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AULA 1 DIDÁTICA E AVALIAÇÃO EM MATEMÁTICA Prof. Marcelo Wachiliski 02 CONVERSA INICIAL A disciplina de Didática e Avaliação em Matemática está organizada em seis aulas, nas quais discutiremos questões teóricas e práticas sobre a didática da Matemática, e posteriormente, sobre a avaliação em Matemática. Para darmos início à aula, abordaremos as principais correntes sobre a didática da Matemática, que desde a década de 1980 começam a tomar corpo entre os pesquisadores brasileiros, ao realizarem suas pesquisas em países europeus e norte-americanos. Aqui veremos que essas correntes se fundamentam principalmente nas pesquisas europeias da didática da Matemática francesa, além de sofrerem influência norte-americana, com a linha de trabalhos focados na resolução de problemas de Matemática. Nesta aula, ao abordarmos a didática da Matemática francesa, iremos nos familiarizar com termos que têm sido explorados por diversas componentes curriculares, em particular pela Pedagogia, mas que surgem nas pesquisas relacionadas à Matemática em meados da década de 1980, como por exemplo transposição didática, contrato didático, entre outros. A intenção é que, ao final desta aula, possamos ter subsídios teóricos e o domínio de boas práticas que auxiliem no processo de ensino e aprendizagem da Matemática escolar. Para isso, em nosso curso exploraremos uma metodologia de contextualização por meio de problematizações, buscando assim tornar o embasamento teórico uma constante no decorrer dos encontros e dos materiais disponibilizados, de forma simples e direta ao abordarmos exemplos práticos de cada definição. CONTEXTUALIZANDO Ao nos depararmos com a realidade da sala de aula, no exercício do ensino da Matemática, muitas vezes observamos que os alunos parecem alheios aos conteúdos matemáticos e até mesmo às metodologias aplicadas a esse ensino. Nesse momento, percebemos certo abismo que separa o corpo docente do discente. Muitas vezes são percebidas certas tensões entre professores e alunos, pois normalmente é a primeira vez que ambos estão se relacionando no meio escolar. É o momento em que o professor se apresenta pela primeira vez à sua turma, portanto, é normal que ambas as partes tenham expectativas em relação 03 umas às outras, tanto em relação ao jeito de condução das aulas por parte do professor como seus limites e tolerâncias e a forma como irá avaliar seus alunos. Da mesma forma, o professor terá suas expectativas em relação aos seus alunos, como a turma irá se comportar, se terá facilidade em explicar os conteúdos e se estes serão bem assimilados pela maioria dos alunos, entre outras coisas. Dessa maneira, a relação entre a tríade professor-aluno-conhecimento estará estabelecida, podendo transcorrer de diversas formas, dependendo da maior ou menor interação entre cada elemento que a compõe. Na sua visão, em relação à didática da Matemática, o que os elementos formadores dessa tríade devem possuir? Caso ainda não tenha uma opinião formada a esse respeito, não se preocupe, pois ao longo das discussões e de suas leituras sobre esses tópicos, você irá incorporar novas compreensões que, por embasamentos teóricos ou por sugestões de outras práticas, virão a contribuir com suas experiências docentes futuras e com a obtenção dessas respostas. TEMA 1 – TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA Proveniente das pesquisas da didática da Matemática francesa, realizadas na década de 1980, surge o termo transposição didática, teorizado pelo pesquisador francês Yves Chevallard. Em síntese, Chevallard aponta-nos a ideia de que um conteúdo matemático pode sofrer uma transformação, no momento em que buscamos adaptá-lo, para uma forma mais simples ou didática de ensiná-lo a alguém. Um exemplo disso é o conteúdo de álgebra sobre produtos notáveis. Normalmente adaptamos sua explicação algébrica por meio de uma transformação em contexto geométrico, fazendo com que nossos alunos venham a compreender esse conteúdo mais facilmente. Nesse caso, afirmamos que houve uma transposição didática do conteúdo algébrico, pois ele foi transformado em uma interpretação geométrica, mudando assim sua característica e saindo de uma proposta abstrata (algébrica) em direção a uma nova proposta, com possibilidades de interpretação visual, que a geometria nos proporciona. Dessa maneira, podemos