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MEDICINA NA IDADE CONTEMPORÂNEA Elaine Alves Paulo Tubino SÉCULO XIX No século XIX houve mais mudanças na estrutura da sociedade humana do que nos mil anos anteriores: revolução no pensamento social; revolução na economia; revolução nos costumes; revolução na política; revolução na tecnologia. Como exemplos: o século começou iluminado pela luz de velas, passou pela iluminação a gás e terminou com a luz elétrica; do transporte por meio de diligências às estradas de ferro com locomotivas a vapor; dos veleiros aos navios a vapor cruzando o Atlântico; a produção em massa de aço pelo processo Bessemer1; a transformação da agricultura pela maquinaria e pela química; invenções diversas, como os balões e aeronaves, telégrafo, telefone, rádio. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Começou na Grã-Bretanha em meados do século XVIII e se espalhou pela Europa no século XIX, com a consequente migração em massa das pessoas que viviam no campo para as cidades recentemente industrializadas. Cidades como Londres, Berlim e Paris cresceram rapidamente para abrigar milhões de pessoas. Para se ter uma idéia, Londres tinha um milhão de habitantes em 1800; um século depois tinha quase sete milhões. Os operários das novas fábricas sofriam com péssimas condições tanto no trabalho quanto nas suas casas resultando no surgimento regular de doenças como a cólera e a febre tifóide. Entretanto, o crescimento das associações sindicais e reformas políticas forçaram muitos governos a reconhecer as necessidades de seus povos, levando ao desenvolvimento da saúde pública. Por outro lado, o desenvolvimento da tecnologia industrial trouxe novos recursos tecnológicos para a ciência, como produtos químicos e microscópios, permitindo uma expansão sem precedentes do conhecimento médico. A ciência e a economia se retroalimentariam e próprio termo cientista foi criado em 1833, pelo polímata inglês William Whewell (1794-1866). O desenvolvimento dos novos métodos de comunicação permitiu que os médicos trocassem conhecimento em minutos. O mundo foi completamente mudado pela Revolução Industrial e os efeitos na medicina foram profundos. CIÊNCIA NO SÉCULO XIX O desenvolvimento da moderna tecnologia médica do século XX se baseia em grande parte no trabalho dos cientistas, médicos e químicos do século XIX, dos quais citaremos alguns. Um dos mais revolucionários cientistas do século XIX foi o naturalista britânico Charles Robert Darwin (1809-1882), ex-estudante de medicina e de teologia, com sua teoria sobre a origem das espécies, publicada em 1859. A teoria da evolução trouxe uma nova perspectiva ao relacionamento 1 Sir Henry Bessemer (engenheiro inglês, 1813-1898) desenvolveu um método para a produção em massa de aço a partir da fusão de ferro gusa (remoção das impurezas do ferro mediante a oxidação produzida pela insuflação de ar no ferro fundido; a oxidação aumenta a temperatura da massa de ferro e a mantém em estado de fusão). Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 2 do homem com outras espécies. Trouxe, também, dinamismo à biologia, que se tornou independente da medicina. No início do século, os químicos sintetizaram o álcool etílico e a uréia. F. August Kekulé von Stradonitz (1829-1896) desenvolveu a teoria da tetracovalência do carbono; criou a hipótese das ligações múltiplas e em 1865 propôs, após um sonho que teve (uma serpente comendo a própria cauda), a fórmula hexagonal do benzeno. Na física, a enunciação da lei da conservação da energia abriu as portas para a termodinâmica e para as várias aplicações práticas da energia derivada do calor. Michael Faraday (1791-1867) descobriu o princípio da indução eletromagnética em 1831, criando o gerador elétrico e, depois, o motor elétrico. O estudo da óptica e da natureza da luz levou à descoberta da análise espectral, que permite definir a composição química de uma substância por meio do seu espectro (átomos de qualquer elemento químico têm a capacidade de irradiar em um determinado grupo de comprimentos de onda). Assim, foi possível conhecer tanto a natureza íntima das moléculas quanto a natureza de astros a milhões de quilômetros de distância. O físico alemão Wilhelm Röntgen (1845-1923), em 8 de novembro de 1895, trabalhando em seu laboratório em Wurzburg na Baviera, produziu radiação eletromagnética nos comprimentos de onda que correspondem aos chamados “raios-X”. Na época, vários cientistas investigavam fenômenos relacionados com descargas elétricas em gases. Os experimentos de Röntgen relacionavam-se com fenômenos luminosos e outras emissões geradas por descargas de correntes elétricas em tubos de vidro com vácuo2 e o ambiente estava escurecido. A cerca de dois metros do tubo havia uma folha de papel usada como tela, tratada com platinocianeto de bário. Röntgen viu a tela brilhar, emitindo luz, mas o tubo estava coberto por cartolina negra e nenhuma luz poderia ter vindo dele. Surpreso, Röntgen fez várias investigações. Virou a tela, expondo o lado sem o revestimento de platinocianeto de bário, e esta continuava a brilhar. Colocando diversos objetos entre o tubo e a tela, viu que todos pareciam transparentes. Para sua maior surpresa, viu na tela os ossos da própria mão. 2 Esses tubos eram conhecidos como "tubos de Crookes", em homenagem ao químico e físico inglês William Crookes (1832-1919). O anúncio da descoberta dos raios-X foi ilustrado com a radiografia da mão da Sr.a Anna Bertha Röntgen (1839?-1919), esposa de Wilhelm Röntgen (figura 1). A descoberta de Röntgen foi considerada um milagre médico e os raios-X logo se tornaram uma importante ferramenta diagnóstica, que pela primeira vez permitia ver dentro do corpo humano sem cirurgia. Os raios-X foram usados no campo de batalha, durante a Guerra (Greco-Turca) de 1897, na pesquisa de balas e ossos quebrados. Röntgen recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1901. Em 1896, o físico francês Antoine Henri Becquerel (1852-1908) descobriu que os sais de urânio emitiam radiação semelhante aos raios-X: capacidade de atravessar papéis negros e outras substâncias opacas à luz e produzir sombras de objetos metálicos sobre chapas fotográficas envolvidas em papel preto. Concluiu que essa impressão era devida a uma radiação que atravessava o papel, não dependia de insolação preliminar e persistia quando o minério era conservado no escuro durante meses; denominou-a “radiação penetrante”. Esse foi o início da descoberta da radioatividade. Esse foi o início da descoberta da radioatividade. Figura 1 – Radiografia da mão da Sr.a Anna Bertha Röntgen (imagem em domínio público). Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 3 Em 1898, Pierre Curie (1859-1906) e Marie Curie (1867-1934) descobriram os elementos químicos polônio e rádio. Estimulada pela descoberta dos raios-X e das radiações do urânio, Marie Curie iniciou trabalhos de pesquisa que a levariam a identificar três diferentes tipos de emissão radioativa, mais tarde chamados de alfa, beta e gama. Foi ela a criadora do termo radioatividade. Como a radiação era capaz de causar dano aos tecidos, surgiu a idéia de usá-la para destruir tecidos tumorais e as primeiras experiências nesse sentido datam do século XIX. A radioterapia foi reconhecida como especialidade médica no Congresso Mundial de Oncologia em Paris, no ano de 1922, quando foi mostrado que a radioterapia poderia curar um câncer avançado de laringe e evitar as sequelas de uma cirurgia. Tumores de pele foram tratadoscom sucesso no início do século XX. MEDICINA NO SÉCULO XIX No início do século XIX os pilares da medicina eram a clínica e a anatomia patológica graças, sobretudo, à Escola de Paris3. Os principais recursos terapêuticos eram os mesmos dos séculos anteriores: sangria, dieta, enemas, uso de diaforéticos, purgantes e eméticos, fumigações, banhos, massagens, exercício, repouso. Os cirurgiões Entretanto, dois grandes avanços marcaram o conhecimento médico: a descoberta dos microorganismos como causa de doenças e a anestesia. Outras contribuições também tiveram grande significação, como: a demonstração da célula como a unidade anatômica fundamental, a enunciação dos princípios fisiológicos relacionados com o meio interno do corpo e a introdução de novas ferramentas diagnósticas. ANATOMIA, HISTOLOGIA E PATOLOGIA Marie-François Xavier Bichat (1771-1802), foi um proeminente médico, cirurgião e anatomista francês, um dos fundadores da medicina científica francesa. Com base em seus estudos experimentais e na dissecção de mais de 600 cadáveres (obtidos graças às muitas execuções na guilhotina durante a revolução francesa), desenvolveu a teoria de que o corpo vivo era uma “intrincada rede de membranas ou tecidos”, passo importante para a futura teoria celular de Virchow algumas décadas depois. Sem o auxílio de um microscópio, ele identificou 21 tipos de “membranas” ou tecidos e suas estruturas normais e patológicas (dentre esses estão os tecidos nervoso, vascular, mucoso, seroso, conjuntivo, fibroso, sinovial e ósseo). Seus conceitos lançaram as bases da moderna anatomia clínica, da histologia e da patologia. Seu nome é mencionado em vários epônimos, como a bola gordurosa de Bichat (corpo adiposo da bochecha). A velha teoria humoral, com dois mil anos de idade, foi contestada por Rudolf Virchow (1821-1902), “pai” da patologia moderna e da medicina social. Em obra histórica, o livro Patologia Celular, descreveu o corpo como uma “democracia celular”. Em 1858, Virchow estabeleceu o conceito da “teoria celular”: todas as formas de lesão orgânica começam com alterações moleculares ou estruturais das células. Elucidou o mecanismo do tromboembolismo; foi o primeiro a publicar um trabalho científico sobre leucemia. Em 1874, padronizou a técnica da necropsia. Criou as disciplinas: patologia celular, patologia comparativa e antropologia. 3 O surgimento dos grandes hospitais contribuiu para o desenvolvimento de importantes escolas clínicas em várias capitais europeias, como Paris, Viena, Londres, Berlim, Edimburgo. A chamada “Escola de Paris” floresceu do final do século XVIII a meados do século XIX e se dedicou à caracterização anatomoclínica das doenças, aproveitando o abundante material humano disponível nos hospitais de Paris. Dentre os nomes que se destacaram estão os de: Jean Nicolas Corvisat (1755-1821), médico pessoal de Napoleão; René Théophile Hyacinthe Laënnec (1781-1826), aluno de Corvisat, inventor do estetoscópio e um dos médicos mais notáveis da história da medicina ocidental; Pierre-Charles-Alexandre Louis (1787-1872), pioneiro da análise estatística e quem demonstrou que a sangria não beneficiava os pacientes com pneumonia; Jean Cruveilhier (1791-187), anatomopatologista seguidor de Giambattista Morgagni e professor em Montpellier e Paris; Guillaume Dupuytren (1777-1834), primeiro cirurgião do rei Luís XVIII (1755-1824). Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 4 FISIOLOGIA Claude Bernard (1813-1878) é considerado um dos maiores homens de ciência de todos os tempos. Suas pesquisas e conceitos lançaram as bases da fisiologia moderna. Fundador da medicina experimental, escreveu em 1865 sua memorável obra Introduction à l’étude de la médicine experimentale. Claude Bernard estudou a homeostasia (constância do meio interior); descobriu a função glicogênica do fígado; demonstrou as várias funções do suco pancreático; estudou o músculo liso; o mecanismo vasomotor; o metabolismo dos carboidratos; a ação do curare e de outros venenos. Descreveu ainda a chamada síndrome de Claude Bernard-Horner (síndrome ocular simpática), caracterizada pela seguinte tríade: enoftalmia, miose, estreitamento da fenda palpebral, devida a uma afecção unilateral do nervo simpático cervical. MICROBIOLOGIA Louis Pasteur (1822-1895), químico francês, deu histórica contribuição à imunologia desenvolvendo vacinas contra o carbúnculo (antraz) nos porcos, a cólera das galinhas e a vacina antirrábica. Pasteur defendeu “teoria germinal das doenças infecciosas”, ou seja, toda doença infecciosa tem sua etiologia em um micróbio com capacidade de propagar-se entre as pessoas. Consequentemente deve-se buscar o micróbio responsável pela doença para se encontrar o modo de combatê-lo. Robert Koch (1845-1910), bacteriologista alemão, foi um dos fundadores da microbiologia e um dos principais responsáveis pela compreensão da epidemiologia das doenças transmissíveis. Descobriu e descreveu agente do carbúnculo e seu ciclo; a etiologia da infecção traumática; os