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As transformações no processo de trabalho

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A. B. Costa & B. M. Costa 231
© Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro Rev. Univ. Rural, Sér. Ciênc. Humanas
Vol. 22(2): 231-244, jul./dez. 2000.
NOTA-DE-PESQUISA
AS TRANSFORMAÇÕES NO PROCESSO DE TRABALHO
Achyles Barcelos da Costa
Beatriz Morem da Costa
ABSTRACT: COSTA, A. B & COSTA, B.M. The transformation of the labour process. Rev. Univ.
Rural, sér. ciênc. hum., v.22, n.2, p.231-244 - This paper deals with the historical transformations of
the labour process under the capitalist system. In spite of its mercantil form, along its development
this mode of production have used severals forms to organize work. From this point of view the text
describes then, in the earliest stage of that process, the transition from the simple merchandise
production based on handicraft to manufacture. After that, the change in the manufacture to the
machinofacture is examined. In the twentieth century period are highlighted the work rationalizations
produced by Taylorist and Fordist methods, the rise of mass production, as well as the main
caracteristics of the debate about the crisis of Fordism. Last, the paper focuses on the current
changes that have been ocurred in the labour process from the so called just-in-time manufacture.
KEYWORDS: labour process - mass production - just-in-time manufacture.
 INTRODUÇÃO1
O objetivo deste artigo é apresentar a
evolução do processo de trabalho em termos de
suas transformações históricas sob o capitalismo.
Convém notar que, mesmo tendo adquirido a
feição mercantil, não há, sob esse modo de
produção, uma maneira única e acabada de
organizar o trabalho, como têm mostrado as
experiências da produção em massa e da
produção flexível, no decorrer deste século XX.
Embora haja uma interação dinâmica entre
mercado e inovações, essas últimas são fatores
determinantes na constituição de uma nova
forma de trabalhar.
Além desta Introdução, em que se apresenta
sucintamente os primórdios deste processo, há
ainda cinco outras seções. A segunda e a terceira
mostram a transição da produção simples de
mercadorias, baseada no artesanato para a
manufatura, onde se aprofunda a divisão do
trabalho. A quarta seção apresenta a mudança
da base técnica manual para a maquinofatura. A
quinta destaca os principais desdobramentos na
racionalização do trabalho produzidos pelos
métodos tayloristas e fordistas e o advento da
produção em massa, bem como os principais
aspectos do debate acerca da crise do fordismo.
A sexta expõe as mudanças recentes no processo
de trabalho a partir da chamada manufatura just-
in-time.
H H H
O homem, através do seu trabalho, atua sobre
os elementos que encontra na natureza,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Submetido em 16/nov/1999
Aceito em 08/set/2000
 As transformações no processo de trabalho232
transformando-os em objetos destinados a
satisfazer suas necessidades. O processo de
trabalho pelo qual se realiza essa transformação
requer a presença de três fatores indispensáveis:
os próprios seres humanos ou a força de trabalho;
as matérias-primas sobre as quais o homem atua;
e os instrumentos que viabilizam essa
transformação. Esses três elementos definem um
processo de trabalho considerado em abstrato,
não se referindo a qualquer forma social
específica.
Até o século XVI, nas áreas urbanas da
Europa Ocidental, predominava a produção
simples de mercadorias. Os produtos em
quantidades determinadas eram elaborados pelos
mestres artesãos, em suas casas, com o auxílio
de uns poucos aprendizes, sendo vendidos
diretamente aos consumidores. Nesse modo de
produzir, eram muito limitadas as diferenças
sociais entre os artesãos e os aprendizes,
podendo os últimos, ao fim de seu tempo de
aprendizagem, ascender à categoria de mestres.
Mandel (1962) mostra que esse modo de
produção via-se limitado por várias contradições.
Por um lado, havia aquelas que eram inerentes
ao próprio sistema; a população urbana e o
número de artesãos tinham aumentado
progressivamente, não sendo acompanhados
pela ampliação do mercado. Essa situação gerava
uma concorrência cada vez maior entre as
cidades, o aumento do protecionismo em cada
cidade e das restrições para a admissão de novos
artesãos nas corporações de ofício. Além disso,
a ascensão dos aprendizes à categoria de mestres
tornava-se mais difícil, pelas condições mais duras
colocadas à aprendizagem.
De outro lado, os artesãos das cidades que
comerciavam em mercados mais amplos do que
o local terminavam por perder o controle das
mercadorias que produziam. Isso era uma
conseqüência do fato de que, para comerciar em
feiras afastadas de sua cidade, o artesão via-se
obrigado a interromper a produção para levar os
produtos até o local de venda, só podendo
retomá-la quando retornava à sua cidade de
origem. O resultado imediato foi os artesãos mais
ricos contratarem pessoas domiciliarmente
(putting-out system) que os substituíssem na
fabricação de produtos, de modo a
especializarem-se na comercialização (Landes,
1969). Em alguns ramos da produção,
principalmente o têxtil, o artesão acabava
subordinando-se parcial ou completamente ao
comerciante. A evolução seguinte foi os artesãos
verem-se obrigados a comprar a matéria-prima
dos comerciantes, além de lhes venderem o
produto acabado.
No entanto, para que o processo de trabalho
assumisse a forma social capitalista, duas
condições fundamentais eram necessárias. Por
um lado, a existência de indivíduos possuidores
de um montante de capital suficiente para
comprar meios de produção (matérias-primas,
instalações, ferramentas, etc.) e força de trabalho
alheia. De outro, indivíduos destituídos de meios
de produção que, para sobreviverem, fossem
forçados a vender sua força de trabalho aos
possuidores de capital. Essas condições
surgiram após um longo desenvolvimento
histórico, que culminou na efetiva separação dos
produtores diretos dos meios de produção.