perceber que um saber científico – nesse caso, o saber matemático, que se refere ao campo da álgebra em Matemática – passa a ser adaptado, portanto, sofre uma transformação para uma nova leitura no campo da geometria, no qual é reinterpretado e apresentado aos alunos como uma nova possibilidade de compreensão, já que deixa de ter suas características 04 abstratas (algébricas) e pode ser compreendido mediante uma visualização geométrica, com uso de cálculos das áreas das figuras geométricas sugeridas. Mas devemos perceber que, ao realizarmos tal transposição didática, adulteramos o saber matemático contido no objeto algébrico para outro saber matemático, presente no objeto geométrico. Isso, por sua vez, resultará numa mudança de objetivos do saber ensinar, numa nova opção curricular, na qual se redireciona a ênfase do campo algébrico para o campo geométrico – o que nem sempre será desejável ao nosso planejamento ou ao programa curricular que necessitamos cumprir. TEMA 2 – CONCEPÇÕES DA MATEMÁTICA Para entendermos melhor o conceito de transposição didática, necessitamos ampliar as discussões sobre as concepções da Matemática, que se fundamentam inicialmente na ciência matemática tradicional, difundida academicamente pelos matemáticos profissionais, que a pesquisam desconectada de aplicações dentro da realidade – ou seja, sem preocupações com contextualizações, apenas no âmbito da ciência matemática pura. Sendo assim, esses profissionais acreditam que a Matemática deve ser ensinada pela transmissão dos conteúdos, que o treino e a repetição de processos e técnicas de cálculo serão suficientes para uma boa aprendizagem e que algumas pessoas terão mais capacidade do que outras nesse processo de ensino e aprendizagem. É claro que essa visão do processo de ensino e aprendizagem da Matemática tem sido constantemente questionada pelas pesquisas em educação, principalmente pela educação matemática, que acredita numa outra concepção de ensino. Na concepção da educação matemática, a contextualização é imprescindível, ou seja, embora não se abandone a necessidade de um profundo conhecimento dos objetos matemáticos científicos, valoriza-se a sua compreensão de forma contextualizada, com entendimento de suas aplicações práticas. Pois, afinal de contas, os conteúdos matemáticos são entes historicamente constituídos pela humanidade e, com isso, acabam tendo maior ou menor relevância social. Sendo assim, quanto mais explorados socialmente, mais compreendidos e utilizados pela humanidade, portanto, não ficam restritos aos poucos pesquisadores denominados matemáticos profissionais. Os conceitos matemáticos tornam-se, assim, conteúdos presentes nos currículos escolares e 05 transmitidos a um maior número de pessoas. Mas mesmo essas características não têm garantido que muitos dos conteúdos matemáticos escolares sejam facilmente explorados e contextualizados por seus professores e alunos. Para tanto, o exercício constante da transposição didática de conteúdos matemáticos é de fundamental importância, pois só assim poderemos garantir uma educação matemática de qualidade e com grande abrangência aos nossos alunos. Numa outra concepção – a da Matemática mais construtivista –, o professor acredita queo aluno pode construir o seu próprio conhecimento matemático de maneira mais liberal, não sendo assim o professor o transmissor dos conteúdos matemáticos, deixando que os alunos busquem o conhecimento dessa área de forma livre e experimental. O professor é, portanto, apenas um mediador desse processo. O único problema que verificamos aqui é que muitas vezes ambos acabam se perdendo nesse processo, pois torna-se difícil para o professor dimensionar a aprendizagem de seus alunos. Isso porque o professor perde o controle e acaba por fugir das sequências didáticas curriculares de certos pré- requisitos, ocasionando uma dispersão dos objetivos do ensino da Matemática em prol de experimentações e curiosidades. Por outro lado, os alunos acabam dispersando suas aprendizagens e com isso não compreendem os principais conceitos e técnicas existentes no ensino da Matemática escolar. Dessa forma, os alunos não apreendem os conteúdos de maneira satisfatória, ou seja, deixam de ter aprendizagem significativa pela falta de sistematização e organização curricular. TEMA 3 – CONTRATO DIDÁTICO O conceito de contrato didático surge após 1986, com o pesquisador da didática da Matemática francesa Guy Brousseau, que cria sua própria teoria a partir das ideias sobre Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau (1762) e posteriormente as ideias de Jeanine Filloux sobre o Contrato Pedagógico (1973). O contrato didático ocorre mediante uma relação implícita entre a cognição e o social, a qual está presente no processo de ensino e aprendizagem do conhecimento matemático. Portanto, temos aqui novamente a tríplice formada entre o professor, seu aluno e o conhecimento matemático a ser ensinado e apreendido. 