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8. Medicina Pós Hipocrática. Alexandria e Roma

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MEDICINA PÓS-HIPOCRÁTICA 
 
Elaine Alves 
Paulo Tubino 
 
 
 Após a morte de Hipócrates a escola de Cós entrou em decadência. O excessivo respeito à 
doutrina hipocrática levou seus discípulos ao dogmatismo e à estagnação de uma série de princípios 
válidos, mas mutáveis. No período posterior à morte de Hipócrates a filosofia se relacionou cada vez mais 
às ciências, inclusive à medicina. 
 
 ARISTÓTELES 
 Por ocasião da morte de Hipócrates, Aristóteles (384-322 a.C.) era discípulo de Platão. Nascido em 
Estagira na Macedônia, foi um dos mais notáveis filósofos e cientistas da Antiguidade. Deu contribuições 
fundamentais em: ética, política, física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, biologia, zoologia, 
fisiologia, história natural. É considerado, por muitos estudiosos, o filósofo que mais influenciou o 
pensamento ocidental. Aristóteles descendia de uma família de asclepíades. Era filho de Nicômaco, 
médico e amigo de Amintas III (rei da Macedônia, pai de Filipe II e avô de Alexandre o Grande). 
 Com a morte de Platão em 348 a.C., Aristóteles pretendia ser escolhido para chefiar a Academia 
Platônica. Entretanto, foi preterido por Espeusipo (sobrinho de Platão) e preferiu deixar Atenas. Foi para 
a cidade de Assos (atualmente na Turquia), próxima à ilha de Lesbos, que era governada por Hérmias, um 
antigo condiscípulo. Em Assos, fundou um pequeno círculo filosófico e casou-se com uma sobrinha de 
Hérmias. Quando este foi assassinado, partiu para ilha de Lesbos onde desenvolveu a maior parte de seus 
estudos biológicos. No ano de 343 a.C., Aristóteles foi chamado por Filipe II da Macedônia e tornou-se 
preceptor de Alexandre (356-323 a.C.), então com 13 anos de idade. Exerceu essa função até 336 a.C. 
 Aristóteles estudou praticamente todos os assuntos existentes em sua época e deu contribuições 
significativas para a maioria deles: anatomia, embriologia, geografia, geologia, meteorologia, física e 
zoologia. De fato, foi responsável por estudos fundamentais da biologia e zoologia e é considerado um 
dos primeiros biólogos: classificou cerca de 500 espécies de peixes, entre outros animais; examinou o 
estômago dos ruminantes; a vida das abelhas e os processos vitais das plantas. As origens da zoologia 
estão na obra aristotélica: observações com verdadeiro rigor científico sobre a reprodução e a anatomia 
dos animais. Pode-se dizer que a anatomia comparada deve sua origem a ele. Também fez importantes 
estudos sobre hereditariedade e escreveu sobre estética, ética, governo, metafísica, política, economia, 
psicologia, retórica e teologia; estudou educação, costumes estrangeiros, literatura e poesia. Porém, sua 
principal contribuição ao conhecimento humano foi a introdução do conceito de “lógica”. 
 
 
MEDICINA EM ALEXANDRIA 
 
 Alexandre III da Macedônia (Alexandre o Grande) tornou-se rei aos vinte anos e conquistou um 
império que ia dos Balcãs1 à Índia, incluindo também o Egito e a Báctria (atual Afeganistão). Em 332 a.C. 
fundou a cidade de Alexandria, situada no norte do Egito, a oeste do delta do rio Nilo, às margens do Mar 
Mediterrâneo e que se tornou o maior centro cultural, científico e econômico da Antiguidade por mais de 
300 anos, até ser substituída por Roma. Alexandria era uma fusão do conhecimento antigo do Egito e dos 
elementos mais dinâmicos da civilização grega (na atualidade é o principal porto do país, principal cidade 
comercial e segunda maior cidade do Egito). No século IV a.C. o mais importante centro médico era 
 
1 Região sudeste da Europa que compreende os seguintes países: Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Grécia, República 
da Macedônia, Montenegro, Sérvia, Kosovo e a porção da Turquia no continente europeu. Por motivos históricos e culturais, 
algumas vezes também são incluídas: Croácia, Romênia, Eslovênia, Eslováquia, Hungria, Moldávia e Ucrânia. 
 
Alves E & Tubino P. Medicina Pós-Hipocrática, 2012. 2 
Alexandria, governada pelo general Ptolomeu (Ptolomeu I Sóter2), cujos descendentes reinaram durante 
cerca de 300 anos. Durante os reinados de Ptolomeu I e de seu filho Ptolomeu II foram criadas as 
instituições que transformariam Alexandria no centro de todo o conhecimento da humanidade na época: o 
Farol, a Biblioteca (figura 1) e o Museu. Na verdade, o museu era um estabelecimento que se assemelhava 
bastante a uma universidade moderna, que tinha como finalidade o estudo da literatura, da ciência e das 
artes. Sob os sucessores de Ptolomeu I (particularmente Ptolomeu II e Ptolomeu III) o museu cresceu; 
especialmente a biblioteca que chegou a conter quase um milhão de volumes (rolos de papiro, porque na 
época ainda não havia livros). Sabe-se que inicialmente a Biblioteca era uma seção a serviço do Museu. 
Porém mais tarde, quando a Biblioteca adquiriu grande importância e volumes, foi necessário criar um 
anexo próximo. 
 Eram recrutados professores de todos os centros, cujos nomes estão entre os mais famosos na 
história do conhecimento humano como, por exemplo, Arquimedes e Euclides. Alexandria atraia 
pesquisadores dos diversos ramos da ciência como matemática, filosofia, história, poesia e medicina. Havia 
um intenso comércio marítimo, o que dava um suporte financeiro considerável para a Biblioteca e o 
Museu. 
 
