Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
0 CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS JÉSSICA DE MELLO DONDONI SEGURANÇA AMBIENTAL: O CASO DAS ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS NA AMÉRICA DO SUL COMO OBJETO DE ANÁLISE DE SEGURANÇA INTERNACIONAL Porto Alegre 2017 1 JÉSSICA DE MELLO DONDONI SEGURANÇA AMBIENTAL: O CASO DAS ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS NA AMÉRICA DO SUL COMO OBJETO DE ANÁLISE DE SEGURANÇA INTERNACIONAL Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao Curso de Graduação em Relações Internacionais, do Centro Universitário Ritter dos Reis como requisito parcial para a obtenção do título Bacharel em Relações Internacionais. Orientadora: Profa. Me. Naiane Cossul Porto Alegre 2017 2 AGRADECIMENTOS Agradeço à Deus por ter concluído essa linda e importante jornada, que contempla os anseios de meus ideais que estão vinculados às necessidades globais, na certeza de que um outro mundo é possível. Agradeço às pessoas que iluminaram os meus caminhos propiciando estabilidade e alegria ao meu caminhar. Agradeço aos meus familiares, amigas e amigos especiais, alguns mesmos distantes, estiveram próximos torcendo e aplaudindo pelas minhas realizações e conquistas na vida acadêmica. Agradeço aos amigos Júlio Azambuja e Lia Veiga, pela participação que tiveram durante as minhas tensões acadêmicas, amigos especiais que me fortaleceram e foram parceiros de chimarrão, café e de boas gargalhadas, que foram vitais diante de tantos familiares que perdi nestes dois últimos anos. Agradeço o carinho e a parceria de profissionais do Meio Ambiente que durante as minhas jornadas de trabalho foram grandes amigos, em especial as biólogas Maria Carmen Bastos e Patrícia Witt que me capacitaram como eco educadora e contribuíram com informações para minha incessante pesquisa e análise junto as Espécies Exóticas Invasoras, que a partir de agora ampliam-se as possibilidades das ações de forma global e com objetivos mais abrangentes. Agradeço a UniRitter por me receber através do Programa PROUNI, o qual me enche de orgulho por levar educação à diversos níveis sociais, especialmente aos mais carentes. Agradeço a Empresa Júnior da UniRitter que deu início ao projeto da ONG Agave e Cia que poderá colaborar com soluções para a problemática deste meu objeto de pesquisa. Agradeço a UNIPAMPA e aos colegas que fizeram parte da Delegação do Paraguai pela Menção Honrosa de melhor projeto de capacidade técnica e financeira, no qual simulamos a instalação de uma usina de etanol na região do Chaco paraguaio, a partir de uma espécie exótica invasora. Relações Internacionais é um curso lindo, abrangente e profundo, mexe com nossos valores, ideais, conceitos e visão de mundo. Agradeço a todos professores e mestres responsáveis pela minha formação e aos meus colegas de curso pelo carinho e a atenção recebida que ficarão guardados em meu coração. Agradeço especialmente aos Mestres Clarice Paim, Danilo Navarro, Denise de Rocchi, Fernanda Barasuol, Giovana Freitas, Jorge Vanin, Joséli Gomes, Rodrigo Corradi, Marc Deitos, Marcos Ibias e Thomaz Santos que tiveram uma participação essencial à minha formação e que para mim sempre serão referência. No decorrer deste curso fiquei procurando em cada professor e professora o perfil de quem seria meu orientador ou orientadora, já quase no final do curso, contrataram a pessoa certa na hora certa, a minha querida e a mais perfeita orientadora, a Profa. Naiane Cossul, que acertou na indicação das bibliografias e acreditou na minha causa. 3 À minha mãe Ieny e aos meus filhos Marcus Vinícius e Marco Aurélio, com muito amor. Ao meu amigo jornalista Jorge Antônio Barros, na esperança de um maior comprometimento da imprensa nesta questão. In memoriam ao meu pai Odilon, ao meu padrinho, às minhas tias Anita e Marlene e ao meu primo Sérgio Luiz. 4 RESUMO Esta monografia objetiva analisar o caso das Espécies Exóticas Invasoras como objeto de análise em segurança internacional com base nas diretrizes da Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, constituída pela necessidade de controlar, monitorar e erradicar as espécies da fauna e flora que avançam aceleradamente pelos territórios, atravessando fronteiras e gerando prejuízos que afetam os Estados. Espécies Exóticas Invasoras são a segunda maior causa da perda de biodiversidade a nível global e as consequências de suas invasões ameaçam não somente a economia, mas os diversos setores que promovem o desenvolvimento de um Estado. A América do Sul é o espaço escolhido para esta análise, em especial a região fronteiriça, declarada como principal meio de dispersão destas espécies, onde serão pesquisados os registros destas invasões e as possíveis soluções. No primeiro capítulo discute-se a evolução das teorias de segurança internacional e suas aplicações à segurança ambiental, observando como as Espécies Exóticas Invasoras podem ser analisadas sob a ótica securitária. No capítulo 2 serão observados elementos históricos e as ocorrências desta problemática na América do Sul. Já no capítulo 3 serão analisadas as possibilidades de contenção dessas ameaças por meio da inclusão dos recursos e insumos gerados a partir das medidas de erradicação declaradas na Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras e das experiências existentes que poderão servir de referência para iniciativas inovadoras. As conclusões desta pesquisa partem da ótica das teorias de segurança internacional da Escola de Copenhague e das teorias de integração regional que colaboram com as diretrizes do plano de contingência dando maior visibilidade ao direcionamento das ações, incentivando o desenvolvimento sustentável da América do Sul. Palavras-chave: Espécies Exóticas Invasoras. Segurança ambiental. Segurança internacional. Desenvolvimento sustentável. 5 ABSTRACT This monograph aims to analyze the guidelines of the national strategy on exotic and invasive species, constituted by the need to control, monitor and eradicate flora and fauna invasive alien species that are advancing rapidly through the territories, crossing borders and producing losses that affect the national and international security. Exotic invasive species are the second major cause of biodiversity loss globally and the consequences of their invasions threaten not to only the economy, but the various sectors that promote the development of a State, because of that will be searched the records of these invasions, so that the severity of this invasion can be understood and define it through its threats and vulnerabilities as a environmental safety connected to international security. South America is the territory chosen for this analysis, especially the border region, declared as the main means of dispersion of these species, where they will be searched the records of these invasions and possible solutions. The first chapter discusses the evolution of international security theories and their applications to environmental security, observing how invasive alien species can be analyzed from a security perspective. In chapter 2, historical elements and the occurrences of this problem will be observed in South America. Than chapter 3 will analyze the possibilities of containment of these threats through the inclusion of the resources and inputs generated from the eradication measures declared in the National Strategy on Species and existing experiencesthat could serve as a reference for innovative initiatives. The conclusions of this research are analyzed from the perspective of the international security theories of the Copenhagen School and the theories of regional integration that collaborate with the guidelines of the contingency plan giving greater visibility to the direction of the actions, encouraging the sustainable development of South America. Keywords: Invasive alien species. Environmental safety. International security. Sustainable development. 6 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Impacto nos Setores ........................................................................... 18 Tabela 2: Os Princípios das Ameaças ao Meio Ambiente Global ......................... 24 Tabela 3: Os Elementos da Institucionalização ................................................... 43 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ALT - Autoridad Binacional Autónoma del Sistema Hídrico del Lago Titicaca ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários BWM - Ballast Water and Sediments CDB - Convenção à Biodiversidade Biológica CEEI - Comité de Especies Exóticas Invasoras CONABIO - Comissão Nacional sobre Biodiversidade COP – Conferência das Partes COTAMA - Comisión Técnica Asesora de la Protección del Medio Ambiente COPRI - Copenhagen Peace Research Institute COSAVE - Comitê Regional de Sanidade Vegetal COSIPLAN - Conselho Sul-americano de Infraestrutura e Planejamento E.E.I. - Espécies Exóticas Invasoras EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ENEEI - Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras FUEDEI - Fundación para el Estudio de Especies Invasivas ESI - Estudos de Segurança Internacional EPE - Empresa de Pesquisa Energética EPI – Economia Política Internacional FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations GEF - Global Environment Facility GISP - Global Invasive Species Programme 8 GISD - Global Invasive Species Database ISSG – Invasive Species Specialist Group IUCN – International Union for Conservation of Nature IABIN – Invasive Information Network IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis MERCOSUL - Mercado Comum do Sul MMA - Ministério do Meio Ambiente ONU - Organização das Nações Unidas PIB - Produto Interno Bruto PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PPA - Plano Pluri-Anual SIAM - Sistema de Informação Ambiental do Mercosul SISFRON - Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras SENASA - Servicio Nacional de Sanidad y Calidad Agroalimentaria SMAMS – Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade de Porto Alegre SPS - Application of Sanitary and Phytosanitary Measures UNASUL - União das Nações Sul-americanas 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1. A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DE SEGURANÇA INTERNACIONAL APLICADAS À SEGURANÇA AMBIENTAL ............................................................ 