métodos de fixação e coloração de bactérias para estudo no microscópio e, em 1882, o bacilo da tuberculose (que ficou conhecido como bacilo de Koch). MEDICINA CLÍNICA E ESPECIALIDADES O maior avanço da medicina clínica foi na arte do diagnóstico. Mas deve ser mencionado que houve o surgimento de especialidades médicas como: dermatologia e venereologia, urologia, neurologia. Alguns grandes médicos da época serão citados a seguir. René Théophile Hyacinthe Laënnec (1781-1826), médico francês, inventor do estetoscópio e o primeiro a criar um sistema completo para o diagnóstico das afecções pulmonares e cardíacas. Em 1761, Leopold Auenbrugger (1722-1809) havia publicado em Viena seu livro Inventum Novum em que apresentava a percussão como um novo método de exame clínico para detecção de consolidação pulmonar, derrame pleural, etc. Nesse mesmo ano (1761), Giovanni Battista (Giambattista) Morgagni (1682-1771) publicou De Sedibus et Causis Morborum, que se tornou um marco do moderno estudo da anatomia patológica. O trabalho de Auenbrugger passou relativamente despercebido até 1808, quando Jean Nicolas Corvisart (1755-1821), médico de Napoleão Bonaparte, o traduziu do latim original para o francês. Esse trabalho teve forte influência sobre os médicos franceses contemporâneos, incluindo Laënnec, que foi estimulado a melhorar ainda mais as técnicas de diagnóstico clínico. Na verdade, ele considerava a técnica da ausculta direta (ou seja, encostar o ouvido no tórax do paciente) desconfortável tanto para o médico quanto para o paciente, provocando uma aversão que a tornava impraticável nos hospitais. Dizia ainda ser um método inconveniente no exame de mulheres em vista do obstáculo físico representado pelas mamas. Em 1816, Laennec examinava uma jovem mulher com sinais de doença cardíaca. Diante da paciente bastante gorda, o que dificultava também a palpação e a percussão, ficou inibido e lembrando-se de que um som se amplifica quando transmitido através de um sólido, enrolou folhas de papel formando um tubo bem apertado e o usou para auscultar. Para sua satisfação conseguiu ouvir perfeitamente o coração. Em 1818, publicou sua obra De l’Auscutation Médiate. Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 5 Josef Skoda (1805-1881), médico checo, um dos pioneiros da medicina torácica. Oriundo de uma família humilde4 (era filho de um pobre serralheiro) estudou medicina em Viena, onde se tornou professor em 1846. Juntamente com o médico e professorde anatomia patológica Carl von Rokitansky (1804-1878), seu conterrâneo, fundou a moderna escola de medicina de Viena. Em 1858, foi o primeiro professor de Viena a dar suas aulas em alemão, em vez de latim. Skoda investigava os fundamentos da percussão e da ausculta desde 1836 e a partir de suas repetidas observações, ao contrário da doutrina da escola francesa, defendeu que os fenômenos acústicos produzidos pela percussão não eram específicos de um determinado órgão e sim da quantidade de ar ou líquido existente. Também se pronunciou em relação aos sons ouvidos através do estetoscópio; os primeiros escritores franceses haviam comparado os sons com os sons da natureza, como corujas, cães, madeira sendo serrada, ranger de couro novo. Skoda, entretanto, denominou os sons em uma base física, pelo tom musical e timbre. Ludwig Traube (1818-1876), médico alemão que deu grandes contribuições à semiologia. Entre outras, descreveu o espaço de Traube (área de projeção do fundo gástrico na parede torácica que corresponde a um espaço em forma de meia lua na altura do nono espaço intercostal esquerdo, ventralmente à linha axilar anterior, cuja percussão é normalmente timpânica) e sistematizou a documentação médica com a introdução da curva de temperatura, pulso e frequência respiratória na prática clínica. Ignaz Philipp Semmelweis ou, em húngaro, Semmelweis Ignác Fülöp (1818-1865), era médico obstetra e foi um dos pioneiros no controle das infecções hospitalares, sendo considerado o “pai do controle das infecções” (figura 2). Húngaro de nascimento, trabalhou em Peste (Hungria) e em Viena (Áustria). Estudava Direito quando assistiu uma conferência sobre anatomia e decidiu trocar as leis pela carreira médica. Escolheu a obstetrícia, na ocasião uma área negligenciada da Medicina e praticada principalmente por parteiras iletradas. Em 1846, conseguiu seu primeiro emprego na Maternidade do Hospital Geral de Viena (Allgemeine Krankenhaus), a qual era dividida em duas clínicas: a primeira clínica, em que as parturientes eram atendidas por médicos e estudantes de medicina, e a segunda, cujo atendimento era dado por parteiras; as pacientes eram destinadas para as clínicas aleatoriamente em dias alternados. Semmelweis, por ser húngaro e questionador, desde o início enfrentou a desconfiança de seu superior, o professor de obstetrícia da Universidade de Viena, Johann Klein (1788–1856). Duas observações tiveram extrema influência nos conceitos de Semmelweis sobre a febre puerperal. A primeira delas foi a intrigante constatação que a mortalidade por febre puerperal era três a dez vezes maior nas mãos dos médicos do que nas das parteiras. A segunda foi quando, assistindo uma necropsia feita em um colega patologista que havia morrido do que era então chamado de “envenenamento cadavérico” (provocado por um ferimento recebido durante o exame pós-mortem de um paciente), percebeu a similaridade entre esse “envenenamento” e a febre puerperal. Semmelweis concluiu que o excesso de mortes na primeira clínica se relacionava com os procedimentos de rotina realizados nos cursos com a participação dos médicos e estudantes. Estes começavam cada dia fazendo as autópsias das mulheres que haviam morrido de febre puerperal e iam em seguida, sem lavar as mãos, para a maternidade onde tinham que fazer toques vaginais em todas as pacientes internadas. Na segunda clínica, as parteiras e suas alunas evidentemente não faziam exames pós-mortem e nem tinham uma rotina de exames vaginais. Assim, muitos anos antes da descoberta das bactérias como causa de doenças, Semmelweis acreditou que havia uma transferência de “matéria morbida” pelas mãos dos alunos e passou a exigir que todos lavassem as mãos em água clorada. Suas incipientes medidas antissépticas, anos antes de Joseph Lister, foram suficientes para baixar a mortalidade de cerca de 25% para 1%. Mas suas idéias foram recebidas com ceticismo e mesmo escárnio. Seus colegas se ressentiam com as restrições que estavam sofrendo e com a implicação de que eram agentes da morte. Seus 4 O irmão mais velho de Joseph, Franz Skoda, também era médico com atuação em saúde pública na Boêmia (na atual República Checa). O irmão mais novo, Johann, seguiu o ofício do pai e mais tarde fundou uma fábrica de locomotivas, depois de armamentos e que atualmente é a fábrica de automóveis Skoda. Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 6 superiores ficaram descontentes com suas ideias não convencionais e sua ações não-conformistas. Foi demitido duas vezes e, por fim, escreveu um livro Die Ätiologie, der Begriff und die Prophylaxis des Kindbettfiebers (“A etiologia, conceitos e profilaxia da febre puerperal”). Seu trabalho antecipou a teoria germinal de Pasteur e a antissepsia de Lister. Em meados de 1865 começou a apresentar mudanças de comportamento, cujas causas não são bem explicadas até hoje. Passou seus últimos dias em um asilo para insanos e, como que por ironia, morreu de sepse causada por uma ferida de origem controversa em sua mão. Hermann von Helmholtz (1821-1894), médico e físico alemão, que contribuiu para a oftalmologia inventando o oftalmoscópio, em 1850, com base em princípios similares aos do telescópio de Galileu, 250 anos antes. Helmholtz foi cirurgião do exército prussiano e enquanto vivia nas barracas de Postdam (sua cidade natal) escreveu sua primeira dissertação, sobre a fisiologia das fibras nervosas nos gânglios do caranguejo. Estudou termodinâmica e fisiologia. Suas pesquisas em fisiologia incluíram a medição da velocidade dos impulsos nervosos, a demonstração de que a energia muscular é uma das fontes principais de calor animal e o estudo sobre o mecanismo da acomodação. Helmholtz era apaixonado pela ciência e pelas artes, incluindo o teatro e a literatura. Como músico talentoso era fascinado pela acústica e pesquisou bastante sobre o tímpano e os ossículos da orelha. Em diferentes ocasiões ocupou cátedras de física, fisiologia, patologia e anatomia, mas sempre afirmou que seu primeiro amor foi a medicina. Figura 2 – Estátua em honra a Semmelweis, localizada em frente ao Hospital São Roque, onde trabalhou de graça quando saiu de Viena e voltou para sua cidade natal Buda. Budapeste, Hungria (fotografia dos autores). Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 7 William Osler (1849-1919), canadense, indiscutivelmente o médico mais famoso do mundo na virada do século XX e que foi considerado o “Pai da Medicina Moderna”, embora ele próprio achasse que esse título deveria pertencer a Avicena. Ao longo de sua vida profissional, Osler escreveu mais de 1500 artigos e livros. Foi um dos primeiros a descrever as plaquetas (1876), escreveu sobre tumores abdominais (1895) e endocardite maligna (1908). Descreveu a policitemia rubra vera em 1903 (mas mais tarde soube e insistiu na prioridade de Vaquez5), que ficou conhecida como doença de Vaquez-Osler ou doença de Osler. A telangiectasia hereditária com hemorragias recorrentes também é conhecida como doença de Osler. Deu contribuições significativas ao estudo das desordens neurológicas e gastrointestinais, assim como de doenças bacterianas e parasitárias. Era um clínico geral por excelência, com interesse especial na história natural das doenças, e abjurava a especialização. Foi professor nas Universidades McGill (Canadá), da Pensilvânia e Johns Hopkins (Estados Unidos) e, finalmente na de Oxford (Inglaterra) como Regius Professor6. Osler foi um dos quatro professores fundadores do Johns Hopkins Hospital7, sendo seu primeiro professor de medicina e criador do Serviço de Clínica Médica.Diz-se que ele se tornou um grande herói para os estudantes em McGill, Pennsylvania, Hopkins e Oxford porque ele ensinava não as ciências da medicina, mas a arte da medicina à luz da ciência. Uma de suas maiores contribuições para a medicina foi, sem dúvida, a criação do primeiro programa de Residência Médica em Hopkins. Osler foi o primeiro a retirar os estudantes da sala de aula e levá-los para o treinamento clínico ao lado do leito do paciente. O SÉCULO DOS CIRURGIÕES Na primeira metade do século XIX as técnicas cirúrgicas não diferiam muito das usadas por Ambroise Paré (1510-1590). As qualidades de um cirurgião eram rapidez e ousadia. Mas na segunda metade do século, com o advento da anestesia e da antissepsia (seguida logo depois pela assepsia), a cirurgia entrou em um período brilhante de exploração e inovação. Alguns grandes cirurgiões do século XIX são destacados a seguir. Guillaume Dupuytren (1777-1835), anatomista e cirurgião militar francês. Foi o primeiro a extirpar a mandíbula, drenar um abscesso cerebral com êxito por meio de trepanação e a descrever claramente a luxação congênita do quadril. Idealizou a operação para o câncer cervical e, com base nos trabalhos de John Hunter, a criação de um ânus artificial. Propôs o tratamento cirúrgico para a doença (contratura) de Dupuytren, em que uma fibrose na palma da mão causa retração permanente de um ou vários dedos. Joseph Lister (1827-1912), cirurgião britânico. Em 1865, na Inglaterra, após conhecer as pesquisas de Pasteur sobre fermentação e putrefação que indicavam a presença de organismos vivos invisíveis no ar, relacionou tais conceitos com o que ocorria nas feridas cirúrgicas e passou a usar curativos com compressas de linho embebidas em ácido carbólico (fenol) para eliminar os microorganismos vivos em feridas e incisões cirúrgicas. Lister teve essa ideia ao conhecer os resultados impressionantes obtidos com o ácido carbólico no tratamento do mau odor dos esgotos. Em agosto desse ano (1865) evitou amputar a perna do menino James Greenlees, que havia sofrido uma fratura exposta da tíbia esquerda, usando curativos embebidos em fenol. Nessa época, todas as fraturas expostas infectavam e muitos pacientes morriam de sepse, sendo a amputação a única esperança. 5 Louis Henri Vaquez (1860-1936), médico e professor francês, membro da Academia de Medicina. Seus trabalhos mais importantes foram sobre doenças do sangue e dos vasos. Publicou o artigo Sur une forme spéciale de cyanose s’accompagnant d’hyperglobulie excessive et persistante. Comptes rendus de la Société de biologie, Paris, 1892, 44:384-8. 