Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● ONCOLOGIA 1 www.medresumos.com.br TUMORES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL NA INFÂNCIA Na infância, de uma forma geral, os tumores do sistema nervoso central ocupam a terceira posição dos mais incidentes. Contudo, como podemos observar, trata-se do tumor sólido mais prevalente nesta faixa etária. Se considerarmos todos os tipos de câncer infantil, os tumores de SNC são apenas superados em frequência pelas leucemias, representando cerca de 15 a 20% das neoplasias em crianças. Com uma incidência anual de aproximadamente 2,5 casos por 100.000 crianças menores de 15 anos, merecem atenção como um diagnóstico não raro em pediatria. Entretanto, esse nem sempre é realizado precocemente e muitos dos casos são referidos aos centros especializadas já com doença avançada e poucas possibilidades terapêuticas. Se o pediatra não estiver atento, a falta de sinais precoces dessas neoplasias poderá acarretar um retardo significativo na identificação das mesmas. BASES ANATÔMICAS E FISIOLÓGICAS Como sabemos a propósito da classificação anatômica do sistema nervoso, o sistema nervoso central (SNC) é aquele situado dentro do esqueleto axial (dentro do crânio e da coluna vertebral, pelo menos) e sistema nervoso periférico (SNP) é aquele localizado fora do esqueleto axial, servindo como uma ponte que liga o SNC aos órgãos inervados por ele. A medula espinhal é protegida pelo canal vertebral, enquanto o encéfalo (que é constituído pelo cérebro, tronco encefálico, cerebelo), localiza-se dentro da caixa craniana. NEUROEIXO O neuroeixo é o conjunto constituído pelo encéfalo e a medula. No crânio, podemos dividir o encéfalo em compartimentos de acordo com a sua relação anatômica com estruturas cranianas. O cerebelo, por exemplo, relaciona-se com o osso occipital, estando localizado, portanto, na fossa posterior do crânio. Além disso, existe a tenda do cerebelo, uma prega de dura-máter localizada acima do cerebelo que separa dois compartimentos: um compartimento infra-tentorial e outro supra-tentorial. Alguns tumores (como os atrocitomas) na infância localizam-se mais no compartimento infra-tentorial, enquanto que, na vida adulta, acometem mais o compartimento supra-tentorial. LÍQUIDO CEREBRO-ESPINHAL (LCE) E HIPERTENSÃO INTRACRANIANA (HIC) O líquor ou líquido cérebro-espinhal (LCE) é um fluido aquoso e incolor que ocupa o espaço subaracnoideo e as cavidades ventriculares. Apresenta como função primordial a proteção mecânica do sistema nervoso central, formando um verdadeiro coxim líquido entre este e o estojo ósseo. O volume total de líquor circulante é de 100 a 150cm³, renovando-se completamente a cada oito horas. O líquor é produzido pelos plexos coroides, tecido ependimário localizado em todo o sistema ventricular. Os ventrículos laterais produzem a maior quantidade de LCE, embora todos os demais apresentem formação do mesmo. O LCE passa para o III ventrículo por meio dos forames interventriculares, escorrendo pelo sulco hipotalâmico até alcançar o aqueduto cerebral para chegar ao IV ventrículo. Através das aberturas medianas e laterais do IV ventrículo, o líquor formado no interior dos ventrículos ganha o espaço subaracnóideo, sendo reabsorvido no sangue principalmente através das granulações aracnoideas que se projetam no interior dos seios da dura- máter. A circulação do líquor se dá pela sua produção em um extremo e absorção em outro, auxiliada pela pulsação das artérias encefálicas. Qualquer aumento do volume do líquor (seja por um aumento na sua produção ou por uma obstrução na sua circulação), teremos a propensão do desenvolvimento de hipertensão intracraniana (HIC). Isso ocorre devido ao crânio se tratar de uma cavidade fechada e, portanto, com a expansão do sistema ventricular repleto de líquor, não haverá local de escape para a expansão do tecido nervoso. Os sinais neurológicos característicos de um aumento da pressão intracraniana são, inicialmente, cefaleia e vômito em jato, podendo evoluir para confusão mental, convulsões e, em casos graves, coma. A hidrocefalia significa o aumento do volume ou da pressão do líquor. A hidrocefalia, de acordo com a sua fisiopatologia, pode ser classificada em comunicante (causada