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A. B. Costa & B. M. Costa 231 © Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro Rev. Univ. Rural, Sér. Ciênc. Humanas Vol. 22(2): 231-244, jul./dez. 2000. NOTA-DE-PESQUISA AS TRANSFORMAÇÕES NO PROCESSO DE TRABALHO Achyles Barcelos da Costa Beatriz Morem da Costa ABSTRACT: COSTA, A. B & COSTA, B.M. The transformation of the labour process. Rev. Univ. Rural, sér. ciênc. hum., v.22, n.2, p.231-244 - This paper deals with the historical transformations of the labour process under the capitalist system. In spite of its mercantil form, along its development this mode of production have used severals forms to organize work. From this point of view the text describes then, in the earliest stage of that process, the transition from the simple merchandise production based on handicraft to manufacture. After that, the change in the manufacture to the machinofacture is examined. In the twentieth century period are highlighted the work rationalizations produced by Taylorist and Fordist methods, the rise of mass production, as well as the main caracteristics of the debate about the crisis of Fordism. Last, the paper focuses on the current changes that have been ocurred in the labour process from the so called just-in-time manufacture. KEYWORDS: labour process - mass production - just-in-time manufacture. INTRODUÇÃO1 O objetivo deste artigo é apresentar a evolução do processo de trabalho em termos de suas transformações históricas sob o capitalismo. Convém notar que, mesmo tendo adquirido a feição mercantil, não há, sob esse modo de produção, uma maneira única e acabada de organizar o trabalho, como têm mostrado as experiências da produção em massa e da produção flexível, no decorrer deste século XX. Embora haja uma interação dinâmica entre mercado e inovações, essas últimas são fatores determinantes na constituição de uma nova forma de trabalhar. Além desta Introdução, em que se apresenta sucintamente os primórdios deste processo, há ainda cinco outras seções. A segunda e a terceira mostram a transição da produção simples de mercadorias, baseada no artesanato para a manufatura, onde se aprofunda a divisão do trabalho. A quarta seção apresenta a mudança da base técnica manual para a maquinofatura. A quinta destaca os principais desdobramentos na racionalização do trabalho produzidos pelos métodos tayloristas e fordistas e o advento da produção em massa, bem como os principais aspectos do debate acerca da crise do fordismo. A sexta expõe as mudanças recentes no processo de trabalho a partir da chamada manufatura just- in-time. H H H O homem, através do seu trabalho, atua sobre os elementos que encontra na natureza, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Submetido em 16/nov/1999 Aceito em 08/set/2000 As transformações no processo de trabalho232 transformando-os em objetos destinados a satisfazer suas necessidades. O processo de trabalho pelo qual se realiza essa transformação requer a presença de três fatores indispensáveis: os próprios seres humanos ou a força de trabalho; as matérias-primas sobre as quais o homem atua; e os instrumentos que viabilizam essa transformação. Esses três elementos definem um processo de trabalho considerado em abstrato, não se referindo a qualquer forma social específica. Até o século XVI, nas áreas urbanas da Europa Ocidental, predominava a produção simples de mercadorias. Os produtos em quantidades determinadas eram elaborados pelos mestres artesãos, em suas casas, com o auxílio de uns poucos aprendizes, sendo vendidos diretamente aos consumidores. Nesse modo de produzir, eram muito limitadas as diferenças sociais entre os artesãos e os aprendizes, podendo os últimos, ao fim de seu tempo de aprendizagem, ascender à categoria de mestres. Mandel (1962) mostra que esse modo de produção via-se limitado por várias contradições. Por um lado, havia aquelas que eram inerentes ao próprio sistema; a população urbana e o número de artesãos tinham aumentado progressivamente, não sendo acompanhados pela ampliação do mercado. Essa situação gerava uma concorrência cada vez maior entre as cidades, o aumento do protecionismo em cada cidade e das restrições para a admissão de novos artesãos nas corporações de ofício. Além disso, a ascensão dos aprendizes à categoria de mestres tornava-se mais difícil, pelas condições mais duras colocadas à aprendizagem. De outro lado, os artesãos das cidades que comerciavam em mercados mais amplos do que o local terminavam por perder o controle das mercadorias que produziam. Isso era uma conseqüência do fato de que, para comerciar em feiras afastadas de sua cidade, o artesão via-se obrigado a interromper a produção para levar os produtos até o local de venda, só podendo retomá-la quando retornava à sua cidade de origem. O resultado imediato foi os artesãos mais ricos contratarem pessoas domiciliarmente (putting-out system) que os substituíssem na fabricação de produtos, de modo a especializarem-se na comercialização (Landes, 1969). Em alguns ramos da produção, principalmente o têxtil, o artesão acabava subordinando-se parcial ou completamente ao comerciante. A evolução seguinte foi os artesãos verem-se obrigados a comprar a matéria-prima dos comerciantes, além de lhes venderem o produto acabado. No entanto, para que o processo de trabalho assumisse a forma social capitalista, duas condições fundamentais eram necessárias. Por um lado, a existência de indivíduos possuidores de um montante de capital suficiente para comprar meios de produção (matérias-primas, instalações, ferramentas, etc.) e força de trabalho alheia. De outro, indivíduos destituídos de meios de produção que, para sobreviverem, fossem forçados a vender sua