6 Cátedras “reais” (Regius Professorships) são as cátedras criadas pelos monarcas nas antigas universidades do Reino Unido e da Irlanda. Regius Professors são tradicionalmente tratados como Regius e não Professor. 7 Os “Quatro Grandes” eram: William Osler, professor de medicina; William Steward Halsted, professor de ci- rurgia; Howard Atwood Kelly, professor de ginecologia; E. William H. Welch, professor de patologia. Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 8 Lister iniciou assim uma nova era na cirurgia demonstrando que o ácido carbólico era um agente antisséptico efetivo e reduzindo o número de mortes por infecções pós-operatórias. Em 1870, introduziu um aparelho para borrifar ácido carbólico no ambiente durante as operações. O método antisséptico usado no manejo das feridas produziu resultados surpreendentes e, apesar de alguma oposição, logo foi adotado. Até meados do século XIX a cirurgia era extremamente limitada por dois motivos. Um deles era a ocorrência quase inevitável de infecção da ferida operatória, que muitas vezes evoluia para a sepse fatal. Essa complicação era especialmente comum em hospitais onde os pacientes sucumbiam misteriosamente à “gangrena hospitalar” ou mesmo a um vago “hospitalismo”. O outro fator limitante eram os meios inadequados para o controle da dor, o que restringia a extensão das intervenções cirúrgicas, uma vez que a velocidade era essencial para reduzir o choque. A introdução da anestesia com éter, em 1846, tornou a cirurgia indolor, mas o terrível flagelo da sepse permaneceu. Se algo mudou, foi para tornar as chamadas “doenças hospitalares” ainda mais descontroladas, assumindo proporções epidêmicas em muitos lugares. Sir James Young Simpson (1811-1870), médico obstetra escocês que descobriu as propriedades anestésicas do clorofórmio e o empregou no oitavo parto da Rainha Vitória (1819-1901), dizia que “o homem deitado em uma mesa de operações em um de nossos hospitais cirúrgicos está exposto a mais chances de morte do que o soldado inglês no campo de Waterloo” (figura 3). Figura 3 – Teatro operatório (sala de operações) do antigo St. Thomas’ Hospital de Londres, Inglaterra, que funcionou de 1821 a 1862. Este é o único teatro operatório do início do século XIX que não foi demolido ou reformado. Observar que até a mesa de operações é de madeira, o que caracteriza a época pré-listeriana (foto- grafia: Elizabeth Ribeiro, setembro/2010). Theodor Billroth (1829-1894), cirurgião alemão, considerado o fundador da moderna cirurgia abdominal. Era um cirurgião hábil, pesquisador e professor celebrado. Ficou particularmente famoso por intervenções novas no trato gastrointestinal, remoção total ou parcial do esôfago, laringe, estômago e pâncreas. Foi professor de cirurgia nas Universidades de Zurich e Viena, onde em 29 de Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 9 janeiro de 1881 fez a primeira gastrectomia bem sucedida em Therese Heller, 43 anos, com tumor gástrico. Também era músico e foi amigo e confidente do famoso compositor alemão Johannes Brahms (1833-1897). Johann Von Mikulicz-Radecki (1850-1905), cirurgião polonês, foi o primeiro a suturar uma úlcera gástrica perfurada (1885), a restaurar cirurgicamente uma parte do esôfago (1886) e a remover um tumor maligno do cólon (1903). Descreveu a doença de Mikulicz (lesão linfoepitelial benigna: aumento uni ou bilateral das glândulas salivares). Era um defensor do uso dos antissépticos durante as operações e em 1897 descreveu o uso da máscara cirúrgica, que consistia de uma só camada de gaze. Já chama a atenção para o fato de que deveria cobrir a boca, o nariz e a barba. Mikulicz foi um dos primeiros a usar luvas quando operava. William Steward Halsted (1852-1922), cirurgião americano, considerado o “Pai da Cirurgia Científica Americana”. Conta-se que era um cirurgião extremamente delicado em suas manobras cirúrgicas e sua pinça hemostática traduz bem o que a história lhe atribui: “Uma cirurgia de seda, com espírito de seda, gestos de seda, fios e instrumentos de seda.” Dentre suas contribuições notáveis estão o desenvolvimento da técnica da mastectomia radical, o reparo da hérnia inguinal e o aprimoramento da anastomose intestinal. Seus métodos consistiam de técnica estritamente asséptica, manuseio delicado dos tecidos, uso dos mais finos fios de seda, pontos pequenos, baixa tensão e fechamento completo das feridas sempre que possível. Foi também quem criou o programa de treinamento cirúrgico na Johns Hopkins University, que serviu de modelo para muitos outros. Em 1889, Halsted introduziu o uso das luvas cirúrgicas de borracha fina que poderiam ser esterilizadas na autoclave ou por ebulição. Tudo começou quando a enfermeira chefe de sua sala cirúrgica, Caroline Hampton, se queixou de que a solução de cloreto de mercúrio (em que todos banhavam as mãos e braços) estava lhe causando uma dermatite. Considerando que sua enfermeira era muito eficiente, Halsted solicitou à Goodyear RubberCompany que produzisse experimentalmente dois pares de luvas de borracha fina com punhos compridos. Os testes foram muito satisfatórios e depois de certo tempo todos estavam usando as luvas, inclusive os cirurgiões. Em junho de 1890, Halsted e Caroline se casaram. ANESTESIA O médico e farmacêutico americano Crawford Williamson Long (1815-1878) foi o primeiro a usar o éter como anestésico durante uma intervenção cirúrgica. Em 30 de março de 1842, Long fez com que seu paciente James Venable inalasse os vapores do éter e assim pôde ressecar um tumor em seu pescoço sem que o paciente sentisse qualquer dor. O preço do procedimento com anestesia foi de dois dólares. Com o bom resultado obtido, Long passou a usar o éter em amputações e partos durante algum tempo, mas desistiu por pressão da comunidade onde vivia. Não se preocupou em publicar os resultados de seus trabalhos, só o fazendo em 1849, quase três anos depois das publicações de William Thomas Green Morton (1819-1868). Em 10 de dezembro de 1844, um dentista itinerante chamado Horace Wells (1815-1848) assistia a uma demonstração com gás hilariante (óxido nitroso) em uma