06 Apesar do nome contrato, não existe uma relação formalizada, que seja documental. O que existe é um contrato informal, que se estabelece mediante a relação entre o professor, seus alunos e a apresentação dos objetos de ensino, ou conteúdos matemáticos formais. Para que esse contrato didático se estabeleça, a relação social que o professor conduz perante a sua turma de alunos é de fundamental importância. Ele deve estabelecer os acordos existentes em sala de aula, apresentar os códigos de conduta, estabelecer as regras e os limites aceitos entre as partes, apresentar de forma clara e precisa seus instrumentos de avaliação, tanto em relação à aprendizagem dos conteúdos como às questões atitudinais que serão bem aceitas no convívio da turma, sem deixar de considerar o nível intelectual ou cognitivo de seus alunos. Com isso, quanto mais claro e objetivo for o professor com a sua turma, maior domínio e respeito ele terá e maior será a possibilidade de ampliar a aprendizagem de seus alunos, já que no processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos matemáticos faz-se necessária uma boa relação com seus alunos, o que normalmente propicia um maior aproveitamento dos aprendizes frente aos desafios de uma área muitas vezes tida como muito abstrata e desconexa da realidade. TEMA 4 – RUPTURAS DO CONTRATO DIDÁTICO As rupturas do contrato didático são geradas tanto pelos alunos como por parte do professor, ou ainda pela complexidade do objeto matemático a ser abordado. Nesses casos, as rupturas possuem origens diferenciadas, mas podem ter origens múltiplas entre esses casos. No caso de essa ruptura ser gerada pelo descumprimento do contrato didático por parte dos alunos, ela ocorre quando estes não demonstram interesse nas atividades matemáticas, sejam compostas pela resolução de cálculos em exercícios ou pela resolução de um problema matemático. Outra situação em que presenciamos essa ruptura ocorre quando o professor apresenta uma atividade ou resolução de um problema matemático que esteja fora do alcance intelectual ou cognitivo de seus alunos. Nesse caso, também não existe uma reciprocidade por parte dos entes envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, o que demonstra uma ruptura do contrato didático acordado anteriormente. 07 Portanto, algumas rupturas do contrato didático são geradas frequentemente, tanto por parte dos alunos, ao não se interessarem pelo aprendizado de determinados conteúdos matemáticos, quanto pela inexperiência ou despreparo do professor em não conhecer as capacidades de seus alunos, ou ainda pela falta de planejamento do professor em não preparar suas aulas adequadamente para obter uma maior qualidade no processo de ensino e aprendizagem. TEMA 5 – TENDÊNCIA NORTE-AMERICANA DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Nessa tendência, observamos uma proposta embasada na Matemática realística, experimental, fundamentada na resolução de problemas de Matemática e perpassando a teoria da corrente piagetiana, entre outras. Embora estejamos falando da didática da Matemática, que por si só se fundamenta teoricamente como um campo acadêmico do conhecimento científico, achamos importante destacar pesquisas históricas que ao longo dos anos acabaram por integralizar uma só didática da Matemática. Ou seja, deixamos aos poucos de abordar as inúmeras correntes de pesquisas, como por exemplo a didática da Matemática francesa, a norte-americana, a alemã, a italiana, a espanhola, entre tantas outras. Com isso, podemos aqui destacar mais uma vez a corrente norte- americana, sem que nos esqueçamos do real objetivo, que é a construção teórica e prática da didática da Matemática, de forma mais ampla do que algumas propostas metodológicas de ensino da Matemática. Percebemos a amplitude dessa tendência no Brasil