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ESPIRITO SANTO INTELIGÊNCIA EMOCIONAL APLICADA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO – FAVENI ESTUDANDO SOBRE O TEMA Fonte: www.fasdapsicanalise.com.br Inteligência e emoção são dois temas tradicionalmente polêmicos que, mesmo após várias décadas de estudos, ainda despertam interesse e fomentam debates dentro e fora do ambiente acadêmico, existindo, para cada um deles, um vasto campo de teorização e pesquisa. Desde o século XIX a inteligência humana tornou-se objeto de estudo de cientistas em todo o mundo, quando Herbert Spencer e Francis Galton apontaram para uma capacidade humana geral, distinta de todas as outras (Butcher, 1968/1972). Nessa época, movidos pelo interesse em compreender os processos mentais, neurologistas, psiquiatras psicólogos e outros estudiosos se envolveram na investigação científica da inteligência, compreendida, então, como uma capacidade geneticamente determinada. Entretanto, as provas relacionadas a esta proposição teórica eram muito frágeis, pois desprezavam as influências do meio e não efetuavam o correto controle de variáveis, como idade e tempo de aplicação dos testes, para avaliar a inteligência. Os estudos sobre a inteligência orientaram-se, segundo a visão de Almeida (1996), por dois eixos básicos de definição: um concebendo-a como um fator geral com função integradora das diversas habilidades intelectuais (Binet & Simon, 1905; Wechsler, 1950) e outro tendo-a como um conjunto de aptidões independentes (Guilford, 1959). Dentro do primeiro enfoque de inteligência, surgiu em 1905 a primeira escala satisfatória para avaliar diferenças intelectuais desenvolvida por Binet e Simon, tendo sido significativamente alterada nos anos subsequentes. Em 1909, Burt publicou os primeiros testes padronizados para crianças tidas como mentalmente deficientes (Butcher, 1968/ 1972). A revisão das escalas Binet-Simon deu origem aos testes de Quociente Intelectual Stanford-Binet, que passaram a levar em consideração, pela primeira vez, a idade cronológica como uma variável importante para se compreender o significado de idade mental (Telford & Sawrey, 1968/ 1977). O modelo de inteligência que se constituiu com estes primeiros testes de quociente intelectual (Q.I.) estimulou a visão da inteligência como a capacidade de processamento de informações ligadas às habilidades necessárias para o sucesso acadêmico. Isto ocorreu em função de se buscar avaliar os aspectos relacionados às capacidades lógico-matemática e lingüística dos indivíduos, o que proporcionou aos testes de inteligência ampla aceitação nos mais diversos contextos e, em especial, no ambiente escolar, como forma de avaliar os alunos e separá-los de acordo com o nível intelectual que apresentavam. O segundo eixo de concepção da inteligência orientou-se pelo entendimento de que ela seria formada por conjuntos de aptidões independentes. Guilford (1959) elaborou um modelo tridimensional de formato cúbico para representar as categorias de funcionamento intelectual. As três faces do intelecto, segundo o modelo de Guilford, dizem respeito à capacidade de realizar operações, dar origem a produtos e manifestar conteúdos a nível intelectual. As aptidões independentes apontadas por Guilford referem-se à compreensão verbal, fluência verbal, aptidão numérica, rapidez perceptiva, aptidão espacial, memória e raciocínio (Almeida, 1996). Este modelo deu origem a uma bateria de testes multifatoriais muito úteis para escolas e empresas, usados em situações de orientação vocacional e avaliações psicológicas nos mais diversos contextos. Paralelamente a estes estudos surgiram, nas primeiras décadas do século, as proposições iniciais sobre inteligência social (Broom, 1928, 1930; McClatehy, 1929; Thorndike, 1936) cujo âmbito de interesse eram as habilidades para decodificar informações do contexto social. Em 1966, O’Sullivan e Guilford elaboraram um teste de seis fatores de inteligência social com vistas a representar, através desta medida, a face comportamental do modelo de Guilford (1959; 1967) sobre a estrutura do intelecto. Essa nova modalidade de inteligência foi, posteriormente, revisada por Ford e Tisak (1983) e redefinida como um critério comportamental, representado por habilidades para atingir objetivos relevantes em ambientes sociais específicos. Essas proposições sobre a inteligência social atribuíram maior ênfase ao processamento de informações produzidas pelo meio social do que àquelas de cunho lógico-matemático e linguístico tão amplamente ressaltadas dentro do contexto acadêmico. Inicia-se, com a inteligência social, uma tentativa de compreender a inteligência como um fenômeno mais amplo. Dentro deste enfoque, as informações presentes no meio social seriam os elementos principais que alimentariam o processo intelectual. Redireciona-se, desse modo, o eixo central de teorização sobre essas habilidades, saindo-se de um foco que priorizava o processamento de estímulos lógico-matemáticos e linguísticos para uma ênfase nos sinais produzidos pela vida social. A inteligência social, portanto, aparece como uma proposta de compreender as capacidades intelectuais humanas tornando como área de teorização o processo cognitivo de captar e decodificar, com habilidade, informações providas pelo meio social e de apresentar estratégias comportamentais eficazes para atingir objetivos sociais, dentro de um contexto particular. Tal postura teórica é defendida pelos seus proponentes (Keating, 1978; Ford & Tisak, 1983) como uma complementação ao campo abarcado pela visão tradicional de inteligência, a qual não contempla outras áreas de habilidades relevantes para o processo educacional. Em 1995, Gardner introduz, no meio cientifico, uma outra abordagem sobre a inteligência, entendida como “capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes em um determinado ambiente ou comunidade cultural” (Gardner, 1993/1995, p. 21). O autor argumenta que vários conjuntos de habilidades humanas possuem as características necessárias para serem classificadas como inteligências distintas. Configura-se, desta maneira, uma inovadora leitura do intelecto humano denominada teoria das inteligências múltiplas, constituindo uma visão pluralista do intelecto humano, assemelhando-se àquela posição já anteriormente apresentada por Guilford. Na proposição de Gardner, entretanto, a multidimensionalidade da inteligência humana não seria constituída por um conjunto de aptidões independentes como defendia Guilford mas, sim, por inteligências específicas que iriam se manifestar na medida em que existisse a necessidade de criar um produto cultural. Assim sendo, a abordagem das inteligências múltiplas, reconhecendo as capacidades universais da espécie humana, baseia-se num sistema computacional com base neurológica, tendo cada uma das inteligências determinados tipos de informações internas e externas que as desencadeariam. Em sua formulação teórica, Gardner identifica sete tipos de inteligência. Mantendo em sua lista as já tradicionais inteligências lógico-matemática e linguística, ele inclui as inteligências musical, espacial e corporal-cinestésica, ressaltando possíveis influências socioculturais sobre o potencial humano e postula duas outras inteligências de cunho predominantemente sócio emocional, denominadas inteligência intrapessoal e interpessoal. Esta teorização mescla a visão clássica com as recentes descobertas neurofisiológicas sobre o funcionamento do intelecto. Assim, a grande contribuição de Gardner para o estudo da inteligênciaé justamente a sedimentação das mais diversas teorias que, há décadas, buscavam ampliar a concepção de inteligência para além das habilidades acadêmicas. Em um outro âmbito de produção científica, encontram-se os estudos relacionados ao tema emoção. No século passado, em 1884, James foi o primeiro a sugerir que as alterações fisiológicas que ocorrem no corpo são a base da experiência emocional e que a percepção destas alterações no organismo é que constituiriam a emoção (Cofer, 1972/1980). Essas primeiras formulações e as recentes descobertas no campo da neurologia, como as relatadas por Damásio (1994/1996), tornaram-se fundamentais para ampliar a compreensão das experiências emocionais. Este autor descreve a emoção como alterações orgânicas de nível neural e químico, desencadeadas por estímulos externos ou internos, relacionados a imagens mentais e pensamentos que sofrem influência do contexto social e cultural onde se encontra o indivíduo. O autor afirma que este processo ocorre sob o controle de estruturas subcorticais e também neocorticais, introduzindo uma relação mais próxima entre emoção e as funções intelectivas do neocortex. Damásio (1994/1996) também propõe uma classificação dos sentimentos divididos entre os de cunho emocional e os de fundo. Os primeiros são relacionados à leitura de estados emocionais como alegria e tristeza e, os segundos, à leitura da imagem do corpo quando o mesmo não se encontra agitado pelos estados emocionais. Assim, os sentimentos seriam os responsáveis pela cognição do estado visceral, muscular e esquelético do corpo, o que permitiria ao indivíduo efetuar uma leitura do que acontece durante os estados emocionais e de fundo. Desta maneira, a justaposição das imagens do corpo, produzidas pelas emoções, com outras imagens presentes ou despertadas na memória estimulariam atribuição positiva ou negativa a uma determinada