13 1.1 A Evolução dos Estudos de Segurança Internacional ...................................... 13 1.2 Os Setores de Segurança da Escola de Copenhague, a Teoria das Forças Motrizes e a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras ................... 16 1.3 Segurança Ambiental e as ameaças provocadas pelas Espécies Exóticas Invasoras ............................................................................................................... 22 2. O CASO DAS ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS ........................................... 27 2.1 A história e os efeitos da Globalização ............................................................ 27 2.2 A situação nos Estados da América do Sul ..................................................... 29 2.3 Regiões fronteiriças ......................................................................................... 34 3. POSSIBILIDADES PARA A CONTENÇÃO DA AMEAÇA: UMA ANÁLISE DE SOLUÇÕES PARA O USO DAS EEI ....................................................................... 38 3.1 Desenvolvimento local e sustentabilidade ....................................................... 38 3.2 Políticas Públicas ............................................................................................. 41 3.3 Cooperação ..................................................................................................... 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 48 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 54 ANEXO ..................................................................................................................... 59 10 INTRODUÇÃO O objetivo desta pesquisa é analisar a problemática das Espécies Exóticas Invasoras (E.E.I.) na América do Sul, como estudo de caso em segurança internacional. Espécies Exóticas Invasoras são a segunda maior causa de ameaça à biodiversidade mundial. Por esta razão a Convenção à Diversidade Biológica (CDB) criou diretrizes para conter as ameaças que atingem os setores políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. A CDB foi criada sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU), durante a ECO 92 e foi assinada por 175 países1, entrando em vigor em 29 de dezembro de 1993. A partir desta convenção, que impõe normativas e regras com o objetivo de controlar, manejar e erradicar a invasão destas espécies, alguns países membros criaram planos de contingência, denominados de Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras (ENEEI). A ENEEI do Brasil, anexa na seção final dessa pesquisa, tem o seguinte objetivo declarado: Prevenir e mitigar os impactos negativos de Espécies Exóticas Invasoras sobre a população humana, os setores produtivos, o meio ambiente e a biodiversidade, por meio do planejamento e execução de ações de prevenção, erradicação, contenção ou controle de Espécies Exóticas Invasoras com a articulação entre os órgãos dos Governos Federal, Estadual e Municipal e a sociedade civil, incluindo a cooperação internacional (BRASIL, 2009). No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente junto à Comissão Nacional de Biodiversidade (CONABIO), em parceria com o Instituto Hórus e com o Programa Global de Espécies Exóticas Invasoras (GISP) declaram que uma espécie invasora é uma espécie introduzida que avança, sem assistência humana, e ameaça hábitats naturais ou seminaturais fora do seu território de origem, causando impactos econômicos, sociais e ambientais, além de riscos à saúde humana. Desta forma, atendendo as normativas impostas pela CDB, criaram a ENEEI que descreve as necessidades para execução desse plano de contingência, destacando a cooperação internacional e a promoção pública para o controle, redução e erradicação destas espécies. Esta pesquisa também busca colaborar com a construção do acordo de cooperação e projetos de desenvolvimentos sustentáveis, conforme necessidades descritas e estabelecidas na Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras. 1 Nem todos os países que assinaram o acordo o ratificaram, pois, uma minoria entende que outros acordos e normativas contemplam esta problemática e que de certa forma se divergem. Até o momento cerca de 170 países ratificaram.11 A área limítrofe de estudo será a região da América do Sul pela sua posição geográfica e características, onde será dado ênfase à região fronteiriça, em razão da maior incidência de invasão destas espécies, dos conflitos e problemas específicos existentes nesta região. Se uma E.E.I. for introduzida e se estabelecer, a medida adequada é erradicar os organismos imediatamente (Princípio 13 da Declaração do Rio, no preâmbulo da CDB). Desta forma, surge um novo insumo a partir desta erradicação e com base na teoria schumpeteriana2, torna-se possível uma nova cadeia produtiva. Algumas experiências já estão sendo realizadas neste âmbito e serão compartilhadas no capítulo 3 desta pesquisa. Os objetivos específicos deste trabalho científico são: i) investigar quais as principais ações que deslocaram estas espécies de suas regiões e quais os atores e setores envolvidos; ii) como os Estados estão solucionando esta problemática à partir do próprio uso destes recursos naturais; iii) de que forma a educação ambiental e as políticas públicas poderão servir de soft power3 para os problemas existentes; e iv) quais os acordos e tratados já existentes e como os blocos regionais tem administrado esta questão na América do Sul. Estes objetivos serão analisados sob a ótica da teoria das Forças Motrizes de Barry Buzan, pertencente à Escola de Copenhague, que de forma abrangente analisa os setores econômicos, societais e ambientais, além dos setores políticos e militares, como fatores determinantes da segurança internacional. Este trabalho será apresentado em três capítulos. No primeiro discute-se o referencial teórico, a apresentação da Escola de Copenhague e os principais motivos que contribuíram com a evolução dos estudos de segurança internacional, onde através de sua abrangência e profundidade foi possível identificar e analisar o objeto de estudo desta pesquisa. As relações internacionais, através de seus vários segmentos, sempre foram um meio de dispersão de Espécies Exóticas Invasoras. Para que se possa valer das contribuições das Relações Internacionais para construção de um acordo de cooperação internacional, com base nas teorias de 2 A expressão Schumpteriana, neste caso, tem a intenção de justificar uma ação empreendedora e inovadora no uso e aproveitamentos dos insumos gerados a partir da extração das espécies exóticas invasoras. 3 Soft power é o poder de obter que outras pessoas desejem o que um Estado quer através da atração ao invés da coerção. Conforme Joseph Nye este poder de atração está vinculado a três recursos: aos culturais, quando possuem locais atraentes para os outros, aos valores políticos, quando são aceitáveis tanto no doméstico como no exterior e a sua política externa quando é vista como legítima e tem autoridade moral (NYE, 2004). 12 integração regional, direcionado ao controle e erradicação destas espécies e ao aproveitamento destes recursos para o desenvolvimento regional, nos capítulos 2 e 3, será apresentado como estas espécies são uma nova ameaça que impacta os Estados e que os mesmos precisam, através da cooperação, buscar soluções para esta questão. (...) exótica ou introduzida é qualquer espécie proveniente de um ambiente ou de uma região diferente. Algumas vezes esta definição coincide com as fronteiras políticas de um país e neste caso uma espécie é considerada exótica se trazida do exterior. Este conceito é adequado para o estabelecimento de políticas e regulamentações, mas comporta restrições importantes do ponto de vista do manejo de invasões biológicas, porque a movimentação de espécies dentro de um país pode constituir um problema tão sério quando a importação de novas espécies (GISP, 2003). Esta é uma pesquisa aplicada, exploratória, explicativa e descritiva, que utiliza uma abordagem quali-quantitativa para apresentação de seus resultados, a partir do estudo de caso referente à problemática das Espécies Exóticas Invasoras, que se destaca pelo seu ineditismo junto a academia, tendo como fonte primária a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, com base na Convenção sobre Diversidade Biológica realizada junto a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente em 1992. Serão usados como fonte secundária, livros, documentos oficiais, artigos científicos, jornais e demais documentos que se fizerem necessários. Sabendo-se que é possível identificar, através de pesquisas bibliográficas, quais os possíveis usos de cada espécie, e que as listas de E.E.I. são divulgadas obrigatoriamente pelos organismos ambientais governamentais e entendendo que estas espécies devem ser controladas, extraídas e erradicadas, pode-se assim pensar na criação de novas fontes de trabalho e renda a partir dos serviços necessários destacados na Diretriz 7.1 da ENEEI quanto a formação do corpo técnico. Espécies invasoras ocorrem em todos principais grupos taxonômicos, incluindo vírus, fungos, algas, musgos, samambaias, plantas superiores, invertebrados, peixes, anfíbios, répteis, pássaros e mamíferos, diante desta diversidade e da quantidade de espécies existentes em cada grupo, serão analisadas as possibilidades de inclusão destes recursos e insumos na otimização do desenvolvimento regional, a partir das medidas de erradicação declaradas na Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras e das experiências existentes que poderão servir de referência para iniciativas inovadoras. 