COOPERAÇÃO
Segundo Marx (1867), historicamente, o
desenvolvimento do processo de trabalho
capitalista apresentou três fases: cooperação,
manufatura e grande indústria.2 Nesta última, que
principia no século XIX, é possível ainda
considerar-se dois desdobramentos a partir do
início do século XX: o taylorismo/fordismo e,
mais recentemente, a automação flexível e novas
formas organizacionais que colocam em novas
bases o processo de trabalho, no capitalismo
contemporâneo.
Marx (1867; vol. I, Livro 1) assinala que a
produção capitalista tem início quando o
proprietário de capital (o comerciante) reúne em
um mesmo local um número relativamente elevado
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de artesãos que, sob suas ordens, produzem a
mesma espécie de bens para o mercado. Embora
não haja alteração do processo de trabalho em
relação ao artesanato, o fato de muitos
trabalhadores servirem-se simultânea ou
alternadamente das mesmas instalações,
instrumentos, aparelhos, depósitos para
matérias-primas, etc, representa uma economia
dos meios de produção pelo seu uso coletivo.
Meios de produção utilizados em comum
cedem parte menor do seu valor ao produto
individual, seja porque o valor global que
transferem se reparte simultaneamente por
uma massa maior de produtos, seja porque
comparados com meios de produção
isolados, entram no processo de produção
com um valor que, embora seja
absolutamente maior, considerando sua
escala de ação, é relativamente menor. Com
isso diminui um componente do valor do
capital constante, diminuindo também,
portanto, na proporção de sua grandeza, o
valor da mercadoria (Marx, 1867, vol. I,
cap. XI:259).
A outra vantagem que surge da reunião de
muitos trabalhadores em um mesmo local, além
da economia dos meios de produção, é a
combinação da força de trabalho coletiva que
amplia a quantidade de mercadorias produzidas,diminuindo o tempo de trabalho necessário à
produção de um determinado bem. Assim, a
cooperação resulta em uma elevação da
produtividade do trabalho.
Para que seja possível a produção capitalista,
é imprescindível que um mesmo indivíduo
consiga acumular um montante de capital
suficiente para comprar tanto os meios de
trabalho necessários para produzir bens a serem
vendidos no mercado, como a força de trabalho
de muitos outros indivíduos, dependendo a
escala da cooperação e a da produção da
quantidade de capital que o capitalista tem a seu
dispor. Como o trabalhador não trabalha mais
para si como anteriormente e sim, para o
capitalista, o comando do trabalho passa a ser
uma função do capital.
Com a cooperação de muitos trabalhadores
assalariados, o comando do capital
converte-se numa exigência para a
execução do próprio processo de trabalho,
numa verdadeira condição a produção. As
ordens do capitalista no campo a produção
tornam-se agora tão indispensáveis uanto
as ordens do general no campo de batalha
Marx, 1867; vol. I, cap. XI:262-263).
O comando do capital tem um duplo conteúdo
que se origina da própria duplicidade da
produção capitalista. Por um lado, é um processo
social de trabalho que reúne e coloca em
cooperação diversos indivíduos na elaboração
de mercadorias. De outro, é um processo de
exploração de excedente que tem como finalidade
a maior valorização do capital investido na
produção.
... a cooperação dos assalariados é mero
efeito do capital, que os utiliza
simultaneamente. A conexão de suas
funções e sua unidade como corpo total
produtivo situa-se fora deles, no capital, que
os reúne e os mantêm unidos. A conexão de
seus trabalhos se confronta idealmente
portanto como plano, na prática como
autoridade do capitalista, como poder de
uma vontade alheia que subordina sua
atividade ao objetivo dela (Marx, 1867; vol.
I, cap. XI: 263).
A cooperação simples coincide com a
produção capitalista em grande escala, na qual
não existe ainda uma divisão do trabalho muito
desenvolvida ou a maquinaria. Marx indica que,
historicamente, a transição para a cooperação
simples tem início no século XVI,
correspondendo aos primórdios da manufatura.
 As transformações no processo de trabalho234
MANUFATURA
O período manufatureiro, compreendido entre
os meados do século XVI e o final do século
XVIII, representou uma revolução na organização
do processo de trabalho baseado no artesanato.
Nesse período, ocorre a decomposição dos
processos independentes de trabalho dos ofícios
e a sua reorganização em operações parciais
desempenhadas por muitos trabalhadores
individuais, que compõem o trabalhador coletivo
da manufatura.
Na manufatura inicia-se a hierarquização da
força de trabalho pela divisão dos trabalhadores
da produção em qualificados e não-qualificados;
divisão essa inexistente no artesanato e à qual
corresponde uma escala de salários. Aos
trabalhadores qualificados cabem as funções que
requerem maior esforço mental, maior habilidade
e destreza manual e demandam maior tempo de
aprendizagem. Aos trabalhadores não-
qualificados são atribuídas as tarefas manuais
mais simples e que não exigem quase treinamento.
Para ambos os tipos de trabalhadores, há um
processo de desvalorização, já que a simplificação
das funções na manufatura reduz os custos de
aprendizagem dos trabalhadores qualificados e
os elimina para os não-qualificados. Ainda assim,
essa desvalorização da força de trabalho era
relativa, pois as tarefas parciais mais difíceis
continuavam exigindo um longo tempo de
aprendizagem e, nas tarefas em que este tempo
de aprendizagem se tornava desnecessário, havia
ainda a obstinação dos trabalhadores em
preservá-lo. Um exemplo disso foi a manutenção
do período de sete anos para a aprendizagem na
Inglaterra, estabelecido em leis que duraram até
o final do século XVIII. Além do que, a
decomposição do processo de trabalho criava
novas funções que não existiam no artesanato.