situação como sendo, por exemplo, de prazer ou dor. Damásio (1994/1996) supõe que os estados emocionais necessitam de uma ligação neocortical para serem decodificados e compreendidos pelo indivíduo. Suposições como essas talvez sejam os grandes influenciadores da noção de que existam capacidades intelectivas específicas para a decodificação dos estados emocionais e de todas as informações por eles produzidas. Isto posto, é possível perceber, tanto na história da inteligência como da emoção, um percurso teórico que gradativamente as aproxima. Observam-se que as proposições teóricas sobre a inteligência paulatinamente passaram a levar em consideração as influências dos estímulos sociais e dos aspectos emocionais, enquanto que a emoção teve sua compreensão teórica cada vez mais relacionada às descobertas sobre os centros neocorticais, responsáveis pelas funções intelectivas. Os estudos realizados até então apontavam não para uma superposição entre inteligência e emoção, mas, sim, para a compreensão da influência do intelecto na leitura dos estados emocionais e, por outro lado, para a influência das emoções sobre as funções neocorticais. É notório que os conceitos de inteligência e emoção foram estudados em dois blocos separados, mas o aprofundamento científico aproximou-os de tal maneira que se tornou evidente a necessidade de uma nova teorização de interdependência entre ambos. Proposições mais atuais, apresentadas por diversos estudiosos (Damásio, 1994/1996; Goleman, 1995/1996; Lane, Quinlan, Schwartz, Walker & Zeitlin, 1990; Mayer, DiPaolo & Salovey, 1990; Mayer & Geher, 1996; Mayer & Salovey 1997; Salovey & Mayer, 1990), têm apontado uma estreita relação entre intelecto e emoção. Esta proposta de interdependência tornou-se teoricamente mais organizada quando nos Estados Unidos, no início da década de noventa, Salovey e Mayer apresentaram a concepção de inteligência emocional, definindo-a como a “habilidade de monitorar sentimentos e emoções pessoais e alheias, realizar discriminações entre elas e usar essas informações para guiar os próprios pensamentos e ações” (p. 189). As proposições de Salovey e Mayer (1990) descrevem os processos mentais relativos à informação emocional, incluindo avaliação e expressão das emoções, sua regulação e utilização. Estes processos, subjacentes à inteligência emocional, teriam início quando informações de natureza afetiva fossem captadas pelo sistema perceptivo. O primeiro processo mental diz respeito a avaliação e expressão das emoções pessoais e dos outros. Em relação a si mesmo, o indivíduo baseia-se na observação de informações verbais e não verbais para realizar sua auto- avaliação e escolher a melhor maneira de expressar suas próprias emoções. Em relação ao outro, o indivíduo utilizaria manifestações não verbais de comportamento e de sua empatia pessoal para efetuar a avaliação da expressão de estados emocionais alheios. O segundo processo mental inclui a regulação das emoções, ou o controle delas, em si mesmo e nos outros. Em si mesmo, permitiria ao indivíduo regular e direcionar seus humores e, na relação com o outro, favoreceria a regulação das relações alheias, ou seja, facilitaria avaliar respostas afetivas externas e escolher o melhor comportamento social a ser emitido durante a interação social. O terceiro processo constitui a utilização das emoções durante a resolução de problemas cotidianos, ou que requeiram complexidade de raciocínio. Nessas situações, segundo Salovey e Mayer (1990), o uso correto das emoções possibilitaria ao indivíduo elaborar com maior habilidade planos para o futuro, ter pensamentos criativos, ser capaz de dosar e direcionar sua atenção e seu bom humor e, ao mesmo tempo, motivar-se, persistindo, mesmo diante de dificuldades, em seus propósitos anteriormente estabelecidos. Com o surgimento do conceito de inteligência emocional, criou-se um eixo específico de teorização sobre processamento de informações de natureza emocional, tornando mais amplas as ideias elaboradas por Gardner (1993/1995) quando apresentou as inteligências intrapessoal e interpessoal como duas modalidades de habilidades cognitivas para lidar com conteúdos emocionais. Por outro lado firmou-se, definitivamente, um campo de pesquisa em que as habilidades intelectivas tornaram-se associadas às experiências emocionais. Em 1996, também nos Estados Unidos, dando sequência à discussão sobre inteligência emocional, Goleman supõe que ela reja a maior parte das relações e experiências cotidianas e, diferentemente das aptidões acadêmicas, permitiria que as pessoas se saíssem bem em suas atividades cotidianas. Para Goleman (1995/1996), o conceito de inteligência emocional pauta-se em cinco habilidades básicas e interdependentes denominadas por autoconsciência, automotivação, autocontrole, empatia e sociabilidade. As três primeiras referem-se a exames de reações do eu e ao que o indivíduo faz com seus próprios sentimentos, enquanto que as duas últimas voltam-se para fora, em direção aos sentimentos dos outros e às interações sociais. Dentre as habilidades citadas por Goleman (1995/1996), a autoconsciência pode ser considerada a mais importante, uma vez que ela abre caminho às demais habilidades. A autoconsciência permitiria ao indivíduo perceber, observar, distinguir e nomear seus próprios sentimentos, de modo a se reconhecer e aceitar-se em seus mais diversos estados emocionais. Há na literatura alguns conceitos que fazem fronteira conceitual ou se sobrepõem à definição de autoconsciência. A autoimagem (Advinícula, 1991; Erthal, 1986) refere-se à percepção do eu e à representação que o indivíduo faz de si mesmo. Oautoconceito (Diniz & Mettel, 1986; Farias & Carvalho, 1987; Mendonça, 1989; Novaes, 1985; Rodrigues, 1985; Tamayo, 1981) diz respeito à elaboração de um juízo a respeito do eu e à capacidade de fazer distinções a respeito das ocorrências internas. A inteligência intrapessoal, definida por Gardner (1993/1995) como acesso e discriminação entre os sentimentos pessoais constitui também um correlato à habilidade denominada autoconsciência. Fonte: www.saopaulocenter.com.br A automotivação, segunda habilidade da inteligência emocional, seria a capacidade de elaborar metas para si mesmo, persistindo e entusiasmando-se com os objetivos pessoais. É a capacidade de resistir a quaisquer obstáculos que impeçam a concretização de metas pessoais, envolvendo, no indivíduo que a retém em alto nível, elevado grau de esperança e otimismo. A automotivação assemelha-se aos conceitos de crescimento pessoal e propósitos na vida apresentados por Ryff (1989), que referem-se à elaboração de metas, ao seu avanço, à crença em sua concretização e confiança nos próprios objetivos, bem como abertura a novas experiências. O autocontrole, por sua vez, refere-se à capacidade de administrar sentimentos e desenvolver habilidades pessoais para atingir metas anteriormente estipuladas. Um nível elevado de autocontrole levaria o indivíduo a reinterpretar a situação ocorrida e dar-lhe um significado mais positivo, além de possibilitar o adiamento de um impulso momentâneo em prol de uma meta futura. Conceitos como autocontrole e autonomia (Ryff, 1989), percepção de controle pessoal (Barroso, 1975) e locus de controle (Levenson, 1981; Tamayo, 1989) promovem uma compreensão completível a esta habilidade, uma vez que definem-se pelo entendimento dos indivíduos a respeito do que acontece em suas reações e atuações pessoais, bem como de que forma percebem a ocorrência dos fatos que permeiam suas vidas. Como quarta habilidade da inteligência emocional, a empatia encontra- se como um conceito vastamente estudado (Chlopan, McCain, Carbonell & Hager, 1985; Santana, 1989). Constitui-se na habilidade de perceber os sentimentos dos outros, através da leitura e compreensão de comportamentos não verbais de comunicação, tais como expressões faciais, tom de voz e postura corporal. Santana, Alta e Bastos (1993) elucida que a empatia possui um componente cognitivo (se o indivíduo sente da mesma maneira como a outra pessoa) e um componente motivacional (se a empatia, quando experienciada, leva o indivíduo a fazer algo). A inteligência interpessoal, proposta por Gardner (1993/1995), abarca o conceito de empatia, pois é definida como “a capacidade de observar e fazer distinções entre os indivíduos e, em particular, entre seus humores, temperamentos, motiva- ções e intenções” (p. 185). Dessa forma, a habilidade denominada por empatia permite que um indivíduo hábil leia as intenções e desejos das pessoas que o cercam, além de possibilitar a este mesmo indivíduo percepção mais acurada dos sentimentos do outro. Define-se como sociabilidade, quinta habilidade da inteligência emocional, a capacidade de iniciar, aprofundar e manter relações sociais. Ter alta sociabilidade significa ser capaz de substituir sentimentos negativos por outros positivos e disseminá-los naqueles que estão ao redor, tornando os relacionamentos extensos, profundos e verdadeiros. Os conceitos de inteligência social (Ford & Tisak, 1983), domínio do ambiente (Ryff, 1989), competência social (Del Prette, Del Prette & Correia, 1992), competência interpessoal (Buhrmester & Furman, 1988) e habilidades sociais (Hidalgo & Melo, 1991; Gresham, 1992; Del Prette, Del Prette, Torres & Pontes, 1998), descritos na literatura, guardam rela- ções conceituais estreitas com a noção de sociabilidade. Assim como a inteligência social definida