13 1. A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DE SEGURANÇA INTERNACIONAL APLICADAS À SEGURANÇA AMBIENTAL 1.1 A Evolução dos Estudos de Segurança Internacional Este trabalho está fundamentado numa perspectiva teórica abrangente formulada pela Escola de Copenhague que visa desenvolver um conjunto de conceitos e quadros analíticos que viabilizam a análise de segurança internacional no cenário contemporâneo, de ameaças complexas. Adota-se aqui, especificamente a teoria de Barry Buzan que defende que os estudos de segurança deveriam incluir as ameaças derivadas dos setores econômico, político, societal e ambiental, além do militar, mantendo o Estado como unidade principal de análise. A Escola de Copenhague foi criada em 1985 com a finalidade de promover estudos para paz, devido a necessidade de se ter uma política de segurança genuinamente europeia, pois a manutenção da ordem pós-Guerra Fria havia se tornado perigosa a nova postura dos Estados Unidos. A Copenhagen Peace Research Institute (COPRI), nome oficial da Escola de Copenhague, é referência na área de segurança internacional e redefine o conceito de segurança e seus limites teóricos utilizados nas Relações Internacionais. Para melhor entender como se chegou a esta abrangência, no conceito de segurança internacional, e como evoluíram os Estudos de Segurança Internacional (ESI), é necessário observar as transformações históricas ocorridas em diferentes períodos, marcados por modelos e comportamentos do Estado, de indivíduos e comunidades que passaram a ser analisados nos ESI. Nesta seção serão descritos alguns tópicos que estão relacionados com a evolução do conceito de segurança internacional e sua abrangência e que de forma empírica se correlacionam com a problemática do estudo de caso a ser analisado. A referência histórica inicia na transição do Estado Medieval, que era baseado no princípio da subordinação hierárquica, constituído pelos poderes políticos e religiosos, representados pela igreja e pelo império, para o Estado Moderno, representado por um governante, período marcado pelo estabelecimento das fronteiras, a constituição de um exército permanente para garantir as decisões do governo e a formaçãodo Estado territorial soberano. O medo e a insegurança assolavam a sociedade, período em que Thomas Hobbes descreve sobre o estado natural, sendo o medo, definido por ele, como sendo 14 o sentimento mais intenso da alma. Esse medo gerou na sociedade a necessidade de proteção e segurança do Estado, período em que surge o Contrato Social. Hobbes descreve que a natureza humana é uma natureza de conflitos, solitária, pobre, cruel, cheia de medos e que por medo fazemos mal aos outros (HOBBES, 1651). Nesta época o comércio de especiarias e das grandes navegações foram responsáveis por carregarem em seus porões uma das mais aterrorizantes Espécies Exóticas Invasoras, o rato preto (Rattus rattus), transmissor da peste negra (peste bubônica) que foi responsável por cerca de 200 milhões de mortes na Idade Média, atingindo dois terços da população europeia (GISP, 2003). O Estado soberano tornou o território mais significativo, despertando o sentimento de nacionalismo que aumentou a ênfase na igualdade dentro do Estado, o senso de identidade, comunidade, pertencimento e compartilhamento de uma identidade social, cultural e política. Os realistas privilegiam a segurança dos Estados e entendem a segurança de modo amplo pelo uso da força militar, mas também prestam atenção a uma série de outras questões e capacidades, inclusive a coesão interna, que podem impactar na capacidade do Estado de projetar força militar (BUZAN; LENE, 2012, p. 63). As guerras religiosas assombravam a Europa, a Paz de Westfália, que surgiu após uma sequência de tratados, é considerada o momento fundador em que os Estados decidiram não mais interferir nas escolhas religiosas um dos outros, pré- condição para se criar a estabilidade e a ordem internacional, surgindo, desta forma, o moderno Sistema Internacional. Após a Revolução Norte-Americana (1775-1783) e a Revolução Francesa (1789-1799) percebeu-se o quanto era inseguro e o quanto ameaçava a segurança o desalinhamento entre a nação e o Estado e também a segurança individual e segurança grupal-societal quando as pessoas se tornam inseguras por seus próprios Estados (BUZAN; LENE, 2012, p. 63). No período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o realismo das Relações Internacionais, especialmente dos Estados Unidos, assumiu formas cada vez mais teóricas. As teorias de segurança tentam explicar o comportamento do Estado, enquanto elas mesmas podem ter um impacto naquilo que tentam explicar (BUZAN; LENE, 2012). Durante a Guerra Fria (1947-1991), a maior parte dos tradicionais Estudos 15 Estratégicos, preocupava-se excessivamente com a bipolaridade e com a dissuasão nuclear. Os assuntos de segurança do Terceiro Mundo eram tratados apenas até o ponto em que eles tinham impacto nas relações com as superpotências. Após a Guerra Fria, percebeu-se a segurança com um caráter mais descentralizado e regionalizado. Assim, os Estudos de Segurança Internacional foram fundados nos Estados Unidos e a maior parte da literatura sobre Guerra Fria convencional foi conduzida por uma agenda política da grande potência norte-americana. Parte da história dos ESI é a evolução das distintas abordagens, a interação entre um conjunto de forças internas e externas que explicam essa evolução a partir de diferentes eventos que perdem o sentido da análise positivista norte-americana e que exige propostas epistemológicas de causa-efeito. Esse comportamento analítico, conhecido como cientificismo, foi posteriormente rejeitado nas escolas Inglesa e de Copenhague. Premissas de racionalidade entrelaçam com níveis de decisões analíticas. As teorias estruturais e o neorrealismo admitem uma concepção geral do Estado que se aplica em todo sistema internacional, cada um dos Estados nos mostram que o Estado sempre se comporta racionalmente, mas os que não fizerem serão punidos pela estrutura (BUZAN, 2012). Desta forma os regimes e tratados foram constituídos e posteriormente a integração regional através de suas Organizações Internacionais, criaram normas e regras na intenção de colaborarem com o desenvolvimento da inter- relação entre os Estados, através de diversos setores, entre eles o econômico, político, militar, social, cultural e ambiental, tendo como premissa a manutenção da paz. Da evolução desta racionalidade, entre o realismo e liberalismo, autores realistas e liberais se unem com o objetivo de estudarem as relações humanas como produtoras das relações entre os Estados, acreditando numa sociedade internacional socialmente construída, onde os seres humanos se relacionam sem intermédio das nações. Desta forma, nasce a Escola Inglesa valorizando o Direito Internacional, entendendo que o sistema internacional é composto por Estados que partilham as mesmas regras. As universalidades dos direitos individuais são defendidas e analisadas até os dias de hoje através da Pesquisa da Paz e dos Estudos Críticos de Segurança, a tradição idealista de pensamento defende que, se forem garantidos ao indivíduo as 16 possibilidades de segurança, liberdade e expressão própria, isto levará a ausência de conflito dentro das comunidades e entre as comunidades, considerando-se possível a segurança global (BUZAN et all, 2012). Na década de 70, o meio ambiente passou a ser assunto de interesse no sistema internacional, a partir da Conferência sobre Meio Ambiente Humano em Estocolmo, na Suíça, onde os dois temas de maior objetivo desta conferência foram o controle da poluição do ar e o controle do crescimento populacional. Posteriormente, em 82, foi criada a Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento e a partir desta esfera foi produzido o Relatório Nosso Futuro Comum, que definiu o conceito de desenvolvimento sustentável, tendo como tripé o desenvolvimento econômico, social e ambiental. Assim como os Estudos de Segurança Internacional e diversas outras teorias de Relações Internacionais, este conceito também evoluiu, e atualmente o conceito de desenvolvimento sustentável é holístico, envolvendo mais setores. Ainda neste mesmo período, nos anos 70, durante a Guerra Fria, os ESI e os Estudos de Política Internacional (EPI), surgiram como uma grande subárea das Relações Internacionais. De modo que a EPI reivindicava o lado cooperativo, de ganhos conjunto da matéria, enquanto que o ESI reivindicava o lado conflituoso de ganhos relativos (BUZAN; LENE, 2012, p. 104) Diante das ocorrências históricas, aqui destacadas, observam-se diferentes fatores e setores responsáveis pelos conflitos existentes no cenário internacional. Desta forma, percebendo que o realismo não conseguiu manter a ausência de guerra, em análise ao comportamento entre as potências russa e estadunidense durante a Guerra Fria, interessados em uma maior abrangência e aprofundamento dos estudos de segurança e em defesa de que vários setores seriam responsáveis pela segurança internacional, não apenas os políticos e militares, nasce a Escola de Copenhague. 