 
 
 Ao lado do ensino das matemáticas (geometria e aritmética) e da filosofia, a grande glória da cidade 
sempre foi a sua Escola de Medicina. Ptolomeu I e Ptolomeu II convidaram numerosos médicos gregos 
para estudar, exercer e ensinar a medicina em Alexandria. Em Alexandria desenvolveu-se a primeira 
grande escola médica da Antiguidade, em que pela primeira vez o corpo humano foi estudado 
integralmente graças à permissão dada pelos Ptolomeus: a Escola Médica de Alexandria. Criada quando a 
cidade foi fundada (c. 332 a.C.), seus médicos se originavam das Escolas Médicas de Cnido (principal-
mente) e de Cós. 
 
2 Sóter = rei-salvador 
Figura 1 – Grande Biblioteca de 
Alexandria (representação artística), 
gravura alemã do século XIX de 
autoria de O. von Corven. 
 
A Biblioteca de Alexandria teria 
armazenado mais de setecentos mil 
rolos de papiro. Foi destruída parcial-
mente várias vezes, até que no ano 
646 d.C. foi destruída definitivamente. 
 
 
Alves E & Tubino P. Medicina Pós-Hipocrática, 2012. 3 
 Quando se fala de escola, não se trata de uma construção ou uma instituição financiada pelo 
Estado; deve ser compreendida no sentido de corrente de pensamento. Existiam, na verdade, diferentes 
escolas de medicina (ou seitas, como chamava Galeno): Escola Dogmática; Escola Empírica; Escola 
Metódica e Escola Pneumática. 
– Escola Dogmática (seguidora de Herófilo): considerava os quatro humores fundamentais e 
procurava conhecer – pelo raciocínio – as causas profundas da doença; valorizava em especial a 
anatomia e a fisiologia. 
– Escola Empírica (seguidora de Erasístrato): afirmava o valor da experiência pessoal do médico, da 
observação dos sintomas da doença e do efeito dos remédios já conhecidos. 
– Escola Metódica: preferida pelos romanos, em especial por Sorano; rechaçava todas as hipóteses e 
teorias sobre as causas das doenças. A medicina devia se basear na experiência, não em causas ocultas, 
mas era preciso sistematizar essa experiência, classificando as doenças segundo suas características 
comuns. Enfatizava mais o tratamento das doenças (principalmente pela dieta) do que a história do 
paciente individualmente. 
– Escola Pneumática (inicialmente eram dogmáticos): explicava a saúde e a doença pela influência e as 
variações da respiração vital (pneuma), causadas pelo desequilíbrio dos humores. 
 A Escola Médica deAlexandria teve fim somente por ocasião da invasão e ocupação da cidade 
pelos muçulmanos (c. 643 d.C.). No mundo antigo, foi a que mais se dedicou à pesquisa e a mais 
duradoura. 
 
GRANDES MÉDICOS DE ALEXANDRIA 
 
 Grandes personalidades da medicina estudaram em Alexandria: PRAXÁGORAS DE CÓS 
(c. 340 a.C.-?) e seu aluno HERÓFILO; CRISIPO DE CNIDO e seu aluno ERASÍSTRATO; SORANO DE 
ÉFESO; ARÉCIO DA CAPADÓCIA (81-138), que nomeou o diabetes; GALENO DE PÉRGAMO; ORIBÁSIO DE 
PÉRGAmo (c. 320-400); AÉCIO DE AMIDA (c. 502-575); PAULO DE EGINA (c. 625-690). Em Alexandria 
foram feitos grandes avanços nas áreas de anatomia e fisiologia, que estavam praticamente esquecidas até 
então. A prática da dissecção humana foi encorajada e sua importância para o aprendizado, valorizada. 
Anteriormente, o conhecimento anatômico tinha que ser obtido por meio de dissecções em animais como 
as de Aristóteles (que havia comentado que nada se sabia sobre os órgãos internos dos seres humanos e 
que deu importante contribuição, dadas as limitações de seu método). Depois de Aristóteles, no período 
Helenístico (da morte de Alexandre Magno em 323 a.C. até a conquista por Roma em 30 a.C.), os mais 
importantes investigadores no campo médico foram Herófilo da Calcedônia e Erasístrato de Iulis. 
Durante os reinados de Ptolomeu I e Ptolomeu II, Herófilo e outros cientistas tiveram a oportunidade de 
dissecar corpos humanos, a maioria de prisioneiros, com a autorização real. Por um curto período de cerca 
de 30-40 anos essas dissecções, e provavelmente vivisseções, foram permitidas tanto para Herófilo como 
para Erasístrato que, graças a elas, mudaram fundamentalmente o estado do conhecimento médico. Celsus 
Cornelius (Celso) relatou: “Herófilo e Erasístrato praticaram dissecções em criminosos vivos retirados das 
prisões. Enquanto respiravam, observavam as funções e os diferentes aspectos das vísceras e órgãos ainda 
vivos (cor, forma, posição, consistência, etc.).” Posteriormente, a dissecção humana foi abandonada e só 
voltou a ser feita na Idade Média. 
 