A transformação do artesão em trabalhador
assalariado e a sua fixação a uma função parcial
impunha a necessidade de efetuar uma
diferenciação dos instrumentos de trabalho,
adaptando-os ao uso específico em determinada
tarefa. Com isso, houve a simplificação,
diversificação e um aprimoramento considerável
das ferramentas, viabilizando o
desenvolvimento da maquinaria.
O desenvolvimento da manufatura pelo
parcelamento das tarefas revolucionou a
organização do processo de trabalho, porém não
conseguiu independentizar o capital do trabalho
vivo. Nessa fase, o limite fundamental consistia
na estreiteza da base técnica artesanal, que
demandava um grande número de operários
qualificados. Os trabalhadores individualmente
e o próprio coletivo de trabalho encontravam-se
limitados fisicamente, tanto pela destreza e
habilidades sensoriais do trabalho humano,
quanto pela sua força física, ainda que esta já
houvesse sido aumentada de diversas formas
(Blackburn et alii. 1985). Esse limite foi
ultrapassado com a introdução da maquinaria e
o advento da fábrica moderna.
MAQUINARIA E GRANDE INDÚSTRIA
O período manufatureiro realizou um grande
aperfeiçoamento das ferramentas de trabalho,
pela sua simplificação e adaptação às atividades
especializadas dos trabalhadores parciais. A
evolução seguinte foi o surgimento da
maquinaria e da produção mecanizada, que é o
fundamento da fábrica moderna.
A maquinaria consiste em três partes
essenciais: o motor (fonte produtora de energia)
o mecanismo de transmissão e várias ferramentas
iguais ou semelhantes, que atuam sobre o objeto
de trabalho, moldando-o ao objetivo pretendido.
Dessa forma, as ferramentas, integrando-se ao
sistema de maquinaria, transformam-se em
máquinas-ferramentas que incorporam em seu
funcionamento a destreza e a habilidade do
trabalhador individual (Palloix, 1976:79).
Com a ferramenta de trabalho transfere-se
também a virtuosidade, em seu manejo, do
trabalhador para a máquina. A eficácia da
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ferramenta é emancipada das limitações
pessoais da força de trabalho humano. Com
isso, supera-se o fundamento técnico sobre
o qual repousa a divisão do trabalho na
manufatura. No lugar da hierarquia de
operários especializados que caracteriza a
manufatura, surge, por isso, na fábrica
automática, a tendência à igualação ou
nivelação dos trabalhos, que os auxiliares
da maquinaria precisam executar; no lugar
das diferenças artificialmente criadas entre
os trabalhadores parciais surgem de modo
preponderante as diferenças naturais de
idade e sexo (Marx, 1867; vol. I, Tomo 2,
cap.XIII:41).
A divisão do trabalho na fábrica consiste na
distribuição dos operários entre as máquinas
especializadas e de grande quantidade de
trabalhadores entre os vários departamentos que
a compõem, onde operam máquinas da mesma
espécie colocadas lado a lado. O grupo articulado
de trabalhadores da manufatura deixa de existir,
sendo substituído pelo operário principal e
alguns auxiliares.
A diferença essencial entre os operários é a
que se verifica entre os operadores (qualificados)
e os simples ajudantes (não-qualificados), cuja
função é fornecer o material de trabalho às
máquinas. Ao lado dessas duas camadas
principais, encontra-se um número reduzido de
trabalhadores que têm como atribuição o controle
e reparação da maquinaria, como: engenheiros,
mecânicos, marceneiros, etc. Essa é uma camada
que possui um status mais elevado, em parte,
com formação científica como os engenheiros;
em parte, artesanal, como os mecânicos e os
marceneiros.
O sistema de máquinas que é resultado da
incorporação da ciência pelo capitalismo, adapta
o processo de trabalho aos ditames e
necessidades do capital e tem como efeito a
subordinação real do trabalho ao capital. Ou seja,
à subordinaçãoformal - o assalariamento -
acrescenta-se, com a maquinaria, o controle
direto sobre a natureza e o ritmo do trabalho.
Na manufatura e no artesanato, o
trabalhador se serve da ferramenta; na
 fábrica, ele serve a máquina. Lá, é dele que
parte o movimento do meio de trabalho; aqui
ele precisa acompanhar o movimento. Na
manufatura, os trabalhadores constituem
membros de um mecanismo vivo. Na fábrica,
há um mecanismo morto, independente
deles, ao qual são incorporados como um
apêndice vivo (Marx, 1867; v.I, Tomo 2,
cap.XIII: 43).
A introdução da maquinaria tem como
conseqüência o aumento da produtividade, a
desqualificação e a desvalorização dos
trabalhadores através dos elementos objetivos
do processo de trabalho. Na fábrica, as
instalações, máquinas e equipamentos, não
podem mais ser utilizados individualmente, pois
somente adquirem funcionalidade mediante o
uso coletivo de forças de trabalho combinadas,
surgindo ante os trabalhadores individuais como
condições sociais da produção.
A utilização da maquinaria intensificou ainda
mais a cisão entre trabalho intelectual e manual,
pois as máquinas incorporam um conhecimento
ao qual o trabalhador não tem acesso. No
entanto, as habilidades dos trabalhadores ainda
continuavam sendo necessárias para colocar as
máquinas em funcionamento, não possuindo a
gerência o controle dos tempos entre o fim de
uma operação e o início de outra, que ficavam a
cargo dos operários. Os limites à acumulação e
valorização do capital, nessa forma, eram
constituídos pelas habilidades dos trabalhadores
e o controle por eles exercido sobre o modo e o
tempo de realização do trabalho.