força de trabalho aos possuidores de capital. Essas condições surgiram após um longo desenvolvimento histórico, que culminou na efetiva separação dos produtores diretos dos meios de produção. COOPERAÇÃO Segundo Marx (1867), historicamente, o desenvolvimento do processo de trabalho capitalista apresentou três fases: cooperação, manufatura e grande indústria.2 Nesta última, que principia no século XIX, é possível ainda considerar-se dois desdobramentos a partir do início do século XX: o taylorismo/fordismo e, mais recentemente, a automação flexível e novas formas organizacionais que colocam em novas bases o processo de trabalho, no capitalismo contemporâneo. Marx (1867; vol. I, Livro 1) assinala que a produção capitalista tem início quando o proprietário de capital (o comerciante) reúne em um mesmo local um número relativamente elevado A. B. Costa & B. M. Costa 233 © Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro Rev. Univ. Rural, Sér. Ciênc. Humanas Vol. 22(2): 231-244, jul./dez. 2000. de artesãos que, sob suas ordens, produzem a mesma espécie de bens para o mercado. Embora não haja alteração do processo de trabalho em relação ao artesanato, o fato de muitos trabalhadores servirem-se simultânea ou alternadamente das mesmas instalações, instrumentos, aparelhos, depósitos para matérias-primas, etc, representa uma economia dos meios de produção pelo seu uso coletivo. Meios de produção utilizados em comum cedem parte menor do seu valor ao produto individual, seja porque o valor global que transferem se reparte simultaneamente por uma massa maior de produtos, seja porque comparados com meios de produção isolados, entram no processo de produção com um valor que, embora seja absolutamente maior, considerando sua escala de ação, é relativamente menor. Com isso diminui um componente do valor do capital constante, diminuindo também, portanto, na proporção de sua grandeza, o valor da mercadoria (Marx, 1867, vol. I, cap. XI:259). A outra vantagem que surge da reunião de muitos trabalhadores em um mesmo local, além da economia dos meios de produção, é a combinação da força de trabalho coletiva que amplia a quantidade de mercadorias produzidas,diminuindo o tempo de trabalho necessário à produção de um determinado bem. Assim, a cooperação resulta em uma elevação da produtividade do trabalho. Para que seja possível a produção capitalista, é imprescindível que um mesmo indivíduo consiga acumular um montante de capital suficiente para comprar tanto os meios de trabalho necessários para produzir bens a serem vendidos no mercado, como a força de trabalho de muitos outros indivíduos, dependendo a escala da cooperação e a da produção da quantidade de capital que o capitalista tem a seu dispor. Como o trabalhador não trabalha mais para si como anteriormente e sim, para o capitalista, o comando do trabalho passa a ser uma função do capital. Com a cooperação de muitos trabalhadores assalariados, o comando do capital converte-se numa exigência para a execução do próprio processo de trabalho, numa verdadeira condição a produção. As ordens do capitalista no campo a produção tornam-se agora tão indispensáveis uanto as ordens do general no campo de batalha Marx, 1867; vol. I, cap. XI:262-263). O comando do capital tem um duplo conteúdo que se origina da própria duplicidade da produção capitalista. Por um lado, é um processo social de trabalho que reúne e coloca em cooperação diversos indivíduos na elaboração de mercadorias. De outro, é um processo de exploração de excedente que tem como finalidade a maior valorização do capital investido na produção. ... a cooperação dos assalariados é mero efeito do capital, que os utiliza simultaneamente. A conexão de suas funções e sua unidade como corpo total produtivo situa-se fora deles, no capital, que os reúne e os mantêm unidos. A conexão de seus trabalhos se confronta idealmente portanto como plano, na prática como autoridade do capitalista, como poder de uma vontade alheia que subordina sua atividade ao objetivo dela (Marx, 1867; vol. I, cap. XI: 263). A cooperação simples coincide com a produção capitalista em grande escala, na qual não existe ainda uma divisão do trabalho muito desenvolvida ou a maquinaria. Marx indica que, historicamente, a transição para a cooperação simples tem início no século XVI, correspondendo aos primórdios da manufatura. As transformações no processo de trabalho234 MANUFATURA O período manufatureiro, compreendido entre os meados do século XVI e o final do século XVIII, representou uma revolução na organização do processo de trabalho baseado no artesanato. Nesse período, ocorre a decomposição dos processos independentes de trabalho dos ofícios e a sua reorganização em operações parciais desempenhadas por muitos trabalhadores individuais, que compõem o trabalhador coletivo da manufatura. Na manufatura inicia-se a hierarquização da força de trabalho pela divisão dos trabalhadores da produção em qualificados e não-qualificados; divisão essa inexistente no artesanato e à qual corresponde uma escala de salários. Aos trabalhadores qualificados cabem as funções que requerem maior esforço mental, maior habilidade e destreza manual e demandam maior tempo de aprendizagem. Aos trabalhadores não- qualificados são atribuídas as tarefas manuais mais simples e que não exigem quase treinamento. Para ambos os tipos de trabalhadores, há um processo de desvalorização, já que a simplificação das funções na manufatura reduz os custos de aprendizagem dos trabalhadores qualificados e os elimina para os não-qualificados. Ainda assim, essa desvalorização da força de trabalho era relativa, pois as tarefas parciais mais difíceis continuavam exigindo um longo tempo de aprendizagem e, nas tarefas em que