sino; existem formas grandes e pequenas, mas com alguma sobreposição entre elas. A distribuição bimodal só é encontrada para o tamanho do bico. (b) O tamanho geral do corpo, medido, por exemplo, pelo tamanho da cauda, mostra uma distribuição normal clássica. As distribuições mostradas são para machos, (c) A aptidão apresenta dois picos. Note que os picos e os vales da aptidão correspondem aos picos e aos vales da freqüência de distribuição em (a). A aptidão foi medida pela sobrevivência de indivíduos jovens marcados ao longo do período de 1983 a 1990. O desempenho foi medido como o inverso do tempo gasto na quebra de sementes (1 in ~ 25 mm.) Modificada de Smith e Girman (2000). Uma possibilidade teórica final é a de não existir relação entre a aptidão e o caráter em questão: então não há seleção natural (Figura 4.2d; a Figura 4-4b apresenta um exemplo, ou um quase-exemplo). 4.5 A variação é amplamente difundida em populações naturais A seleção natural irá agir sempre que as quatro condições da Seção 4.2 forem satisfeitas. As duas primeiras condições dispensam maiores comentários. E bem-sabido que os organismos se reproduzem: esta é uma das propriedades geralmente apresentadas para definir um organismo vivo.Também é bem-sabido que os organismos apresentam herança. A herança é produzida pelo processo mendeliano, que já é compreendido até o nível molecular. Nem todos os carac- teres dos organismos são herdáveis; e a seleção natural não ajusta a freqüência de caracteres não-herdáveis. Porém, muitos são herdáveis e a seleção natural pode, potencialmente, agir sobre eles. A terceira e a quarta condições necessitam ainda comentários adicionais. Em relação a quais caracteres e em que número as populações naturais apresentam varia- ção, especialmente, variação de aptidão? Vamos considerar as variações biológicas por meio de uma série de níveis de organização, começando com a morfologia do organismo e descendo até níveis microscópicos. O propósito desta seção é dar exemplos de variação, mostrar como pode ser vista variação em quase todas as propriedades dos seres vivos e apresentar alguns dos métodos (particularmente métodos moleculares) que são utilizados no estudo da variação. A extensão da variação, particular- mente de aptidão, é importante para a com- preensão da evolução 112 | Mark Ridley A variação existe em caracteres morfológi- cos,... ...celulares, como a cromossômi- ca,... Nível morfológico No nível morfológico, os indivíduos de uma população natural apresentarão variação para quase qualquer caráter passível de medição. Em alguns caracteres, como o tamanho corporal, cada indivíduo difere de qualquer outro indivíduo; essa variação é chamada de contínua. Outros caracteres morfológicos apresentam variação discreta - eles são classificáveis em um número limitado de categorias. O sexo, ou gênero, é um exemplo óbvio, com alguns indiví- duos de uma população sendo fêmeas e outros, machos. Esse tipo de variação em categorias é encontrado também para outros caracteres. Uma população que contém mais de uma forma reconhecível é polimórfica (a condição é chamada de polimorfismo). Pode haver qualquer número de formas em casos reais e elas podem ter qualquer conjunto de freqüências relativas. Para o sexo, existem geralmente duas formas. Na mariposa Biston betularia, duas formas coloridas principais são em geral distinguidas, embora as populações reais possam conter três ou mais (Seção 5.7, p. 138). A medida que aumenta o núme- ro de formas na população, o tipo de variação polimórfica, em categorias, confunde-se com o tipo contínuo de variação (como vimos no caso do tentilhão quebrador de sementes, Figura 4.5). Nível celular A variação não está confinada a caracteres morfológicos. Se considerarmos um caráter celular, como o número e a estrutura dos cromossomos, novamente encontraremos variação. Na mos- ca-das-frutas Drosophila melanogaster, os cromossomos existem em formas gigantes nas glându- las salivares e podem ser estudados por microscopia óptica. Eles têm padrões de bandeamento característicos e cromossomos de diferentes indivíduos de uma população possuem variações sutis nesses padrões. Um tipo de variante é chamado de inversão (Figura 4-6), e, nele, o padrão de bandas - e, portanto, a ordem dos genes - de uma região do cromossomo está invertido. A população de moscas pode ser polimórfica em