feira em Connecticut (EUA) quando um espectador caiu, feriu a perna e nada sentiu enquanto estava inalando o gás. Wells percebeu as propriedades anestésicas do gás e tentou demonstrá-las em uma sessão pública de extração dentária sem dor diante de estudantes de medicina. Mas foi mal sucedido (o gás foi mal administrado ou havia algum defeito) e o voluntário sentiu dor e os outros estudantes gritavam que era uma farsa. O fracasso o perturbou a tal ponto que o levou ao suicídio em 1848. Em 16 de outubro de 1846 a história da Cirurgia foi mudada para sempre. O dentista William Thomas Green Morton, ex-sócio de Wells na fabricação de dentaduras, em uma demonstração diante de John Collins Warren (1778-1856), um dos mais renomados cirurgiões americanos do século XIX, comprova a eficácia da anestesia feita com éter. O paciente foi Edward Gilbert Abbott, operado no Massachusetts General Hospital (Boston, EUA). Frases ditas por Morton e Warren, respectivamente: – “Seu paciente está pronto, senhor.” – “Cavalheiros, isto não é uma farsa.” Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 10 A PRÁTICA MÉDICA Como a medicina passa a depender em grande parte da ciência, o laboratório assume papel importante. Nos fins do século XIX desponta a corrente que irá conduzir a medicina aos caminhos do diagnóstico clínico-laboratorial e à especialização. O médico de família começa a perder terreno para o “diagnosticador hospitalar”; o clínico de sobrecasaca começa a adotar o jaleco branco do cientista. Mas houve uma expansão do horizonte profissional do médico: grandes guerras e epidemias precisavam de homens com talento para cirurgia, medicina e higiene; a expansão do comércio encorajou a investigação da higiene naval e das doenças tropicais; a indústria em desenvolvimento e o crescimento urbano estimularam o estudo das doenças ocupacionais e dos problemas de saúde pública. SÉCULO XX Houve uma evolução significativa nos conceitos a respeito de saúde e doença. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), fundada em 1948, saúde já não é apenas ausência de doença, mas um estado de completo bem-estar físico, mental e social. Compreendeu-se que a saúde depende de múltiplos fatores, não só da medicina, e houve o reconhecimento de que a saúde é um dos direitos fundamentais do ser humano, cabendo ao Estado zelar pela sua manutenção. Foram valorizadas as medidas voltadas para o meio ambiente, como a importância do saneamento básico e dos hábitos de higiene. Entretanto, ainda há muitos problemas a serem resolvidos, principalmente nos países em desenvolvimento. Cientificamente, a medicina evoluiu mais no século XX do que em toda a história prévia da humanidade: terríveis flagelos como a varíola, cólera e peste, que devastavam populações até finais do século XIX, agora são raras ou inexistentes; há vacinas eficazes que previnem, entre outras doenças: tuberculose, tétano, difteria, coqueluche, cachumba, sarampo, rubéola, varicela, febre amarela, poliomielite, hepatite A, hepatite B (graças a um trabalho epidemiológico internacional bem sucedido, desde 1980 a varíola foi considerada extinta pela OMS); os antimicrobianos foram descobertos, possibilitando o controle de doenças infecciosas até então sem tratamento; os hormônios (como a insulina e a cortisona), assim como as vitaminas, foram isolados e sintetizados; métodos de diagnóstico por imagem permitiram a visualização das partes do corpo que eram anteriormente inacessíveis; técnicas cirúrgicas sofisticadas possibilitaram abordar o crânio, a cavidade torácica, o coração; o desenvolvimento da fibroendoscopia e da cirurgia minimamente invasiva; a invenção da diálise renal e do marcapasso cardíaco; órgãos irremediavelmente danificados puderam ser substituídos por enxertos e transplantes; o desenvolvimento de técnicas bioquímicas de alta sensibilidade, como a do radioimunoensaio, possibilitou a dosagem das substâncias existentes nos fluidos do corpo humano como, por exemplo, a quantificação dos hormônios; o nascimento de Louise Brown em 1978, na Inglaterra, na primeira fertilização in vitro bem sucedida em humanos, mudou a história da reprodução humana. Foi possível conhecer o funcionamento íntimo da célula, a unidade básica do corpo. Francis Crick (1916-2004) e James Watson (n. 1928), em 1953, descobriram a estrutura química exata do ácido desoxirribonucléico (ADN ou DNA, da sigla em inglês). Crick e Watson receberam o Prêmio Nobel de Medicina em 1962. Essa descoberta foi o ponto de partida para o desenvolvimento da engenharia genética (graças à qual se abriram as possibilidades de alteração o código genético da célula), o mapeamento do genoma humano (Projeto Genoma Humano, iniciado em 1990 e completado em 2003), a clonagem de animais e o estudo das células-tronco. Novas áreas de conhecimento se desenvolveram, como: genética humana; imunologia; virologia; cancerologia; psiquiatria; psicanálise; patologia, com o advento da microscopia eletrônica; medicina nuclear; reabilitação; saúde pública. Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 11 DESCOBERTAS CIENTÍFICAS QUE MODIFICARAM OS DESTINOS DA HUMANIDADE PSICANÁLISE Sigmund Freud (1856-1936), neurologista austríaco, criou uma abordagem totalmente nova para a compreensão da personalidade humana. Ele é considerado uma das personalidades mais influentes e controversas do século XX. De família judaica, ele mesmo era não-praticante. Formou-se em medicina em 1881, pela Universidade de Viena, trabalhando depois no Hospital Geral de Viena. Pesquisou, juntamente com o médico austríaco Josef Breuer (1842-1925), o tratamento da histeria. Foi para Paris em 1885, como estudante do famoso neurologista francês Jean-Martin Charcot (1825-1893). Em seu retorno a Viena, no ano seguinte, Freud se dedica à prática privada, especializando-se em distúrbios do sistema nervoso e do cérebro (figura 4). Em 1896 usa pela primeira vez o termo psicanálise e em 1897 inicia sua auto-análise. Entre 1899 e 1900 publica sua principal obra “A Interpretação dos Sonhos”. Freud desenvolveu a teoria de que os seres humanos têm um inconsciente no qual os impulsos sexuais e agressivos estão em perpétuo conflito pela supremacia com as defesas que há contra eles. Entre 1902 e 1938 foi professor de Neuropatologia da Universidade de Viena. Em 1910 é fundada a Associação Psicanalítica Internacional, da qual o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), seu colaborador próximo, foi o primeiropresidente. Jung, posteriormente, rompe com Freud e desenvolve suas próprias teorias. Freud havia recebido o diagnóstico de câncer bucal em 1923, tendo sido submetido a dezenas de operações desde então. Em 1933 os nazistas queimam seus livros e em 1938 é forçado a emigrar para a Inglaterra, morrendo em Londres em 1936. A moderna psicofarmacologia tem seu início no final da década de 1940, com a introdução dos primeiros fármacos específicos para tratar transtornos mentais. Figura 4 – Sala de espera do consultório de Sigmund Freud em Viena (fotografia dos autores). Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 12 ANTIMICROBIANOS Sir Alexander Fleming (1881-1955) descobriu, por acaso, a penicilina (Penicillium notatum). Em setembro de 1928, ao examinar umas culturas antigas antes de destruí-las, notou que a colônia de um fungo havia crescido espontaneamente, como um contaminante, numa das placas de Petri semeadas com Staphylococcus aureus e provocado a lise bacteriana. Mas a penicilina somente foi comercializada na década de 1940, graças alo médico farmacologista australiano Howard W. Florey (1898-1968) e pelo bioquímico alemão-britânico Ernst Boris Chain (1906-1979), que desenvolveram uma tecnologia de fermentação que possibilitou a produção de penicilina altamente purificada e em grande quantidade para uso médico. Os três dividiram o Prêmio Nobel em Medicina de 1945. Em 1944, Selman Waksman (1888-1973), bioquímico e microbiologista nascido em Odessa, na Ucrânia (parte do Império Russo, na época), e naturalizado americano, isolou a estreptomicina de uma bactéria do solo: Streptomyces griseus. O Streptomyces griseus foi a origem de quase dois terços de todos os antibióticos naturais conhecidos e da maioria dos novos antibióticos nos últimos 50 anos, incluíndo tetraciclinas e eritromicina. Selman Waksman, que recebeu o Prêmio Nobel em medicina de 1952, foi quem propôs o termo antibiótico. Além da estreptomicina descobriu vários outros antibióticos, dentre os quais a actinomicina e a neomicina. A estreptomicina foi o primeiro antibiótico usado no tratamento curativo da tuberculose. Novos antibióticos foram desenvolvidos rapidamente após a II Guerra Mundial, mas desde o início dos anos 1960 poucas famílias fundamentalmente novas de antibióticos foram introduzidas. No início do século XXI, cerca de 14 milhões de pessoas morrem por ano de doenças infecciosas. Estafilococos multirresistentes e pneumococos resistentes, desde meados dos anos 1990, têm causado preocupação em todo o mundo com o que parece ser um risco iminente de emergência de bactéria resistente a todos os antibióticos conhecidos. A resistência bacteriana tem se tornado uma preocupação da saúde pública em todo o mundo. A descoberta dos antimicrobianos reduziu de modo drástico a mortalidade por doenças infecciosas que, no passado, matavam milhares de pessoas como: febre tifóide, hanseníase, tuberculose, sífilis, pneumonia. Porém, o surgimento da resistência bacteriana aos antimicrobianos evidencia a necessidade da busca continuada de novas substâncias ativas e o uso criterioso dos já existentes. HORMÔNIOS Outro fato marcante foi o isolamento e a determinação da estrutura química da maioria dos hormônios, possibilitando sua síntese no laboratório. Como exemplos: − Adrenalina, isolada em 1900/1901, o químico nipo-americano Jokichi Takamine (1854-1922), hormônio secretado pela medula adrenal, o primeiro a ser obtido na forma pura. − Insulina, isolada em 1921-1922 pelos médicos canadenses Frederick Banting (1891-1941) e Charles Best (1899-1978), o último ainda um jovem estudante na época da pesquisa. Receberam o Prêmio Nobel em Medicina de 1923. − Cortisona, isolada em pelo químico americano Edward Kendall (1886-1972). Na década de 1930, pesquisando juntamente com o reumatologista Philip Hench (1896-1965), o químico Edward KENDALL (1886-1972), na Mayo Clinic (EUA), isolou seis hormônios do córtex adrenal: os compostos A a F. O composto E recebeu o nome de cortisona e foi usado para tratar a artrite reumatoide. Receberam o Prêmio Nobel em Medicina de 1950. Além do cortisol e outros hormônios esteroides da glândula adrenal (corticosterona, cortisona, 11-deidrocorticosterona), Kendall também isolou a tiroxina da glândula tireoide. VITAMINAS A descoberta das vitaminas permitiu a prevenção e o tratamento das doenças resultantes das carências desses elementos: escorbuto (déficit de vitamina C); beribéri (falta de vitamina B1); pelagra (falta de niacina, uma das vitaminas do complexo B); raquitismo (falta de vitamina D). No início do século XX, o médico e pesquisador holandês Cornelis Adrianus Pekelharing (1848-1922), professor de Anatomia e Patologia, dedicava-se ao estudo da nutrição. Em 1905, Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 13 observou que animais alimentados com proteínas purificadas, carboidratos, gorduras, sais inorgânicos e água só se desenvolviam se fossem adicionadas à dieta pequenas quantidades de leite. Concluiu que havia no leite alguma substância não reconhecida que, em quantidades muito pequenas, era necessária para o crescimento e a manutenção normais. Sem ela, disse Pekelharing, o organismo não tinha capacidade de metabolizar os nutrientes principais. Em 1911, Casimir Funk (1884-1967) bioquímico polones, isolou um concentrado no farelo de arroz que curou a polineurite em pombos. Deu o nome de “vitamina” ao concentrado porque parecia ser vital para a vida e, provavelmente, era uma amina. Embora o concentrado (no caso era a tiamina – vitamina B1) e as outras substâncias alimentares acessórias não fossem aminas, o nome ficou. Em 1913, dois grupos de pesquisa nos EUA (Osborne & Mendel e McCollum & Davis) descobriram uma substância alimentar acessória solúvel em gordura. Inicialmente parecia ser uma só vitamina, mas dois fatores separados estavam envolvidos. Um, eficaz contra xeroftalmia, foi chamado vitamina A; o outro, eficaz contra o raquitismo, vitamina D. Em 1928, foi isolado o fator que impedia o escorbuto. Conhecido como "C solúvel em água", foi rebatizado