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Na roda da loucura - Uma análise dos manicomios judiciários com base no livro "Holocausto Brasileiro"

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“Na roda da loucura”: Uma análise sobre o descaso para com os internos dos manicômios judiciários no país.
Krystyana Hein de Oliveira Mota Gordiano
Bacharelanda em Direito pela UNEB
 – Universidade do Estado da Bahia, 
campus IV.
Email: krystyana.hein@gmail.com
Resumo
O presente ensaio tem como tema os manicômios judiciários do Brasil, instituições que se desvirtuaram completamente de seu propósito de tratar pacientes com problemas psicológicos e passaram ao invés disso, a maltratá-los. A partir de um dos casos retratado no livro “Holocausto Brasileiro” busca-se aqui comprovar esta afirmação e compreender a necessidade da lei de extinção dos manicômios no Brasil.
Palavras chave: Manicômios; Holocausto Brasileiro; Loucura; Internos.
Abstract
The current essay has for thematic the judiciary asylums in Brazil, institutions that completely distorted their purposes of treatment of patients with psychological problems and instead, starts to mistreat them.
With basis on a case from the book "Holocausto Brasileiro" it seeks to prove that 
affirmation and to comprehend the law of extinction of asylums in Brazil.
Key-words: Asylums; Holocausto Brasileiro; Madness; Interns;
Introdução
Houve um período no Brasil, no qual, a conclusão que se dava aos casos dos delitos de incapazes, era a internação em manicômios judiciários, locais para onde os pacientes eram enviados para serem esquecidos, tanto pela sociedade, como pela sua própria família. Tornava-se então, a solução mais fácil para todo mundo. Menos para o interno.
Durante o período no qual o tratamento em manicômios era permitido no país, houve inúmeros relatos de extremo descaso e desumanização dos pacientes, inclusive, surgiu um livro, chamado “Holocausto Brasileiro” da escritora Daniela Arbex que permitiu aos que por tanto tempo foram silenciados, o direito à voz.
Graças a esses relatos, bem como, o advento da constituição de 1988, trazendo por base a dignidade da pessoa humana, foi possível que alguns ativistas sociais e humanitários, buscassem pôr fim a este cenário de horror que muitos internos foram forçados a vivenciar dia após dia.
Procura-se aqui, entender à luz do caso concreto – contido no livro supracitado em capítulo entitulado “Na roda da loucura” – o motivo pelo qual a lei nº 10.216/2001 precisou ser editada para que gradativamente, se extinguissem os manicômios judiciários por todo o país.
 Os manicômios judiciários no Brasil
Segundo conta o professor e antropólogo Sérgio Luís Carrara em 1903, foi criada uma lei especial que estabelecia uma organização de assistência médico legal para os alienados do Distrito Federal. Foi então, usada como modelo para a organização desse tipo de serviço nos diversos estados da União (Dec.1132 de 22/12/1903), estabelecendo que cada estado deveria reunir recursos para a construção de manicômios judiciários e que, enquanto tais estabelecimentos não existissem, deviam ser construídos anexos especiais aos asilos públicos para o seu recolhimento. [1: CARRARA, S. A HISTÓRIA ESQUECIDA: OS MANICÔMIOS JUDICIÁRIOS NO BRASIL. São Paulo, 2010.]
Apesar de terem sido feitas algumas modificações em hospícios para tentar satisfazer a nova lei, somente em 1920 seria lançada a nova instituição, oficialmente inaugurada em 1921 pelo Decreto de lei nº 14831 de 25/5/1921. Surgia então o Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, primeira instituição do gênero no Brasil. 
É em instituições como essa que são mantidos no Brasil, através de medidas de segurança, os indivíduos que sofrem algum tipo de doença ou distúrbio psíquico e, portanto, são considerados penalmente irresponsáveis por eventuais crimes ou delitos que venham a cometer. São mantidos nesses estabelecimentos também os presos que enlouqueceram dentro das prisões.
O intuito da criação de locais como este, seria o tratamento correto e devida análise por profissionais, dos internos, fazendo com que a melhora fosse alcançada e este doente, para que de alguma forma pudesse voltar ao seu convívio social. No entanto, o que se extrai dos manicômios judiciários no país é o estigma que os seus habitantes carrega: criminoso e louco.