relação a várias inversões diferentes. A variação cromossômica é mais difícil de ser estudada em espécies que não possuem as formas cromossômicas gigantes, mas, ainda assim, sabe-se que ela existe. Populações do gafanhoto australiano Keyacris scurra, por exemplo, podem conter duas formas (normal e invertida) de cada um de seus dois cromossomos; isso gera nove tipos de gafanhotos ao todo, porque cada indivíduo pode ser homozigoto ou heterozigoto para qualquer um dos quatro tipos cromossômicos. Os nove diferem em tamanho e viabilidade (Figura 4.7). Cromossomos também podem variar quanto a outros aspectos. Os indivíduos podem va- riar quanto ao número dos seus cromossomos, por exemplo. Em muitas espécies, alguns indi- víduos possuem um ou mais cromossomos adicionais, além do número normal para a espécie. Esses cromossomos supranumerários, que são com freqüência chamados de cromossomos B, têm sido particularmente estudados no milho e em gafanhotos. No gafanhoto Atractomorpha australis, indivíduos normais possuem 18 autossomos, mas foram encontrados indivíduos com de um a seis cromossomos supranumerários. A população é polimórfica em relação ao número Cromossomo • Forma- • padrão Forma invertida Figura 4.6 Os cromossomos podem existir na forma-padrão ou na invertida. Depende de uma decisão arbitrária a definição de qual é a "forma-padrão" e qual é a "invertida". A inversão pode ser detectada pela comparação da estrutura fina das bandas, como está ilustrado esquematicamente aqui, ou pelo comportamento dos cromossomos na meiose. Evolução | 113 Cromossomo CD Figura 4.7 O gafanhoto australiano Keyacris scurra é polimórfico para inversões de dois cromossomos. Os dois cromossomos são chamados de CD e EF, respectivamente. As formas padrão e invertida do cromossomo CD são chamadas de 5f e BI; as formas padrão e invertida do cromossomo EF são chamadas de St' e Td. v é a viabilidade relativa em um sítio em Wombat, Nova Gales do Sul, expressada em relação à viabilidade da forma St/B/ StVSt', a qual foi arbitrariamente estabelecida como sendo l . n é o tamanho da amostra, x é o peso vivo médio. As figuras ilustra o tamanho relativo dos gafanhotos. De White (1973). de cromossomos. Inversões e cromossomos B são apenas dois tipos de variações cromossô- micas. Mas também existem outros tipos; contudo, estes são suficientes para mostrar que os indivíduos variam não só em nível morfológico, mas também em nível subcelular. Nível bioquímico A história é a mesma no nível bioquímico, como no caso de proteínas. Proteínas são molécu- las formadas por seqüências de unidades de aminoácidos. Uma determinada proteína, como a hemoglobina humana, tem características particulares em sua seqüência, as quais, por sua vez, determinam a forma e as propriedades da proteína. Mas todos os seres humanos pos- suem exatamente a mesma seqüência para a hemoglobina, ou para qualquer outra proteína? Teoricamente, poderíamos descobrir isso tomando amostras da proteína de diversos indiví- ...bioquími duos e então determinado a seqüência de cada uma delas; mas isso seria muito trabalhoso, em'enz'"' A eíetro/orese em gel é um método muito mais rápido. A eletroforese em gel funciona porque mas,. diferentes aminoácidos possuem cargas elétricas distintas. Diferentes proteínas - e diferentes variantes de uma mesma proteína - possuem cargas elétricas líquidas diferentes, pois possuem diferentes composições de aminoácidos. Se colocarmos uma amostra de proteínas (com o mesmo peso molecular) em um campo elétrico, aquelas com as cargas elétricas maiores se mo- verão mais rapidamente. O método é importante para quem deseja estudar variação biológica porque é capaz de revelar diferentes variantes de um determinado tipo de proteína. Um bom exemplo é aquele de uma proteína menos conhecida que a hemoglobina - a enzima chamada de álcool-desidrogenase - na mosca-das-frutas. 