este tempo de aprendizagem se tornava desnecessário, havia ainda a obstinação dos trabalhadores em preservá-lo. Um exemplo disso foi a manutenção do período de sete anos para a aprendizagem na Inglaterra, estabelecido em leis que duraram até o final do século XVIII. Além do que, a decomposição do processo de trabalho criava novas funções que não existiam no artesanato. A transformação do artesão em trabalhador assalariado e a sua fixação a uma função parcial impunha a necessidade de efetuar uma diferenciação dos instrumentos de trabalho, adaptando-os ao uso específico em determinada tarefa. Com isso, houve a simplificação, diversificação e um aprimoramento considerável das ferramentas, viabilizando o desenvolvimento da maquinaria. O desenvolvimento da manufatura pelo parcelamento das tarefas revolucionou a organização do processo de trabalho, porém não conseguiu independentizar o capital do trabalho vivo. Nessa fase, o limite fundamental consistia na estreiteza da base técnica artesanal, que demandava um grande número de operários qualificados. Os trabalhadores individualmente e o próprio coletivo de trabalho encontravam-se limitados fisicamente, tanto pela destreza e habilidades sensoriais do trabalho humano, quanto pela sua força física, ainda que esta já houvesse sido aumentada de diversas formas (Blackburn et alii. 1985). Esse limite foi ultrapassado com a introdução da maquinaria e o advento da fábrica moderna. MAQUINARIA E GRANDE INDÚSTRIA O período manufatureiro realizou um grande aperfeiçoamento das ferramentas de trabalho, pela sua simplificação e adaptação às atividades especializadas dos trabalhadores parciais. A evolução seguinte foi o surgimento da maquinaria e da produção mecanizada, que é o fundamento da fábrica moderna. A maquinaria consiste em três partes essenciais: o motor (fonte produtora de energia) o mecanismo de transmissão e várias ferramentas iguais ou semelhantes, que atuam sobre o objeto de trabalho, moldando-o ao objetivo pretendido. Dessa forma, as ferramentas, integrando-se ao sistema de maquinaria, transformam-se em máquinas-ferramentas que incorporam em seu funcionamento a destreza e a habilidade do trabalhador individual (Palloix, 1976:79). Com a ferramenta de trabalho transfere-se também a virtuosidade, em seu manejo, do trabalhador para a máquina. A eficácia da A. B. Costa & B. M. Costa 235 © Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro Rev. Univ. Rural, Sér. Ciênc. Humanas Vol. 22(2): 231-244, jul./dez. 2000. ferramenta é emancipada das limitações pessoais da força de trabalho humano. Com isso, supera-se o fundamento técnico sobre o qual repousa a divisão do trabalho na manufatura. No lugar da hierarquia de operários especializados que caracteriza a manufatura, surge, por isso, na fábrica automática, a tendência à igualação ou nivelação dos trabalhos, que os auxiliares da maquinaria precisam executar; no lugar das diferenças artificialmente criadas entre os trabalhadores parciais surgem de modo preponderante as diferenças naturais de idade e sexo (Marx, 1867; vol. I, Tomo 2, cap.XIII:41). A divisão do trabalho na fábrica consiste na distribuição dos operários entre as máquinas especializadas e de grande quantidade de trabalhadores entre os vários departamentos que a compõem, onde operam máquinas da mesma espécie colocadas lado a lado. O grupo articulado de trabalhadores da manufatura deixa de existir, sendo substituído pelo operário principal e alguns auxiliares. A diferença essencial entre os operários é a que se verifica entre os operadores (qualificados) e os simples ajudantes (não-qualificados), cuja função é fornecer o material de trabalho às máquinas. Ao lado dessas duas camadas principais, encontra-se um número reduzido de trabalhadores que têm como atribuição o controle e reparação da maquinaria, como: engenheiros, mecânicos, marceneiros, etc. Essa é uma camada que possui um status mais elevado, em parte, com formação científica como os engenheiros; em parte, artesanal, como os mecânicos e os marceneiros. O sistema de máquinas que é resultado da incorporação da ciência pelo capitalismo, adapta o processo de trabalho aos ditames e necessidades do capital e tem como efeito a subordinação real do trabalho ao capital. Ou seja, à subordinaçãoformal - o assalariamento - acrescenta-se, com a maquinaria, o controle direto sobre a natureza e o ritmo do trabalho. Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, ele serve a máquina. Lá, é dele que parte o movimento do meio de trabalho; aqui ele precisa acompanhar o movimento. Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, há um mecanismo morto, independente deles, ao qual são incorporados como um apêndice vivo (Marx, 1867; v.I, Tomo 2, cap.XIII: 43). A introdução da maquinaria tem como conseqüência o aumento da produtividade, a desqualificação e a desvalorização dos trabalhadores através dos elementos objetivos do processo de trabalho. Na fábrica, as instalações, máquinas e equipamentos, não podem mais ser utilizados individualmente, pois somente adquirem funcionalidade mediante o uso coletivo de forças de trabalho combinadas, surgindo ante os trabalhadores individuais como condições sociais da produção. A utilização da maquinaria intensificou ainda mais a cisão entre trabalho intelectual e manual, pois as máquinas incorporam um conhecimento ao qual o trabalhador não tem acesso. No entanto, as habilidades dos trabalhadores ainda continuavam sendo necessárias para colocar as máquinas em funcionamento, não possuindo a gerência o controle dos tempos entre o fim de uma operação e o início de outra, que ficavam a cargo dos operários. Os limites à acumulação e valorização do capital, nessa forma, eram constituídos pelas habilidades