Além das poucas oportunidades de ressocialização, entra em cena uma realidade ainda pior, o descaso das autoridades faz com que a vida dos internos se torne desumana, extinguindo assim qualquer traço de dignidade que se procure alcançar. O que se percebe no dia a dia dos manicômios é cruel, e isto está exposto de maneira bem clara no livro “Holocausto Brasileiro” de Daniela Arbex, de onde se retira o caso “Na roda da loucura”, objeto de estudo do presente ensaio.
 A realidade dos internos
O que ocorreu, e segundo o verificado pelo conselho federal de psicologia, ainda ocorre dentro dos manicômios judiciários, é uma situação de extrema barbárie. Conforme consta no livro Inspeções aos Manicômios, existe uma precariedade de espaço livre, com celas que chegam a um total de 110% até 410% da sua capacidade, além de falta de higiene tanto do espaço, que dispõe de vasos sanitários sem válvula de descarga, ou ainda, celas sem vasos sanitários, restando ao interno, a opção de um buraco no chão, como também, pela falta de higiene em suas roupas, que não são lavadas com a devida frequência. Existe ainda a precariedade nas relações: “Em 70,59% dos manicômios inspecionados não há espaço para convivência íntima e, em 100% deles, não há visita íntima. O corolário óbvio é a relação homoafetiva muitas vezes não consentida.” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 20015)[2: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Inspeções aos manicômios. Conselho Federal de Psicologia: 2015. Pgs. 17 – 20.]
Tem-se ainda um déficit muito grande em profissionais da área da psicologia, que deveriam estar presentes para auxiliar os doentes, já que eles estão ali devido aos seus problemas psicológicos e com a ausência de pessoas que façam o devido acompanhamento, a finalidade do manicômio passa a ser totalmente descumprida.
Quando o caso contado por Daniela Arbex, em “Na roda da loucura” e os demais contidos no livro, são postos para estudo, percebe-se situações ainda mais cruéis. No capítulo específico, que conta a história de Sônia Maria da Costa, interna do maior hospício do Brasil – Colônia – por mais de 40 anos, é possível notar que a dignidade humana passou longe das portas daquele local.[3: ARBEX, D. Holocausto Brasileiro. Geração Editorial: São Paulo. 2013. Pgs. 41-51.]
A desumanização estava presente em todos os sentidos. As refeições eram escassas; os internos possuíam poucas peças de roupas, o que os obrigava, em dias de lavagem, a enfrentar o frio da madrugada – período das 5 da manhã – ao relento, quase e até mesmo completamente despidos, inclusive em dias de chuva e inverno, segundo Daniela Arbex, pelos relatos que ouviu de Sônia.[4: ARBEX, D. Holocausto Brasileiro. Geração Editorial: São Paulo. 2013. Pg. 41.]
Além das formas de crueldade acima citadas, existiam os castigos, aplicados naqueles que como Sônia, não se dobravam facilmente aos comandos dos funcionários, muito piores que a rotina difícil dos internos. “Sônia cresceu sozinha no hospital. Foi vítima de todos os tipos de violação. Sofreu agressão física, tomava choques diários, ficou trancada em cela úmida sem um único cobertor para se aquecer...” (ARBEX, 2013).
Situações como estas e até piores, como o medo de que machucassem o bebê que estava esperando ter levado Sônia a se cobrir de fezes, ou ter coberto suas feridas – geradas pelos maus tratos – com esmalte, gerando infecções ainda piores, mostram o porquê os manicômios judiciários no Brasil tiveram de ser repensados e porque os ativistas lutaram tanto para que os ainda existentes ao longo do país fossem aos poucos sendo fechados.[5: ARBEX, D. Holocausto Brasileiro. Geração Editorial: São Paulo. 2013. Pg. 47.]
A lei nº 10.216/2001
Percebidos os crescentes erros e falhas para com os internos de manicômios judiciais em todo o país, foi editada em 6 de abril de 2001 a lei nº 10.2016 visando proteger adignidade e o respeito para com os pacientes psiquiátricos, segundo consta em seu art. 1º.