114 | Mark Ridley As moscas-das-frutas, como indica seu próprio nome depositam seus ovos em frutas em decomposição, das quais também se alimentam. Elas são atraídas por frutas em decomposição devido às leveduras que elas contêm. As moscas-da-frutas podem ser coletadas em prati- camente qualquer lugar do mundo utilizando-se de frutas em decomposição como isca; e moscas-das-frutas são geralmente encontradas em um copo de vinho abandonado durante a noite, após uma festa ao ar livre no verão. A medida que uma fruta se decompõe, ela forma vários compostos químicos, inclusive álcool, que é tanto um veneno como uma potente fonte de energia. As moscas-das-frutas lidam com o álcool utilizando uma enzima chamada de ál- cool-desidrogenase. A enzima é essencial. Seo gene da álcool-desidrogenase é deletado das moscas e elas são alimentadas com apenas 5% de álcool, "elas têm dificuldades para voar e ca- minhar e, finalmente, são incapazes de ficar sobre suas patas" (citado em Ashburner, 1998). A eletroforese em gel revela que, na maioria das populações da mosca-das-frutas Drosophila melanogaster, a álcool-desidrogenase ocorre em duas formas principais. As duas formas aparecem como bandas diferentes no gel, depois da amostra ter sido aplicada, subme- tida por algumas horas a uma corrente elétrica e da posição da enzima ter sido exposta por uma coloração específica. As variantes são chamadas de lenta (Adh-s) ou rápida (Adh-f) , de acordo com a distância que cada uma delas se moveu durante o tempo de duração da ele- troforese. As múltiplas bandas mostram que a proteína é polimórfica. A enzima chamada de álcool-desidrogenase é, na realidade, uma classe de dois polipeptídeos com leves diferenças em suas seqüências de aminoácidos. A eletroforese em gel tem sido aplicada a um grande número de proteínas em um grande número de espécies e diferentes proteínas apresentam diferentes graus de variabilidade (Capítulo 7). Mas o importante, no momento, é a verificação de que muitas dessas proteínas são variáveis - existe uma variação extensiva nas proteínas em populações naturais. Nível de DNA ...e geneti- g e a variação é encontrada em cada órgão, em cada nível, entre os indivíduos de uma popu- lação, ela irá ser encontrada, quase que inevitavelmente, também no nível do DNA. Os poli- morfismos de inversão de cromossomos que vimos anteriormente, por exemplo, são devidos a inversões da seqüência de DNA. Entretanto, o método mais direto para estudar variações no DNA é o seqüenciamento da própria molécula. Continuemos a considerar a álcool-desidro- genase da mosca-das-frutas. Kreitman (1983) isolou o DNA que codifica a álcool-desidroge- nase de 11 linhagens independentes de D. melanogaster e seqüenciou individualmente todos eles. Algumas das 11 linhagens tinham Adh-f, outras, Adh-s, e a diferença entre Adh-f e Adh-s foi sempre devida a uma única diferença de aminoácido (Thr ou Lys no códon 192). A diferença de aminoácido aparece como uma diferença de base no DNA, mas esta não é a única fonte de variação no nível de DNA. O DNA é ainda mais variável do que o estudo da proteína sugere. No nível da proteína, somente as duas variantes principais foram encon- tradas na amostra de 11 genes, mas, no nível do DNA, foram encontradas 11 seqüências diferentes, com 43 sítios variáveis. A quantidade de variação que encontramos é, portanto, maior no nível do DNA. No nível da morfologia geral, uma Drosophila com dois genes Adh- f é indistinguível de uma com dois genes Adh-s-, a eletroforese em gel resolve duas classes de mosca; mas, no nível do DNA, as duas classes se decompõem em numerosas variantes individuais. As enzimas de restrição viabilizam um outro método para estudar a variação do DNA. As enzimas de restrição existem naturalmente em bactérias e um grande número - mais de 2.300 - dessas enzimas é conhecido. Qualquer enzima de restrição corta a fita de DNA em qualquer local onde ela possuir uma determinada seqüência, geralmente de 4 a 8 pares de bases. A enzima de restrição chamada de EcoRl, por exemplo, que é encontrada na bactéria Escherichia coli, reconhece a seqüência de bases.. .GAATTC... e a cliva entre a G inicial e a primeira A. Na Evolução | 115 bactéria, a enzima ajuda na proteção contra invasão viral, clivando DNA estranho. Mas as enzi- mas de restrição podem ser isoladas em laboratório e utilizadas na investigação de seqüências de DNA. Suponha que o DNA de dois indivíduos difira e que um possua a seqüência GAATTC em um certo sítio, no qual o outro indivíduo possui uma outra seqüência, como GTATT. Se o DNA de cada indivíduo for incubado com EcoRl, somente aquele do primeiro indivíduo será clivado. A diferença pode ser detectada na extensão dos fragmentos de DNA: o padrão de extensão dos fragmentos será diferente para os dois indivíduos. Essa variação é chamada de polimoríismo de extensão de fragmentos de DNA e ela vem sendo encontrada em todas as populações até agora estudadas. Conclusão Resumindo, populações naturais apresentam variações em todos os níveis, desde a morfologia geral até a seqüência de DNA. Quando formos discutir a seleção natural mais detalhadamen- te, poderemos assumir que, em populações naturais, a exigência de variação, assim como as de reprodução e herança, é atendida. Figura 4.8 A variação no sucesso reprodutivo em populações, ilustrada por quatro espécies de orquídeas. 