1.2 Os Setores de Segurança da Escola de Copenhague, a Teoria das Forças Motrizes e a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras A presente problemática das E.E.I. acaba abrangendo os setores de segurança sob a ótica da Escola de Copenhague, defendidos por Buzan, no momento em que as consequências destas invasões passam a trazer prejuízos econômicos, danos à saúde humana e à biodiversidade, a partir da forma com que estas espécies são introduzidas e da forma como elas se estabelecem. 17 Segundo Buzan as ameaças políticas derivam de contradições organizacionais entre os Estados. Estas ameaças, no caso das E.E.I., são caracterizadas no momento emque um Estado não controla a invasão em seu território e passa a ameaçar a política organizada de outro Estado que tem como objetivo o controle destas espécies. A segurança no setor societal refere-se a situações que ameaçam a identidade de uma sociedade. A soma das condições e das atividades humanas também podem ser ameaçadas pela invasão das E.E.I., no momento em que estas podem destruir a paisagem existente, invadindo os espaços das espécies nativas que podem estar vinculadas diretamente a cultura, a identidade e aos costumes (artesanato, agricultura, etc.) característicos de uma sociedade. Nesta base, podemos concluir que no sistema internacional contemporâneo, segurança societal se refere à habilidade de uma sociedade de permanecer com suas características essenciais sob condições mutáveis e ameaças possíveis. Especificamente, é sobre a sustentabilidade dentro de condições aceitáveis para a evolução de padrões tradicionais de língua, cultura, associação, identidade e costumes religiosos e nacionais [...] segurança societal se refere a situações em que sociedades percebem a ameaça em termos de identidade (WÆVER et alii, 1993, p.23). Wendt, em Social Teory of International Politics, defende que “a sociedade civil é constituída a partir de ideais e valores por ela construído” e também afirma que, “a cultura é o que os agentes fazem dela”, desta forma um Estado pode influenciar na cultura de inimizade, rivalidade ou de amizade entre outros Estados, a partir da cultura que um Estado adota ou costuma usar, podendo afetar nas relações internacionais, comprometendo desta forma a segurança internacional (WENDT, 1999). A Escola de Copenhague adverte que não se deve separar o setor político do econômico, pois “A insegurança econômica constituirá ameaça no momento em que ultrapassar a esfera econômica, estendendo-se para as esferas política e militar” (BUZAN, 1991). De acordo com os estudos realizados a nível global, declarados no documento oficial de Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, as perdas anuais decorrentes do impacto dessas espécies em culturas agrícolas, pastagens e florestas, ultrapassam US$1,4 trilhões, aproximadamente 5% do PIB mundial. “Estima-se que no Brasil este custo possa ultrapassar os US$ 100 bilhões anuais” (BRASIL, Ministério do Meio Ambiente, 2009), diante destes dados percebe- se uma ameaça ao setor econômico. Na questão de segurança ambiental, os autores da Escola de Copenhague sustentam que neste setor, as questões costumam ser tratadas como problema local, 18 mesmo que um problema local possa ser uma ameaça global e que neste setor, também existem dois tipos de agenda contraditória, que são a agenda governamental e científica (TANNO, 2002). Silvia Ziller, Fundadora e Diretora Executiva do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental e Coordenadora do Programa de Espécies Invasoras para a América do Sul, The Nature Conservancy, esclarece que: Poucos países do mundo já tomaram medidas concretas para prevenir a expansão de Espécies Exóticas Invasoras. A América do Sul precisa aprender dessas experiências. Os países precisam agir com rapidez para impedir novas introduções de espécies de risco, adotando protocolos de análise de risco que incluem parâmetros ambientais, estabelecendo sistemas de prevenção eficientes, criando capacidade para responder com rapidez à detecção precoce de espécies e desenvolvendo marcos legais e políticas públicas para tratar de problemas e soluções em sistemas naturais e de produção. Esses esforços levarão à melhores resultados positivos se forem ligados a um trabalho de conscientização pública em todos os níveis, atingindo desde o público leigo até a área científica (GISP, 2005). Para uma melhor compreensão e visualização, a tabela abaixo apresenta a problemática referente às Espécies Exóticas Invasoras e suas ameaças aos respectivos setores da segurança internacional sob a ótica da teoria da Escola de Copenhague: Tabela 1: Impacto nos Setores SETORES Condições que impactam os setores Militar Os prejuízos econômicos causados pelos danos ambientais decorrentes das espécies exóticas, ameaçam o setor econômico e consequentemente os demais setores, inclusive o setor militar. Conforme declarado na Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, o combate à estas espécies necessitam da cooperação militar, para o controle e monitoramento, especialmente nas regiões fronteiriças onde ocorrem as maiores incidências. Econômico As perdas anuais decorrentes do impacto dessas espécies em culturas agrícolas, pastagens e florestas, ultrapassam US$1,4 trilhões, aproximadamente 5% do PIB mundial, estima-se que no Brasil este custo ultrapassa os US$ 100 bilhões (BRASIL, MMA, 2009). Político No momento em que um Estado mantém o controle sobre as E.E.I. e outro Estado fronteiriço não o faz, as espécies exóticas invadem as fronteiras causando prejuízos nos países vizinhos, 19 tendo este que alterar suas leis domésticas para que não sofra penalidades junto aos regimes internacionais. Conforme Buzan, as ameaças políticas, derivam de contradições organizacionais entre os Estados. Societal As consequências vão além da disponibilidade de recursos financeiros para resolver esses problemas. A segurança no setor societal refere-se a situações que ameaçam a identidade de uma sociedade (BUZAN, 1991). A soma das condições e das atividades humanas também podem ser ameaçadas pela invasão das E.E.I., no momento em que estas podem destruir a paisagem existente, invadindo os espaços das espécies nativas que podem estar vinculadas diretamente a cultura, a identidade e aos costumes (artesanato, agricultura, alimentação, etc.) característicos de uma sociedade (WÆVER et alii, 1993, p. 23). Ambiental Invasões biológicas causam impactos de longo prazo que podem levar à extinção de espécies. A invasão de espécies exóticas são a segunda maior causa de destruição da biodiversidade do planeta (BRASIL, 2009). Com base nos autores da Escola de Copenhague, este é um problema local que passa a ser uma ameaça global e que neste caso, a agenda governamental e científica, precisam andar juntas. Fonte: Elaborado pela autora O fator central para análise de segurança é compreender o processo pelo qual as ameaças se manifestam como problemas de segurança, na agenda política, pois nem tudo pode virar segurança, porque nem todas as questões políticas recebem a mesma prioridade e “importância de segurança” (BUZAN et al, 1998, p. 24). Uma das análises realizada junto aos Estudos de Segurança Internacional e que também tem colaborado com a sua evolução e abrangência, é a análise feita através da teoria das Forças Motrizes e a interação entre elas. Com base nesta teoria, as mesmas forças motrizes que movimentam a guerra são capazes de contê-la. As cinco forças motrizes destacadas por Buzan como categorias analíticas são: a política das grandes potências, a tecnologia, os eventos essenciais, a dinâmica interna dos debates acadêmicos e a institucionalização. Estas forças motrizes podem ser facilmente identificadas junto a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, podendo desta forma colaborar e facilitar a compreensão sobre o cenário e os atores que compõem os estudos estratégicos de controle e monitoramento destas espécies que ameaçam a segurança mundial. 