por aumento na produção e/ou deficiência na reabsorção deste líquor) e não-comunicante (causada por obstrução no fluxo do líquor, comprometendo os ventrículos localizados a montante desta obstrução). A principal causa de hidrocefalia não-comunicante no SNC é um processo expansivo intracraniano secundário a um tumor cerebral. Devemos lembrar ainda que o nervo óptico (II par de nervos cranianos) é revestido por meninge e, portanto, apresenta líquor em seu espaço subaracnóideo, funcionando, também aí, como um amortecedor natural. Em casos de Arlindo Ugulino Netto. ONCOLOGIA 2016 Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● ONCOLOGIA 2 www.medresumos.com.br HIC, o nervo óptico e seus vasos adjacentes estarão comprimidos, trazendo déficits visuais e, em decorrência da compressão da veia central da retina, observaremos edema de papila óptica (papiledema). Por esta razão, para melhor avaliação da hidrocefalia, faz-se o exame de fundo de olho e, se for necessário, tomografia (ver OBS 1 ). Em crianças como menos de 1 ano de vida, devido a não fusão dos ossos da calvária craniana, os sinais de HIC não são tão precoces e o achado mais comum é o aumento do perímetro cefálico. Daí a importância da realização de um efetivo exame clínico para o diagnóstico de HIC. OBS 1 : Em casos de sinais de HIC, é estritamente perigoso a punção de líquor para avaliação de sua pressão. Com a HIC já instalada, esta manobra poderia causar a herniação de estruturas cranianas em direção ao forame magno, como as tonsilas cerebelares, as quais se insinuam sobre o centro vasomotor e respiratório do bulbo, causando parada respiratória súbita. A ressonância também não é tão viável para este tipo de paciente devido à demora do exame. A diminuição da HIC pode ser realizada através da instalação de uma derivação, sendo as mais usadas a derivação ventrículo-peritoneal (DVP) e a derivação ventricular externa (DVE). Portanto, suspeitando-se de HIC, faz-se o exame de fundo de olho. Uma vez encontrado o papiledema, faz-se tomografia para avaliar a presença de tumor. A ultrassonografia pode ser utilizada para crianças com menos de 1 ano de idade, devido à presença das fontanelas. Se o tumor estiver presente, indica-se a a drenagem do excesso de líquor através do implante de um cateter de derivação (DVP ou DVE). Somente após este procedimento, faz-se o tratamento propedêutico do tumor cerebral. OBS 2 : Estudos avaliaram que o uso de corticoides diminui o edema cerebral, sendo extremamente importante o seu uso logo no início do quadro clínico. OBS 3 : Devemos saber ainda que a HIC pode ser causada por qualquer processo expansivo intracraniano, e não apenas por distúrbios na dinâmica do líquor. Portanto, pacientes com história de traumatismo craniano, devemos alertar a possibilidade de hemorragias intracranianas em desenvolvimento. SINAIS E SINTOMAS O cerebelo, localizado na fossa posterior da base do crânio, no compartimento infra-tentorial, é a região do neuroeixo mais acometida por tumores na infância. Tumores cerebelares prejudicam a função deste órgão, isto é, manutenção do equilíbrio, postura e tônus muscular, além da coordenação dos movimentos. Encontraremos os seguintes sinais neurológicos: perda do equilíbrio (sinal de Romberg positivo), perda de coordenação motora, marcha atáxica (ou marcha ebriosa, de forma que a criança alarga a sua base e anda segurando-se nos objetos ou nos pais), nistagmo, etc. A expansão deste tipo de tumor pode comprometer ainda a circulação liquórica no IV ventrículo (podendo causar hidrocefalia e hipertensão intracraniana, caracterizada por vômitos e cefaleia) e o tronco encefálico (trazendo sinais neurológicos correspondentesà compressão dos nervos cranianos que aí se originam e dos centros vegetativos do tronco encefálico: centro vasomotor, centro do vômito, centro respiratório e cardiovascular). Essas considerações nos revelam o fato de que um tumor localizado em uma região específica do encéfalo pode trazer não só sinais neurológicos relacionados com a função da região acometida, mas também, devido à expansão, podemos observar sinais pertinentes à compressão secundário de outras estruturas nervosas. Um tumor localizado no mesencéfalo pode causar déficit auditivo, visual