 HERÓFILO DA CALCEDÔNIA (335 ou 325 a 280 ou 255 a.C.) 
 Herófilo foi um dos grandes médicos gregos. Nasceu em uma antiga cidade marítima da Bitínia, na 
Ásia Menor, chamada Caldedônia e estudou medicina com Praxágoras, um famoso médico e anatomista 
que ensinava na escola médica hipocrática da ilha de Cós. Ainda jovem se mudou para Alexandria, no 
Egito, e lá viveu pelo resto de sua vida. Herófilo foi chamado de “Pai da Anatomia”. Descreveu órgãos e 
funções: olho; cérebro; fígado; baço; pâncreas; duodeno; órgãos genitais; a salivação; o pulso como uma 
função da batida do coração; as conexões entre os nervos, a medula espinal e o cérebro; reconheceu as 
 
Alves E & Tubino P. Medicina Pós-Hipocrática, 2012. 4 
diferenças entre nervos, artérias e tendões, entre cérebro e cerebelo, entre nervos motores e sensitivos, 
entre nervos cranianos e espinais, e entre artérias e nervos; identificou as meninges (e individualizou a 
aracnóide), os seios venosos da dura-máter, o cérebro como centro dos nervos e do intelecto, os nervos 
cranianos (óptico, oculomotor, trigêmeo, facial, auditivo e hipoglosso), as funções da medula espinal, o 
controle da função motora, os ventrículos cerebrais. 
 Descreveu, ainda, o calamus scriptorius no assoalho do quarto ventrículo e o torcular herophili (hoje 
sinus confluens), que inicialmente foi chamado prensa de Herófilo (torcular = prensa de vinho). Neurônio, 
próstata, córion, duodeno, córnea, retina, coróide, íris, rete mirabilis foram assim denominados por Herófilo. 
Acredita-se que todas as suas obras (possivelmente, sete tratados) se perderam em um dos grandes 
incêndios da Biblioteca de Alexandria. 
 
 ERASÍSTRATO DE IULIS (304 ou 310-250 a.C.) 
 Erasístrato (também chamado Erasístrato de Chio) era mais jovem que Herófilo, tendo nascido em 
Iulis, na ilha de Chio, no mar Egeu. A partir de suas dissecções, fez descrições consideradas magníficas do 
coração e suas válvulas, traqueia, fígado, vias biliares e cérebro. Também relatou que havia nervos 
sensitivos e motores. Descreveu a epiglote, corrigindo o conceito de que os líquidos ingeridos passavam 
pelo pulmão para serem refrigerados. Achava que existiam três tipos de condutos: as veias, as artérias e os 
nervos. Achava também que os órgãos se nutriam com o sangue das veias, o ar das artérias e um pneuma 
anímico dos nervos. Reconheceu a consistência lenhosa do fígado, conhecida hoje como cirrose, e 
corretamente viu nela a causa do acúmulo de líquido no abdome (ascite). Foi considerado o primeiro 
patologista por causa de seus conceitos; contrariando a teoria humoral vigente, achava que as doenças se 
apresentavam localmente devido a alterações dos órgãos. Desse modo, para ele era possível se reconhecer 
as enfermidades pelos órgãos e não pela alteração dos humores. Considerava que o mecanismo patológico 
mais importante era a pletora (abundância de sangue e matérias alimentares nas veias). As veias se 
dilatavam e se rompiam, o sangue obstruía as artérias e o ar não podia fluir normalmente. A pletora então 
produzia inflamação e febre. Erasístrato achava que a profilaxia da pletora era mais importante que a 
terapêutica. Imaginou haver alguma comunicação entre veias e artérias para explicar porque as artérias 
apareciam vazias no cadáver, mas sangravam quando cortadas no ser vivo. Alguns historiadores acreditam 
que ele esteve a ponto de descobrir a circulação do sangue, conhecimento que efetivamente só se 
completou em 1628. Entretanto, Erasístrato não conseguiu consolidar sua escola anatômica. Seus escritos 
caíram em descrédito com as duras críticas de Galeno. 
 Conta-se que certa vez foi chamado ao leito de Antíoco, gravemente enfermo, pelo pai deste, o rei 
sírio Seleuco I Nicátor (ex-general no exército de Alexandre Magno). Após observar que o pulso do 
paciente se acelerava e que seu rosto enrubescia quando sua bela madrasta Estratonice entrava no quarto, 
Erasístrato deduziu que o paciente sofria por um amor impossível. Assim, disse a Seleuco que a doença de 
seu filho era incurável porque ele estava apaixonado e a paixão não podia ser satisfeita; o rei perguntou 
qual era a dificuldade e quem era a dama. “Minha esposa”, respondeu Erasístrato e o rei tentou convencê-
lo a desistir dela em favor de Antíoco. O médico então lhe perguntou se faria o mesmo se fosse por 
Estratonice que o príncipe estivesse apaixonado, o rei disse que o faria de muito bom grado e Erasístrato 
revelou a verdade. Seleuco manteve sua palavra e não só desistiu de Estratonice como concedeu a seu 
filho várias províncias do reino. Erasístrato seria, por isso, o pioneiro da psicoterapia. 
 
ALEXANDRIA ROMANA 
 
 Por volta de 47 a.C. a cidade foi conquistada por Júlio César. Em 30 a.C. o Egito foi convertido em 
propriedade particular de Augusto (Caio Júlio César Otaviano Augusto), herdeiro adotivo de Júlio César. 
Após séculos de grande produção humanística e científica, a energia alexandrina começou a esgotar-se. No 
ano 95 d.C., durante uma luta entre gregos e judeus, o Museu foi destruído. Em 391 d.C., cristãos 
saquearam o templo onde estava armazenado o que restara do museu e queimaram a Biblioteca. A 
 
Alves E & Tubino P. Medicina Pós-Hipocrática, 2012. 5 
Biblioteca foi totalmente destruída em 646, já sob domínio árabe. Entretanto, o evento mais discutido e 
mais controverso na história da Biblioteca de Alexandria foi o incêndio que ocorreu quando o fogo que 
Júlio César havia ordenado para destruir a esquadra inimiga ancorada do porto de Alexandria se espalhou 
até a Biblioteca. Com a queda política de Alexandria a decadência se fez sentir em todas as manifestações 
do conhecimento helênico. O centro da culturamais uma vez se deslocou e Roma tornou-se herdeira e 
detentora da ciência e da arte médica. 
 