20 A política das grandes potências é caracterizada pelo poder e pelos movimentos e não-movimentos dos Estados líderes, onde também são estudadas a distribuição de poder, os padrões de amizade e inimizade, o grau de envolvimento e intervencionismo entre eles e suas disposições societais específicas para os níveisde segurança (BUZAN, 2012, p. 93 e 96). Nesta categoria também são analisadas as implementações do “poder brando” e do “poder de cooptação” (NYE, 1990), o que será analisado no capítulo 2, como possibilidade de o Brasil ser referência no combate a invasão de E.E.I, principalmente através de ações junto a região fronteiriça, conforme sugere a Estratégia Nacional sobre E.E.I. Buzan destaca que uma grande potência deve mostrar ao menos os traços de um desejo de estar envolvida na política global (BUZAN; WAEVER, 2003). Esta categoria pode ser relacionada aos estudos da problemática das E.E.I, sendo a força motriz representada pela posição e relação do Brasil com os líderes mundiais, bem como a relação do Brasil com os demais Estados da América do Sul como referência regional para solucionar a invasão destas espécies, sendo o Brasil um dos principais responsáveis através de seus eventos. A tecnologia não precisa ser exclusivamente do tipo militar para ter impacto nos Estudos de Segurança Internacional (BUZAN, 2012, p. 98). Temos como exemplos a tecnologia da comunicação e a tecnologia nuclear, ambas podem ser de uso militar e civil, assim como as armas químicas e biológicas. No caso do meio ambiente, existe a ameaça tecnológica dos efeitos da industrialização que degradam o meio ambiente com seus avanços na área militar e civil, ao mesmo tempo em que possíveis ameaças e ações emergentes ao meio ambiente podem ser solucionadas através do avanço tecnológico de equipamentos militares. Modernos recursos tecnológicos pertencentes ao Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) do Comando do Exército, que atua nos 17 mil quilômetros da fronteira brasileira, apoia prontamente em ações de defesa ou contra delitos transfronteiriços e ambientais em cumprimento aos dispositivos constitucionais e legais, que atuam em condições isoladas ou em conjunto com as outras Forças Armadas ou em operações interagências com outros órgãos governamentais (BRASIL, 2017). Na categoria eventos, da mesma forma em que são examinados os eventos- chave junto aos Estudos de Segurança Internacional, podemos observar junto a problemática das Espécies Exóticas Invasoras, quais os eventos são mais 21 importantes, onde reside sua importância e como se deveria responder a eles (BUZAN, 2012, p 91). Esta categoria também direciona a atenção para inter-relação entre fatores internos e externos que interferem abertamente nos eventos mais significativos ocorridos constantemente nas relações internacionais, interferindo diretamente em todos os setores estudados dentro da Escola de Copenhague. No Capítulo 2 pode-se examinar as ocorrências que justificam esta inter-relação e interferência. Na dinâmica interna dos debates acadêmicos são encontradas dimensões significativas para a evolução dos ESI a partir dos debates sobre epistemologia, metodologia e a escolha do enfoque da pesquisa que conduzem as Ciências Sociais incluindo os ESI. Nesta força motriz, existe uma dicotomia entre o entendimento positivista rígido da teoria que prevalece nos Estados Unidos e o entendimento reflexivo mais brando encontrado amplamente na Europa (WAEVER, 1998). A maioria dos estudiosos acredita que esta competição entre as diferentes interpretações das coisas é essencial para a busca da compreensão. Os debates acadêmicos também são influenciados por desenvolvimentos em outras áreas acadêmicas, baseiam-se em importações significativas de outras disciplinas que impactam dentro dos estudos em termos de como a segurança deveria ser conceitualizada e como deveria ser analisada e também exportam para outras disciplinas avanços significativos (BUZAN et al, 2012, p. 102 - 104). Os ESI se constituem como uma área acadêmica, mas foi constituída em torno de questões políticas consideradas urgentes. A fronteira entre o acadêmico e o político é sempre muito tênue, o estudioso e o conselheiro, a autoridade científica e o defensor político. Nesta categoria, pode-se analisar de forma empírica, os estudos revelados referentes ao comportamento das E.E.I a partir dos eventos, das experiências e descobertas científicas de soluções, bem como a importação de outras disciplinas para a construção do planejamento estratégico e ações necessárias de controle e monitoramento destas espécies. A institucionalização pode ser vista por quatro elementos que se entrelaçam: estruturas organizacionais, financiamento, disseminação do conhecimento e redes de pesquisa (BUZAN, 2012, p. 107). Nesta categoria faz-se referência às pesquisas, universidades acadêmicas e os Think-tanks que influenciam tanto no mundo político quanto acadêmico. A influência política é pauta de discussões sobre a ligação entre 22 os ESI e as instituições governamentais, na medida em que as universidades e outras instituições de pesquisa são financiadas com recursos públicos. Dependendo do sistema político em questão, o financiamento público pode ser direcionado de modo mais ou menos explícito, vindo inclusive com restrições específicas (BUZAN, 2012, p. 110). Da mesma forma ocorre junto aos estudos estratégicos sobre Espécies Exóticas Invasoras, isto é, dependendo do sistema político a problemática poderá ser prioridade ou não, na pauta do meio ambiente. A Comissão Nacional de Biodiversidade (CONABIO) e organizações não-governamentais parceiras, enfrentam dificuldades em executar a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras e de implementar plenamente na região da América do Sul, as diretrizes estabelecidas pela 5ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, para a prevenção e controle de Espécies Exóticas Invasoras que ameaçam ecossistemas, habitats ou espécies, por falta de financiamento, de investimento em pesquisas e de coesão entre os atores funcionais. Todas as cinco forças motrizes são identificadas no planejamento e nas ações estratégicas da Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, construída em parceria com o Instituto Hórus e o Programa Global de Espécies Exóticas Invasoras, que serão melhor caracterizadas no decorrer dos próximos capítulos e utilizadas como ferramenta de solução desta problemática, pois “as mesmas forças motrizes que movimentam a guerra são capazes de contê-la” (BUZAN et al, 1998), logo as mesmas forças motrizes que movimentam e possibilitam a invasão de Espécies Exóticas Invasoras são as mesmas que podem possibilitar o seu controle e erradicação. 1.3 Segurança Ambiental e as ameaças provocadas pelas Espécies Exóticas Invasoras Geopoliticamente deve se esperar que atores líderes estatais e as grandes potências operem sobre os problemas ambientais tanto geograficamente como funcionalmente quando o assunto for uma questão mundial, como exemplo a destruição da camada de ozônio, quando for numa questão econômica, como no caso do desmatamento da floresta tropical, bem como quando a questão for moral, como é o caso da pesca da baleia (BUZAN et al, 1998). Os atores funcionais são em larga categoria organizações transnacionais, empresas estatais, agrícolas e químicas, indústrias nucleares e de pesca, cujas 23 atividades estão diretamente ligadas a qualidade do ambiente e cujas atitudes afetam o ecossistema. Estes atores não tem a pretensão de politizar essas atividades, nem tão pouco securitizá-las. O denominador comum é que eles são em larga escala atores econômicos, geralmente movidos por geração de lucros. Exploram desenfreadamente ecossistemas para construir ou manter o habitat humano. Outro grupo de atores funcionais é composto por governantes e suas agências e também por algumas Organizações Internacionais.Governantes ditam as regras ambientais aos atores econômicos e determinam quão bem ou mal estas regras serão aplicadas (BUZAN et al, 1998). Estes atores permitem alguma institucionalização no que tange a preocupação sobre segurança ambiental através da formação de subdepartamentos para eventos ambientais, como por exemplo a CONABIO, que é uma comissão vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, responsável pela Estratégia Nacional de Espécies Exóticas Invasoras do Brasil. Estes mesmos atores também criam agências, como é o caso do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que compartilham regras e responsabilidades aos atores econômicos e também aos setores militares, que são os maiores exploradores do meio ambiente em atividades como: testes nucleares, exercícios militares, fabricação de armas nucleares, químicas e biológicas. Para que se possa definir a segurança ambiental como setor de segurança internacional, é preciso entender a lógica das ameaças e as vulnerabilidades deste universo a partir de três princípios observados por Wilde, membro da Escola de Copenhague, e um dos autores do livro Security: A New Framework for Analysis, que são: as ameaças à civilização, ameaças à atividade humana e as ameaças causadas pela atividade humana. As ameaças à civilização são causadas por terremotos, erupções vulcânicas, ciclos extensivos glaciais e deslocamento da crosta, impactos que não são causados pela atividade humana; as ameaças à atividade humana sobre sistemas naturais ou que alteram a estrutura da Terra são: efeito estufa, efeito CFC’s ou destruições acidentais a níveis regionais e locais, extrações e destruição do ecossistema; e por fim, as ameaças da atividade humana aos sistemas naturais ou à estrutura do planeta que são: a destruição da fontes minerais (as quais podem ser inconvenientes, pois são usadas na tecnologia), temos como exemplo a substituição do cobre por silício na indústria eletrônica e do metal por cerâmica na engenharia. 