dos trabalhadores e o controle por eles exercido sobre o modo e o tempo de realização do trabalho. No início do século XX, desenvolveu-se nos EUA um novo método de organização do processo trabalho - o taylorismo/fordismo - que permitiu aumentar a produtividade industrial mediante a quebra do domínio dos trabalhadores na regulação do processo produtivo. As transformações no processo de trabalho236 TAYLORISMO, FORDISMO E A PRODUÇÃO EM MASSA O processo de trabalho Em fins do século XIX, quando Taylor iniciou seus estudos sobre a racionalização do trabalho, o capitalismo norte-americano já se encontrava em condições de assumir o papel de vanguarda da acumulação mundial. A existência de recursos naturais abundantes, principalmente carvão e petróleo, um grande número de trabalhadores disponíveis pelo estímulo à imigração, de várias partes do mundo, e o grau de avanço tecnológico de sua indústria, entretanto, chocavam-se com a falta de um modo de organização do trabalho compatível com as novas condições de produção e de mercado de trabalho que então se apresentavam. O problema que Taylor procurava resolver era, portanto, como tornar eficiente o sistema evitando o desperdício de materiais, ferramentas, tempo e homens. Em seu livro “Princípios de Administração Científica” de 1911, ele tentava demonstrar que o aumento da produtividade do trabalho podia ser atingido pela transformação da administração de coisas e homens em uma verdadeira ciência “... regida por normas, princípios e leis claramente definidos, tal como uma instituição” (Taylor, 1911:30). O principal obstáculo à elevação da produtividade do trabalho, à época de Taylor, era o fato de que os trabalhadores detinham ainda o controle sobre o modo de realizar o trabalho, a despeito da introdução da maquinaria. Considerando a atitude habitual dos operários, ele chegara à conclusão de que estes não empenhavam todo o seu esforço no trabalho, procurando sempre fazer menos do que eram realmente capazes. A eliminação da cera e das várias causas de trabalho retardado, desceria tanto o custo da produção que ampliaria o nosso mercado interno e externo, de modo que poderíamos competir com nossos rivais (Taylor, 1911:35). Taylor considerava como causas determinantes da ineficiência do trabalho: i) a solidariedade existente entre os trabalhadores, que os levava a perceber a maior produtividade como causa do desemprego; ii) a ignorância da administração a respeito dos tempos efetivamente necessários para a realização das tarefas, que incentivava os operários a diminuírem a produção; iii) os métodos empíricos ineficientes que redundavam em grande desperdício de esforço no trabalho. Para que houvesse maior produtividade, essas causas precisavam ser erradicadas, substituindo o método de administração por iniciativa e incentivos, então em uso, por novas formas de organização do trabalho, a chamada “administração científica”. Taylor argumentava que o sistema prevalecente não permitia incrementar a produtividade, pois se fundamentava no conjunto de conhecimentos empíricos tradicionais dos próprios trabalhadores, inexistindo uniformidade de execução. Além disso, esse método deixava à iniciativa e juízo dos operários a decisão a respeito da maneira mais eficaz e econômica de realizar o trabalho. Para isso, havia um esquema de concessão de incentivos individuais (melhores salários, promessa de rápida promoção ou melhoria, menos horas de trabalho) para que assim procedessem. Segundo Taylor, isso se mostrava contraproducente, dado que os trabalhadores haviam aprendido, em sua experiência cotidiana, que todo incentivo financeiro recebido por aumento de produção era anulado, pois esse aumento tornava-se daí em diante uma norma exigida pelo patrão. Assim, o desenvolvimento de uma ciência que embasasse a racionalização do trabalho fabril atribuía à gerência uma função inteiramente A. B. Costa & B. M. Costa 237 © Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro Rev. Univ. Rural, Sér. Ciênc. Humanas Vol. 22(2): 231-244, jul./dez. 2000. nova: “... reunir todos os conhecimentos tradicionais que no passado possuíram os trabalhadores e então classificá-los, tabulá-los, reduzi-los a normas, leis ou fórmulas...” (Taylor, 1911:51). Dessa maneira, Taylor propunha que concepção e execução do trabalho fossem alocadas a esferas distintas. À “gerência científica” caberia realizar a análise metódica dos gestos realizados pelos operários na execução de suas atividades, sistematizando-os, de forma a permitir sua padronização. Aos trabalhadores da produção seria atribuído o desempenho das tarefas planejadas e prescritas pela gerência. Segundo Zarifian, com o taylorismo criam-se dois novos tipos de trabalho: ... o trabalho de estudo realizado pelos técnicos dos departamentos de organização e métodos (com o apoio dos cronometristas), e o trabalho de controle direto, executado pelos contramestres e chefes de equipe (Zarifian, 1990:75). O interesse primordial de Taylor era a administração da tarefa, ou seja, a determinação do melhor nível de desempenho possível para cada trabalho. Essa preocupação levou-o a ressaltar a importância de incentivos financeiros, vinculando desempenho e pagamento e, mais tarde, à atribuição de quotas de trabalho fixas aos operários, a fim de elevar a produtividade. Para isso também contribuiu a introdução de melhorias simultâneas na manutenção das máquinas, na oferta de materiais e ferramentas, no fluxo de trabalho e na supervisão detalhada (Wood e Kelly, 1982). A simplificação das tarefas resultante do novo método tornou possível a absorção de trabalhadores oriundos do campo, da imigração ou do trabalho doméstico, que não possuíam experiência de trabalho fabril, contribuindo para baratear