 
MEDICINA EM ROMA 
 
 A medicina romana nos tempos antigos era, sobretudo, mágica e sobrenatural, com vários deuses 
responsáveis pela saúde. No século I a.C., quando os romanos ocuparam o Egito (após anexar a Grécia e 
todos os territórios do Mediterrâneo oriental nos quais a cultura grega se havia estendido), a medicina 
romana era um sistema primitivo. Assim, a superioridade da medicina grega não tardou a se impor mesmo 
com a oposição de alguns tradicionalistas como Catão o Velho (234-149 a.C.), político, escritor e militar 
romano. 
 O primeiro médico regular em Roma chamava-se ARCAGATOS (ARCHAGATHUS), era grego, e 
começou a praticar na cidade em 219 a.C. Inicialmente, foi tão bem acolhido pelas autoridades que 
recebeu a cidadania romana e um ambulatório para trabalhar à custa do Estado. Segundo Plínio o Velho,3 
era um mestre na cura das feridas. Entretanto, seus métodos eram considerados violentos; ele fazia muito 
uso da “faca” (instrumentos cirúrgicos), com amputações em demasia, e dos cáusticos. Acabou recebendo 
o título de carnifex (carniceiro) e, caindo em desgraça, abandonou a cidade. 
 A medicina helenística foi introduzida em Roma, e também na parte ocidental do império, por 
médicos gregos que a princípio chegaram como escravos. Asclépio foi adotado pelos romanos sob o nome 
de Esculápio, no século III a.C., chegando a haver mais templos em sua honra em Roma do que na Grécia. 
O primeiro Aesculapium foi construído em Roma, na Ilha Tiberina (no rio Tibre), em 293 a.C., por causa de 
uma devastadora epidemia de peste (figura 2). As autoridades, sem saberem o que fazer, após consultarem 
os “Livros Sibilinos” (livros mitológicos e proféticos da antiga Roma) e o oráculo de Delfos, decidiram 
buscar o deus Esculápio em Epidauro e levá-lo para Roma. 
 
 
 
3 Plínio, História Natural 29, 6, 12–14. 
Figura 2 – Ruínas do templo 
em honra a Esculápio na Ilha 
Tiberina em Roma. Observar 
o bastão de Asclépio, ou 
Esculápio para os romanos, 
gravado na rocha (fotografia 
dos autores). 
 
 
Alves E & Tubino P. Medicina Pós-Hipocrática, 2012. 6 
 
 Ao contrário da Grécia, de início, não havia centros de treinamento médico, mas há alguma 
evidência de que tenha havido um “Museum” (baseado no modelo alexandrino) em Éfeso, associado a um 
grupo de médicos que organizavam atividades acadêmicas. A maioria dos médicos (medici) eram migrantes 
gregos; mas também havia mulheres médicas (medicae) e parteiras (obstetrices). Havia vários especialistas em: 
doenças dos olhos; doenças dos ouvidos; doenças das mulheres; hérnias e queixas anais; febres; dietética e 
hidroterapia. Havia também dentistas e especialistas em trepanação e litotomia. 
 Famílias ricas tinham seu médico privado. Imperadores tinham médicos em tempo integral na 
corte. Antônio Musa, um escravo liberto, curou o imperador Augusto (c. 63-14 a.C.) de uma afecção 
hepática com hidroterapia e mereceu, ainda em vida, uma estátua em sua homenagem que foi colocada ao 
lado da estátua de Esculápio (figura 3). Na antiga Roma a prática médica era livre como na Grécia. Para 
exercer a medicina era necessária apenas a permissão do magistrado local. Júlio César (100-44 a.C.) deu 
boas-vindas aos médicos gregos, conferiu a cidadania romana a todos aqueles nascidos livres e isentou-os 
dos impostos. Essas concessões foram confirmadas por imperadores subsequentes como Augusto (63-14 
a.C.), Vespasiano (9-79 d.C.) e Adriano (76-138 d.C.). 
 
 
 
 
 Desde o século I a.C. os médicos tinham posição privilegiada na sociedade e com o passar dos 
anos os privilégios aumentaram, como a isenção do serviço militar. Assim se tornou mais atraente ser 
médico, sobretudo porque não havia nenhuma regulamentação para estabelecer quem era médico. Era 
fixado um número de médicos por cidade, variável em função do tamanho da cidade. Posteriormente a 
profissão foi regulamentada pelas leis do Império Romano. O imperador Augusto dividiu os médicos em 
categorias definidas. Os médicos militares atendiam às tropas de terra e do mar e os outros médicos 
estavam à disposição das escolas de gladiadores, dos circos e dos municípios. As obrigações dos médicos 
eram estabelecidas pelo Estado, que pagava seus honorários. Ao lado dos médicos estatais, havia os 
Figura 3 – Esculápio jovem (estátua possivelmente 
baseada em Antonio Musa). Reelaboração romana 
(século II d.C.) de original grego do século IV a.C., 
Museus Vaticanos, Roma (fotografia dos autores). 
 