e motor. Se o tumor acometer o nervo óculo-motor, observaremos estrabismo divergente e, muito possivelmente, miose associada. CLASSIFICAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DOS TUMORES DE SNC PEDIÁTRICOS Os tumores do sistema nervoso central (SNC) incidem todas as idades e podem se originar em todos os tecidos que o constituem. Assim, sua classificação está baseada no tecido de origem. Existe o grupo dos tumores neuroectodérmicos, ou seja, originam-se do tubo neural (glia e neurônios), sendo a maioria proveniente dos astrócitos. Fazem parte deste tipo o astrocitoma, oligodendroglioma, ependimoma, meduloblastoma e os glioblastoma. O segundo grupo consiste nos tumores mesodérmicos, sendo o meningioma o principal representante. E os tumores metastáticos constituindo um terceiro grupo. Cada tipo de tumor tem distribuição etária própria. Na criança, os tumores mais frequentes são os astrocitomas, meduloblastomas e ependimomas. Em resumo: os tumores de SNC podem se originar em todos os tipos de tecidos que o constituem, formando, com isso, um grupo bastante heterogêneo. Por esta razão, temos, por exemplo, tumores neuroectodérmicos (se originam do tubo neural), tumores de astrócitos (astrocitomas), tumores de oligodendrócitos (oligodendrogliomas), tumores de epêndima (ependimoma), tumores de neurônios imaturos (meduloblastoma). 50 a 60% dos tumores de SNC na infância se desenvolvem na fossa posterior, no compartimento infra-tentorial, sendo o cerebelo o local mais comum. 40% dos tumores de SNC na infância são astrocitomas. 20% são meduloblastomas, isto é, tumor de neurônios imaturos que acomete a região do cerebelo (caso se desenvolva em outra região, não é mais chamado de meduloblastoma, mas sim tumor neuroectodérmico primitivo). Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● ONCOLOGIA 3 www.medresumos.com.br MEDULOBLASTOMA O meduloblastoma é um tumor de linhagem neuroectodérmica, considerado variante dos Tumores Neuroectodérmicos Primitivos (TNEP), com localização preferencial na fossa posterior, acometendo, em especial, o cerebelo (se este mesmo tumor acontecer em qualquer outra região do SNC, recebe a denominação de TNEP apenas). Corresponde a cerca de 20% das neoplasias de SNC em crianças. Em pacientes abaixo de 2 anos, correspondem a 15-27% dos tumores de SNC. Esse tumor pode disseminar-se através do líquido cefalorraquidiano e levar a implante em medula espinhal. Casos com doença disseminada, invasão de tronco cerebral ou portadores de tumor incompletamente ressecado têm sobrevida de 5 anos de 36% contra 59% para pacientes de melhor prognóstico. A localização do meduloblastoma é infra-tentorial, ou seja, abaixo da tenda do cerebelo, na fossa posterior. Com isso, pode ocorrer uma compressão do IV ventrículo. 80% dos meduloblastomas se desenvolvem no vermis cerebelar, mas pode desenvolver-se lateralmente no cerebelo ou em outro local (15%). Trata-se de um tumor cerebral altamente maligno, de crescimento rápido, que acomete crianças entre 3 a 8 anos de idade (mais frequente em meninos). Seu pico de incidência ocorre entre os 5 e 7 anos de idade. Pode se espalhar para outras áreas externas, mas dificilmente alcançam outras partes do corpo. Pode se espalhar acometer a leptomengine (pia-máter e aracnoide) por continuidade com o LCE. Pode se associar com outras patologias, como neurofibromatose, Síndrome de Von-Hippel-Lindau e Síndrome de Lifraumeni. Neurofibromatose: também conhecida como síndrome de von Recklinghausen compreende, juntamente com a neurofibromatose tipo II, a esclerose tuberosa, a síndrome de Sturge-Weber e a síndrome de von Hippel-Lindau, o conjunto de doenças conhecidas como facomatoses (ou síndromes neurocutâneos). Todas são caracterizadas por lesões neurológicas e dermatológicas caracterizadas pela coloração “café com leite”. A neurofibromatose está muito associada a tumores do SNC (não só com meduloblastomas, mas principalmente de tumores de N. Óptico). Síndrome de Hippel-Lindau: é uma angioblastomose cerebelorretiniana, autossômica dominante com 100% de penetrância. É caracterizada pela presença de hemangioblastomas e carcinoma renal (carcinoma renal de células claras), anormalidades adrenais, pancreáticas e escrotais. Afeta igualmente