o preço da força de trabalho.3 Na avaliação dessa forma de administrar o trabalho, Braverman (1974) desenvolve uma crítica severa dos princípios tayloristas, pois considerava que tendiam a promover crescente desqualificação da força de trabalho. Os princípios de separação entre concepção e execução, destituição dos trabalhadores de seu saber de ofício, através da busca da máxima simplificação das tarefas e a alocação à gerência do conhecimento do processo de trabalho, representavam para Braverman a degradação do labor operário. Henry Fordretomou o essencial do taylorismo4 , desenvolvendo-o, ao fixar o trabalhador ao seu posto de trabalho, com a criação da linha de montagem e a introdução da esteira transportadora, na produção de automóveis. Assim, o objeto de trabalho chegava até o operário sem que fosse preciso o seu deslocamento, fator que contribuiu para a redução da morosidade da jornada de trabalho.5 O fordismo socializou a proposta de Taylor, pois trata-se do controle da execução das tarefas individuais de forma coletiva, por intermédio da esteira. Além disso, Ford (1922) também inovou ao introduzir o salário diário, que ficou conhecido como The Five Dollar Day, em substituição ao pagamento por tarefa, e que representou um novo método de controle da força de trabalho. De acordo com Coriat, a nova modalidade de pagamento tinha como funções: Assegurar ao capital uma oferta ininterrupta de mão-de-obra; impedir a ocorrência de rebeliões de trabalhadores em grande escala, que ocorreram regularmente na Europa do século XIX, desinfetando a população trabalhadora, e treinando inspetores para controlá-la; e assegurar com isso o rápido avanço da produção em massa e da acumulação de capital (Coriat, 1975; apud Palloix, 1976:88). Segundo Lipietz (1985:89), do ponto de vista do processo de trabalho, o fordismo tem como característica principal a segmentação das atividades produtivas em três níveis: As transformações no processo de trabalho238 i) a concepção, a organização de métodos e a engenharia tornadas autônomas; ii) a fabricação qualificada exigindo mão-de- obra adequada; iii) a execução e a montagem desqualificadas, não exigindo em princípio nenhuma qualificação. Assim sendo, a característica básica do processo de trabalho fordista é a cadeia de produção semi-automática, desenvolvida na indústria automobilística dos EUA, a partir da década de 1920, e que se difundiu à produção em série de bens de consumo padronizados e dos componentes intermediários à sua fabricação. A cadeia de produção semi-automática consiste na integração dos diferentes segmentos do processo de trabalho, mediante um sistema de guias e meios de manutenção que levam as matérias-primas até as máquinas. Esse sistema permite reduzir os tempos de deslocamento e manipulação de objetos pesados ou compostos por substâncias corrosivas, levando a considerável economia de força de trabalho e elevação da composição orgânica do capital. Além disso, a cada trabalhador corresponde um posto de trabalho determinado pelo sistema de máquinas, que impõe um ritmo de trabalho uniforme e sobre o qual os operários não têm controle (Aglietta, 1976). Algumas qualificações precisam ser estabelecidas entre o taylorismo e o fordismo, no sentido de que os dois conceitos não sejam entendidos como sinônimos. O taylorismo é um conceito mais limitado que o fordismo e refere- se, principalmente, à administração do trabalho no chão-de-fábrica, utilizando técnicas de estudo dos movimentos e gestos para assegurar a economia no desempenho de tarefas específicas. Ou seja, o taylorismo está vinculado à fragmentação das tarefas e sua padronização, sendo, ademais, aplicável a pequenos e médios volumes de produção e ao trabalho em escritórios (Wood, 1989). O fordismo é um conceito amplo que se aplica à produção em grandes volumes, utilizando a linha de montagem, maquinaria dedicada e rotinas de trabalho padronizadas (tayloristas). A produtividade é elevada devido às economias de escala obtidas na fabricação em grandes quantidades de bens com pouca variabilidade, mediante o aumento na velocidade com que os materiais são trabalhados na produção (Chandler, 1977), bem como pela desqualificação da mão- de-obra, intensificação do ritmo de trabalho e nivelação de tarefas. Uma outra dimensão do conceito de fordismo é sua extensão à sociedade, significando o modo de regulação do capitalismo em sua fase monopolista, desenvolvido nos EUA, no período entre-guerras e que se difundiu após a 2ª Guerra Mundial, nas principais economias capitalistas. Os novos métodos de organização do trabalho e o surgimento de um número relativamente elevado de novas tecnologias, em alguns ramos estabelecidos da indústria, tais como: a indústria automobilística, a metalurgia, a mecânica e a petroquímica realizaram transformações radicais na estrutura produtiva dos principais países capitalistas. O incremento da produtividade gerado pelos métodos tayloristas e fordistas de organização do trabalho, combinados com as inovações técnicas e o aparecimento de novos produtos, tornaram imprescindível a existência de mercados de massa, para absorver a crescente produção de bens manufaturados. Isso demandava a criação de um novo modelo de consumo e uma transformação do estilo de vida. O fordismo adaptou as formas institucionais, econômicas, sociais, políticas e culturais aos esquemas de reprodução do capitalismo monopolista, possibilitando vincular os ganhos de produtividade ao crescimento do poder aquisitivo dos assalariados. Essa vinculação se fazia necessária para garantir o tipo de consumo adequado à produção em massa, que se tornara o método de produção dominante (Lipietz, 1985). No período posterior à 2ª Guerra