por Ford e Tisak (1983), as outras definições tratam de comportamentos que um indivíduo emite em um contexto social de modo a aplicar estratégias adequadas e satisfatórias para seus relacionamentos. As diversas suposições, atuais ou mais antigas, que dão suporte conceitual e teórico à estrutura do recente conceito de inteligência emocional, têm em comum a importância atribuída aos fenômenos psíquicos que se relacionam com a configuração interna do indivíduo como também àqueles que fortalecem uma interdependência equilibrada entre ele e seu meio social. Desse modo, entende-se que as três habilidades denominadas autoconsciência, automotivação e autocontrole seriam as bases de natureza psicológica responsáveis pelo fortalecimento das estruturas internas do indivíduo, enquanto as outras duas, empatia e sociabilidade, constituiriam os componentes psicossociais que assegurariam a sua competência no mundo social. Assimilando as diversas concepções sobre a inteligência humana aqui apresentadas, entende-se que a inteligência emocional configura-se como um constructo de natureza cognitiva, cujo elemento primordial de sua constituição seriam as informações de cunho emocional produzidas pelo próprio indivíduo quando experiência emoções e as organiza em forma de sentimentos, bem como informações oriundas do meio social fornecidas pela expressão de emoções e sentimentos dos outros. DEFINIÇÕES DAS CINCO HABILIDADES INTEGRANTES DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL Fonte: paramais.com.br Autoconsciência: Conotação positiva: facilidade de lidar com os próprios sentimentos no que se refere a identificação, nomeação, avaliação, reconhecimento e atenção a estes sentimentos. Conotação negativa: dificuldade de lidar com os próprios sentimentos no que se refere a identificação, nomeação, avaliação, reconhecimento e atenção a estes sentimentos. Automotivação: Conotação positiva: facilidade de elaborar planos para a própria vida, de modo a criar, acreditar, planejar, persistir e manter situações propícias para a concretização das metas futuras. Manter-se esperançoso e otimista nas diversas fases da vida. Conotação negativa: dificuldade de elaborar projetos para a vida. Duvidar dos projetos e ser pessimista e desesperançoso. Autocontrole: Conotação positiva: facilidade de administrar os próprios sentimentos, impulsos, pensamentos e comportamentos. Conotação negativa: dificuldade de administrar os próprios sentimentos, impulsos, pensamentos e comportamentos. Empatia: Conotação positiva: facilidade de identificar os sentimentos, desejos, intenções, problemas, motivos e interesses dos outros, através da leitura e compreensão de comportamentos não verbais de comunicação, tais como, expressões faciais, tom de voz e postura corporal. Conotação negativa: dificuldade de identificar os sentimentos, desejos, intenções, problemas, motivos e interesses dos outros, através da leitura e compreensão de comportamentos não verbais de comunicação, tais como, expressões faciais, tom de voz e postura corporal. Sociabilidade: Conotação positiva: facilidade de iniciar e preservar as amizades, ser aceito pelas pessoas, valorizar as relações sociais, adaptar–se a situações novas, liderar, coordenar e orientar as ações das outras pessoas. Conotação negativa: dificuldade de iniciar e preservar amizades, ser pouco aceito pelas pessoas, evitar reuniões sociais, não adaptar-se a situações novas, bem como possuir dificuldades em liderar e coordenar grupos ou ações de outras pessoas. O conceito de Inteligência Emocional (IE) surgiu no âmbito acadêmico, em 1990, formalizado pelos pesquisadores Peter Salovey (Yale University) e John Mayer (University of New Hampshire), que introduziramo termo na literatura científica por meio de dois artigos (Mayer, DiPaolo & Salovey, 1990). Na primeira publicação, de natureza teórica, os autores propuseram uma definição inicial de inteligência emocional como sendo “a habilidade para controlar os sentimentos e emoções em si mesmo e nos demais, discriminar entre elas e usar essa informação para guiar as ações e os pensamentos” (Mayer, DiPaolo, & Salovey, 1990, p. 189). O segundo artigo ofereceu as primeiras demonstrações empíricas de como a inteligência emocional poderia ser considerada como uma habilidade mental. Apesar de ter se originado na comunidade acadêmica – ou talvez por isso –, o novo conceito passou praticamente inadvertido, até que, em 1995, o psicólogo e redator científico Goleman (1995) publicou o livro, que viria a ser um bestseller mundial, intitulado Inteligência Emocional. Apoiando-se em pesquisas sobre o cérebro, as emoções e a conduta, o autor explana, em linguagem acessível e persuasiva, as concepções em torno da inteligência de tipo emocional e, baseando-se no conceito inicialmente formulado por Mayer e Salovey (1990), concebe uma perspectiva mais ampla de IE, acrescentando, às habilidades cognitivas, vários atributos da personalidade. Para Goleman (1995), a IE inclui características como a capacidade de motivar a si mesmo, de perseverar no empenho apesar das frustrações, de controlar os impulsos, de adiar as gratificações, de regular os próprios estados de ânimo, de evitar a interferência da angústia nas faculdades racionais, de sentir empatia, de confiar nos demais, etc. Apesar do apanhado de concepções teóricas bem comentadas ao longo da obra, das histórias ilustrativas usadas, das abundantes referências científicas e das explicações sobre a IE, a nosso ver, Goleman (1995), nessa ocasião, não oferece uma definição conceitual clara de inteligência emocional. Essa expansão do conceito, embora amplamente difundida popularmente, tem recebido muitas críticas no âmbito científico. Nesse sentido, Mayer, Salovey e Caruso (2002) criticam o uso do termo inteligência emocional para fazer alusão a áreas amplas da personalidade, que vão além da emocional e da cognitiva. Também julgam inadequado considerar a teoria de Goleman como científica, posto que, segundo os pioneiros do conceito, ela “foi inicialmente apresentada como uma narrativa jornalística de [sua] própria teoria [de Salovey e Mayer]” (Mayer, Salovery & Caruso, 2002, p. 88), não apresentando nenhuma contribuição ou formulação teórica própria. Da mesma forma, Hedlund e Sternberg (2002) consideram que uma das limitações do uso que Goleman faz do termo inteligência emocional consiste no fato de ele incluir, dentro desse construto, tudo o que não seja o Q.I. Igualmente, esses autores defendem que o trabalho de Goleman está fundamentalmente embasado em “evidências anedóticas e extrapolações questionáveis de pesquisas passadas” (Hedlund & Sternberg, 2002, p. 118). Navas e Berrocal (2007) destacam duas conseqüências do trabalho de Goleman: uma positiva e outra negativa. Por um lado, o êxito do best-seller dinamizou e favoreceu o interesse pela IE, mas, por outro, tergiversou em certa medida as ideias de Salovey & Mayer (1990), desviando o conceito para o campo dos traços da personalidade. Segundo Mestre (2003), as habilidades sociais e pessoais que Goleman (1995) inclui em sua proposta de IE são tantas e tão abrangentes que configurariam a um ser humano perfeito, cujo perfil, obviamente, seria garantia de êxito. Em defesa de sua proposta integradora da inteligência emocional, Boyatzis, Goleman e Rhee (2002, p. 253) sustentam que “se for definido como um conceito único, o termo inteligência emocional pode ser ilusório e sugerir uma associação com a capacidade cognitiva tradicionalmente definida [fator g].” Argumentam que um conceito integrador seria ideal para oferecer um modelo teórico para a organização da personalidade e para a conexão entre a inteligência emocional e uma teoria de ação e desempenho no trabalho. O interesse deflagrado pela propagação do termo inteligência emocional mobilizou também os criadores do construto que, preocupados com a variedade de definições, reinvenções e reivindicações da importância do conceito, tomaram algumas medidas cautelares no sentido de preservar o cientificismo da IE. Assim sendo, revisaram e clarificaram o conceito primitivo e estabeleceram uma nomenclatura para diferenciar os Modelos de Inteligência Emocional centrados nas habilidades cognitivas (modelos de aptidões ou habilidades) daqueles que incluíssem traços de personalidade, fatores motivacionais ou outros (modelos mistos). Os primeiros são, portanto, mais restritos e os segundos, mais abrangentes. Na revisão conceitual, Mayer e Salovey (2007) procuraram focalizar a IE como um conjunto de aptidões, capacidades ou habilidades mentais, aproximando-a mais do campo de estudos da inteligência. A IE passa a ser definida, mais precisamente, em termos de quatro grupos de habilidades relacionadas: A inteligência emocional implica a habilidade para perceber e valorar com exatidão a emoção; a habilidade para acessar e ou gerar sentimentos quando esses facilitam o pensamento; a habilidade para compreender a emoção e o conhecimento emocional, e a habilidade para regular as emoções que promovem o crescimento emocional e intelectual (Mayer & Salovey, 1997/2007, p. 32). A percepção e identificação emocional se referem à habilidade para perceber e identificar as emoções próprias e alheias, incluindo na voz das pessoas, nas obras de arte, na música, nas histórias. O segundo componente, a facilitação emocional, envolve a habilidade para usar as emoções para facilitar os processos cognitivos (na solução de problemas, tomada de