 
 
Alves E & Tubino P. Medicina Pós-Hipocrática, 2012. 7 
profissionais liberais. Entretanto, no fim do século II foi imposto um exame rigoroso a todos aos que 
quisessem exercer a medicina. O Estado subvencionava os estudantes, mas esses em troca eram obrigados 
a prestar assistência gratuita aos pobres. Assim, a medicina privada ficou bastante reduzida e, fora do 
trabalho para o Império, os médicos só podiam atender cidadãos muito ricos que os compensavam 
financeiramente. No século IV a profissão foi severamente regulamentada; os médicos foram proibidos de 
fazer abortos ou de negar assistência a um doente, sob risco de penas corporais ou multas. 
 
 
GRANDES MÉDICOS ROMANOS 
 
 ASCLEPÍADES DE PRUSA (c. 124-40 a.C.) 
 Asclepíades estudou filosofia e medicina em Alexandria e foi o primeiro médico grego bem 
sucedido em Roma (c. 91 a.C.), cidade na qual chegou como professor de retórica. Não partilhava da fé de 
Hipócrates e de sua escola nos poderes da natureza e achava que os médicos deviam agir de uma maneira 
rápida, segura e agradável. Discordando da teoria humoral de Hipócrates, fundamentou sua prática médica 
em uma modificação da teoria atômica ou corpuscular, segundo a qual a doença resultava de um 
movimento irregular ou desarmônico dos corpúsculos do corpo. Suas idéias derivavam parcialmente da 
teoria atômica do filósofo Demócrito. Seus remédios eram, portanto, direcionados à restauração da 
harmonia. Acreditava mais em mudanças da dieta, massagens, banhos e exercícios, e recomendava o uso 
do vinho. Era contra purgantes e eméticos, que considerava nocivos ao estômago, mas fazia sangria em 
alguns casos (sobretudo, em doenças com convulsões) e aplicava ventosas com escarificação para abrir os 
poros. 
 Sua contribuição à medicina inclui a distinção entre doença aguda e crônica (e de algumas teria 
descrito também o ciclo evolutivo), bem como a observação da periodicidade das doenças. Descreveu a 
malária com precisão. Foi o primeiro a praticar a traqueostomia. Introduziu métodos mais humanos para o 
tratamento de doentes mentais, transferindo-os de lugares escuros, onde costumavam ser escondidos, para 
locais bem iluminados onde poderiam realizar exercícios terapêuticos. Asclepíades fundou uma escola de 
medicina em Roma e um de seus alunos foi Antônio Musa, médico do imperador Augusto. 
 
 AULUS CORNELIUS CELSUS (25 a.C.-50 d.C.) 
 Celso foi o mais famoso escritor romano. Compilou uma enciclopédia na qual sistematizou vários 
temas como agricultura, filosofia, direito, teoria militar e medicina. Seu primeiro livro, De res medica, é o 
único ainda existente e foi o primeiro texto antigo de medicina a ser impresso em 1478. De res medica trazia 
muitas informações novas; Celso mencionava os clisteres nutritivos, rinoplastias e operações plásticas dos 
lábios e dos ouvidos. Ocupou-se do tratamento das feridas e de suas secreções. Recomendava cuidadosa 
limpeza das feridas e o uso de compressas e compressão dos vasos sangüíneos para estancar as 
hemorragias. Dizia: “Não tome nenhuma outra providência até que a ferida tenha sido limpa, pois pode 
haver sanguecoagulado com o risco de virar pus e inflamar, impedindo que a mesma cicatrize.” No 
tratamento das fraturas expostas aconselhava a ressecção do fragmento protuberante. Indicou os quatro 
pontos cardeais da inflamação: rubor, calor, dor e tumor. 
 Os instrumentos cirúrgicos encontrados em Pompéia, agora em exposição no Museu Nacional de 
Nápoles, são exatamente iguais aos descritos na obra de Celso. 
 
 SORANO DE ÉFESO (c. 98-138) 
 Foi o primeiro grande obstetra da história. Praticou medicina em Alexandria antes de se estabelecer 
em Roma. É considerado o “Pai da Obstetrícia”. Em sua obra Sobre as doenças das mulheres descreveu o 
aparelho genital feminino, comparando o útero a uma ventosa aberta durante a relação sexual e a 
menstruação. Descreveu a menstruação, a concepção e a amenorréia, sendo que esta última podia ter 
causas fisiológicas (como a amamentação) ou patológicas (como em inflamações genitais ou doenças 
 
Alves E & Tubino P. Medicina Pós-Hipocrática, 2012. 8 
debilitantes). Citou as dificuldades que poderiam ocorrer no parto e, após mostrar os cuidados com a mãe, 
ocupou-se com as atenções, a saúde e o crescimento do recém-nascido. Já usava um espéculo para avaliar 
se o colo do útero estava fechado ou relaxado. Foi o primeiro a afirmar que uma mulher sem útero 
poderia continuar a viver, o que ia contra a concepção da época. Sorano ensinava as parteiras, que tinham 
papel importante na época. 
 