Mundial, os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) experimentaram trinta anos (‘les trente A. B. Costa & B. M. Costa 239 © Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro Rev. Univ. Rural, Sér. Ciênc. Humanas Vol. 22(2): 231-244, jul./dez. 2000. glorieuses’)6 de grande e regular crescimento econômico. Nesses anos, o aumento considerável da produtividade foi acompanhado pelo crescimento paralelo dos salários, gerando um elevado padrão de vida para a população desses países. Em todos os países onde se tornou dominante a acumulação intensiva com consumo em massa, manifestaram-se aspectos da regulação fordista. Entretanto, houve variações de um país a outro relacionadas ao desenvolvimento histórico e às estruturas sociopolíticas e culturais específicas a cada nação.7 A crise do fordismo Em meados da década de 1970, surgiram indícios de que o modelo de desenvolvimento industrial de caráter fordista começava a enfrentar sérias dificuldades em sua reprodução. No âmbito da estrutura produtiva, as formas organizacionais tayloristas/fordistas não conseguiam mais obter ganhos de produtividade devido aos limites técnicos à fragmentação do trabalho. Além disso, a insatisfação dos trabalhadores manifestadas no absenteísmo, nas sabotagens e nas greves tornou-se freqüente, nos países desenvolvidos, acarretando perdas à produção industrial. No contexto social, o modelo de desenvolvimento vigente passou a ser questionado tanto pelos danos causados ao meioambiente, devido ao uso predatório dos recursos naturais, quanto pela massificação dos hábitos de consumo; no âmbito econômico, houve desaceleração no crescimento dos mercados dos setores industriais - metal- mecânica e química - que formavam a base desse padrão de desenvolvimento industrial. Essa crise do sistema capitalista foi diagnosticada pelos diversos autores que a têm estudado como sendo de natureza estrutural, embora haja divergências quanto aos fatores que a originaram ou, como afirma Boyer (1986), uma certa imprecisão analítica na delimitação dos vários aspectos da crise. Para os teóricos da escola da regulação (Aglietta, 1976; Palloix, 1976; Lipietz, 1985), a crise seria decorrente dos problemas apresentados pela estrutura produtiva. O taylorismo e o fordismo como formas de organização do processo de trabalho se defrontaram com dificuldades em propiciar a elevação da produtividade, por terem atingido seus limites. Segundo esses autores, não seria possível intensificar mais o ritmo de trabalho, em função da resistência dos trabalhadores. As tarefas já teriam sido analisadas e fragmentadas à exaustão, e as linhas de montagem alcançaram,satisfatoriamente, seu equilíbrio (Wood, 1991). Os autores da teoria da especialização flexível (Piore e Sabel, 1984) atribuem a crise à mudança nos hábitos de consumo e à inadequação da produção em massa de moldes fordistas, em atender uma demanda que se tornou instável e fragmentada. Segundo Roobeek (1987), os principais problemas enfrentados pelo fordismo são uma conseqüência de seu próprio modelo de acumulação. Esses problemas estão referidos à concepção ampla de fordismo, não se relacionando apenas ao processo de trabalho.8 O crescimento econômico dos países desenvolvidos foi afetado pelo declínio do ritmo da produtividade industrial, para o qual concorreram diversos fatores. Muitos bens de consumo duráveis e processos tecnológicos tinham atingido a sua fase de maturidade e não eram mais atrativos em mercados já saturados. No final dos anos de 1960, as dificuldades para encontrar novos mercados para seus produtos obrigou as empresas a racionalizarem a produção, com vistas a preservar sua lucratividade. Essa iniciativa causou a dispensa de trabalhadores, a diminuição nas taxas de investimentos em P&D, levando à desaceleração do crescimento. Este declínio foi um fator importante na redução da produtividade, pois as empresas passaram a operar com capacidade ociosa. O surgimento dos movimentos ecológicos, com as críticas à agressão do meioambiente causada pela poluição, foi mais um fator que contribuiu para pôr em discussão esse modelo As transformações no processo de trabalho240 de crescimento econômico. As empresas em setores como a petroquímica e metalurgia tiveram suas despesas acrescidas, com gastos em equipamentos, para a preservação ambiental, provenientes das regulamentações impostas pelos governos locais. Um outro fator a concorrer para a redução da produtividade foram os choques do petróleo, de 1973 e 1979. Nos setores cujos processos produtivos eram intensivos em energia, o preço dos combustíveis tornou mais elevados os custos de produção, dificultando sua posição competitiva. Os enormes lucros obtidos pelas companhias petrolíferas, e aplicados nos principais bancos internacionais, estimularam o investimento especulativo, em detrimento do investimento produtivo. O arranjo político-social implementado no Pós-Guerra tinha como uma de suas principais características a vinculação entre a produtividade e os salários. A disponibilidade de mão-de-obra barata era um fator de extrema importância nesse modelo, pois impedia que houvesse pressão excessiva sobre o nível dos salários, o que acarretaria efeitos negativos sobre a taxa de lucratividade das empresas, afetando os investimentos. Essa mão-de-obra abundante e barata era provida nos EUA pelos trabalhadores negros do sul rural, mulheres e jovens, além da imigração de países vizinhos. Na Europa Ocidental, pelo deslocamento de trabalhadores agrícolas para as atividades industriais e de serviços, pelas mulheres, pelos jovens e pela imigração para os países mais avançados das populações de países menos desenvolvidos do próprio continente europeu. Nos anos da década de 1970, os salários relativamente