principalmente com o surgimento de documentos curriculares, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) ao final da década de 1990, os quais com certeza foram inspirados pelos documentos publicados na década de 1980 pelos norte-americanos, conhecidos por NCTM (National Council of Teachers of Mathematics ou Conselho Nacional de Professores de Matemática dos Estados Unidos da América). Dessa maneira, temos registros documentais que nos indicam algumas das fontes de pesquisas, trazidas pelos autores de documentos como os PCN, que ao realizarem suas dissertações de mestrado e suas teses de doutorado nos Estados Unidos da América, em parcerias com as universidades brasileiras, acabaram reproduzindo aspectos similares aos documentos presentes nos publicados pelo NCTM. Dessa relação de proximidade surgem inúmeras proposições que nos 08 levam a verificar uma maior presença da tendência norte-americana na didática da Matemática aqui no Brasil. A partir disso tudo, temos visto termos como contextualização de conteúdos matemáticos, proposta que tende a realizar a construção de conteúdos matemáticos por meio de atividades experimentais, com base na Matemática realística de Hans Freudenthal, da década de 1960, e na utilização de laboratórios de Matemática ou no desenvolvimento de materiais e jogos matemáticos com essa finalidade. Aqui, mais uma vez, temos que destacar as concepções dos professores dessa componente curricular, pois numa concepção de matemática científica, como a dos matemáticos profissionais, tais experimentações não seriam necessárias e nem adequadas ao ensino da Matemática, por considerarem que esta é a ciência das ciências – ou seja, que deve ser tratada de forma abstrata, lógica e com o uso de sua linguagem formal. Já as outras duas concepções, a educação matemática e a matemática construtivista (das quais tratamos em nossos estudos anteriores), têm a possibilidade de encampar as ideias da matemática realística, do uso de experimentação (como nas propostas dos laboratórios de matemática) ou da construção de materiais, jogos, entre outras estratégias,todas voltadas para o ensino da matemática. Na educação matemática, no entanto, além dessas atividades experimentais, devemos nos preocupar com um ensino matemático que desperte em nossos alunos a intuição e a generalização, entre outras características inerentes à formalização que as demonstrações matemáticas exigem, principalmente se levarmos em consideração a linguagem formal que está presente na Matemática. Portanto, nem tudo poderá ser ensinado mediante experimentações e atividades realizadas em laboratórios, como na Física, na Biologia ou em outras ciências experimentais. Nesses casos, devemos dosar as atividades demonstrativas, em que são exigidas abstrações e uma linguagem formalizada, bem como prepará-las para cada nível intelectual ou cognitivo dos nossos alunos. Para concluirmos, vemos que além da corrente da didática da matemática na qual nos embasamos, temos ainda a concepção de ensino da matemática, na qual acreditamos. Mas em todas elas uma questão é recorrente: o uso da resolução de problemas de matemática é empregado por todas as vertentes, embora com características distintas. Na corrente norte-americana, que iremos 09 aprofundar mais adiante, a resolução de problemas de Matemática é empregada de forma sistematizada, como uma metodologia de ensino. FINALIZANDO Tudo o que abordamos até o momento sobre a didática da matemática já possibilita algumas reflexões acerca das questões referentes à transposição didática, que apontam para a necessidade de um domínio consistente do saber científico, ou seja, do saber matemático, para que possamos adaptá-lo a um saber a se ensinar, um saber escolar, o qual possa ser apresentado aos nossos alunos dentro de um contexto sociocultural e cognitivo adequado. Com isso, verificamos que o professor é um dos elementos integrantes da tríade, formada ainda pelo aluno e pelo saber (nesse caso o saber escolar), o qual já sofreu inúmeras transformações desde que foi constituído historicamente como saber matemático ou saber científico, proveniente do meio acadêmico. Portanto, vemos que a transposição didática se inicia antes mesmo de o professor integrar essa tríade (ou triângulo didático), pois todo saber matemático presente nos programas curriculares já foi transformado ou adaptado inúmeras vezes, ao