0 gráfico representa a porcentagem cumulativa de descendentes diretos produzidos pelas plantas, com as plantas individuais ordenadas da mais malsucedida para a mais bem-sucedida. Por exemplo, em Epidendrum exasperatum, os indivíduos mais malsucedidos (50%) não produziram prole: eles falharam em se reproduzir. Os próximos 17% dos indivíduos subiram na escala de sucesso, produzindo em torno de 5% das frutas na população; os próximos 10% produziram em torno de 13% e assim por diante. Se cada indivíduo produzisse o mesmo número de descendentes diretos, o grafico da porcentagem cumulativa seria a linha diagonal de 45°. Gráficos desse tipo podem ser utilizados para expressar desigualdades na riqueza humana e são às vezes chamados de curvas de Lorenz. Reproduzida, com permissão da editora, de Calvo (1990). 4.6 Os organismos de uma população variam em seu sucesso reprodutivo Se a seleção natural deve agir, não é suficiente apenas que os caracteres variem. As diferentes formas de um caráter devem também estar associadas ao sucesso reprodutivo (ou aptidão) - determinando o grau no qual os indivíduos contribuirão com sua prole para a próxima ge- ração. O sucesso reprodutivo é mais difícil de ser medido do que um caráter fenotípico, como o tamanho corporal, e, por isso, existe um número muito menor de observações de variação • » Oeceodades maculata o o Lepanthes wendlandi m • Epidendrum exasperatum o • Encydia cordigera 20 40 60 80 Porcentagem cumulativa de indivíduos 116 | Mark Ridley Os indivídu- os diferem em seu sucesso reprodutivo em todas as populações Quatro espécies de orquídeas constituem um exemplo As condições necessárias para que a seleção natural atue são freqüen- temente en- contradas na reprodução do que de observações de variação fenotípica. Mesmo assim, ainda existe um bom número de exemplos. Já vimos alguns neste capítulo (Seção 4-4) e veremos outros mais adiante neste livro. Aqui, podemos nos deter em um tipo ainda mais abundante de evidência e em um argumento abstrato. Quando o sucesso reprodutivo foi medido em uma população biológica, pôde-se demons- trar que alguns indivíduos produzem uma prole muito maior do que outros. A Figura 4.8 ilustra essa variação em quatro espécies de orquídeas na forma de um gráfico de porcentagem cumulativa. Se cada indivíduo produziu o mesmo número de frutas (isto é, o mesmo número de indivíduos na sua progênie), os pontos se posicionariam ao longo da linha diagonal de 45°. Mas os pontos geralmente iniciam em algum ponto ao longo do eixo das abcissas e ficam abai- xo da linha de 45°. Isso ocorre porque alguns indivíduos não se reproduzem e uma minoria bem-sucedida contribui com uma prole de número desproporcional. As diferenças entre as quatro espécies de orquídeas na Figura 4.8 podem ser compre- endidas em termos de suas relações com insetos polinizadores. A espécie reprodutivamente igualitária Oeceoclades maculata se reproduz por autofertilização e, por isso, não necessita de polinizadores. As duas espécies intermediárias, Lepanthes wendlandii e Epidendrum exas- peratum, são ambas capazes de realizar autofertilização, mas também podem ser polinizadas por insetos. A espécie altamenteinigualitária Encyclia cordigera, na qual 80% dos indivíduos falham em se reproduzir, requer a polinização por insetos. Entretanto, essa espécie não é atra- tiva para insetos polinizadores. Ela é uma das orquídeas que evoluiu flores "enganosas", que produzem e recebem pólen, mas não fornecem néctar. As orquídeas "enganam" os insetos, que, conseqüentemente, tendem a evitá-las (embora não completamente). A quantidade de falhas reprodutivas em orquídeas com essas flores enganosas pode ser impressionantemente alta - até mais alta do que os 80% de Encyclia cordigera. Existem exemplos ainda mais extremos. Gill (1989) mediu a reprodução em uma popu- lação de quase 900 indivíduos da orquídea