elevados e a legislação trabalhista dos países avançados, associados à perda de dinamismo em vários mercados de consumo devido à saturação, levaram as grandes empresas a deslocarem as partes da produção intensivas em trabalho para os países com mão-de-obra abundante e barata, de modo a preservar a lucratividade. Essa estratégia acabou impactando negativamente o mercado de trabalho dos países ricos, pois muitos postos de trabalho foram racionalizados, trazendo consigo o desemprego. O resultado foi o aumento dos gastos governamentais com auxílio aos desempregados e, conseqüentemente, a fragilização das contas públicas. Isso também concorreu para o abandono da vinculação entre crescimento da produtividade e aumentos salariais. Desde os anos de 1970, as grandes empresas, inclusive as multinacionais, passaram a utilizar a subcontratação e a ocupação de imigrantes como forma de diminuir os encargos trabalhistas e os gastos com salários. No processo de constituição do Welfare State nos países desenvolvidos, os serviços sociais tinham sido planejados para atender às necessidades elementares da classe trabalhadora, como uma forma de auxílio durante as depressões econômicas conjunturais. Todavia, com o Welfare State houve um alargamento dos serviços do setor público, ampliando a classe média tanto nos EUA como na Europa Ocidental. Essa expansão tornava necessário atender a aspirações como: aumento da educação superior, ampliação dos serviços de saúde, alternativas de lazer e criação de redes de auto-estradas, interligando o lar (nos subúrbios) e o trabalho. O preenchimento dessas demandas teve o apoio da classe média, o que é comprovado pela sustentação política e o financiamento fornecido ao Estado nesses países (Roobeek, 1987). As limitações apresentadas acima indicam que, a partir do início dos anos de 1970, o padrão fordista de organização industrial prevalecente na produção manufatureira passou a se defrontar com dificuldades em gerar dinamismo ao sistema. Desde então, as empresas têm buscado reestruturar-se de modo a recuperar o crescimento. O ajuste tem consistido no estabelecimento de novos princípios manufatureiros, através do uso de tecnologias de informação e de novos arranjos organizacionais. A. B. Costa & B. M. Costa 241 © Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro Rev. Univ. Rural, Sér. Ciênc. Humanas Vol. 22(2): 231-244, jul./dez. 2000. O PROCESSO DE TRABALHO NA MANUFATURA JUST-IN-TIME A discussão sobre o processo de trabalho intensificou-se nos últimos anos, em decorrência das transformações surgidas na produção manufatureira derivadas da aplicação de novas tecnologias - associadas aos avanços na microeletrônica - e de inovações organizacionais como o just-in-time, grupos de trabalho e outras, essas últimas vinculadas a novos conceitos de produção desenvolvidos no Japão. A multivariada aplicação de tecnologias de informação, mediante o uso de microprocessadores (chip), com sua capacidade de armazenar, processar e transmitir informações de maneira crescente, veloz e barata, possibilitou que se difundissem tecnologias como CAD/ CAM (Computer Aided Design/Computer Aided Manufacturing), as máquinas-ferramentas de controle numérico computadorizado (MFCNC), os robôs e outras. O fato é que as inovações tecnológicas estão compelindo a uma nova maneira de produzir, mais eficiente e, portanto, transformando a paisagem industrial, inclusive o mundo do trabalho. As transformações tecnológicas em curso na indústria, geralmente, têm sido acompanhadas ou seguidas de perto por inovações organizacionais, pois a implementação das novas tecnologias apresenta resultados mais satisfatórios, quando, também, são incorporadas mudanças organizacionais (Jaikumar, 1986). A novidade radical que se apresenta na área do processo de trabalho constitui-se em um novo princípio de organizar a produção, mediante o que se denominou “sistema just-in-time”.9 Os novos conceitos manufatureiros associados a esse sistema de produção ligam-se a um conjunto de inovações organizacionais que a Toyota, empresa japonesa produtora de automóveis, vinha desenvolvendo a partir da metade da década de 1940 (Ohno, 1988). A concepção de como se deva organizar o trabalho sob o sistema just-in-time é bastante diferente de seu congênere da produção em massa. Na produção em série de produtos padronizados, o processo de trabalho é concebido como se empurrasse a produção para fora da fábrica a partir de seu próprio interior. No sistema just-in-time a lógica se inverte, ou seja, muda o ângulo de visão sobre como o trabalho deva ser organizado. Nessa forma, ao contrário da fabricação em massa, a produção sai da empresa como se fosse puxada desde fora, a partir de pedidos preexistentes10, indo em direção aos componentes e depósito de matérias-primas. O objetivo desse método de organizar o processo de trabalho é o de aumentar a eficiência e evitar qualquer tipo de desperdício, pois, assim se consegue elevar a produtividade e reduzir custos. Nessa ótica, trabalho executado e que não foi demandado representa desperdícios, pois não agrega valor e é fonte de elevação de custos. No que se refere à relação capital-trabalho, esta adquire outra dimensão sob essa forma de organizar o processo de trabalho. A ligação verticalizada no chão-de-fábrica, característica do sistema de produção em massa, é transformada em uma relação mais horizontal, com um maior envolvimento e autonomia dos trabalhadores na produção. Altera-se também o perfil de mão-de- obra, pois esse sistema requer um trabalhador com um mínimo de escolaridade, capaz de ler e entender instruções, transmitir informações e ser participativo no processo de produção11 . Entretanto, como lembra Coriat (1991), a lógica de