24 Das ameaças acima citadas, as ameaças à atividade humana é o motivo principal para falar sobre segurança ambiental, pois representam um ciclo de ameaças entre civilização e meio ambiente, no qual o processo civilizatório envolve a manipulação do resto da natureza a qual desenvolvem proporções de autodestruição. Pela perspectiva global, os principais resultados do desenvolvimento são a explosão do crescimento populacional e as atividades econômicas. O problema é que um dos esforços necessários à humanidade não é em relação a natureza, mas sim referente a sua própria dinâmica de vida (BUZAN et al, 1998). E este é o maior problema que desencadeia constantemente a problemática das Espécies Exóticas Invasoras. O caso das Espécies Exóticas Invasoras, parece ser a mais grave das ameaças, pois sua introdução pode ocorrer em todos os princípios a partir de todas as ameaças acima citadas. Tabela 2: Princípios das Ameaças ao Meio Ambiente Global Tipos de Ameaças Ocorrências Como ocorre a introdução das E.E.I. Ameaças à civilização Terremotos, erupção de vulcões, ciclos extensivos glaciais e deslocamento da crosta Os fenômenos aqui citados, devastam a flora e a fauna provocando seus deslocamentos para outros territórios em busca de sobrevivência. Espécies da fauna e flora no caso são levadas pelos ventos, rios e mares. O deslocamento migratório da civilização em razão destas ocorrências, também possibilitam a entrada de E.E.I. carregadas acidentalmente nas solas de calçados, pneus e até mesmo transportadas como espécies de estimação. Ameaças à atividade humana Efeito estufa, efeito CFC’s ou destruições acidentais a níveis regionais e locais, extrações e destruição do ecossistema; Da mesma forma, conforme citado na ameaça à civilização, estas espécies se 25 deslocam de seus habitats naturais e se estabelecem em outras regiões, alterando de forma violenta a paisagem local, extinguindo espécies nativas que muitas vezes são a matéria-prima principal de atividades humanas e seu meio de sobrevivência. Ameaças causadas pela atividade humana Destruição de fontes minerais (as quais podem ser inconvenientes, pois são usadas na tecnologia), temos como exemplo a substituição do cobre por silício na indústria eletrônica e do metal por cerâmica na engenharia. No caso das ameaças causadas pela atividade humana, são onde ocorrem maior intervenção e introdução destas espécies de forma contínua, pois as atividades do comércio internacional, a transnacionalidade de empresas, as atividades migratórias e os meios de transportes são os maiores vetores desta ameaça. Fonte: Elaborada pela autora Programas de desenvolvimento do setor econômico, estimulam e promovem junto às indústrias o cultivo de mais espécies exóticas consideradas invasoras, incentivando novas introduções e intensificando o uso destas espécies, sem prever manejo adequado ou medidas preventivas ao processo de invasão. Essas atitudes denotam falta de uso da base científica para o desenvolvimento, assim como falta de bom senso no manejo de ecossistemas naturais e do uso do princípio da precaução em que se fundamenta a Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica. Mesmo sendo a problemática das E.E.I. uma urgência, declarada por ambientalistas, confirmada através de pesquisas biológicas e sendo pauta na CDB, acaba fazendo parte de uma agenda normal e as emergências acabam fazendo parte de um discurso de políticas pobres. Organizações não-governamentais ambientais tentam securitizar as causas e os efeitos dos desastres ambientais, especialmente algumas organizações intergovernamentais. Conforme descrito pelo Programa Global 26 de Espécies Invasoras, a invasão de espécies exóticas é um problema de amplitude global, que requer cooperação internacional para complementar as ações desenvolvidas em nível nacional e local por governos, setores econômicos e instituições do terceiro setor. A criação de planos de contingência, antecipadamente, não é necessariamente uma forma de securitização, porém a execução destes planos é (BUZAN et al, 1998). Desta forma, a CONABIO tem avançado na execução de seu plano de contingência, consagrando a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras como forma de securitização. Observou-se, no decorrer deste capítulo, que o cenário apresentado, diante da instabilidade dos setores político, econômico, societal e ambiental e da assimetria entre os Estados da América do Sul, caracteriza-se no que Galtung e Buzan denominam de “violência estrutural”, que é gerada a partir da injustiça social, desigualdade e exploração de recursos (2012, p. 166 - 167). 27 2. O CASO DAS ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS 2.1 A história e os efeitos da Globalização De acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB, "Espécies Exóticas Invasoras" são organismos que, introduzidos fora da sua área de distribuição natural, ameaçam ecossistemas, habitats ou outras espécies. Possuem elevado potencial de dispersão, de colonização e de dominação dos ambientes invadidos, criando, em consequência desse processo, pressão sobre as espécies nativas e, por vezes, a sua própria exclusão (BRASIL, MMA, 2009). Espécies invasoras ocorrem em todos principais grupos taxonômicos, incluindo vírus, fungos, algas, musgos, samambaias, plantas superiores, invertebrados, peixes, anfíbios, répteis, pássaros e mamíferos (GISP, Programa Global de Espécies Exóticas Invasoras, 2003). A movimentação de espécies eraum fenômeno que ocorria de forma natural ou pela movimentação de nossos ancestrais. Aparentemente em um dado período histórico não pareciam apresentar ameaça. Cavalos, mastodontes e bisões vieram da Sibéria para a América através do estreito de Bering, da mesma forma as Américas do Norte e do Sul intercambiaram conjuntos inteiros de espécies nos sucessivos afloramentos e aprofundamento do istmo do Panamá (GISP, 2003). Alguns séculos após esta movimentação natural, iniciou-se também o movimento de trocas de mercadorias, onde diversas espécies da flora e da fauna serviam de alimentos e também de moeda de troca. Esta troca, posteriormente denominada de comércio, iniciou de forma local, depois expandiu de forma regional e com a construção de embarcações este comércio expandiu internacionalmente tornando-se global, a partir da invenção de variados meios de transporte e modais. O comércio sempre foi o ponto de encontro de culturas, países e pessoas. A globalização, com o comércio crescente e deslocamento contínuo de pessoas e bens, através das fronteiras, tem facilitado a dispersão de espécies invasoras e o aumento significativo dos impactos por elas provocados (GISP, 2003). Trata-se aqui de um caso de temporalidades e de territorialidades em tensão, onde a velocidade das transformações em curso é impulsionada por uma temporalidade natural e por uma temporalidade abstrata da acumulação de capital sob a forma de dinheiro e de territorialidade, construída ao longo do tempo por diferentes habitats e por diferentes hábitos por meio de muitas guerras, alianças e acordos que constituem a história da 28 humanidade na sua diversidade (PORTO GONÇALVES, 2006, p. 276-77). As relações internacionais em seus vários segmentos, inclusive nas relações diplomáticas, sempre foi um meio de dispersão de Espécies Exóticas Invasoras. Fatos historicamente registrados nos mostram a prática de tais ações, num período em que não era dado importância ao controle destas espécies. Especialmente na região sul- americana temos como referência histórica o registro de chegada de diversas mudas, vindas da Índia. O Brasil é descoberto a partir da chegada das caravelas de Cabral na Bahia em 1500, e é a partir deste estado brasileiro que iniciam as trocas e as relações internacionais. A Bahia serviu de conexão, primeiramente, para os navios de Carreira da Índia e forneceu inúmeros produtos e serviços, tais como abastecimento, reparos e cargas. Escalas na Bahia, também criaram oportunidades para as negociações ocultas. O livro publicado pela Fundação Alexandre de Gusmão, Relações intra coloniais: Goa-Bahia: 1675-1825, de autoria da professora indiana, Philomena Sequeira Antony, nos revela as riquezas dos intercâmbios comerciais e culturais ocorridos nesta época, que colaboraram com a biodiversidade de espécies da flora brasileira. Além das relações diplomáticas (entre chancelarias e entre governos) e das relações comerciais, outra ação pertinente às relações internacionais, que influenciam na problemática das E.E.I, são as migrações. “Entre 1871 e 1914, a migração internacional alcançou seu ponto alto, com 40 milhões de pessoas. Não havia qualquer restrição à exportação de capitais ou à repatriação de lucros” (SARAIVA, 2007, p. 85). Desta forma, também não havia, e ainda não há, o controle devido no transporte destas espécies, pelo menos junto aos imigrantes e emigrantes, que além de transportarem seus animais e plantas domésticas, também transportam, sem perceber, sementes de E.E.I. nos solados de seus calçados e pneus. Agentes causadores de doenças infecciosas são com frequência – e talvez tipicamente – Espécies Exóticas Invasoras. Agentes infecciosos desconhecidos, transmitidos aos seres humanos por animais ou importados inadvertidamente por viajantes, podem ter efeitos