chinelo de dama rosada, Cypripedium acaulate, no condado de Rockingham, Virgínia, de 1977 a 1986. Naquele período de 10 anos, apenas 2% dos indivíduos produziram frutos: o restante foi evitado pelos polinizadores e falhou em repro- duzir-se. Em quatro dos dez anos, nenhuma das orquídeas chegou a reproduzir-se. Portanto, o fator ecológico determinante da variação no sucesso reprodutivo em orquídeas é a disponibili- dade ou a necessidade de insetos polinizadores. Se os insetos polinizadores não são necesários, todas as orquídeas na população produzem um número similar de frutos. Porém, se os insetos polinizadores são necessários e escassos, devido ao modo como a orquídea os "engana", so- mente uma pequena minoria de indivíduos pode ser bem-sucedida em sua reprodução. Os polinizadores são um fator essencial para as orquídeas; mas, em outras espécies, outros fatores irão operar e estudos ecológicos são necessários para revelar porque alguns indivíduos são mais bem-sucedidos reprodutivamente do que outros. Os resultados da Figura 4.8 mostram a quantidade de variação reprodutiva entre os adul- tos que existem em uma população, mas essa variação é apenas para o componente final do ciclo de vida. Antes disso, os indivíduos diferem em sobrevivência e uma tabela de vida, como a Tabela 4.1, no início deste capítulo, quantifica essa variação. Uma descrição completa da variação do sucesso de uma população ao longo de toda a vida combinaria a variação de sobre- vivência, da concepção até a vida adulta, e a variação do sucesso reprodutivo dos adultos. Exemplos como o do HIV ou do salmão rosado mostram que a seleção natural é capaz de operar, mas deixam em aberto as questões de quão freqüentemente e sobre qual proporção das espécies ela opera em populações naturais. Poderíamos, teoricamente, descobrir o quan- to a seleção natural é difundida contando a freqüência da aplicação simultânea de todas as quatro condições na natureza. Porém, isso seria, no mínimo, um trabalho bastante árduo. As evidências de variações em caracteres fenotípicos e de competição ecológica sugerem que as precondições necessárias para que a seleção natural atue são bastante difundidas, ou até, Evolução | 117 provavelmente, universais. Sempre que isso foi investigado, foram encontradas variações em caracteres fenotípicos e competição ecológica nas populações. De fato, você não precisa ser um biólogo profissional para conhecer algo sobre variação e luta pela sobrevivência. Esses são dois aspectos quase óbvios da natureza. È logicamente possível que o sucesso reprodutivo de um indivíduo varie em todas as populações, da maneira representada na Figura 4.8, mas que a seleção natural não atue sobre qualquer uma delas porque a variação no sucesso reprodutivo não está associada a qualquer caráter herdável. Entretanto, embora logicamente possível, isso não é ecologicamente provável. Em quase to- a seleção j g g a s espécies, uma grande proporção dos indivíduos está condenada a morrer. Qualquer vavelménte atributo que aumente a chance de sobrevivência, de um modo que poderia nos parecer trivial, age em po- provavelmente resultará em uma aptidão superior à média. Qualquer tendência dos indivídu- turais^odíTo o s a c o m e t e r e m erros, que aumentem levemente seus riscos de vida, resultará em redução da tempo aptidão. Da mesma forma, depois de um indivíduo ter sobrevivido até a idade adulta, haverá várias maneiras pelas quais os seus atributos fenotípicos poderão influenciar a sua chance de sucesso reprodutivo. A luta pela sobrevivência e a variação fenotípica são ambas condições universais na natureza. Portanto, é provável também que a variação em aptidão associada a alguns daqueles caracteres fenotípicos seja igualmente bastante comum. Este não é um argu- mento de certeza, mas sim de plausibilidade: não é logicamente inevitável que, em uma po- pulação apresentando variação (herdável) em um caráter fenotípico, haja também associação entre o caráter variante e a aptidão. Mas, se houver, a seleção natural irá agir. 4.7 Nova variação é gerada por mutação e recombinação Mudanças evolutivas de longo prazo ne- cessitam de um aporte de variação nova Ela vem da recombina- ção... ...e da mu- tação As variações existentes em uma população são os recursos sobre os quais a seleção natural opera. Imagine uma população evoluindo para um tamanho corporal