extração de excedente não se altera ao passar da norma taylorista/fordista de organizar o processo de trabalho para o método just-in- time. O que muda é sua forma. Lá, os aumentos de produtividade ocorrem através da especialização do trabalhador, parcelizando-o, e da fragmentação das tarefas. No sistema just-in- time o aumento de eficiência se dá pela desespecialização do trabalhador (expressão empregada por Coriat), transformado-o em operário polivalente, capaz de monitorar simultaneamente várias máquinas e executar tarefas diferenciadas. As transformações no processo de trabalho242 Contudo, não há consenso sobre se essas práticas organizacionais japonesas seriam uma ruptura radical com aquelas do modelo de produção em massa, ou apenas uma adaptação dessas a um novo ambiente (Wood, 1991). Para alguns autores (Dohse, Jürgens e Malsh, 1985), as técnicas japonesas configurar-se-iam, na realidade, em um hiperfordismo, dado que à gerência ainda caberia o controle do processo de trabalho, por não existir no Japão uma resistência sindical ativa. Em pesquisa com empresas americanas de diferentes ramos industriais, Shaiken, Herzenberg e Kuhn (1986) constataram que o uso de novas tecnologias, tanto programável quanto de reorganização do trabalho, visavam também a um maior controle do processo de trabalho, resultando em menor autonomia e maior intensificação do trabalho para os operários. Em suma, apesar do caráter inconcluso do debate acerca da natureza das modificações que o processo de trabalho tem experimentado, bem como de seus efeitos mais definitivos, o ponto é que a introdução de inovações organizacionais e aquelas associadas à revolução da microeletrônica têm impactado o mundo do trabalho - ao alterarem a estrutura do emprego e exigirem novos saberes dos trabalhadores - e a competitividade das empresas. Conhecer a direção dessas transformações, com todas as suas implicações, é tarefa a que a economia e a sociologia do trabalho têm dedicado esforços, nos últimos anos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGLIETTA, Michel. 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NOTAS 1Partes deste texto baseiam-se em Costa (1995). 2O desenvolvimento dessas fases no texto baseia-se nos capítulos XI, XII e XIII de O Capital, salvo indicação em contrário. 3Argumenta-se, inclusive, que o desenvolvimento dessa forma de organizar o trabalho nos Estados Unidos seria uma resposta dos capitais locais às condições do mercado de trabalho existente naquele país no início desse século, em que predominava uma mão-de-obra imigrante, iletrada e de baixa qualificação (Sayer & Walker, 1992). 4Os aspectos essenciais do taylorismo são a separação entre projeto, inovação e execução; divisão e subdivisão das tarefas e atribuição de um tempo a cada movimento. 5A introdução da linha de montagem móvel na fábrica da Ford de Highland Park, em Detroit, no ano de 1913, As transformações no processo de trabalho244 reduziu o ciclo médio de trabalho de 2,3 para 1,19 minutos. Essa redução provinha da economia de tempo resultante da fixação do trabalhador ao posto de trabalho e, também, da intensificação do ritmo pelaesteira transportadora (Womack et alii, 1990; ed. 1992:16). 6Segundo Hirschman (1996) essa é a expressão cunhada por Jean Fourastié em um artigo escrito em 1979. 7Mas cuja análise foge ao escopo deste texto. 8Desse modo, são apresentados resumidamente, a seguir, os problemas que a mencionada autora considera inerentes a esse modelo, pois traçam um quadro geral dos vários aspectos envolvidos na crise desse padrão de desenvolvimento. 9A idéia que a expressão just-in-time procura apresentar é de que se deve produzir apenas quando necessário, ou seja, os materiais deveriam chegar à linha de produção ou ao posto de trabalho, apenas no momento em que fossem requeridos. Convém chamar a atenção do leitor que também são usadas outras expressões para referir-se a essa forma de organizar o processo de trabalho como: Toyotismo, Ohnismo, lean production. 10Mencionar a demanda preexistente não significa dar a entender que esse seja um sistema de produção estritamente comandado pela demanda efetiva, sem que haja necessidade de planejamento da produção a curto e médio prazo (Sayer e Walker, 1992). A existência de procura pelo produto é fundamental para a empresa, independentemente da forma de organização do processo de trabalho. O ponto aqui é que o sistema just-in-time se guia pelas encomendas de produção existentes na fábrica, e não pelo volume de produção que determinado ritmo de máquinas e da força de trabalho consegue realizar em um dado tempo como na produção em massa. Ocorre que essa maneira de organizar o processo permite que o sistema trabalhe de maneira mais suave e melhor integrado. 11Entretanto, isso nem sempre foi assim. Por volta de 1950 existia no Japão um sindicalismo por indústria forte e combativo que, inclusive, minava a tentativa de reestruturação do capital japonês no imediato pós-guerra. O conflito trabalhista estabelecido em 1950 teve um resultado desastroso para os trabalhadores. Embora o presidente da Toyota, Kiichiro Toyoda, tenha se demitido e responsabilizado-se pela greve então deflagada, o capital saiu vitorioso da disputa, obtendo a hegemonia política, e dispensado cerca de 1.600 trabalhadores. Com uma nova derrota dos sindicatos em 1953 desenvolveu-se no Japão um sindicalismo por empresa, onde as reinvidicações dos operários passaram a subordinar-se à boa performance das firmas em relação à sua posição no mercado. A contrapartida para os trabalhadores da nova estrutura sindical foi o emprego vitalício (the lifetime employment) e o salário por senioridade (Coriat, 1991).
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