decisões, relações interpessoais). Compreender a emoção implica conhecer os termos relacionados com as emoções e as formas como estas se combinam, progridem e mudam. O último nível, o de regulação emocional, trata da habilidade de saber usar estratégias para mudar os próprios sentimentos e saber avaliar se elas são eficazes ou não. Mayer e Salovey (2007) creem que essa definição atualizada consegue unir as ideias de que a emoção nos faz pensar mais inteligentemente e, por outro lado, pensamos inteligentemente sobre as emoções. O Modelo de Inteligência Emocional como Aptidão (Salovey & Mayer, 1990; Mayer & Salovey, 2007) coexiste com o Modelo de Competências Emocionais (Goleman, 1995), Modelo de Inteligência Social e Emocional (BarOn, 1997) e, com menor expressividade, com o Modelo de Cooper e Sawaf (1997). Embora a proposta de Goleman seja a mais divulgada, no âmbito acadêmico o Modelo de Aptidões tem sido considerado como autêntico modelo explicativo da IE (Mestre, 2003) e tem se consolidado na Psicologia como modelo de referência para as pesquisas na área devido ao rigor teórico e empírico, tanto no que se refere à formalização conceitual, quanto aos instrumentos de medida de auto informe e de execução, cujas experimentações têm aumentado seu índice de fiabilidade; também tem sido considerado como o mais factível para o desenvolvimento de programas de intervenção (Pacheco & Berrocal, 2005). A elucidação do construto da IE tem ocorrido de forma paulatina, porém constante. A aceitação do seu status de inteligência ainda encontra muitas resistências, mas também tem recebido muito apoio científico. A esse respeito, Bechara, Tranel e Damasio (2002, p. 163) prestam uma inestimável contribuição à compreensão das evidências neurológicas da IE, partindo dos resultados das pesquisas em pacientescom lesões bilaterais do córtex pré-frontal ventro-mediano. Tais descobertas demonstram a influência das emoções nas funções cognitivas e comportamentais do indivíduo, incluindo a memória e a tomada de decisão, e dão um bom exemplo de que possuir conhecimentos e um Q.I. elevado não bastam para que as decisões tomadas pela pessoa representem escolhas vantajosas para sua vida pessoal e social. De acordo com esses pesquisadores, o prejuízo na capacidade de lidar eficazmente com as exigências sociais e ambientais, observado na conduta dos pacientes estudados, deve-se a um déficit na sua habilidade de processamento de sinais emocionais. Para eles, “isso proporciona amplas evidências para a noção de que as emoções são os ingredientes de uma forma distinta de capacidade, que é crítica para a inteligência global na vida social” Bechara et al. (2002, p. 162). Encerram sua colaboração com uma conclusão afiançadora: Nossos estudos de pacientes neurológicos não defendem um modelo de inteligência emocional em detrimento de outro. Entretanto, nossas pesquisas proporcionam fortes evidências para o principal conceito de inteligência emocional, a qual pode ser vista como um conjunto de aptidões emocionais que constituem uma forma de inteligência diferente da inteligência cognitiva ou do QI. Essa inteligência emocional faz com o indivíduo seja socialmente mais eficaz em certos aspectos da vida do que outros indivíduos. Essa afirmação cobra especial relevância considerando-se a grande contribuição que a Neurociência tem proporcionado à elucidação das emoções e dos sentimentos na mente humana. O avanço das pesquisas de Damásio e colaboradores evidenciaram que as emoções e os sentimentos não só podem ser abordados, medidos, explicados e compreendidos cientificamente, como também podem ser distinguidos neurobiologicamente. Em função dessa descoberta, Damásio (1996, 2000, 2004) usa de forma distinta os dois termos. O termo emoção fica reservado para referir-se ao “conjunto de mudanças que ocorrem quer no corpo, quer no cérebro e que normalmente é originado por um determinado conteúdo mental” (Damasio, 1996, p. 301), enquanto o termo sentimento é usado para referir-se à percepção dessas mudanças. De acordo com essa teoria, “ao contrário da opinião científica tradicional, [as emoções e os sentimentos] são tão cognitivos como qualquer outra percepção” (Damasio, 1996, p. 15). Outro aspecto da pesquisa de Damásio que precisa ser melhor apreciado pelos estudiosos da IE é a relação entre as emoções e a consciência. As emoções são componentes essenciais do kit de sobrevivência com o qual nascemos equipados. Nós, humanos, além das emoções, podemos ser capazes de ter sentimentos e de saber que os temos. Esse saber que temos sentimentos só é possível porque temos consciência. Segundo Damásio (2000, p. 80), “a consciência permite que os sentimentos sejam conhecidos e, assim, promove internamente o impacto da emoção, permite que ela, por intermédio do sentimento, permeie o processo do pensamento”. Para Damásio, tanto a emoção como a consciência estão ligadas à sobrevivência do organismo. Em outras palavras, a consciência amplia a proteção proporcionada pelo nosso kit de sobrevivência. Acreditamos que essa relação entre emoção e consciência é especialmente importante para explicar a habilidade de administrar ou regular as emoções. Todas essas contribuições da neurociência têm proporcionado uma visão mais conciliadora e integradora às clássicas dicotomias razão versus paixão, pensamento versus sentimento, cabeça versus coração, cognição versus emoção... Termos como conciliar e integrar merecem ser ressaltados nessa fase da pesquisa no campo da IE. A constatação de que “a cognição não é tão lógica como se pensava outrora, e nem sempre as emoções são tão irracionais” (LeDoux, 2001, p. 33) não deve conduzir a outro antagonismo: inteligência emocional versus inteligência cognitiva. Às vezes, as discussões sobre a natureza da inteligência, incluída a emocional, tendem a sugerir uma substituição de inteligências ou uma alternância de posição de supremacia. Essa advertência será mais bem compreendida nos parágrafos seguintes, especialmente quando fazemos referência à “metáfora do elefante”. O construto da IE une dois complexos campos de estudo que têm uma larga história na Psicologia. Apesar da abundante produção científica das duas áreas de conhecimento, ambas têm questões cruciais a serem esclarecidas acerca da natureza de seus respectivos objetos principais de estudo: a inteligência e a emoção. Sobre a emoção já foram apresentadas algumas relevantes e atuais considerações para justificar o uso do termo emocional na configuração da inteligência em análise. Segundo LeDoux (2001, p. 22), “os cientistas não estão conseguindo chegar a um acordo quanto ao que sejam as emoções”; mas essa falta de consenso não impede o avanço da pesquisa em IE. E quanto à inteligência? Para situar a IE nesse campo, faremos uma digressão nos próximos parágrafos para tratar da inteligência. Em dois históricos momentos, em 1921 e em 1986, pesquisadores de reconhecido prestígio no âmbito da Psicologia foram convidados a responderem à pergunta: O que é a inteligência? Além de emitirem seu parecer acerca do conceito de inteligência e a melhor forma de medi-la por testes coletivos, os psicólogos selecionados deveriam indicar futuras direções para a pesquisa na área em debate. Contrastando os dois simpósios, as conclusões são as seguintes: a) o campo de estudo da inteligência evoluiu, passando de uma atenção primordial aos aspectos psicométricos a um interesse maior pelo processamento da informação, o contexto cultural e a interação entre ambos; b) a compreensão da conduta inteligente passou a ser mais importante do que a sua predição; c) houve avanço quanto à compreensão das bases cognitivas e culturais relacionadas com os resultados dos testes de Q.I.; d) as definições de inteligência estão mais bem elaboradas, apesar de não haver consenso na aceitação de uma delas; e) o estudo da inteligência se situa num contexto social mais amplo; f) houve pouco avanço, se é que realmente se avançou, quanto aos problemas relativos à natureza da inteligência, e continua preocupando o dilema da unicidade frente à multiplicidade (Sternberg & Berg, 2003; Detterman, 2003). Duas décadas depois da realização do segundo simpósio, continuam os esforços por conseguir definir “um construto escorregadio em um campo escorregadio: o da inteligência” (Sternberg & Detterman, 2003, p. 16). Segundo Horn (2003), em sua participação no segundo simpósio, a quase inutilidade das tentativas de descrever a inteligência se deve à insistência em tratá-la como uma “entidade unitária”, quando os conhecimentos disponíveis na atualidade lhe sugeriam que o termo inteligência denota uma mistura de fenômenos importantes. Segundo ele, para entender essa “mistura confusa”, a investigação devia partir daquilo que já se conhece. E o que se conhece: Aponta para uma ideia da capacidade intelectual humana como algo integrado por diferentes “inteligências”, que têm diferentes determinantes genéticos e ambientais, que estão a serviço de diferentes funções da personalidade, que se baseiam em histórias filogenéticas e ontogenéticas distintas e que se relacionam de modo diferente com as predições dos resultados profissionais, educativos, adaptativos e de ajuste. (Horn, 2003, p. 113). Nesse sentido, a inteligência emocional surge como uma forma alternativa de explicação à natureza da inteligência, integrando-se ao grupo das habilidades mentaisconsideradas emergentes. Essas habilidades emergem das teorias que têm