homens e mulheres. Início da doença na 2ª e 3ª década de vida. A Síndrome de von Hippel-Lindau é uma doença genética rara que envolve o crescimento anormal de tumores em partes do corpo ricamente irrigadas por sangue. Síndrome de Lifraumeni: síndrome que aumenta a susceptibilidade familiar ao desenvolvimento de câncer. A síndrome está ligada a mutações do gene p53, que normalmente ajuda no controle do ciclo celular. É necessária uma investigação do histórico famililar de câncer, uma vez que se trata de uma síndrome hereditária de forma que toda a família terá propensão ao desenvolvimento de câncer, inclusive do SNC. A apresentação clínica é a de HIC com vômitos matutinos (semelhantes aos astrocitomas e ependimomas da fossa posterior), rigidez da nuca, letargia, irritabilidade súbita, cefaleia, ataxia de marcha, incoordenação motora, dislalia, hidrocefalia, edema de papila óptica, déficits por compressão de pares de nervos cranianos (como diplopia, nistagmo, paralisia facial). O meduloblastoma, ao contrário do astrocitoma pilocítico (tumor de baixo grau de malignidade que também pode desenvolver-se no cerebelo, acometendo mais a região dos hemisférios), trata-se de um tumor de alta malignidade, de curso rápido, mas tem a vantagem de ser altamente radiossensível. O diagnóstico do tumor é feito com TC e/ou RM (padrão ouro, por proporcionar a delimitação do tumor) e confirmado pela cirurgia, que deve ser total e radical quando possível, havendo melhor prognóstico nos pacientes com ressecção total seguidos de radio e quimioterapia. Nos pacientes abaixo de 3 anos é aconselhável fazer ressecção total e quimioterapia, e aguardar recidiva para iniciar a radioterapia, evitando assim os efeitos colaterais do tratamento nesta faixa etária. Para crianças acima de 3 anos, faz-se a cirurgia seguida de radioterapia (são tumores altamente radiossensíveis) e quimioterapia. O prognóstico é reservado e a sobrevida por 5 anos varia de 25 a 70%; atualmente, a sobrevida de 10 anos ou mais é cada vez mais frequente. O pior prognóstico ocorre em pacientes abaixo de 2 anos (os mesmo que não devem ser submetidos à radioterapia). O medulobastoma é, portanto, um tumor altamente maligno cujo tratamento consiste, antes de mais nada, na drenagem dos ventrículos, sendo seguida da ressecção do tumor e da radioterapia subsequente. A utilização de quimioterapia em altas doses (com transplante de medula óssea) melhora os índices de sobrevida nos pacientes de alto risco e, além disso, pode retardar a radioterapia nos menores de 3 anos de idade. Os principais diagnósticos diferenciais para o meduloblastoma são: astrocitoma pilocítico, osteomielite, trauma, astrocitomas e, o mais importante, o sarcoma de Ewing, que faz parte de tumor neuroectodérmicos, isto é, são da mesma linhagem celular. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● ONCOLOGIA 4 www.medresumos.com.br OBS 4 : Além do meduloblastoma do cerebelo que mostra uma diferenciação neuroblástica, tumores com esta característica são encontrados de forma rara em outras áreas do SNC. São denominados neuroblastomas. OBS 5 : Apenas por meio do estudo histopatológico(análise patológica do tumor após sua ressecção total) que se pode firmar um diagnóstico preciso de meduloblastoma (para diferenciá-lo dos astrocitomas). Devemos ter em mente que o termo biópsia é restrito ao estudo patológico de apenas um fragmento tumoral, o que não pode acontecer em casos de tumores de SNC. OBS 6 : Na prática, os seguintes exames devem ser solicitados para crianças com este tipo de tumor: hemograma, sumário de urina e exame de fezes (medicamentos antiparasitários não devem ser administrados junto aos corticoides), tomografia computadorizada (na urgência), ressonância de crânio-neuroeixo (para pacientes estabilizados), mielograma, exame histopatológico (para avaliar a presença de células do meduloblastoma por meio do exame imuno-histoquímico), coleta de líquor (apenas no ato cirúrgico para verificar uma possível disseminação, sendo importante para o estadiamento), ultrassonografia de abdome (para avaliar as condições da válvula de derivação recém-implantada e avaliar a presença de metástase em fígado ou demais estruturas do abdome). GLIOMAS SUPRA-TENTORIAIS E