devastadores sobre populações humanas. Pragas e agentes patogênicos também podem consumir com produções locais de alimentos de origem agrícola ou pecuária, provocando privações individuais e fome coletiva (GISP, 2005). No próximo subcapítulo serão analisadas as principais invasões ocorridas nos Estados sul-americanos e quais soluções encontradas. Estas servirão de referência para soluções de desenvolvimento local que possam ser amparadas com programas 29 de políticas públicas para a construção de um acordo de cooperação internacional com maior aprofundamento sobre esta questão com base na sustentabilidade da América do Sul. 2.2 A situação nos Estados da América do Sul A América do Sul tem a extensão de 17.819.100 km² e seus limites naturais são o mar do Caribe ao norte; o oceano Atlântico a leste, nordeste e sudeste; e o Oceano Pacífico a oeste. É constituída por 12 países e 1 território, sendo: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai Venezuela e Guiana Francesa. Os recursos naturais são parte da estratégia e da força deste continente, que além da exploração e do mau uso, estes recursos também se encontram ameaçados pela invasão de espécies exóticas que elencam medidas urgentes, dispostas no preâmbulo e no item “h” do Artigo 8 da Convenção sobre Diversidade Biológica e nos objetivos e diretrizes da Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, Resolução n.5 da CONABIO. Mesmo com suas políticas independentes e soberania, regimes e normas internacionais obrigam os Estados a cumprirem regras, que podem alterar a sua política interna em relação à política externa. Desta forma, a seguir serão analisadas a situação normativa de cada país e território da América do Sul em cumprimento de tais regras internacionais e as principais ocorrências registradas referentes a invasão de espécies exóticas, que conforme Decisão VI\23 da CDB, enfatiza que é necessário realizar a identificação e inventário dos conhecimentos especializados pertinentes à prevenção, detecção precoce, alerta, erradicação e ou controle de Espécies Exóticas Invasoras e recuperação dos ecossistemas e habitats invadidos, de forma que essas informações possam ser disponibilizadas aos países membros da Convenção. No ano de 2016, o governo argentino contou com a parceria do Instituto Hórus do Brasil para implementação da Lista Oficial e da Estratégia Nacional de Espécies Exóticas Invasoras (ENEEI). O sistema de classificação de espécies foi elaborado com base no marco regulatório da Comunidade Europeia e teve apoio e financiamento da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) (ARGENTINA, 2016). Com base na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Cambio Climático e no Protocolo de Kyoto, no mês de maio de 2017, o Ministério dos Transportes da Argentina implantou incentivos 30 econômicos às embarcações que ajudarem a cuidar do meio ambiente, a cada item de cuidado com o meio ambiente vai somando pontos e aumentando os descontos fiscais, que incentivam na redução de emissão de CO2 dos navios e cruzeiros, vinculados também questões de higiene e limpeza especial dos porões e lastros, o que diminui a possibilidade de introdução de Espécies Exóticas Invasoras marinhas (ARGENTINA, 2017). A Argentina também implementou o Sistema Nacional de Informação sobre Espécies Exóticas Invasoras, onde conta com a colaboração do público em geral para o registro e informações sobre E.E.I. Na lista oficial, encontram-se o registro de 689 espécies e uma das espécies mais problemáticas registrada é a Rana toro (Lithobates catesbeianus), nativa da América Central, foi introduzida de forma voluntária através de criadouros para o comércio gastronômico. O fato é que alguns criadouros foramabandonados, pois a especiaria exótica deixou de ser rentável, ou ainda, em criadouros ativos, as rãs fogem e se espalham facilmente através de rios e córregos. Além de invadir o espaço de espécies nativas, esta espécie apresenta riscos à saúde humana por ser portadora de um vírus que provoca hemorragia intestinal. Além dos atores acima citados, o SENASA (Servicio Nacional de Sanidad y Calidad Agroalimentaria), órgão vinculado ao governo, em parceria com a FUEDEI (Fundación para el Estudio de Especies Invasivas), se empenham na fiscalização, controle, manejo e pesquisas. No Lago Titicaca Espécies Exóticas Invasoras têm provocado o desaparecimento de espécies nativas e consequentemente prejudicado a pesca e a cultura gastronômica e econômica da região. O responsável pela área de Recursos Hidrobiológicos da Autoridad Binacional Autónoma del Sistema Hídrico Lago Titicaca (ALT) afirma que o desaparecimento das espécies nativas iniciou após a introdução da truta vinda dos Estados Unidos, e posteriormente ocorreu também a introdução do peixe Pejerrey (Odontesthes bonariensis) (LA PATRIA, 2013). O Brasil, conforme referenciado no início deste trabalho, tem como documento oficial a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, criada junto a Comissão Nacional de Biodiversidade (CONABIO) do Ministério do Meio Ambiente, com base na Convenção sobre Diversidade Biológica e demais leis que regulam o controle e o manejo de E.E.I. Conforme Decisão VI\23 da CDB, uma das obrigações dos Estados partes desta convenção, é declarar a lista de E.E.I. existentes em seu 31 país. Desta forma, reservas e unidades de conservação são obrigadas a declararem a presença de E.E.I. no Plano de Manejo. No Rio Grande do Sul, na região sul da cidade de Porto Alegre, além do capim-anonni (Eragrostis plana Nees), do aspargo- de-jardim (Asparagus Setaceus), da uva-do-japão (Hovenia dulces) que mais invadem a região sul do país (ENEEI, 2009), foi identificado recentemente a presença e invasão do Sapo-Touro na elaboração do Plano de Manejo do Refúgio de Vida Silvestre da Secretaria Municipal de Porto Alegre. A nota emitida pelos biólogos responsáveis declara que: (…) é uma espécie exótica com alto potencial invasor e alta voracidade. Essa espécie possui grande vantagem competitiva em relação às espécies nativas, com impactos diretos e indiretos sobre diversos grupos da fauna aquática e terrestre. Por essas razões, a sua presença demanda alguma intervenção para garantir a sobrevivência das demais populações nativas na região (SMAMS, 2017). O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), declara que uma das cem piores Espécies Exóticas Invasoras do mundo é o javali (Sus scrofa). Ele ameaça diversos estados brasileiros, havendo registros de presença em quinze unidades da federação: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal, Roraima, Tocantins, Maranhão, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O controle e abate da espécie foi autorizado pelo IBAMA de acordo com regras estabelecidas por instruções normativas (2017). A mais recente notícia publicada pela BBC foi o ataque da lebre europeia às plantações de brócolis e couve-flor no Sul e Sudeste do Brasil, onde os prejuízos chegam a 100% da produção. A lebre rói o caule de pés de laranja, limão e tangerina, que morrem poucos dias depois, por falta de seiva. Produtores rurais reclamam ainda da presença do animal em cultivos de soja, maracujá, feijão, hortaliças, melancia, abóbora, melão, pupunha, mandioca, mandioquinha, batata-doce, café, quiabo e seringueira (BBC, 2017). Outra espécie que é importante destacar, pela sua maleficência e por estar mais próxima a maioria da população, é o caramujo africano Achatina fulica, que até o ano de 2010 já tinha invadido 24 estados brasileiros e o Distrito Federal. Esta espécie vem causando danos a população, aos jardins e plantações. São transmissoras de duas zoonoses (angiostrongilíase abdominal e meningoencefalite 32 eosinofílica) e outras parasitoses de interesse veterinário. Este caramujo é nativo do leste da África e foi introduzido de forma voluntária para criação e comercialização na região sul do Brasil (ZANOL et al, 2010). Como medida de prevenção e alerta às doenças causadas por Espécies Exóticas Invasoras, em 2005, a Fundação Osvaldo Cruz, publicou em parceria com o MMA, uma Sinopse da Estrutura Legal de Prevenção e Controle da Entrada de Espécies Exóticas Invasoras4 que afetam a Saúde Humana, onde constam Instrumentos Normativos dos Ministérios da Agricultura Pecuária e Abastecimento, da Ciência e Tecnologia, das Comunicações, da Defesa, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Fazenda, de Justiça, do Meio Ambiente, da Saúde, do Trabalho e Emprego, dos Transportes, dos Planos e Programas do MAPA e do Plano Nacional de Segurança Pública e Portuária do MJ. Porém, denota-se que diante das ocorrências atuais existem falhas na execução dessas normativas. O Ministério do Meio Ambiente do Chile recebeu recentemente o financiamento da Global Environment Facility (GEF) para investir no controle de vinte e quatro e erradicação de doze E.E.I. O ministro do meio ambiente declarou um prejuízo de 90 milhões de dólares anuais e revelou que as E.E.I. que mais ameaçam o país e principais responsáveis este por este déficit na economia são: Castor canadensis, Oryctolagus cuniculus, Sus Scrofa, Neovison vison, Vespula germanica, Rubus spp e a Ulex europaeus (EL MERCURIO, 2017). O Ministério do Meio Ambiente, Habitação e Desenvolvimento Territorial da Colômbia, a partir da Resolução n. 0207 de 03 de fevereiro de 2010, segue as diretrizes da CDB e apresenta sua lista de E.E.I. e destaca as seguintes espécies como principais ameaças: Caracol de Tierra (Helix aspersa), Mejillón (Electroma sp.), Hormiga loca (Paratrechina fulva), Caracol Gigante Africano (Achatina fulica), Jaiba azul (Charybdis halleri), Jaiba (Callinectes exasperatus), Camarón del Indo Pacífico (Penaeus monodon), Pez león (Pterois volitans), Trucha común o Trucha europea (Salmo trutta), Trucha arco iris (Oncorhynchus mykiss), Tilapia nilótica (Oreochromis niloticus), Carpa común (Cyprinus carpio), Perca americana (Micropterus salmoides), Tilapia negra (Oreochromis mossambicus), Gurami, piel de culebra (Trichogaster pectoralis), Rana Coqui (Eleutherodactylus coqui), Rana Toro (Lithobates 4 Brasil, Ministério do Meio Ambiente, Fundação Oswaldo Cruz, Sinopse da Estrutura Legal de Prevenção e Controle da Entrada de Espécies Exóticas Invasoras, 2005 Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/174/_arquivos/174_05122008031348.pdf Acesso em: 29.11.2017. 