No início do século XX, desenvolveu-se nos
EUA um novo método de organização do
processo trabalho - o taylorismo/fordismo -
que permitiu aumentar a produtividade industrial
mediante a quebra do domínio dos trabalhadores
na regulação do processo produtivo.
 As transformações no processo de trabalho236
TAYLORISMO, FORDISMO E A
PRODUÇÃO EM MASSA
O processo de trabalho
Em fins do século XIX, quando Taylor iniciou
seus estudos sobre a racionalização do trabalho,
o capitalismo norte-americano já se encontrava
em condições de assumir o papel de vanguarda
da acumulação mundial. A existência de recursos
naturais abundantes, principalmente carvão e
petróleo, um grande número de trabalhadores
disponíveis pelo estímulo à imigração, de várias
partes do mundo, e o grau de avanço tecnológico
de sua indústria, entretanto, chocavam-se com a
falta de um modo de organização do trabalho
compatível com as novas condições de produção
e de mercado de trabalho que então se
apresentavam.
O problema que Taylor procurava resolver
era, portanto, como tornar eficiente o sistema
evitando o desperdício de materiais, ferramentas,
tempo e homens. Em seu livro “Princípios de
Administração Científica” de 1911, ele tentava
demonstrar que o aumento da produtividade do
trabalho podia ser atingido pela transformação
da administração de coisas e homens em uma
verdadeira ciência “... regida por normas,
princípios e leis claramente definidos, tal como
uma instituição” (Taylor, 1911:30).
O principal obstáculo à elevação da
produtividade do trabalho, à época de Taylor,
era o fato de que os trabalhadores detinham ainda
o controle sobre o modo de realizar o trabalho, a
despeito da introdução da maquinaria.
Considerando a atitude habitual dos operários,
ele chegara à conclusão de que estes não
empenhavam todo o seu esforço no trabalho,
procurando sempre fazer menos do que eram
realmente capazes.
A eliminação da cera e das várias causas de
trabalho retardado, desceria tanto o custo
da produção que ampliaria o nosso mercado
interno e externo, de modo que poderíamos
competir com nossos rivais (Taylor,
1911:35).
Taylor considerava como causas
determinantes da ineficiência do trabalho:
i) a solidariedade existente entre os
trabalhadores, que os levava a perceber a maior
produtividade como causa do desemprego;
ii) a ignorância da administração a respeito
dos tempos efetivamente necessários para a
realização das tarefas, que incentivava os
operários a diminuírem a produção;
iii) os métodos empíricos ineficientes que
redundavam em grande desperdício de esforço
no trabalho.
Para que houvesse maior produtividade,
essas causas precisavam ser erradicadas,
substituindo o método de administração por
iniciativa e incentivos, então em uso, por novas
formas de organização do trabalho, a chamada
“administração científica”. Taylor argumentava
que o sistema prevalecente não permitia
incrementar a produtividade, pois se
fundamentava no conjunto de conhecimentos
empíricos tradicionais dos próprios
trabalhadores, inexistindo uniformidade de
execução. Além disso, esse método deixava à
iniciativa e juízo dos operários a decisão a
respeito da maneira mais eficaz e econômica de
realizar o trabalho. Para isso, havia um esquema
de concessão de incentivos individuais
(melhores salários, promessa de rápida
promoção ou melhoria, menos horas de trabalho)
para que assim procedessem. Segundo Taylor,
isso se mostrava contraproducente, dado que
os trabalhadores haviam aprendido, em sua
experiência cotidiana, que todo incentivo
financeiro recebido por aumento de produção
era anulado, pois esse aumento tornava-se daí
em diante uma norma exigida pelo patrão.
Assim, o desenvolvimento de uma ciência
que embasasse a racionalização do trabalho fabril
atribuía à gerência uma função inteiramente
A. B. Costa & B. M. Costa 237
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nova: “... reunir todos os conhecimentos
tradicionais que no passado possuíram os
trabalhadores e então classificá-los, tabulá-los,
reduzi-los a normas, leis ou fórmulas...” (Taylor,
1911:51).
Dessa maneira, Taylor propunha que
concepção e execução do trabalho fossem
alocadas a esferas distintas. À “gerência
científica” caberia realizar a análise metódica dos
gestos realizados pelos operários na execução
de suas atividades, sistematizando-os, de forma
a permitir sua padronização. Aos trabalhadores
da produção seria atribuído o desempenho das
tarefas planejadas e prescritas pela gerência.
Segundo Zarifian, com o taylorismo criam-se
dois novos tipos de trabalho:
... o trabalho de estudo realizado pelos
técnicos dos departamentos de organização
e métodos (com o apoio dos
cronometristas), e o trabalho de controle
direto, executado pelos contramestres e
chefes de equipe (Zarifian, 1990:75).
O interesse primordial de Taylor era a
administração da tarefa, ou seja, a determinação
do melhor nível de desempenho possível para
cada trabalho. Essa preocupação levou-o a
ressaltar a importância de incentivos financeiros,
vinculando desempenho e pagamento e, mais
tarde, à atribuição de quotas de trabalho fixas
aos operários, a fim de elevar a produtividade.
Para isso também contribuiu a introdução de
melhorias simultâneas na manutenção das
máquinas, na oferta de materiais e ferramentas,
no fluxo de trabalho e na supervisão detalhada
(Wood e Kelly, 1982).