reivindicado uma reformulação da compreensão clássica da inteligência como uma capacidade geral, comumente designada fator g, que pode ser medida em algumas horas, pelos testes de Q.I., aferindo conhecimentos linguísticos, lógico-matemáticos e espaciais. No entanto, as propostas alternativas de inteligência demonstram que o Q.I. pode ser muito eficaz para predizer o sucesso acadêmico (mede a inteligência acadêmica), mas não garante o êxito na vida real. Sternberg (1997, p. 24-25), um dos mais reconhecidos representantes contemporâneos da pesquisa em inteligência, diz que “a ideia de relacionar o coeficiente intelectual com os logros na vida é uma ideia descabelada, pois o coeficiente intelectual é um elemento pobríssimo de predição dos logros na vida”. Partindo dessas constatações, os pesquisadores emergentes desse movimento científico de reforma das concepções de inteligência humana têm sugerido definições menos restritas, enfatizando a natureza multifacetada da inteligência humana. Para marcar essa oposição à unicidade conceitual, os teóricos têm adotado o uso de qualificativos que enfatizam o aspecto que se prioriza em sua concepção de inteligência. Nesse elenco de inteligências emergentes destacam-se a inteligência prática, exitosa, plena (Sternberg, 1985, 1997), as inteligências múltiplas (Gardner, 1983) e a inteligência emocional (Salovey & Mayer, 1990; Goleman, 1995; Bar-On, 1997). Embora essas propostas representem abordagens diferentes, compartem alguns pontos de vista: a) distanciam-se da visão unitária da inteligência; b) discordam do conteúdo e/ou da forma de avaliação clássica das capacidades intelectuais; c) postulam a existência de outros fatores na configuração da inteligência humana; d) esses fatores (que variam segundo a abordagem) seriam, em certa medida, os responsáveis pelo sucesso na vida. Observando a multiplicidade de enfoques sobre a inteligência, parece bastante oportuno relembrar a metáfora do elefante, resgatada por Humphreys (2003) em sua contribuição no segundo simpósio, para ilustrar a complexidade desse campo de estudos que cada pesquisador tenta abarcar desde sua perspectiva teórica sem, contudo, conseguir fazê-lo de forma totalmente aceitável, adequada e convincente. Para Humphreys (2003, p. 119): É uma tentação comparar os psicólogos, que tratam da inteligência, com os cegos que, situados ante diferentes partes da anatomia de um elefante, tentavam descrever este animal. Não somente os diferentes psicólogos descrevem a inteligência de distintas maneiras, senão que, alguns deles, também se comportam como cegos que, sem tocar a totalidade da anatomia, especulam acerca do elefante ideal ou das qualidades intrínsecas da “elefanticidade”. Iniciar a descrição da totalidade do elefante é um objetivo científico que pode ser alcançado se cada uma das partes interessadas aceita a limitação de sua experiência e deseja colaborar entre si. É preciso ter consciência de que estamos observando o [mesmo] elefante. Qual é a parte do elefante que compete à Inteligência Emocional analisar? Como a IE pode contribuir à compreensão da “elefanticidade”? Essas respostas já começaram a surgir, mas, por enquanto, elas ainda são aproximativas, incompletas, oscilantes. Certamente, considerando o ritmo de produção na área, dentro de alguns anos essas respostas serão menos hipotéticas e mais constatáveis. Não obstante os escassos anos de existência (menos de duas décadas), o construto da IE superou o interesse popular e tem se consolidado na esfera científica. Atualmente, o campo da IE conta com uma sólida base teórica proporcionada por diferentes linhas de pesquisa, das quais se originaram os modelos teóricos disponíveis, os instrumentos de avaliação, alguns deles empiricamente corroborados. Fonte: www.22bebes.com Foi tema monográfico de conceituadas revistas de divulgação científica, como, por exemplo: Emotion (2001, vol. 1), Psychological Inquiry (2004, vol. 15), Journal of Organizacional Behavior (2005, vol. 26), Psicothema (2006, vol. 18), Ansiedad y Estrés (2006, vol.12/ nº 2-3). Recentemente, o construto foi debatido no I Congresso Internacional de Inteligência Emocional, sediado pela Universidade de Málaga (Espanha), em setembro de 2007, do qual participaram mais de duzentos pesquisadores, de diferentes partes do mundo, com o objetivo de: revisar os modelos teóricos existentes, analisar os avanços no que tange à avaliação da IE e mostrar o impacto da IE no campo aplicado. A publicação dos anais do evento dará uma ideia mais fidedigna dos reais avanços na área. Em um interessante trabalho realizado com o intuito de analisar a importância da IE como novo âmbito de estudos da Psicologia, os pesquisadores Salgueiro, Iruarrizaga e Berrocal (2004) proporcionam uma visão aproximada de como se desenvolveu e evoluiu o conceito desde sua aparição, em 1990. Tomando como fonte de informação a maior base de dados internacional de Psicologia (PsychoInfo), os autores revisaram todas as publicações que se referiram à inteligência emocional, na forma de artigo e livro/capítulo de livro. Os resultados indicaram a existência de um progressivo interesse pelo construto, principalmente a partir de 1997, coincidindo com o período em que começa a proliferar a elaboração de medidas de avaliação da IE e a surgirem os primeiros estudos relacionando o conceito com diferentes áreas. Também se constatou que entre os três principais representantes dos Modelos de IE (Mayer e Salovey, 2007; Bar-On, 1997; Goleman, 1995), os que mais publicações realizaram no período analisado foram Mayer e Salovey, tanto se consideradas as publicações individuais como conjuntas, somando um total de 90 trabalhos de sua autoria, em contraste com a diminuta quantidade de publicações de Bar-On (2 livros e ou capítulos) e Goleman (3 livros e ou capítulos). Essa expressiva diferença quantitativa confirma a consolidação e persistência das pesquisas dos autores do conceito de IE no âmbito acadêmico. Quanto à vinculação do conceito IE com outros âmbitos de estudo, observa-se a predominância de quatro áreas aplicadas: Educação (118 publicações); Saúde (73 publicações); Liderança (70 publicações) e Ajuste Social (44 publicações). Os autores concluem que o conceito de IE evoluiu notavelmente nos seus primeiros catorze anos de existência e destacam, como principais contribui- ções para alcançar esses resultados, as proporcionadas por Mayer e Salovey, tanto no que tange à abordagem teórica, quanto no que se refere aos instrumentos de avaliação de seu Modelo de Inteligência Emocional. A análise desenvolvida neste artigo mostra que a inteligência constitui um campo de pesquisa instigante, atrativo e fecundo. Há muito que desvendar ainda sobre a sua natureza. Assim sendo, seria naturalmente esperável que qualquer proposta teórica desenvolvida nessa área provocasse reações científicas, sejam elas favoráveis ou contrárias ao que se propõe. Em linhas gerais, a inteligência emocional tem mobilizado os estudiosos da inteligência. Na Espanha, por exemplo, a Universidade de Málaga tem se convertido no principal centro de referência da pesquisa em IE nesse país, desenvolvendo uma profícua linha de pesquisa baseada no modelo de aptidões. Além das numerosas contribuições em revistas científicas nacionais e internacionais, da publicação do primeiro manual de inteligência emocional em Espanhol (2007), entre outras obras (Berrocal & Díaz, 2002, 2004), o grupo de pesquisa malaguenho encabeça um programa de Doutoradoem Inteligência Emocional. No Brasil, estima-se que o best-seller de Goleman (1995) alcançou a cifra de 360 mil exemplares vendidos, segundo informações divulgadas pela revista Mente e Cérebro, em 2007, nº 179, Ano XV, no artigo intitulado “Emoção: a outra inteligência”. No entanto, mais que o impacto popular, interessava-nos conhecer o impacto científico da inteligência emocional no ambiente científico brasileiro. No intuito de explorar o campo da pesquisa em Inteligência Emocional no Brasil, analisamos a produção acadêmica proveniente dos cursos de pós- graduação stricto sensu para averiguar em que medida o construto da IE tem sido objeto de estudo nos programas de Mestrado Profissionalizante (MP), Mestrado Acadêmico (MA) e Doutorado. Os cursos na modalidade stricto sensu se caracterizam, essencialmente, pela cientificidade, tendo, portanto, uma função dinamizadora na pesquisa nacional. Há, consequentemente, um estreito vínculo entre a produção científica e a universidade, determinado por fatores históricos e medidas políticas de fomento ao desenvolvimento nacional, por meio da qualificação docente. Por isso, optamos por explorar a produção científica relacionada com o construto da IE mediante cursos de pós-graduação,2 âmbito privilegiado e prioritário da pesquisa brasileira. A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL A Inteligência Emocional tem como um dos pontos de suporte o estudo de um grupo de pesquisa, que teve como objetivo principal demonstrar uma visão pluralista da mente (Gardner, 1995:13). Após analisar as diferentes capacidades em crianças normais e como estas capacidades se manifestam sobre condições de dano cerebral, investigadores envolvidos na pesquisa apontada pelo autor concluíram que as facetas da inteligência caminham muito além do simples pensamento cognitivista, para uma concepção pluralista de inteligência. Os pesquisadores do grupo de pesquisa de Gardner (1995), admitem ser possível uma