33 catesbeiana), Buchón (Eichornia crassipes), Alga marina (Kappaphycus alvarezeii), Retamo Espinoso (Ulex europaeus), Retamo Liso (Teline monspessulana), Canutillo, Yaragua (Melinis minutiflora). Os Parques Nacionais da Colômbia estão trabalhando na identificação de quais são as E.E.I. que se encontram no interior das áreas protegidas e nas ações de manejo e controle das pressões ocorridas às espécies nativas e ao ecossistema afetado (COLÔMBIA, 2017). O Ministério do Meio Ambiente do Peru tem seu Plano de Ação Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras criado pelo Grupo Técnico de Espécies Exóticas Invasoras da Comissão Nacional de Diversidade Biológica com base na Convenção à Diversidade Biológica e destaca a lebre europea (Lepus europaeus), como espécie altamente perigosa para a conservação da biodiversidade das atividades agrícolas que se desenvolvem nosul do país (PERU, 2015). O Uruguai, diante da problemática de E.E.I., toma providências com base na Conferência sobre Diversidade Biológica (CDB). No ano de 2011, o governo uruguaio realizou um concurso público de desenho para escolha de um logotipo que seria usado pelo Comitê de Espécies Exóticas Invasoras (CEEI), grupo criado no âmbito da Comissão Técnica do Meio Ambiente (COTAMA), que agrupa representantes de entidades vinculados a esta temática. O Uruguai também conta com uma base de dados denominada de InBUy, ferramenta desenvolvida desde o ano de 2006, para elaborar estratégia de prevenção e controle, desenvolver políticas e análises científicas com relação às E.E.I. O Governo Bolivariano da Venezuela lista as Espécies Exóticas Invasoras (VENEZUELA, 2017). A imprensa venezuelana divulgou em fevereiro deste ano as principais espécies que mais ameaçam seu território, entre elas, o peixe leão (Pterois volitans) é a que mais preocupa em razão da velocidade de sua reprodução e da constante introdução a partir dos Estados Unidos, nativa do oceano Índico oriental e do Pacífico ocidental, foi introduzido na Flórida como peixe ornamental. Atualmente esta espécie é servida como especiaria exótica em alguns restaurantes da Venezuela. É uma espécie muito voraz que se reproduz muitíssimo e as correntes marinhas colaboram, porque seus ovos fecundados flutuam, o que permite povoar o Caribe no período de 10 a 15 anos, declara o ictiólogo. Sua reprodução é especialmente veloz: uma fêmea pode pôr até 30 000 ovos em cada gestação, que ocorre ao menos sete vezes durante o ano5 (EL 5Es una especie super voraz que se reproduce muchísimo y las corrientes marinas lo ayudan porque sus huevos fecundados flotan, lo que le ha permitido poblar el Caribe en un período entre 10 y 15 años”, 34 NACIONAL, 2017, tradução própria). Países como Equador, Guiana, Guiana Francesa, Suriname e demais países da América do Sul se reuniram em Brasília, em um evento sediado pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), promovido pelo Governo do Brasil, através do Ministério do Meio Ambiente, pelo Governo dos Estados Unidos e o Programa Global sobre Espécies Invasoras (GISP) para tratarem de assuntos referentes a invasão de espécies invasoras a partir das diretrizes da Convenção à Diversidade Biológica. 2.3 Regiões fronteiriças Transformar as regiões de fronteira em espaços de integração e desenvolvimento, planificando o território e atendendo os aspectos econômicos, sociais e ambientais são os objetivos da maioria dos acordos e tratados internacionais direcionados às regiões fronteiriças. Em razão dos crimes que ocorrem nestas regiões como tráfico de armas, drogas, biopirataria, animais silvestres e Espécies Exóticas Invasoras, entre outras mercadorias e ilícitos, por ser uma divisa de territórios entre Estados, na região fronteiriça, existe um maior controle e participação do setor militar e maior fiscalização no que se refere às vistorias e inspeções cotidianas. São nestas regiões onde também acontecem o maior número de migrações (imigrantes e emigrantes), entre eles comerciantes, viajantes, turistas, estudantes e refugiados. As pessoas que atravessam as fronteiras, muitas vezes carregam sementes, sem perceber, nos solados de seus calçados, também carregam suas espécies de estimação, como plantas e animais. Nas regiões fronteiriças a problemática é ainda maior, pois embora ocorra apenas uma pequena percentagem das espécies transportadas, através das fronteiras, estas se tornam invasoras e os impactos podem ser extensos (GISP, 2005). O comércio internacional, a importação e exportação de espécies da flora e da fauna atravessam fronteiras via terrestre, marítima e aérea, consequentemente, o detalla el ictiólogo. Su reproducción es especialmente veloz: una madre puede poner hasta 30 000 huevos en cada evento reproductivo, lo que sucede al menos siete veces al mes durante todo el año (EL NACIONAL, 2017).detalla el ictiólogo. Su reproducción es especialmente veloz: una madre puede poner hasta 30 000 huevos en cada evento reproductivo, lo que sucede al menos siete veces al mes durante todo el año (EL NACIONAL, 2017). 35 maior número de invasões de espécies exóticas e o maior número de introduções encontram-se na região fronteiriça. Existem normas e listas com a relação de espécies não permitidas, porém a falta de recursos humanos e tecnológicos para identificar tais espécies comprometem a segurança exigida pela CDB, que por sua vez também entra em divergência com o Acordo SPS e o cumprimento das normas de cada Estado. No item 7 das Diretrizes da Estratégia Nacional sobre E.E.I., intitulado de Controle de Fronteiras e Medidas de Quarentena, indica a necessidade de implementação de ações de controle de fronteiras e medidas de quarentena para espécies exóticas que são ou que podem se tornar invasoras. Declara ainda que os estados deveriam implementar medidas apropriadas para controlar as introduções de E.E.I. em suas áreas de jurisdição. E no item 7.3 declara que: Estas medidas deveriam ser baseadas em análise de risco das ameaças decorrentes das espécies exóticas e de suas potenciais rotas de entrada. Os órgãos governamentais ou às autoridades competentes, deveriam ser fortalecidos e ampliados, conforme necessário, e os funcionários deveriam estar adequadamente treinados para implementar tais medidas. Os sistemas de detecção precoce e a coordenação regional e nacional são indispensáveis para a prevenção (BRASIL, 2009). A extensão da costa marítima, a quantidade de vias navegáveis da América do Sul, o número de atraques anuais e os diversos tipos de embarcações, tem um volume preocupante que dificulta o controle e facilita a dispersão de E.E.I. No Brasil, território de maior costa marítima e rios navegáveis da América do Sul, o setor portuário é composto por 349 instalações portuárias, sendo 34 Portos Públicos, 126 Arrendamentos Portuários, 160 terminais de Uso Privado (TUP’s), 27 Estações de Transbordo de Carga, e duas Instalações de Cargas de Turismo onde ocorrem em média 55.000 atraques anuais (ANTAQ, 2016). Estudos realizados no âmbito internacional constataram que muitas bactérias, plantas e animais podem sobreviver na água de lastro e nos sedimentos transportados pelos navios, mesmo após vários meses de duração. Embora existam outros meios de introdução e invasão de E.E.I. marinhas ou de vida aquática, a água de lastro descarregada pelos navios tem sido a mais relevante. A possiblidade da água de lastro descarregada causar males à saúde pública foi reconhecida pela Organização Marítima Internacional e a Organização Mundial da Saúde (MARINHA DO BRASIL, 2017). O Ministério do Meio Ambiente do Brasil declara que existem aproximadamente 7.000 diferentes espécies de vida aquática 36 transportadas a cada dia ao redor do mundo. Em 2004 foi realizada uma Convenção Diplomática para a adoção da Convenção Internacional sobre Controle e Gestão da Água de Lastro, onde participaram 74 Estados (BRASIL, 2017). Apenas neste ano de 2017 passou a vigorar mundialmente a Convenção Internacional para o Controle e Gerenciamento da Água de Lastro e Sedimentos dos Navios, conhecida internacionalmente como Convenção BWN (BRASIL, 2017). Existem diversos tipos de navegação que são controladas pela ANAQ, entre elas a navegação marítima, navegação de cabotagem, navegação de apoio marítimo, navegação de Interior. Porém existe a navegação lacustre, que é um modal incipiente que não tem importância numérica nas estatísticas de transporte
Compartilhar