A simplificação das tarefas resultante do
novo método tornou possível a absorção de
trabalhadores oriundos do campo, da imigração
ou do trabalho doméstico, que não possuíam
experiência de trabalho fabril, contribuindo para
baratear o preço da força de trabalho.3 Na
avaliação dessa forma de administrar o trabalho,
Braverman (1974) desenvolve uma crítica severa
dos princípios tayloristas, pois considerava que
tendiam a promover crescente desqualificação
da força de trabalho. Os princípios de separação
entre concepção e execução, destituição dos
trabalhadores de seu saber de ofício, através da
busca da máxima simplificação das tarefas e a
alocação à gerência do conhecimento do
processo de trabalho, representavam para
Braverman a degradação do labor operário.
Henry Fordretomou o essencial do
taylorismo4 , desenvolvendo-o, ao fixar o
trabalhador ao seu posto de trabalho, com a
criação da linha de montagem e a introdução da
esteira transportadora, na produção de
automóveis. Assim, o objeto de trabalho chegava
até o operário sem que fosse preciso o seu
deslocamento, fator que contribuiu para a
redução da morosidade da jornada de trabalho.5
O fordismo socializou a proposta de Taylor, pois
trata-se do controle da execução das tarefas
individuais de forma coletiva, por intermédio da
esteira. Além disso, Ford (1922) também inovou
ao introduzir o salário diário, que ficou conhecido
como The Five Dollar Day, em substituição ao
pagamento por tarefa, e que representou um
novo método de controle da força de trabalho.
De acordo com Coriat, a nova modalidade de
pagamento tinha como funções:
Assegurar ao capital uma oferta
ininterrupta de mão-de-obra; impedir a
ocorrência de rebeliões de trabalhadores
em grande escala, que ocorreram
regularmente na Europa do século XIX,
desinfetando a população trabalhadora, e
treinando inspetores para controlá-la; e
assegurar com isso o rápido avanço da
produção em massa e da acumulação de
capital (Coriat, 1975; apud Palloix,
1976:88).
Segundo Lipietz (1985:89), do ponto de vista
do processo de trabalho, o fordismo tem como
característica principal a segmentação das
atividades produtivas em três níveis:
 As transformações no processo de trabalho238
i) a concepção, a organização de métodos e a
engenharia tornadas autônomas;
ii) a fabricação qualificada exigindo mão-de-
obra adequada;
iii) a execução e a montagem desqualificadas,
não exigindo em princípio nenhuma qualificação.
Assim sendo, a característica básica do
processo de trabalho fordista é a cadeia de
produção semi-automática, desenvolvida na
indústria automobilística dos EUA, a partir da
década de 1920, e que se difundiu à produção em
série de bens de consumo padronizados e dos
componentes intermediários à sua fabricação.
A cadeia de produção semi-automática
consiste na integração dos diferentes segmentos
do processo de trabalho, mediante um sistema
de guias e meios de manutenção que levam as
matérias-primas até as máquinas. Esse sistema
permite reduzir os tempos de deslocamento e
manipulação de objetos pesados ou compostos
por substâncias corrosivas, levando a
considerável economia de força de trabalho e
elevação da composição orgânica do capital.
Além disso, a cada trabalhador corresponde um
posto de trabalho determinado pelo sistema de
máquinas, que impõe um ritmo de trabalho
uniforme e sobre o qual os operários não têm
controle (Aglietta, 1976).
Algumas qualificações precisam ser
estabelecidas entre o taylorismo e o fordismo,
no sentido de que os dois conceitos não sejam
entendidos como sinônimos. O taylorismo é um
conceito mais limitado que o fordismo e refere-
se, principalmente, à administração do trabalho
no chão-de-fábrica, utilizando técnicas de estudo
dos movimentos e gestos para assegurar a
economia no desempenho de tarefas específicas.
Ou seja, o taylorismo está vinculado à
fragmentação das tarefas e sua padronização,
sendo, ademais, aplicável a pequenos e médios
volumes de produção e ao trabalho em escritórios
(Wood, 1989).
O fordismo é um conceito amplo que se aplica
à produção em grandes volumes, utilizando a
linha de montagem, maquinaria dedicada e
rotinas de trabalho padronizadas (tayloristas).
A produtividade é elevada devido às economias
de escala obtidas na fabricação em grandes
quantidades de bens com pouca variabilidade,
mediante o aumento na velocidade com que os
materiais são trabalhados na produção (Chandler,
1977), bem como pela desqualificação da mão-
de-obra, intensificação do ritmo de trabalho e
nivelação de tarefas.
Uma outra dimensão do conceito de fordismo
é sua extensão à sociedade, significando o modo
de regulação do capitalismo em sua fase
monopolista, desenvolvido nos EUA, no período
entre-guerras e que se difundiu após a 2ª Guerra
Mundial, nas principais economias capitalistas.
Os novos métodos de organização do
trabalho e o surgimento de um número
relativamente elevado de novas tecnologias, em
alguns ramos estabelecidos da indústria, tais
como: a indústria automobilística, a metalurgia, a
mecânica e a petroquímica realizaram
transformações radicais na estrutura produtiva
dos principais países capitalistas. O incremento
da produtividade gerado pelos métodos
tayloristas e fordistas de organização do
trabalho, combinados com as inovações técnicas
e o aparecimento de novos produtos, tornaram
imprescindível a existência de mercados de
massa, para absorver a crescente produção de
bens manufaturados. Isso demandava a criação
de um novo modelo de consumo e uma
transformação do estilo de vida.
O fordismo adaptou as formas institucionais,
econômicas, sociais, políticas e culturais aos
esquemas de reprodução do capitalismo
monopolista, possibilitando vincular os ganhos
de produtividade ao crescimento do poder
aquisitivo dos assalariados. Essa vinculação se
fazia necessária para garantir o tipo de consumo
adequado à produção em massa, que se tornara
o método de produção dominante (Lipietz, 1985).