ASTROCITOMAS Compreendem entre 30% e 35% dos tumores pediátricos de SNC. O pico de incidência se dá entre 2 e 4 anos de idade e na adolescência. Histologicamente, podem ter padrões que variam desde os gliomas de baixo grau até os de alta malignidade e os anaplásicos. O prognóstico depende do grau de diferenciação e do grau de ressecção cirúrgica obtida. Gliomas supra-tentoriais são mais frequentes na vida adulta, enquanto que os infra-tentoriais, na infância. Os pacientes com gliomas de baixo grau podem ser tratados com cirurgia exclusiva, caso tenha sido obtida uma remoção completa do tumor. É o caso dos astrocitomas pilocíticos, que podem chegar a 90% de sobrevida de 5 anos, após sua remoção total. O uso de quimioterapia para pacientes com lesão residual pós-operatória vem sendo atualmente preconizado. A radioterapia nesses tumores de baixo grau é reservada apenas para situações de progressão de doença. Já para tumores de alto grau de malignidade a taxa de sobrevida é baixa, mesmo com o uso de quimio e radioterapia, sendo de 20% a 46% em 5 anos. Os astrocitomas pilocíticos são mais frequentes na infância. Os astrocitomas pilocíticos frequentemente são indolentes em seu comportamento e a ressecção cirúrgica completa é o tratamento de eleição, com cura em até 90% dos casos. Quando são infra-tentoriais, estão mais localizados nos hemisférios cerebelares. Quando supra-tentoriais, podem ser encontrados na região do hipotálamo, na parede do III ventrículo e quiasma óptico adjacente. O crescimento é lento e podem atingir tamanho considerável. Os pacientes apresentam déficit visual e às vezes a síndrome diencefálica. A ressecção, mesmo subtotal, pode aliviar os sintomas por vários anos, mesmo sem radioterapia; portanto, o prognóstico é bom, dependendo da extensão do tumor e da ressecção feita. Os astrocitomas pilocíticos são considerados gliomas de baixo grau de malignidade (grau I da OMS). A disseminação leptomeníngea de tumores primários do SNC em crianças tem sido relatada principalmente em ependimomas, tumores de células germinativas, tumores neuroectodérmicos primitivos e gliomas de alto grau de malignidade. Poucos casos foram documentados de disseminação de glioma de baixo grau. Astrocitomas cerebelares constituem cerca de 10 – 20% dos tumores intracranianos na infância, sendo o segundo mais frequente na fossa posterior (perdendo apenas para o meduloblastoma). A incidência é maior entre 5 – 8 anos de idade. Estes tumores são quase sempre císticos, com nódulo mural bem localizado nos hemisférios cerebelares e, poucas vezes, no vermis. Os pacientes apresentam vômitos, cefaleia e ataxia. Hidrocefalia com hipertensão intracraniana e edema de papila pode ocorrer. O tratamento é ressecção total ou subtotal, com bom prognóstico. Os astrocitomas apresentam, de uma forma geral, a mesma clínica dos meduloblastomas, dependendo apenas da localização de desenvolvimento do tumor. EPENDIMOMAS Compreendem cerca de 5% a 10% dos tumores pediátricos, desenvolvendo-se geralmente na fossa posterior em crianças menores de 5 anos de idade, acometendo, principalmente, os hemisférios cerebelares. Pode haver disseminação para neuroeixo em 3% a 13% dos casos. As taxas de sobrevida variam de 30% a 60% em 5 anos após ressecção cirúrgica e irradiação. A recorrência local continua a ser o principal obstáculo para a sobrevida prolongada dos pacientes com essa neoplasia. Tem-se sugerido um papel para a quimioterapia, especialmente nos casos com ressecção incompleta do tumor. OBS 7 : Portanto, pelo exame de imagem, de acordo com a posição do tumor infra-tentorial, podemos apenas supor a natureza da neoplasia: se estiver centralizado (no vermis cerebelar), suspeita-se de meduloblastoma; se estiver mais lateralizado, suspeita-se de astrocitoma ou ependimoma. Daí, a necessidade da análise histo- patológica do tumor totalmente ressecado. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● ONCOLOGIA 5 www.medresumos.com.br TUMORES DE TRONCO CEREBRAL Geralmente sob a forma de gliomas intrínsecos e difusos de tronco cerebral, esses tumores compreendem 10% de todos os tumores pediátricos de SNC. Associam-se a um prognóstico bastante desfavorável pela impossibilidade de abordagem neurocirúrgica e constituem um desafio para futuras pesquisas em neuro-oncologia. Seu tratamento clássico envolve a radioterapia craniana. O uso de radioterapia hiperfracionada foi proposto por alguns grupos. TUMORES DE CÉLULAS GERMINATIVAS Embora raros, podem ocorrer no sistema nervoso central, especialmente em topografia de pineal e hipotálamo. Apresentam padrões heterogêneos, variando entre os germinomas e os chamados "tumores secretores", caracterizados pela secreção de marcadores como α-fetoproteína e βhCG. O tratamento clássico era realizado apenas com radioterapia craniana, mas há alguns anos novos protocolos têm indicado quimioterapia como abordagem inicial. LINHAS GERAIS DE TRATAMENTO A ressecção cirúrgica total do tumor é sempre a principal abordagem terapêutica do tumor de SNC. Para crianças acima de 3 anos, a radioterapia é indispensável e, sempre que possível, deve ser associada à quimioterapia (sendo esta responsável por um aumento no tempo de sobrevida dos pacientes). Deve haver ainda um suporte médico para os casos de HIC, dor (cefaleia ou dores medulares devido à infiltração) e detecção de recidivas. CIRURGIA A cirurgia é a principal forma de tratamento para a maioria dos tumores primários de sistema nervoso central. Com a remoção do tumor obtém-se rapidamente uma citorredução da lesão, consegue-se material para o diagnóstico histológico do tumor e alivia-se a hipertensão intracraniana, muitas vezes presente pelo efeito de massa. Nem todos os tumores são, entretanto, passíveis de remoção cirúrgica, seja total ou parcial. Aqueles localizados em tronco cerebral não costumam permitir uma abordagem segura, não sendo realizada sequer biópsia, pelo risco de serem atingidas as estruturas responsáveis pelo controle de funções vitais. Nos últimos vinte anos, o progresso na neurocirurgia foi auxiliado pelos avanços vistos na neuroanestesia e nos métodos de diagnóstico por imagem, notadamente pela Tomografia Computadorizada e Ressonância Nuclear Magnética. Quanto mais completa tiver sido a remoção cirúrgica de um tumor, maiores serão as chances de sobrevida prolongada do paciente e maior eficácia terá seu tratamento posterior com quimio ou radioterapia. A biópsia estereotáxica, procedimento especializado dirigido por método de imagem - tomografia ou ressonância magnética define com precisão o local da lesão a ser abordado e possibilita o diagnóstico histológico em tumores com difícil acesso para a cirurgia convencional. O neurocirurgião também pode ser solicitado para colocação de uma derivação ventrículo-peritoneal em pacientes com dilatação ventricularsignificativa. Essa conduta tem sido cada vez menos necessária, pela abordagem mais precoce das lesões, não permitindo tão frequentemente a instalação de hidrocefalia. A presença de uma derivação é um fator de risco para infecções, por se tratar de um corpo estranho. É questionável seu papel contributivo para a disseminação de metástases. RADIOTERAPIA A radioterapia é um tratamento oncológico loco-regional realizado através da emissão de radiações ionizantes nas áreas de crescimento tumoral. Tem como objetivo destruir as células tumorais, com o mínimo de sequela possível nos tecidos normais. As indicações e técnica da radioterapia a ser empregada dependem da idade da criança, do tipo histológico do tumor, assim como da sua localização e extensão. A radioterapia para o SNC só poderá ser utilizada a partir dos 3 anos de idade. É utilizada na maioria dos tumores de SNC da criança, pelo menos em uma fase do tratamento. Sua finalidade é a de diminuir as chances de recidiva local dos tumores ressecados, prevenir a disseminação ao longo do neuroeixo em determinados tumores, tratar de maneira exclusiva os tumores irressecáveis e melhorar o controle e sobrevida das crianças submetidas à remoção parcial do tumor primário. As principais técnicas incluem: Radioterapia crânio espinhal: Indicada para os tumores que possuem potencial de disseminação ao longo do neuroeixo através da circulação liquórica. Exemplos desses tumores incluem o meduloblastoma, outros tumores neuroectodérmicos primitivos e os tumores de células germinativas. Toda a superfície meníngea deve estar incluída nos campos de irradiação, que inclui desde o cérebro até um limite inferior do campo medular no nível da junção de S2-S3. Radioterapia de crânio total: Todo o cérebro deve estar incluído no campo. É utilizada atualmente apenas em linfomas cerebrais e metástases cerebrais. Radioterapia focal: O campo deve englobar todo o leito tumoral com margens de segurança, dependendo do tipo. A composição e o número de campos dependem do local e volume a ser tratado. Utilizada nos astrocitomas, ependimomas, oligodendrogliomas, gliomas de tronco, gliomas de nervo óptico, craniofaringeomas, tumores de pineal e de plexo coroide. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● ONCOLOGIA 6 www.medresumos.com.br Braquiterapia: Consiste na introdução de cateteres no interior do tumor por estereotaxia, por dentro dos quais são introduzidos materiais radioativos que ficarão em contato com o tumor. Há, portanto, liberação de altas doses de radiação no interior do mesmo, poupando-se o tecido cerebral normal circunjacente. Indicada em tumores supratentoriais com diâmetro menor que 6 cm no maior eixo, unifocais e bem delimitados por métodos de imagem. O Iodo-l25 é o material radioativo de escolha. Radiocirurgia: Consiste em técnica moderna de radioterapia externa, na qual há concentração de dose de radiação em uma região no interior do cérebro, cujas coordenadas são determinadas por estereotaxia. O planejamento é computadorizado e os dados são repassados ao acelerador linear, que durante a aplicação gira ao redor da cabeça do paciente, algumas vezes em concomitância com a rotação da mesa, fazendo com que os múltiplos feixes de radiação se cruzem no nível do local determinado. Utiliza-se em lesões pequenas, que não ultrapassem 4 cm de diâmetro, e localizadas em áreas determinadas. QUIMIOTERAPIA Das três modalidades terapêuticas empregadas no tratamento dos tumores de Sistema Nervoso Central, a quimioterapia é a de utilização mais recente. Inicialmente indicada apenas nos casos de doença recidivada, com finalidade paliativa, passou depois a ser empregada em modalidade adjuvante, após a cirurgia e concomitante à radioterapia de meduloblastomas e gliomas de alto grau. Os resultados de alguns estudos comparativos no final da década de 70 e início da de 80 permitiram concluir que o uso adjuvante de quimioterapia não implica em aumento nas taxas de sobrevida para crianças com gliomas de alto grau ou tumores de tronco. Entretanto, para pacientes com meduloblastoma de alto risco, seu uso seria benéfico, resultando em uma sobrevida mais prolongada (6,4 anos). A modalidade neoadjuvante de quimioterapia para tumores de sistema nervoso central consiste na sua utilização em presença de massa tumoral residual pós-operatória e previamente à radioterapia. As vantagens da exposição à quimioterapia previamente à irradiação do tumor são significativas, especialmente em se tratando de crianças menores de 3 anos de idade. Consegue-se assim retardar a exposição do paciente à radioterapia, de conhecidos efeitos tóxicos no desenvolvimento do SNC, ainda em mielinização e maturação de suas funções nessa faixa etária. Entre os agentes mais empregados no tratamento quimioterápico de tumores de SNC pediátricos, temos os derivados da platina, (cisplatina e carboplatina), agentes alquilantes (ciclofosfamida e ifosfamida) e outros, como a vincristina e o etoposide. Os esquemas de tratamento variam desde protocolos convencionais até a administração de quimioterapia em doses altas com resgate autólogo de medula óssea ou células tronco. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar dos progressos observados na oncologia pediátrica nas últimas décadas, ainda resta muito por ser feito no campo dos tumores de SNC, que constituem um desafio por sua grande frequência na população, acompanhada de uma elevada morbidade e mortalidade. Passamos a vislumbrar novas perspectivas na neuro-oncologia pediátrica com os avanços neurocirúrgicos, radioterápicos e a crescente utilização de quimioterapia para alguns tumores. O pediatra geral deve estar consciente de seu papel no diagnóstico precoce destas neoplasias, assegurando assim o seu pronto encaminhamento para serviços especializados onde equipes multidisciplinares estarão empenhadas em assegurar uma maior sobrevida e melhor qualidade de vida aos pacientes.
Compartilhar