 GALENO DE PÉRGAMO (c. 129-210) 
 Nasceu em Pérgamo, na Grécia (atualmente na Turquia). Iniciou seus estudos no asklepeion de 
Pérgamo aos 17 anos. Estudou em Esmirna (dois anos) e Alexandria (cinco anos), onde aprendeu filosofia 
e medicina. Retornou a Pérgamo onde foi cirurgião dos gladiadores e teve a oportunidade de observar os 
ferimentos decorrentes das lutas. É considerado o herdeiro espiritual de Hipócrates, mas beneficiou-se da 
influência dos escritos de Aristóteles e das noções anatômicas de Satyrus, da Escola de Alexandria. É 
frequentemente chamado de Cláudio Galeno. O nome Cláudio lhe foi dado muito depois de sua morte, 
por um erro de um escriba. Galeno era o prenome dado por seu pai e significa calmo, sereno. A 
celebridade de Galeno era tal que antes de seu nome se escrevia “Cl”, abreviação de Clarissimus (o muito 
célebre); em algum momento da história, por causa da ignorância a respeito do significado de Cl, lhe foi 
atribuído o prenome Claudius. 
 No ano 162 partiu para Roma onde conquistou a reputação de bom médico, tornando-se amigo e 
médico particular de dois imperadores romanos: Marco Aurélio e Lúcio Vero.4 Marco Aurélio sofria de 
distúrbio do sistema digestório que os médicos da corte não conseguiam resolver. Mandou chamar Galeno 
que o examinou e disse que nesses casos prescrevia apenas um copo de vinho com pimenta, mas que para 
um paciente tão ilustre preferia indicar remédios mais seguros como aplicações de cataplasmas. O 
imperador concordou que este método estava mais de acordo com sua dignidade. Entretanto, quando 
Galeno deixou o palácio, o imperador ordenou que lhe trouxessem uma caneca com vinho; colocada a 
pimenta necessária, bebeu a mistura de um só trago, como teria feito o mais humilde de seus súditos. Ao 
melhorar, Marco Aurélio teria dito: “Enfim um verdadeiro médico e até mesmo honesto”. O episódio 
abriu as portas de Roma para Galeno. Embora permanecesse fiel aos conceitos hipocráticos, Galeno 
resumiu e coordenou as experiências médicas da Antiguidade baseando-se sempre no raciocínio e na 
experiência. Escreveu cerca de 400 tratados, a maioria dos quais se perdeu em um incêndio; sobraram 
apenas 83. Mantinha uma equipe de escribas para anotar tudo o que ditava. Proferia conferências e 
palestras para o público, fazia dissecções e experiências em animais, escrevendo sempre. Era o médico da 
classe alta de Roma. 
 Galeno dissecava animais como porcos e macacos, atividade que lhe deu reputação como 
conhecedor de anatomia. Entretanto, suas descrições não são exatas; Galeno extrapolava para o ser 
humano o que observava nos animais. Suas idéias sobre anatomia – a maioria das quais expressas nos 
dezesseis volumes da obra Sobre preparações anatômicas – foram tiradas de estudos do esqueleto humano, da 
experiência como cirurgião de gladiadores e da dissecção de animais. 
 A neuroanatomia teve grande impulso com Galeno. Considerava o cérebro o centro das sensações 
e do pensamento. Descreveu sete pares de nervos cranianos (não considerou o nervo olfatório como 
nervo): 1.º par: ópticos – como um par de nervos do olho; 2.º par: oculomotor e abducente – como 
nervos que movem o olho; 3.º par e 4.º par: correspondentes ao trigêmio atualmente; não descreveu o 
 
4 César Marco Aurélio Antonino Augusto (Caesar Marcus Aurelius Antoninus Augustus), conhecido como Marco Aurélio 
(121-180), foi imperador romano desde o ano 161 até sua morte. Seu reinado foi marcado por guerras na parte oriental do 
Império contra os partas e, na fronteira norte, contra os germanos. É lembrado como um governante bem-sucedido e culto. 
Seu tio Antonino Pio designou-o como herdeiro quando Marco Aurélio tinha apenas 17 anos de idade. Antonino, no entanto, 
também designou Lúcio Vero (Lucius Ceionius Commodus Verus Armeniacus), como sucessor. Quando Antonino morreu, Marco 
Aurélio subiu ao trono em conjunto com Vero ressalvando, no entanto, que a sua posição seria superior à de Vero. Os 
motivos dessa divisão do poder são desconhecidos, mas a sucessão conjunta pode ter sido motivada pelas exigências militares 
da época, cada vez maiores. Marco Aurélio teria resolvido a questão enviando o co-imperador Vero como comandante das 
legiões situadas no Oriente. Lúcio Vero permaneceu leal a Marco Aurélio até morrer, em campanha, no ano 169. 
 