maior. Para começar, há variação e o tamanho médio pode aumentar. Entretanto, a população poderia somente evoluir dentro de uma quantidade limitada, se o disponível para a atuação da seleção natural fosse apenas a variação inicial; logo se chegaria ao limite da variação disponível (Figura 4.9a). Em populações humanas, por exemplo, a altura não vai muito além dos 8 pés (2,4 m). A evo- lução de seres humanos para alturas superiores a 8 pés seria impossível, caso a seleção natural tivesse apenas a variação correntemente disponível como substrato para a sua atuação. A evolução da origem da vida até o nível da moderna diversidade deve ter exigido mais variação do que a que existia na população original. De onde veio essa variação adicional? A recombinação (em populações sexuais) e a mutação são as duas respostas principais. A medida que uma população evolui no sentido de indivíduos com maior altura, os genótipos codificando tamanho corporal maior aumentam em freqüência. No estágio inicial, a maior altura era rara, podendo haver apenas um ou dois indivíduos possuindo genótipos para tama- nho corporal grande. A maior probabilidade seria a de que eles se reproduzissem com indi- víduos próximos do tamanho médio para a população, produzindo uma progênie com altura menos extrema. Mas, à medida que os genótipos para grande tamanho corporal tornam-se a média, passa a ser mais provável a reprodução entre esses indivíduos de maior altura e a produção de novos genótipos codificando um tamanho corporal ainda maior. A medida que a evolução prossegue, a recombinação entre os genótipos existentes gera uma nova gama de variações (Figura 4.9b). A mutação também introduz novas variações. O Capítulo 2 (Tabela 2.2, p. 47) apresenta alguns valores típicos de taxas de mutação. A evolução excepcionalmente rápida da resistên- cia a drogas no HIV ocorre não somente em função da tremenda força seletiva imposta pela própria droga (a qual efetivamente esteriliza o vírus), mas também porque as populações virais são extremamente grandes — mesmo em um único ser humano —, se reproduzem rapidamente 118 | Mark Ridley (a) Sem nova variação genética Tamanho corporal Tamanho corporal Tamanho corporal Tempo (b) Introdução de nova variação genética Tamanho corporal Tamanho corporal Tamanho corporal Figura 4.9 A seleção natural produz evolução agindo sobre a variação existente na população, (a) Na ausência de nova variação, a evolução logo atinge o limite da variação existente e pára. (b) Entretanto, a recombinação gera nova variação à medida que as freqüências dos genótipos mudam durante a evolução. A evolução pode então prosseguir além da gama de variação inicial. e apresentam uma taxa de mutação relativamente elevada.Considere alguns dados ilustrati- vos. Em um paciente com AIDS médio, pelo menos IO12 novos indivíduos com HIV são ge- rados diariamente. O vírus tem uma extensão de aproximadamente IO4 nucleotídeos e possui uma taxa de mutação de aproximadamente uma a cada IO4 nucleotídeos. Cada novo vírus contém uma média de aproximadamente uma mutação. Com um aporte diário de IO12 vírus novos, podemos estar certos de que cada posição ao longo da extensão de IO4 nucleotídeos do vírus sofrerá mutação a cada dia em um paciente com AIDS. Na realidade, cada mutação nucleotídica individual possível ocorrerá muitas vezes mais, juntamente com a maioria das combinações possíveis de mutação em dois nucleotídeos. Considerando que a resistência à 3TC requer a troca de apenas um aminoácido, podemos ver que a seleção natural se constitui em uma força oponente extremamente poderosa contra a terapêutica humana baseada em uma única droga. Uma combinação de várias drogas é necessária para superar a população de HIV evolutivamente ativa. A mutação introduz menos variação em outras formas de vida que possuem populações de menor tamanho, taxas reprodutivas mais baixas e menores taxas de mutação. Mas, em todas as espécies, a mutação é uma fonte abundante de novas variações, fornecendo a matéria-prima para as mudanças evolutivas. 4.8 As variações criadas por recombinação e mutação são aleatórias em relação à direção da adaptação Uma propriedade básica do darwinismo determina que a direção da evolução, especialmen- te da evolução adaptativa, está dissociada da direção da variação. Ao ser criado um novo
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