como ácido ascórbico. Em 1937, o Prêmio Nobel de química foi concedido ao químico britânico Walter Haworth (1883-1950) por seu trabalho na determinação da estrutura do ácido ascórbico. O prêmio foi dividido com o químico suíço Paul Karrer (1889-1971) por seu trabalho sobre as vitaminas. Nesse mesmo ano o Prêmio Nobel de medicina foi entregue ao fisiologista húngaro Albert von Szent-Gyorgyi (1893-1986) por seus estudos sobre as funções biológicas do ácido ascórbico. MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM Imagem por ressonância magnética: técnica não invasiva que utiliza o fenômeno da ressonância magnética nuclear para a obtenção de informações sobre a estrutura e composição do corpo a ser testado. As informações são processadas pelo computador. A ressonância nuclear magnética foi descrita pela primeira vez pelo físico estadunidense Isidor Isaac Rabi (1898-1988) que recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1944 por este trabalho. A técnica foi expandida para o uso em líquidos e sólidos em 1945/1946 por dois físicos que trabalhavam, independentemente, em universidades americanas: o suíço Felix Bloch (1905-1983), da Universidade de Stanford, e o estadunidense Edward Purcell (1912-1997), da Universidade de Harvard. Esses pesquisadores dividiram o Prêmio Nobel de Física de 1952.. O método foi aprimorado para uso médico, a partir de 1971, pelo médico e cientista norte- americano de origem armênia Raymond Damadian (n. 1936). Em um artigo publicado em 1971 na revista Science, Damadian, que era professor da Downstate Medical CenterState University of New York (SUNY), relatou que os tumores e tecidos normais podiam ser diferenciados in vivo pela ressonância magnética nuclear e sugeriu que a técnica poderia ser utilizada para diagnosticar o câncer. Damadian criou a primeira máquina de ressonância magnética do mundo em 1972, que foi usada com sucesso a partir de 1977. Damadian nunca foi indicado para o Prêmio Nobel, mas recebeu a Medalha Nacional de Tecnologia dos EUA em 1988 e foi incluído no National Inventors Hall of Fame dos EUA, 1989. Ultrassonografia médica: a ultrassonografia é um método diagnóstico que aproveita o eco produzido pelo som para verificar em tempo real as reflexões produzidas pelas estruturas e órgãos do organismo. Um pequeno instrumento chamado transdutor, semelhante a um microfone, emite ondas de ultrassom. Essas ondas de som de alta frequência são transmitidas para a área do corpo em estudo e o seu eco é recebido. O transdutor capta os ecos das ondas de som e um computador converte os ecos em uma imagem que aparece na tela. Há relatos de diversos pesquisadores trabalhando com a energia ultrassônica, mas considera-se que a ultrassonografia médica foi inventada em 1953 na Universidade de Lund (Suécia) pelo cardiologista sueco Inge Edler (1911-2001), considerado também o “pai da ecocardiografia”, e Carl Hellmuth Hertz (1920-1990), físico alemão. Ambos receberam o Prêmio Albert Lasker de Investigação Médica em 1977. Tomografia axial computadorizada: desenvolvida em 1972 pelo engenheiro britânico Godfrey Hounsfield (1919-2004) e pelo físico sul africano Allan McLeod Cormack (1924-1998) da Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 14 Tufts University, Massachusetts. Hounsfield e Cormack receberam, por seus trabalhos independen- tes, o Prêmio Nobel de Medicina em 1979. TRANSPLANTES Entusiasmados pelos avanços na anestesia, antissepsia e métodos cirúrgicos, alguns investigadores, no início do século XX, começaram a explorar as possibilidades de transplante renal em animais e, ocasionalmente, em humanos. Durante a primeira década do século XX, o cirurgião francês Alexis Carrel (1873-1944), em Lyon (França), tendo desenvolvido e refinado técnicas de suturas para anastomoses vasculares, começou a transplantar rins em animais de experimentação. Carrel recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1912 por sua técnica de ligação dos vasos do receptor aos do doador, possibilitando as transfusões sanguíneas em uma época em que não havia anticoagulantes. Com a experiência que adquiriu, pôde conluir que enxertos do mesmo animal sobreviviam e eram funcionais enquanto que os de outros animais inevitavelmente falhavam, explicando essa diferença com base em uma atividade desconhecida do hospedeiro. Somente em 1954, a equipe comandada pelo cirurgião estadunidense Joseph Edward Murray (1916-2012), no Peter Brigham Hospital em Boston (EUA), realizou o primeiro transplante renal com sucesso em humanos, transplantando um rim de Ronald Herrick para seu gêmeo idêntico, Richard, que estava morrendo de doença renal em fase final e sobreviveu por mais oito anos depois do transplante (figura 1). Entretanto, o transplante em pessoas não relacionadas continuou sendo mal sucedido até que os pesquisadores foram capazes de prevenir a rejeição aos transplantes por meio de drogas que diminuiam as respostas imunológicas do receptor. Posteriormente, o transplante renal se tornou viável em uma escala razoavelmente grande. Christiaan Barnard (1922-2001), cirurgião nascido na África do Sul, fez o primeiro transplante de coração bem sucedido em humanos em 1967, embora o paciente tenha sobrevivido apenas 18 dias. Atualmente, também são feitos os transplantes de coração, pulmão, fígado, pâncreas e medula óssea, entre outros. Esse sucesso se deve, antes de tudo, à imunologia, pela descoberta dos antígenos de histocompatibilidade, e à farmacologia, pela obtenção de drogas imunossupressoras. Figura 1― O primeiro transplante renal bem sucedido, por Joel Babb (1996). Alves E, Tubino P. Medicina na Idade Contemporânea, 2013. 15 A despeito de todo o progresso científico, certas doenças se tornaram notáveis no século XX, algumas epidêmicas e outras relacionadas aos novos hábitos e à maior expectativa de vida: − gripe espanhola (pandemia de gripe entre 1918 e 1919, que afetou 50% da população mundial, cerca de um bilhão de pessoas, e matou entre 20 e 40 milhões de pessoas); − SIDA (AIDS), em 1984 foi reconhecido que o vírus da imunodeficiência humana (HIV) causava a síndrome da imunodeficiência adquirida; − doença de Alzheimer; − doença de Parkinson; − obesidade (estilo de vida). 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