infinidade de classificações para esta pluralidade de inteligências, mas, por uma questão metodológica, e considerando como base para outros tipos de inteligência, apresentaram inicialmente sete tipos: a Inteligência Linguística, a Lógico-Matemática, a Musical, a Espacial, a Intrapessoal, a Interpessoal e a Corporal-Cinestésica. Mais recentemente, esses autores acrescentaram a essas inteligências a naturalista e espiritual. Partindo das inteligências Intrapessoal e Interpessoal, Goleman, a partir da metade da década de 90, popularizou os estudos e o termo Inteligência Emocional, para indicar que, nas ações do ser humano, os aspectos emocionais são conjugados com a razão para a tomada de decisão. Segundo Goleman (1995:46, 1999:32), o “sucesso” das pessoas, em estudos mais otimistas, depende apenas 20% do nível de inteligência lógico-matemática, o restante é devido a outros tipos de inteligência, entre elas a inteligência emocional. A afirmação anterior indica que é quase impossível preparar adequadamente um indivíduo para os desafios da vida somente com uma excelente formação cognitiva pura e simplesmente. AS COMPETÊNCIAS E APTIDÕES DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL Embora a literatura sobre Inteligência Emocional (competências e aptidões) seja recente, encontramos referências que apresentam visões e concepções que nos parecem sólidas em relação a essa complexa e instigante problemática. Destacamos, pois, Goleman (1995:55), que, com base nos trabalhos de Sternberg e Salovey, indica que são cinco domínios principais ou aptidões da Inteligência Emocional: conhecer as próprias emoções, lidar com as emoções, motivar-se, reconhecer emoções nos outros e lidar com relacionamentos. Na sequência, são comentadas essas aptidões: Conhecer as próprias emoções refere-se à autoconsciência, ou seja, o reconhecimento de quando uma emoção está ocorrendo. Lidar com as emoções refere-se ao desenvolvimento e gerência das mesmas; por isso, essa aptidão é denominada também de autocontrole. Motivar-se indica a relação entre o estado motivacional, ou seja, os motivos pelos quais as pessoas agem, e o campo da inteligência emocional. Os motivos pessoais que levam às mais surpreendentes ações são características do estado motivacional interno, denominado de intrínsecos pelos psicólogos e são de grande relevância para o campo da inteligência emocional. Reconhecer emoções nos outros é a capacidade de traduzir os sinais verbais e não-verbais em interpretações do estado emocional apresentado por uma pessoa. O termo utilizado para o reconhecimento das emoções nas outras pessoas é dado pela palavra empatia. Lidar com relacionamentos ou interações, também denominada de “artes sociais”, é a capacidade de mobilizar, inspirar, convencer e influenciar os outros e, em situações de encontros sociais, é também a capacidade de deixar os outros à vontade para se posicionarem. Ainda sobre as aptidões, Märtin & Boeck (2004:100) referem que estas são compostas pelo manejo de nossas emoções. As aptidões são compostas por: reconhecer e aceitar as emoções; manejar as próprias emoções; tirar proveito do potencial existente; colocar-se no lugar de outra pessoa e criar relações sociais. Nesse mesmo contexto, Bar-On & Parker (2000: 19), no instrumento para mensurar o QE em crianças e adolescentes, avaliam cinco competências emocionais: a Inteligência Intrapessoal, a Interpessoal, a Adaptabilidade, o Gerenciamento do Estresse, o Humor Geral e a Impressão Positiva. A Inteligência Intrapessoal está relacionada com a capacidade de entender as próprias emoções, expressar e comunicar os sentimentos ou necessidades ao próximo. Já a Inteligência Interpessoal é caracterizada pela capacidade do indivíduo de ouvir, entender e apreciar os sentimentos dos outros. A Adaptabilidade indica a capacidade de o indivíduo ser flexível, realista, efetivo gerenciador de mudança e capaz de encontrar caminhos positivos nas negociações com problemas diários. A competência de Gerenciamento do Estresse é característica de indivíduos calmos que desenvolvem atividades sobre pressão com bons resultados. O Humor Geral representa a positividade no sentido da perspectiva positiva frente a situações desfavoráveis. A Impressão Positiva é caracterizada pela capacidade excessiva de auto impressão sobre as próprias boas qualidades. A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL Nesta seção faremos a explanação pertinente no que diz respeito às concepções vigentes no âmbito científico relacionadas à Inteligência Emocional, as quais permitirão uma reflexão mais adequada sobre sua relação e o possível desenvolvimento de suas competências e aptidões promovido pela Inteligência Emocional. Inteligências Múltiplas – Passos Iniciais A formulação da teoria das inteligências múltiplas tem seu início histórico em 1979, com a contribuição de um grupo de pesquisadores da Harvard Graduate School of Education. Os estudos desenvolvidos por esse grupo culminaram, em 1983, na publicação de Estruturas da Mente, de responsabilidade de um dos membros da equipe, Howard Gardner (Gardner, 1995:3-5). A partir de 1986, com o objetivo principal de demonstrar uma visão pluralista da mente, que se contrapunha à visão piagetiana de inteligência dominante – fator geral (G) –, ao significado conferido por senso comum e aos meios científicos de então, o autor e seu grupo realizaram uma abrangente pesquisa, analisando duas fontes principais. Uma das fontes referia-se ao desenvolvimento das diferentes capacidades em crianças consideradas normais, e a outra, às capacidades manifestadas em condições de danocerebral. Além destas duas fontes, também foram pesquisadas populações especiais como superdotados, crianças autistas (também chamados de ”idiotas sábios”) e crianças com dificuldades de aprendizagem. Após diversas análises, estes pesquisadores concluíram que as facetas da inteligência caminham, muito além do simples pensamento cognitivista e do quociente de inteligência (QI), para uma concepção pluralista e integrada – teoria dos módulos da mente. Assim, na perspectiva de Gardner (1995:14-15), são apontados sete tipos de inteligências, como já mencionado no primeiro capítulo desta investigação. Na sequência, detalhamos a que se refere cada um desses tipos. A Inteligência Linguística é representada pelo dom da linguagem. Biologicamente é localizada em uma área no cérebro denominada centro de Broca, região onde são produzidas as sentenças gramaticais. Esta inteligência é ativada pela palavra falada, pela leitura e pela escrita dos próprios pensamentos ou ideias. Talvez, por esse motivo, seja atribuída aos poetas a apresentação pura dessa capacidade. Essa inteligência nos possibilita realizar a comunicação com outra pessoa ou grupos de indivíduos. Pessoas com grande desenvolvimento nesta área são hábeis em realizar discursos e comunicar seus pensamentos pela escrita. Esse tipo de inteligência pode ser desenvolvido, por exemplo, pela exposição gradativa a prática de redações, leituras e interpretações de texto, apresentações verbais para outras pessoas ou colegas de escola, debates e discussões sobre um dado tema, montagem de um pequeno jornal, produção de textos científicos ou poéticos e representação teatral. A Inteligência Lógico-Matemática está relacionada ao processo de resolução de problemas e pode ser ativada em situações de desafio, de maneira não-verbal, pois a mesma pode ser construída antes de ser apresentada. Pessoas hábeis nesta inteligência são capazes de realizar cálculos matemáticos de forma rápida e precisa. Essa inteligência também está associada à lógica de pensamento, podendo ser desenvolvida, por exemplo, pelo estímulo ao uso de cálculos, jogos de memória, problemas de lógica, resolução de problemas, elaboração de planilhas, manipulação de fórmulas. Historicamente, esse tipo de inteligência é apontado pelos psicólogos, juntamente com a inteligência linguística, como a principal base para o Scholastic Aptitude Test (SAT). O SAT é um teste de aptidão escolar exigido para admissão em universidades americanas que representa a medida do quociente de inteligência (QI), criada por Binet (s/d apud Gardner, 1995:12). Binet iniciou a utilização desses testes de inteligências em Paris em 1905, a pedido do Ministro da Educação, que tinha a intenção de separar crianças “educáveis” dos “idiotas sábios”. A Inteligência Musical está localizada biologicamente no hemisfério direito do cérebro, embora não seja possível vir a localizar precisamente uma zona cerebral específica responsável por essa inteligência. Esse tipo de inteligência é responsável por identificar sons, notas musicais, etc., e é ativado quando a pessoa utiliza música ou ritmos para lidar com sequências harmoniosas de sons. Pode ser desenvolvida, por exemplo, com atividades de diferenciação de sons e tons, manipulação de instrumentos musicais e cantos. A Inteligência Espacial é, segundo Gardner (1995:26), a capacidade de formar um modelo mental de um mundo espacial e de manobrar e operar utilizando esse modelo. Biologicamente, o hemisfério direito é responsável pelo processamento espacial. A solução de problemas espaciais pode estar representada na leitura de um mapa, na orientação pelas estrelas, em um jogo desportivo para analisar a altura e velocidade da bola em relação ao espaço, etc. Esta inteligência é ativada, quando a pessoa usa sua imagem mental, para realizar uma obra artística. Pode ser