No período posterior à 2ª Guerra Mundial, os
países da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE)
experimentaram trinta anos (‘les trente
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glorieuses’)6 de grande e regular crescimento
econômico. Nesses anos, o aumento
considerável da produtividade foi acompanhado
pelo crescimento paralelo dos salários, gerando
um elevado padrão de vida para a população
desses países. Em todos os países onde se
tornou dominante a acumulação intensiva com
consumo em massa, manifestaram-se aspectos
da regulação fordista. Entretanto, houve
variações de um país a outro relacionadas ao
desenvolvimento histórico e às estruturas
sociopolíticas e culturais específicas a cada
nação.7
A crise do fordismo
Em meados da década de 1970, surgiram
indícios de que o modelo de desenvolvimento
industrial de caráter fordista começava a enfrentar
sérias dificuldades em sua reprodução. No âmbito
da estrutura produtiva, as formas organizacionais
tayloristas/fordistas não conseguiam mais obter
ganhos de produtividade devido aos limites
técnicos à fragmentação do trabalho. Além disso,
a insatisfação dos trabalhadores manifestadas
no absenteísmo, nas sabotagens e nas greves
tornou-se freqüente, nos países desenvolvidos,
acarretando perdas à produção industrial. No
contexto social, o modelo de desenvolvimento
vigente passou a ser questionado tanto pelos
danos causados ao meioambiente, devido ao uso
predatório dos recursos naturais, quanto pela
massificação dos hábitos de consumo; no âmbito
econômico, houve desaceleração no crescimento
dos mercados dos setores industriais - metal-
mecânica e química - que formavam a base desse
padrão de desenvolvimento industrial.
Essa crise do sistema capitalista foi
diagnosticada pelos diversos autores que a têm
estudado como sendo de natureza estrutural,
embora haja divergências quanto aos fatores que
a originaram ou, como afirma Boyer (1986), uma
certa imprecisão analítica na delimitação dos
vários aspectos da crise. Para os teóricos da
escola da regulação (Aglietta, 1976; Palloix, 1976;
Lipietz, 1985), a crise seria decorrente dos
problemas apresentados pela estrutura
produtiva. O taylorismo e o fordismo como
formas de organização do processo de trabalho
se defrontaram com dificuldades em propiciar a
elevação da produtividade, por terem atingido
seus limites. Segundo esses autores, não seria
possível intensificar mais o ritmo de trabalho, em
função da resistência dos trabalhadores. As
tarefas já teriam sido analisadas e fragmentadas
à exaustão, e as linhas de montagem alcançaram,satisfatoriamente, seu equilíbrio (Wood, 1991).
Os autores da teoria da especialização flexível
(Piore e Sabel, 1984) atribuem a crise à mudança
nos hábitos de consumo e à inadequação da
produção em massa de moldes fordistas, em
atender uma demanda que se tornou instável e
fragmentada.
Segundo Roobeek (1987), os principais
problemas enfrentados pelo fordismo são uma
conseqüência de seu próprio modelo de
acumulação. Esses problemas estão referidos à
concepção ampla de fordismo, não se
relacionando apenas ao processo de trabalho.8
O crescimento econômico dos países
desenvolvidos foi afetado pelo declínio do ritmo
da produtividade industrial, para o qual
concorreram diversos fatores. Muitos bens de
consumo duráveis e processos tecnológicos
tinham atingido a sua fase de maturidade e não
eram mais atrativos em mercados já saturados.
No final dos anos de 1960, as dificuldades para
encontrar novos mercados para seus produtos
obrigou as empresas a racionalizarem a produção,
com vistas a preservar sua lucratividade. Essa
iniciativa causou a dispensa de trabalhadores, a
diminuição nas taxas de investimentos em P&D,
levando à desaceleração do crescimento. Este
declínio foi um fator importante na redução da
produtividade, pois as empresas passaram a
operar com capacidade ociosa.
O surgimento dos movimentos ecológicos,
com as críticas à agressão do meioambiente
causada pela poluição, foi mais um fator que
contribuiu para pôr em discussão esse modelo
 As transformações no processo de trabalho240
de crescimento econômico. As empresas em
setores como a petroquímica e metalurgia tiveram
suas despesas acrescidas, com gastos em
equipamentos, para a preservação ambiental,
provenientes das regulamentações impostas
pelos governos locais.
Um outro fator a concorrer para a redução da
produtividade foram os choques do petróleo, de
1973 e 1979. Nos setores cujos processos
produtivos eram intensivos em energia, o preço
dos combustíveis tornou mais elevados os
custos de produção, dificultando sua posição
competitiva. Os enormes lucros obtidos pelas
companhias petrolíferas, e aplicados nos
principais bancos internacionais, estimularam o
investimento especulativo, em detrimento do
investimento produtivo.
O arranjo político-social implementado no
Pós-Guerra tinha como uma de suas principais
características a vinculação entre a produtividade
e os salários. A disponibilidade de mão-de-obra
barata era um fator de extrema importância nesse
modelo, pois impedia que houvesse pressão
excessiva sobre o nível dos salários, o que
acarretaria efeitos negativos sobre a taxa de
lucratividade das empresas, afetando os
investimentos. Essa mão-de-obra abundante e
barata era provida nos EUA pelos trabalhadores
negros do sul rural, mulheres e jovens, além da
imigração de países vizinhos. Na Europa
Ocidental, pelo deslocamento de trabalhadores
agrícolas para as atividades industriais e de
serviços, pelas mulheres, pelos jovens e pela
imigração para os países mais avançados das
populações de países menos desenvolvidos do
próprio continente europeu.