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nervo troclear (atualmente 4.º par); 5.º par: os atuais facial e acústico (vestibulococlear); 6.º par: os atuais 
glossofaríngeo, vago e acessório do espinhal; 7.º par: hipoglosso atual. Classificou os nervos em dois tipos: 
moles ou sensitivos (para os órgãos dos sentidos); duros (para os movimentos). Chamou atenção para o 
fato de que há órgãos, como a língua e os olhos, com os dois tipos de nervos porque têm sensibilidade e 
movimentos. 
 Galeno dissecou o timo em macacos e foi o primeiro a observar que o timo diminuía com o 
crescimento do animal. Estudou as funções renais em relação à secreção urinária: ao ligar o ureter direito 
notou que o rim direito inchava, pois continuava a secretar urina; observou que o mesmo acontecia com o 
lado esquerdo. Ligou ambos os ureteres e observou que a urina não chegava à bexiga, enquanto os rins 
ficavam maiores e um líquido se espalhava pela cavidade peritoneal. 
 De acordo com Galeno, o corpo era formado por três sistemas conectados (figura 4): o cérebro e 
os nervos, que eram responsáveis pela sensação e pelo pensamento; o coração e as artérias, responsáveis 
pela energia vital ou “espírito vital”; e o fígado e as veias, que eram responsáveis pela nutrição e pelo 
crescimento. 
 O fígado era considerado o órgão central da nutrição e da formação do sangue, a origem de todas 
as veias. O alimento absorvido no estômago e nos intestinos era levado, sob a forma de “quilo”, pela veia 
porta até o fígado onde – pela adição do espírito natural – se transformava em sangue impuro (escuro, 
espesso, de movimento lento). Esse processo produzia sangue continuamente e em pequenas quantidades, 
cuja movimentação se assemelhava à das marés, com fluxos e refluxos. O sangue se movia através das 
veias para nutrir todas as partes do corpo, sendo a “força de atração” dos tecidos famintos o impulso para 
esse movimento. Durante o período de descida as veias também recolhiam osexcrementos resultantes da 
nutrição. Chegando aos tecidos, o sangue consumido para a nutrição era imediatamente substituído pelo 
fígado. Assim, o sangue produzido não era conservado. As veias que partiam do fígado distribuíam o 
espírito natural (responsável pelas atividades primárias, menos nobres), dando origem em cada órgão às 
substâncias que estes deviam produzir, com destaque para a bile amarela e a bile negra. Apenas uma 
pequena fração desse sangue impuro chegava até o ventrículo direito do coração por meio da veia cava, 
um vaso calibroso que saía do fígado. 
 O coração, considerado a parte mais quente e fonte de calor do corpo, tinha algumas semelhanças 
com o músculo esquelético; suas paredes, por exemplo, eram compostas por feixes fibrosos. Porém, havia 
diferenças marcantes; dentro de suas paredes havia duas câmaras ocas (direita e esquerda) e estruturas 
membranosas chamadas válvulas (essas válvulas permitiam o fluxo de sangue através do coração em uma 
única direção; sua ação era fechar fortemente após a passagem do sangue para evitar qualquer refluxo). 
Entretanto, Galeno não via o coração como um músculo cujo movimento era a contração e sim como um 
forno. Em virtude de seu calor inato, esse forno ativamente dilatado sugava o sangue do fígado para sua 
câmara do lado direito, tal como a dilatação de um antigo fole de ferreiro aspira o ar. Essa dilatação ativa 
(diástole) coincidia com a dilatação ativa das artérias (o pulso arterial). 
 Quando o espesso sangue do fígado chegava à câmara direita do coração, era – ao mesmo 
tempo – consumido e transformado parcialmente, pelo fogo cardíaco, em um tipo de sangue mais 
refinado, mais nobre – o sangue arterial. Do ventrículo direito, através de outro vaso calibroso – a artéria 
pulmonar (chamada de vena arteriosa) – parte do sangue era levada para nutrir os pulmões (em troca, os 
pulmões forneciam o ar para esfriar o coração). Nos pulmões os resíduos se vaporizavam para serem 
eliminados na expiração. Parte do sangue chegava ao ventrículo esquerdo através de orifícios (poros) e 
canalículos invisíveis que existiriam no septo interventricular. No ventrículo esquerdo esse sangue, 
parcialmente transformado, entrava em contato com o ar que penetrava nos pulmões durante a inspiração 
e era levado à câmara esquerda pelas veias pulmonares (artéria venosa). Entrando em contato com o ar o 
sangue era totalmente transformado ao se impregnar do espírito vital (uma forma superlativa de princípio 
vital) e mudava de cor, tornando-se purificado e vermelho vivo (escarlate). Na concepção de Galeno, a 
principal função do coração era formação do calor corporal: o ar que chegava aos pulmões em baixa 
temperatura era levado ao coração, que funcionava como um forno, gerando calor pelo encontro do ar 
 
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com o sangue. Os pulmões controlavam o excesso de calor gerado, expelindo-o junto com os resíduos na 
expiração. Os resíduos desse processo de fusão eram drenados pelas veias pulmonares para serem 
exalados pelos pulmões. Pelo mesmo mecanismo comparável ao das marés, esse sangue arterial era 
distribuído através das artérias para as partes que necessitavam desse alimento puro, como o cérebro e os 
olhos, e para o corpo em geral, dando-lhe energia e o calor característico. Portanto, ambos os sistemas 
eram fechados e se comunicavam apenas através das perfurações no septo interventricular (a existência 
dessa comunicação interventricular era necessária para explicar o fato de que as veias pulmonares 
continham sangue e não eram preenchidas apenas por ar). A principal finalidade do sangue “vital” arterial, 
diferentemente do sangue “natural” venoso, era fornecer pneuma ou “espírito vital” aos tecidos 
periféricos. Segundo Galeno, havia pouca mistura entre sangue arterial e venoso; cada fluxo tinha seu 
objetivo distinto e essencial. 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 4 – Concepção, segundo Galeno, dos sistemas fisiológicos. Observar, em particular, a comunicação 
entre os ventrículos cardíacos e os fluxos sanguíneos ocorrendo independentemente nos vasos venosos e 
arteriais (Schultz, 2002). 
 
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 O sangue purificado (sangue espiritual) era enviado para fora do ventrículo esquerdo em virtude da 
dilatação ativa do coração (pulsação) e, por meio da aorta, se dirigia ao cérebro onde se impregnava do 
espírito animal. O cérebro era a fonte das funções animais, como o movimento, a sensação e a razão (os 
elementos mais nobres da economia humana). Os nervos, que Galeno achava serem ductos vazios, 
distribuíam o espírito animal por todo o corpo. 
 Embora não fosse cristão, Galeno acreditava em um deus único e proclamava que o corpo era uma 
criação divina e instrumento da alma. Por esse motivo seus ensinamentos eram aceitos pela igreja católica, 
pelos sábios árabes e judeus e permaneceram intocados durante a Idade Média, só tendo sido contestados 
no Renascimento. Galeno escreveu durante o apogeu do Império Romano, mas sua obra – sintetizando 
todo o conhecimento científico da Antiguidade – marcou o início de um longo declínio na ciência médica. 
 