desenvolvida, por exemplo, na manipulação de materiais como massas de modelar, pinturas, jogos pré-desportivos e atividade de orientação. A Inteligência Intrapessoal é uma forma de autoconhecimento com implicação no modo de conduzir a vida, permitindo ao ser humano o desenvolvimento pessoal pelo reconhecimento e gerenciamento de suas particularidades e potencialidades. Gardner (1995:95) profere que esse tipo de inteligência é: A capacidade de formar um modelo acurado e verídico de si mesmo e utilizar esse modelo para operar efetivamente na vida. O conhecimento de aspectos internos, o acesso aos sentimentos próprios da vida, a gama das próprias emoções, a capacidade de discriminar essas emoções e eventualmente rotulá-las e utilizá-las como uma maneira de entender e orientar o próprio comportamento. Um ponto importante observado pelo mesmo autor é que esse tipo de inteligência é o mais privado e difícil de analisar, sendo ativado quando a pessoa utiliza a autorreflexão e o pensamento para realizar algo. Essa inteligência caracteriza-se pelos debates internos, o que é inerente à vivência e ao pensamento humano. Pode-se dizer também que é formada por um conjunto de “paradigmas pessoais” ou entendida pela definição da autoimagem e do auto relato sobre “virtudes” e “defeitos”. O desenvolvimento dessa inteligência geralmente decorre de atividades de imagem corporal, jogos individuais de superação de obstáculos e autodescrição interna ou para um grupo. A Inteligência Interpessoal é a capacidade de entender e interagir com outras pessoas. Biologicamente, a área para esse tipo de inteligência está localizada nos lóbulos frontais do cérebro. Outras duas evidências biológicas se devem ao comportamento exclusivo dos seres humanos: o apego pela mãe nos primeiros anos de vida e a interação social advinda de atividades em que são exigidas coesão, liderança, organização e solidariedade. Essa interação pode acontecer em qualquer ambiente, partindo do familiar, passando pelos ambientes escolar ou acadêmico, pelos ambientes de trabalho e pelos ambientes que definem o convívio social com amigos Esse tipo de inteligência envolve a capacidade de perceber diferenças individuais, contrastes em seus estados de ânimo, temperamentos, motivações e intenções. Gardner (1995) sugere que a inteligência interpessoal não depende, exclusivamente, da linguagem verbal. Por consequência, se entende que saber reconhecer sentimentos nos outros pela linguagem corporal parece ser um ponto chave da inteligência interpessoal. Ainda sobre essa inteligência, cabe mencionar que é ativada quando a pessoa interage com outros em diversos encontros sociais. Essa inteligência pode, pois, ser desenvolvida pelo estímulo a atividades em grupo como a proposição de resoluções de problemas e o estabelecimento e alcance de metas que exijam o trabalho e o esforço de todos os membros do grupo. A Inteligência Corporal-Cinestésica é a capacidade de utilizar o próprio corpo ou parte dele para resolver um problema ou elaborar produtos. Essa inteligência é ativada quando uma pessoa utiliza o corpo para realizar, por exemplo, uma atividade física, sendo, assim, caracterizada, principalmente, pela atividade desportiva. Afinal, as técnicas que são desenvolvidas nos desportos nada mais são do que a resolução de um problema pela elaboração de um produto, a própria técnica desportiva. O desenvolvimento desse tipo de inteligência pode acontecer de forma individual ou coletiva nos desportos, danças ou jogos e brincadeiras motoras. É importante ressaltar que possui uma ligação íntima com o desenvolvimento da Inteligência Espacial. Para agarrar uma bola que foi lançada por um companheiro de equipe ou adversário, é necessáriaa noção espacial e uma técnica adequada de recepção. Destarte, o desempenho do ser humano é resultado das combinações de inteligências. Os diferentes tipos de inteligência podem funcionar simultaneamente para resolver um problema. Apesar de Gardner ter provado que as inteligências são independentes entre si, ou seja, que é possível ser um excelente músico, sem possuir um quociente de inteligência lógico-matemática elevada, elas trabalham combinadas para atingir um desempenho, funcionam juntas para resolver um problema. O resultado desta interação ou combinações define a ação e o desempenho final. As relações estabelecidas entre as diferentes inteligências, embora não determinantes, corroboram para a formação do perfil do indivíduo, na maneira como age e se comporta diante de diferentes circunstâncias e diferentes ambientes, incluindo aí os demais indivíduos com os quais convive. Do ponto de vista temporal, a Inteligência Interpessoal e as relações estabelecidas com as demais inteligências parecem ser criadas ou adquiridas, principalmente, durante os primeiros anos de vida. Muitos autores parecem concordar que esse desenvolvimento ocorre na infância, principal e primeiramente, na interação com os pais e, posteriormente, na interação com os professores e em outros ambientes. Desta forma, grande parte deste perfil parece se desenvolver em uma idade que compreende a infância. Muito do que se aprende nestas idades fica marcado ou registrado para sempre, ainda que, até aproximadamente 20 anos, os jovens não tenham atingido plena maturação cerebral – lobos/lóbulos pré-frontais. Além da constatação referida anteriormente, parece haver concordância de que o indivíduo nasce com uma pré-disposição maior para uma ou outra inteligência. Nem todos serão grandes atletas ou grandes músicos. Ainda assim, a noção do constante aperfeiçoamento e aprendizado necessários para a sobrevivência não é desconsiderada e pode ser exposta da seguinte forma: Acreditamos que os indivíduos podem diferir nos perfis particulares de inteligência com os quais nascem e que certamente eles diferem nos perfis com os quais acabam. (Gardner, 1995:15). Esse fato, provavelmente, é resultado natural de um processo de aquisição de conhecimento, treino e ensino, que envolve a mudança e retenção do comportamento. Para que ocorra tal mudança, são necessários estímulos adequados e direcionados aos objetivos que se pretende atingir. Gardner (1995) defende que os estímulos devem ser dados já nos primeiros dias de vida e reconhece que cada inteligência decorre de uma série de estímulos, que podem ser produtos do meio exterior ou de combinação interna. Desta forma, apesar de o indivíduo nascer com um perfil e com maior facilidade para desenvolver determinadas inteligências, a característica individual final ou o conjunto das características atuais do indivíduo é formada pela prática da combinação destas inteligências desencadeadas pelos estímulos que lhe são apresentados ao longo da vida. Isso se evidencia, como já comentado, na dinâmica vivenciada pelo indivíduo, em primeiro lugar, na família e, depois, no ambiente escolar, na interação com professores e colegas, caracterizando seu perfil. Seguindo o raciocínio apresentado anteriormente, com base nos relacionamentos e dinâmicas expressas, parece que, de algum modo, uma inteligência pode auxiliar ou influenciar outra. Por exemplo, o termo psicomotricidade indica a grande relação ou ênfase existente entre os aspectos psicológicos do desenvolvimento humano e as ações motoras. Muitas escolas utilizam como base essa relação para justificar que a aprendizagem motora contribui para a aquisição da fala e da escrita ou, nos termos da teoria de Gardner, a Inteligência Corporal-Cinestésica serve de auxílio para o desenvolvimento da Inteligência Linguística. Pode ser dado outro exemplo: o aprendizado de um jogo desportivo envolve a Inteligência Corporal- Cinestésica e, ao mesmo tempo, necessita da Inteligência Espacial. As combinações de diferentes tipos de inteligência apontam para a relevância do entendimento e da investigação das diversas relações possíveis entre as diferentes inteligências na formação e educação do ser humano. No aspecto da educação formal, muitas instituições de ensino, em diferentes países, buscam alternativas metodológicas para desenvolver o ser humano em todas as suas potencialidades, priorizando, assim, uma formação global, no sentido de estimular e desenvolver todas as inteligências simultaneamente. No Brasil, apesar de ocorrer um discurso de formação global, em muitas escolas, públicas ou privadas, muito tempo é destinado para a formação acadêmica – entendida como o desenvolvimento e aperfeiçoamento das inteligências Linguística e Lógico-matemática. Comparativamente, pouquíssimo tempo é destinado ao estímulo, formação, desenvolvimento e aperfeiçoamento de outras inteligências. Aplicando esse conhecimento à área do Desporto, constatamos que, além da Inteligência Cinestésica e Espacial, para desenvolver uma atividade em cooperação com outros, é necessária a Inteligência Interpessoal com confiança em si mesmo ou a Inteligência Intrapessoal. Certamente, essa constatação reflete bem os diferentes tipos de relação que existem na dinâmica das inteligências. Assim sendo, ratifica-se aí a importância dessa dimensão da vida humana (Desporto) para o seu pleno desenvolvimento. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL – OUTROS OLHARES A teoria da Inteligência Emocional ganhou popularidade a partir dos trabalhos publicados por Daniel Goleman, em 1995. Na verdade, o estudo das emoções iniciou-se antes dos trabalhos publicados por Goleman. Bar-On & Parker (2000:33) indicam obras anteriores sobre a Inteligência Emocional: Bar- On (1988), Gardner (1983) e Mayer & Salovey (1989; 1990). Essa posição é confirmada por Shapiro (2002:26), que expõe que os estudos sobre Inteligência Emocional são numerosos e têm sido realizados há, no mínimo, cinquenta anos. Portanto, é um tema de estudo relativamente novo (mas amplamente debatido por outras terminologias) e obteve grande popularidade na metade da década de noventa, estendendo-se as discussões até aos dias atuais. Analisando a palavra emoção, seus dois derivados do latim “e” - “movere”, “emoção”, significam afastar-se, mover-se; observa-se que na ação está implícita uma emoção (Goleman, 1995:20) ou, como apontam Märtin & Boeck, (2004:79), mover-se para fora, no movimento e na mudança. Neste sentido, podemos interpretar que não existem emoções sem que ocorra um movimento, que pode ser entendido, literalmente, como uma ação motora ou, em outra interpretação, como a oposição ao conformismo, à estagnação, ao parar no tempo e no espaço. Partindo desta análise, são muitas as definições do termo Inteligência Emocional. As definições são pautadas por possuir argumentação e focos distintos para explicar os fenômenos emocionais que ocorrem com o ser humano, e compartilham pontos comuns em alguns aspectos e diferem em outros. A esse respeito, Greenberg & Snell (1999:126) argumentam que as emoções possuem várias facetas, incluindo pelo menos quatro consideradas básicas. A primeira é um componente expressivo e motor; a segunda, um componente sentimental; a terceira, um componente controlador e a quarta, um componente de processamento de informação. O componente expressivo e motor refere-se ao fato de o ser humano expressar as suas emoções por meios motores, pela linguagem corporal. O componente sentimental refere-se aos estados de espírito internos ou sentimentos derivadosde diferentes situações vivenciadas. O componente controlador indica a capacidade de controlar os sentimentos ou os estados de espírito internos desencadeados por diferentes circunstâncias. E o processamento de informação é a capacidade de processar as informações transmitidas pelos outros ou aquelas que fazem parte dos três primeiros componentes. A capacidade de processar informações, portanto, faz parte do processo da inteligência emocional – Teoria cognitiva das emoções. A relação estabelecida entre a capacidade de processamento da informação e as medidas de inteligência emocional foi estudada por Austin (2005) e desse estudo resultou o trabalho intitulado Emotional intelligence and emotional information processing. A autora buscou identificar o grau de relação entre testes para medir a capacidade de processar informação emocional e testes de auto relato – antigamente denominado de introspecção – para medir a Inteligência Emocional. Na realização da pesquisa, a estudiosa aplicou vários instrumentos em 95 estudantes. Para identificar a capacidade de processar informação emocional, utilizou os seguintes instrumentos: Facial emotion inspection time tasks, Symbol inspection time task, Word inspection time tasks e Ekman-60 faces test. Para mensurar a Inteligência Emocional aplicou o questionário de Bar-On EQ-i: S e o EI scale versão curta de Schutte e colaboradores (1998, apud Austin 2005:407). As principais conclusões do estudo suggest that performance on emotionrelated tasks can be linked to the information-processing approach to psychometric intelligence, ou seja, fornece um forte indício de que a capacidade de processamento da informação emocional está relacionada com a mensuração da Inteligência Emocional. Em relação a esses aspectos apontados, Brenner & Salovey (1999:216) conceituam as emoções em uma perspectiva funcionalista, entendendo-as como respostas que orientam o comportamento do indivíduo e servem como informação que ajuda este indivíduo a conquistar metas. Os mesmos pesquisadores definem que as emoções possuem dois componentes, o cognitivo-empírico, que expressa o comportamento, e o fisiológico-bioquímico, que reflete os sinais corporais. Para Bridoux, Merlevede & Vandamme (2004:21-22), apesar de contraargumentarem o uso de definições nos fenômenos humanos, principalmente, na área de Psicologia, fazem uma distinção entre aquilo que denominam inteligência clássica (ou QI) e inteligência emocional. A última é definida pelos autores como o complexo conjunto de comportamentos, capacidades (ou competências,) crenças e valores que permite que um indivíduo realize de maneira bem-sucedida a sua visão e missão, dado o contexto dessa escolha. Ainda nesse envolvimento, Bridoux, Merlevede & Vandamme (2004) afirmam que as emoções têm uma relação muito íntima com crenças e valores e metas “pessoais”. Se os valores estão relacionados com a cultura, sofrem, portanto, diferentes influências da cultura local e, por consequência, os indivíduos membros desses grupos possuem diferentes visões e missões. Tal definição de Inteligência Emocional pode, até certo ponto, ser considerada como limitada à solução de um determinado problema ou à busca de uma determinada meta dentro de uma rede pré-determinada de ações que ocorrem em uma cultura. Essa consideração se reafirma, principalmente, se a noção de relacionamento entre indivíduo e sociedade estiver voltada à predominância da influência da sociedade sobre o indivíduo. Pelas interpretações supracitadas, verificamos que as competências do ser humano podem ser consideradas como reproduções ou respostas pré- programadas pelos acertos sociais dentro de uma cultura, durante muitos anos. Isto explica, por exemplo, o fato de as reações emocionais nos países que celebram a morte serem de alegria e festejos, ao passo que em países que desenharam seus valores e crenças sobre a morte na perda, sofrimento e dor, as respostas emocionais produzidas serem o choro e a resignação. Ainda no que concerne a essa problemática, Shapiro (2002:24) defende que a Inteligência Emocional está embasada nas características da personalidade de uma pessoa ou de um grupo cultural. Em outros termos, como conhecida até então, formação do caráter. Essa noção, de certa forma, complementa o conceito anteriormente proposto por Bridoux, Merlevede e Vandamme, o de que a personalidade de uma pessoa é formada ou moldada, de acordo com o que é aceitável em uma determinada cultura. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL – MENTE QUE SENTE, MENTE QUE PENSA Goleman (1995:11) relata que as discussões sobre o tema da Inteligência Emocional foram despertadas por duas tendências opostas. Uma dessas tendências é a constatação da calamidade atual na sociedade, representada por uma série de fatos que traduzem o afastamento das relações interpessoais e o isolamento do ser humano. A outra tendência pretendia mais que identificar ou remediar o problema, oferecer medidas preventivas para essas situações apontadas. Partindo da teoria de inteligências múltiplas, o autor apresenta o termo inteligência emocional para indicar: Que nossos sentimentos mais profundos, nossas paixões e anseios são guias essenciais, e nossa espécie deve grande parte de sua existência à força deles nos assuntos humanos... Nossas emoções, dizem, nos guiam quando enfrentamos provações e tarefas demasiado importantes para serem deixadas apenas ao intelecto... Quanto mais intenso o sentimento, mais dominante se torna a mente emocional e mais intelectual a racional. É uma disposição que parece originar-se de eras e eras da vantagem evolucionária de termos as emoções e intuições como guias de nossa resposta instantânea nas situações em que nossa vida está em perigo. (Goleman, 1995:17). Segundo o mesmo autor, o ser humano possuiu dois tipos distintos de mente, uma que pensa e a outra que se emociona. Esses dois tipos de mente interagem para formar a vida ou para viver a vida. Goleman (1995) ainda afirma que, quanto mais ocorre o envolvimento de sentimento em uma situação, maior o controle da mente que sente, quanto mais ocorre o envolvimento da razão ou raciocínio, maior o controle da mente que pensa. O estudioso sugere, então, que o ser humano busque uma jornada equilibrada entre estas duas mentes. O pesquisador aponta também que nossas emoções foram e continuam a ser, desde os primórdios da evolução humana, orientadores para a sobrevivência da raça, pois em situações de alto risco, a reação ao problema é determinada pela memória emocional de sobrevivência, acumulada ao longo da existência da espécie. Na anatomia emocional, essa constatação é explicada pelo fato de os estímulos recebidos serem processados, primeiramente, pela amídala. Esta é uma estrutura do cérebro primitivo que processa a informação com base nas experiências emocionais armazenadas e produz respostas rápidas, dispensando um processamento elaborado e refinado, o que economiza tempo para a produção da reação. O que ocorre, muitas vezes, é que esta resposta no mundo social atual nem sempre é a mais adequada. Portanto, a depender da situação, utilizar somente a mente que sente pode acarretar um erro de julgamento e produzir uma resposta inadequada. O oposto também é verdadeiro; em determinadas situações, ao utilizar somente a mente que pensa também é possível que o indivíduo subjugue sentimentos envolvidos com a situação, produzindo uma resposta inadequada. Para reforçar o envolvimento desta dinâmica e também para demonstrar que o ser humano não é, exclusivamente, produto dos aspectos lógicos, Goleman
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