Nos anos da década de 1970, os salários
relativamente elevados e a legislação trabalhista
dos países avançados, associados à perda de
dinamismo em vários mercados de consumo
devido à saturação, levaram as grandes empresas
a deslocarem as partes da produção intensivas
em trabalho para os países com mão-de-obra
abundante e barata, de modo a preservar a
lucratividade. Essa estratégia acabou impactando
negativamente o mercado de trabalho dos países
ricos, pois muitos postos de trabalho foram
racionalizados, trazendo consigo o desemprego.
O resultado foi o aumento dos gastos
governamentais com auxílio aos desempregados
e, conseqüentemente, a fragilização das contas
públicas. Isso também concorreu para o
abandono da vinculação entre crescimento da
produtividade e aumentos salariais. Desde os
anos de 1970, as grandes empresas, inclusive as
multinacionais, passaram a utilizar a
subcontratação e a ocupação de imigrantes como
forma de diminuir os encargos trabalhistas e os
gastos com salários.
No processo de constituição do Welfare State
nos países desenvolvidos, os serviços sociais
tinham sido planejados para atender às
necessidades elementares da classe trabalhadora,
como uma forma de auxílio durante as depressões
econômicas conjunturais. Todavia, com o Welfare
State houve um alargamento dos serviços do
setor público, ampliando a classe média tanto
nos EUA como na Europa Ocidental. Essa
expansão tornava necessário atender a
aspirações como: aumento da educação superior,
ampliação dos serviços de saúde, alternativas
de lazer e criação de redes de auto-estradas,
interligando o lar (nos subúrbios) e o trabalho. O
preenchimento dessas demandas teve o apoio
da classe média, o que é comprovado pela
sustentação política e o financiamento fornecido
ao Estado nesses países (Roobeek, 1987).
As limitações apresentadas acima indicam
que, a partir do início dos anos de 1970, o padrão
fordista de organização industrial prevalecente
na produção manufatureira passou a se defrontar
com dificuldades em gerar dinamismo ao sistema.
Desde então, as empresas têm buscado
reestruturar-se de modo a recuperar o
crescimento. O ajuste tem consistido no
estabelecimento de novos princípios
manufatureiros, através do uso de tecnologias
de informação e de novos arranjos
organizacionais.
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Vol. 22(2): 231-244, jul./dez. 2000.
O PROCESSO DE TRABALHO NA
MANUFATURA JUST-IN-TIME
A discussão sobre o processo de trabalho
intensificou-se nos últimos anos, em decorrência
das transformações surgidas na produção
manufatureira derivadas da aplicação de novas
tecnologias - associadas aos avanços na
microeletrônica - e de inovações organizacionais
como o just-in-time, grupos de trabalho e outras,
essas últimas vinculadas a novos conceitos de
produção desenvolvidos no Japão.
A multivariada aplicação de tecnologias de
informação, mediante o uso de
microprocessadores (chip), com sua capacidade
de armazenar, processar e transmitir informações
de maneira crescente, veloz e barata, possibilitou
que se difundissem tecnologias como CAD/
CAM (Computer Aided Design/Computer Aided
Manufacturing), as máquinas-ferramentas de
controle numérico computadorizado (MFCNC),
os robôs e outras. O fato é que as inovações
tecnológicas estão compelindo a uma nova
maneira de produzir, mais eficiente e, portanto,
transformando a paisagem industrial, inclusive
o mundo do trabalho.
As transformações tecnológicas em curso na
indústria, geralmente, têm sido acompanhadas
ou seguidas de perto por inovações
organizacionais, pois a implementação das novas
tecnologias apresenta resultados mais
satisfatórios, quando, também, são incorporadas
mudanças organizacionais (Jaikumar, 1986).
A novidade radical que se apresenta na área
do processo de trabalho constitui-se em um novo
princípio de organizar a produção, mediante o
que se denominou “sistema just-in-time”.9 Os
novos conceitos manufatureiros associados a
esse sistema de produção ligam-se a um conjunto
de inovações organizacionais que a Toyota,
empresa japonesa produtora de automóveis,
vinha desenvolvendo a partir da metade da
década de 1940 (Ohno, 1988).
A concepção de como se deva organizar o
trabalho sob o sistema just-in-time é bastante
diferente de seu congênere da produção em
massa. Na produção em série de produtos
padronizados, o processo de trabalho é
concebido como se empurrasse a produção para
fora da fábrica a partir de seu próprio interior. No
sistema just-in-time a lógica se inverte, ou seja,
muda o ângulo de visão sobre como o trabalho
deva ser organizado. Nessa forma, ao contrário
da fabricação em massa, a produção sai da
empresa como se fosse puxada desde fora, a partir
de pedidos preexistentes10, indo em direção aos
componentes e depósito de matérias-primas.
O objetivo desse método de organizar o
processo de trabalho é o de aumentar a eficiência
e evitar qualquer tipo de desperdício, pois, assim
se consegue elevar a produtividade e reduzir
custos. Nessa ótica, trabalho executado e que
não foi demandado representa desperdícios, pois
não agrega valor e é fonte de elevação de custos.
No que se refere à relação capital-trabalho,
esta adquire outra dimensão sob essa forma de
organizar o processo de trabalho. A ligação
verticalizada no chão-de-fábrica, característica do
sistema de produção em massa, é transformada
em uma relação mais horizontal, com um maior
envolvimento e autonomia dos trabalhadores na
produção. Altera-se também o perfil de mão-de-
obra, pois esse sistema requer um trabalhador
com um mínimo de escolaridade, capaz de ler e
entender instruções, transmitir informações e ser
participativo no processo de produção11 .