A redação do artigo promete às pessoas acometidas por transtornos mentais que sejam assegurados os seus direitos sem discriminação de qualquer tipo, sejam elas de raça, religião, escolha política, sexo, entre outras nele listadas.
Em seu 2º artigo, o legislador elenca os direitos que são assegurados aos pacientes e aos seus responsáveis, tais como o acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, ser tratado com humanidade e respeito, ser protegido contra qualquer abuso e exploração, ser tratada preferencialmente em serviços comunitários de saúde mental e algumas outras garantias ali expressas.
Para garantir que esta lei fosse cumprida, foi anexada em 19 de fevereiro de 2002, a portaria nº 336/GM com a determinação da inserção dos CAPS (Centros de atenção psicossocial), locais nos quais deverão se dar o atendimento público de saúde mental que deverão constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária que funcione segundo a lógica do território.
Outra forma de garantir que fossem postos em prática os dispostos na lei foi a instauração de residências terapêuticas para os pacientes que ficaram muito tempo internados e não têm para onde ir, nestes locais as pessoas são acompanhadas por profissionais sem sair do convívio com a sociedade. Foi o que aconteceu com Sonia Maria da Costa, que após mais de 40 anos no Colônia, teve em 2003 a chance de conhecer finalmente a dignidade. “Não tiveram que se despir, não foram amarradas, nem obrigadas a tomar banhos coletivos. Nada de água gelada. Precisariam se acostumar ao privilégio da individualidade.” (ARBEX, 2013)[6: Paciente que teve a sua vida retratada em “Na roda da loucura”, capítulo 2 do livro “Holocausto Brasileiro” de Daniela Arbex.]
Apesar das medidas tomadas para a extinção gradual dos manicômios no país, alguns deles ainda continuam a funcionar. Segundos os dados coletados pelo Conselho Federal de Psicologia em 2015, existiam ainda em funcionamento 217 manicômios, distribuídos pelos estados do Distrito Federal, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Goiás, Pará, Amapá, Santa Catarina, Paraíba, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Espirito Santo, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Sergipe, Acre, Piauí e Maranhão, que possui hoje a maior concentração destes lugares, totalizando 22 manicômios pelo estado.[7: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Inspeção aos Manicômios. Conselho Federal de psicologia: 2015.]
Segundo notícia publicada pelo Estadão em dezembro de 2016, este número teria sido reduzido a 159 manicômios pelo país, os quais, segundo o Conselho Nacional de saúde não teriam dado prazo para a extinção, por questões orçamentárias, como os gastos para a instalação de CAPS. “O Ministério da Saúde informou, em nota, que não há prazo para o fechamento dos hospitais psiquiátricos já que a legislação de reforma psiquiátrica não determina uma data.” (ESTADÃO, 2016).[8: DIÓGENES, J. Há 159 ‘manicômios’ no País, sem previsão de fim. Diponível em: < http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,ha-159-manicomios-no-pais-sem-previsao-de-fim,10000093796>. Acesso em 26/12/2017.]
Portanto, apesar da lei e da redução gradual nos últimos 16 anos, ainda é perceptível a existência de obstáculos para a extinção total dos manicômios e para efetiva humanização dos tratamentos para com os internos.
Considerações Finais
Após estudo do caso, e análise de dados, é possível perceber que internos de manicômios foram diariamente submetidos a situações de humilhação, desrespeito e agressão ao redor de todo o país, e apesar terem sido realizadas tentativas de reversão desta realidade cruel, ainda é preciso percorrer um longo caminho para a restauração da dignidade e da possibilidade de proporcionar um tratamento justo a estes homens e mulheres com distúrbios psíquicos.
Dezesseis anos se passaram desde a primeira lei editada que busca garantir os direitos dos pacientes psiquiátricos e ainda não foram fechados todos os manicômios do país. Isto vem provando que existe muito a ser feito não só para o bom funcionamento dos locais de tratamento, mas, principalmente para que os pacientes psiquiátricos alcancem – inclusive e prioritariamente – dentro do convívio social, o respeito e a dignidade que lhes são devidos.

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