 
A PRÁTICA MÉDICA EM ROMA 
 
 Embora a medicina em Roma tenha se desenvolvido com base nos conhecimentos gregos, os 
romanos deram contribuições importantes à medicina: os hospitais militares, o desenvolvimento da 
cirurgia, o saneamento ambiental e a legislação da prática da medicina (com a criação do serviço médico 
gratuito no Império Romano) e do ensino médico. 
 
MEDICINA MILITAR ROMANA 
 
 O Império Romano se sustentava no poder de seu exército, que era organizado em legiões. No 
tempo de Augusto (c. 63-14 a.C.) havia cerca de 28 legiões, cada uma delas formada por 6000 soldados. 
As legiões ficavam estacionadas em grandes acampamentos e contavam com médicos assistentes. No 
início da época imperial havia apenas os médicos dos acampamentos militares (castra) que atendiam os 
soldados feridos no local ou que visitavam os doentes em suas tendas. Esse tipo de médico era 
chamado de medicus castrensis, nome que designava simplesmente o médico militar, o médico dos 
soldados. De início, um dos soldados era treinado para desempenhar esse papel; com o passar do 
tempo e com a experiência adquirida nas lutas foi criado um corpo médico militar profissional, com 
grande competência em procedimentos cirúrgicos. Os médicos utilizavam, entre outros instrumentos, 
pinças, bisturis, sondas e extratores de flechas; sabiam usar torniquetes, fazer clampeamento arterial e 
ligaduras para estancar as hemorragias, além de empregar uma grande variedade de analgésicos e 
sedativos em suas intervenções. 
 Os soldados com doenças mais graves não podiam ser atendidos nos acampamentos e os 
romanos construíram hospitais militares: valetudinaria, no singular valetudinarium (figura 5). Os médicos 
castrenses não eram suficientes para atender a todos os doentes do acampamento e do valetudinarium e se 
tornou necessário recrutar novos médicos para essa nova instituição; esses foram chamados medici clinici. O 
valetudinarium era edificado na área mais bem ventilada do acampamento e tinha salas separadas para 
feridos e doentes. Em geral, havia um corredor central e fileiras, em ambos os lados, de pequenas salas 
com capacidade para quatro ou cinco pessoas. A sala dos doentes era a mais retirada possível e tinha 
apenas uma entrada, para isolar o soldado enfermo do resto da tropa sadia. 
 Ao longo dos anos, os médicos militares também aprenderam a prevenir epidemias, localizando os 
acampamentos longe dos pântanos infestados de insetos e desenhando um avançado sistema de esgotos 
para as águas residuais. Era dada atenção especial ao exercício e à dieta para manter o exército sadio. 
Também havia cuidadoscom a higiene pessoal dos soldados e do acampamento. Deve ser enfatizado que 
o uso dos valetudinaria militares era restrito aos membros das legiões romanas. Segundo algumas versões, 
os hospitais para civis só apareceram por volta do século IV depois de Cristo. Entretanto, há relatos de 
que também teria havido valetudinaria civis destinadas, originalmente, a receber os escravos provenientes 
das grandes colônias agrícolas e que depois se transformaram em verdadeiros hospitais, abertos a todos. 
 
 
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 Figura 5 – Maquete (escala 1:50) do valetudinarium do acampamento de Castra Vetera, na Alemanha, durante o 
reinado de Nero (54-68 d.C.). Museo della Civiltà Romana, Roma, Itália (fotografia dos autores). 
 
 No princípio do século I se inicia o ensino regulamentado da medicina e todos os médicos 
militares passam a ser obrigados a frequentar a nova Escola de Medicina Militar. Dois séculos mais tarde, a 
exigência de frequentar a escola de medicina é estendida a todos os médicos, militares ou civis. 
 
SANEAMENTO AMBIENTAL 
 
 Havia sistema de esgotos (cloaca máxima), distribuição da água com grandes aquedutos, latrinas e 
banhos públicos (figura 6), limpeza das ruas e sarjetas. Os enterros eram feitos fora da cidade. 
 
 
 
Figura 6 – Latrinas públicas em Éfeso, 
cidade greco-romana da Antiguidade 
situada na Ásia Menor (atualmente 
Turquia) próxima à cidade de Esmirna 
(fotografia dos autores). 
 
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 Entretanto, uma das causas imediatas da queda do Império Romano foi uma série de epidemias e 
pestes. Os médicos mostraram-se incapazes diante de tais catástrofes, o que gerou uma reação 
generalizada contra a abordagem científica e racional de lidar com as doenças. Com a queda do Império 
Romano, a medicina científica – ainda incipiente – viu o ressurgimento das práticas supersticiosas e 
religiosas. 
 As circunstâncias históricas haviam preparado o caminho para a ascensão do cristianismo, que 
prometia fraternidade e caridade aos humildes. Os males do corpo só podiam ser curados por intervenção 
divina. Os cristãos construíram albergues que depois se transformaram em hospitais para abrigar os 
peregrinos. O primeiro grande hospital cristão foi construído por São Basílio em Cesária, na Capadócia 
(Turquia), no ano 370. Entretanto, ao que tudo indica, o primeiro hospital do mundo ocidental foi erguido 
em Roma, por volta do ano 390, por uma dama romana chamada Fabíola. Ela fundou o hospital para os 
doentes que recolhia nas ruas da cidade e atendia pessoalmente; foi o primeiro hospital cristão, público e 
gratuito da civilização ocidental. 
 
 
Referências/Literatura selecionada sugerida 
 
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