Entretanto, como lembra Coriat (1991), a
lógica de extração de excedente não se altera ao
passar da norma taylorista/fordista de organizar
o processo de trabalho para o método just-in-
time. O que muda é sua forma. Lá, os aumentos
de produtividade ocorrem através da
especialização do trabalhador, parcelizando-o, e
da fragmentação das tarefas. No sistema just-in-
time o aumento de eficiência se dá pela
desespecialização do trabalhador (expressão
empregada por Coriat), transformado-o em
operário polivalente, capaz de monitorar
simultaneamente várias máquinas e executar
tarefas diferenciadas.
 As transformações no processo de trabalho242
Contudo, não há consenso sobre se essas
práticas organizacionais japonesas seriam uma
ruptura radical com aquelas do modelo de
produção em massa, ou apenas uma adaptação
dessas a um novo ambiente (Wood, 1991). Para
alguns autores (Dohse, Jürgens e Malsh, 1985),
as técnicas japonesas configurar-se-iam, na
realidade, em um hiperfordismo, dado que à
gerência ainda caberia o controle do processo
de trabalho, por não existir no Japão uma
resistência sindical ativa. Em pesquisa com
empresas americanas de diferentes ramos
industriais, Shaiken, Herzenberg e Kuhn (1986)
constataram que o uso de novas tecnologias,
tanto programável quanto de reorganização do
trabalho, visavam também a um maior controle
do processo de trabalho, resultando em menor
autonomia e maior intensificação do trabalho para
os operários.
Em suma, apesar do caráter inconcluso do
debate acerca da natureza das modificações que
o processo de trabalho tem experimentado, bem
como de seus efeitos mais definitivos, o ponto é
que a introdução de inovações organizacionais
e aquelas associadas à revolução da
microeletrônica têm impactado o mundo do
trabalho - ao alterarem a estrutura do emprego e
exigirem novos saberes dos trabalhadores - e a
competitividade das empresas. Conhecer a
direção dessas transformações, com todas as
suas implicações, é tarefa a que a economia e a
sociologia do trabalho têm dedicado esforços,
nos últimos anos.
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NOTAS
1Partes deste texto baseiam-se em Costa (1995).
2O desenvolvimento dessas fases no texto baseia-se
nos capítulos XI, XII e XIII de O Capital, salvo indicação
em contrário.
3Argumenta-se, inclusive, que o desenvolvimento
dessa forma de organizar o trabalho nos Estados Unidos
seria uma resposta dos capitais locais às condições do
mercado de trabalho existente naquele país no início
desse século, em que predominava uma mão-de-obra
imigrante, iletrada e de baixa qualificação (Sayer &
Walker, 1992).
4Os aspectos essenciais do taylorismo são a
separação entre projeto, inovação e execução; divisão e
subdivisão das tarefas e atribuição de um tempo a cada
movimento.
5A introdução da linha de montagem móvel na fábrica
da Ford de Highland Park, em Detroit, no ano de 1913,
 As transformações no processo de trabalho244
reduziu o ciclo médio de trabalho de 2,3 para 1,19
minutos. Essa redução provinha da economia de tempo
resultante da fixação do trabalhador ao posto de trabalho
e, também, da intensificação do ritmo pelaesteira
transportadora (Womack et alii, 1990; ed. 1992:16).
6Segundo Hirschman (1996) essa é a expressão
cunhada por Jean Fourastié em um artigo escrito em
1979.
7Mas cuja análise foge ao escopo deste texto.
8Desse modo, são apresentados resumidamente, a
seguir, os problemas que a mencionada autora considera
inerentes a esse modelo, pois traçam um quadro geral
dos vários aspectos envolvidos na crise desse padrão de
desenvolvimento.
9A idéia que a expressão just-in-time procura
apresentar é de que se deve produzir apenas quando
necessário, ou seja, os materiais deveriam chegar à linha
de produção ou ao posto de trabalho, apenas no momento
em que fossem requeridos. Convém chamar a atenção do
leitor que também são usadas outras expressões para
referir-se a essa forma de organizar o processo de trabalho
como: Toyotismo, Ohnismo, lean production.
10Mencionar a demanda preexistente não significa
dar a entender que esse seja um sistema de produção
estritamente comandado pela demanda efetiva, sem que
haja necessidade de planejamento da produção a curto e
médio prazo (Sayer e Walker, 1992). A existência de
procura pelo produto é fundamental para a empresa,
independentemente da forma de organização do processo
de trabalho. O ponto aqui é que o sistema just-in-time se
guia pelas encomendas de produção existentes na fábrica,
e não pelo volume de produção que determinado ritmo
de máquinas e da força de trabalho consegue realizar em
um dado tempo como na produção em massa. Ocorre
que essa maneira de organizar o processo permite que o
sistema trabalhe de maneira mais suave e melhor
integrado.
11Entretanto, isso nem sempre foi assim. Por volta
de 1950 existia no Japão um sindicalismo por indústria
forte e combativo que, inclusive, minava a tentativa de
reestruturação do capital japonês no imediato pós-guerra.
O conflito trabalhista estabelecido em 1950 teve um
resultado desastroso para os trabalhadores. Embora o
presidente da Toyota, Kiichiro Toyoda, tenha se demitido
e responsabilizado-se pela greve então deflagada, o capital
saiu vitorioso da disputa, obtendo a hegemonia política,
e dispensado cerca de 1.600 trabalhadores. Com uma
nova derrota dos sindicatos em 1953 desenvolveu-se no
Japão um sindicalismo por empresa, onde as
reinvidicações dos operários passaram a subordinar-se à
boa performance das firmas em relação à sua posição no
mercado. A contrapartida para os trabalhadores da nova
estrutura sindical foi o emprego vitalício (the lifetime
employment) e o salário por senioridade (Coriat,
1991).

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