ponto de se tornar um saber escolar. Mesmo assim, não podemos garantir a sua aprendizagem de maneira eficaz a todos os nossos alunos. Para isso, buscamos inovações metodológicas, contextualizações dos saberes escolares, mesmo que artificiais, entre uma série de outras estratégias de ensino. Em relação às concepções da matemática, fica evidenciado que as diferentes escolhas feitas pelos professores dessa componente curricular acabam por determinar suas ações em relação à própria didática da Matemática, ou seja, influenciam suas opções e escolhas metodológicas, entre outras coisas ligadas ao processo de ensino e aprendizagem de seus alunos. Se o professor adotar uma concepção tradicional do ensino da Matemática, acabará por valorizar mais a transmissão dos conteúdos matemáticos, partindo do próprio saber científico ou saber matemático. Com isso, suas aulas focarão mais as demonstrações matemáticas, os exemplos de atividades padronizadas e a repetição de modelos como exercícios voltados ao treinamento de seus alunos. Caso o professor parta de uma concepção construtivista da Matemática, ele buscará exemplos próximos da realidade de seus alunos, com características de contextualizações, embora na maioria das vezes trate-se de situações artificiais. Nessa concepção, o professor irá valorizar mais o interesse de seus 010 alunos do que uma proposta curricular a ser seguida; mas, como já destacamos, o professor terá mais dificuldades em controlar o processo de ensino e de aprendizagem de seus alunos. Isso acontece principalmente pela falta de uma maior sistematização dos saberes a serem ensinados e pela crença de que o professor não necessita ensinar saberes científicos ou matemáticos de maneira formal, com o cuidado de ministrá-los de acordo com o nível intelectual ou cognitivo de seus alunos. Numa última concepção, a da educação matemática, o professor bem preparado terá muito cuidado tanto para não deixar de cumprir um currículo formalmente proposto pelo sistema de ensino no qual estiver inserido, bem como para levar em conta o maior número de orientações dessa área do conhecimento. Isso significa que esse professor irá aplicar variadas metodologias de ensino da Matemática, mesclando assim a condução de suas aulas e levando em conta a necessidade de apresentar os saberes científicos e escolares, além de adaptá-los sempre que necessário – ou seja, o professor se utiliza da transposição didática e das demais teorias da didática da Matemática. Outra questão importante em relação à didática da matemática é o contrato didático, o qual está presente no processo de ensino e aprendizagem, em particular por estabelecer relações entre os entes professor, aluno e o saber. Nessa relação, percebe-se a necessidade de que o professor estabeleça suas regras e acordos propostos com seus alunos, a maneira de conduzir suas aulas e explicações sobre os conteúdos matemáticos ou o saber escolar, entre outras coisas. Além disso, o professor deve considerar a forma como reagem seus alunos às suas explicações e demonstrações do saber matemático e o cumprimento ou não dos combinados, sejam eles implícitos ou explícitos, presentes no contrato didático estabelecido pelo professor ou pelas normas da escola, para com seus alunos. Devemos nos lembrar ainda de outra questão importante à proposta do contrato didático, que está relacionada ao saber escolar ou ainda ao saber matemático (científico) e que irá interferir no processo de ensino e aprendizagem. Isso porque esse saber poderá estar acima da compreensão intelectual ou cognitiva dos alunos, principalmente se apresentado com uma linguagem muito formal, em particular para os alunos dos anos iniciais ou mesmo dos anos finais do ensino fundamental. Ao observarmos algumas das questões anteriores sobre o contrato didático, poderemos verificar algumas das situações didáticas que irão gerar as chamadas rupturas do contrato didático. Em relação a essas rupturas, na sua 011 maioria, não podemos fazer quase nada para evitá-las, pois elas fazem parte de uma relação que é de caráter social, prevista nas relações sociais, como nas propostas pelo Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau (de 1762), segundo o qual nem todas as cláusulas do contrato são enunciadas e descritas de forma documental. Outras rupturas são de caráter pedagógico, principalmente fundamentados nas relações entre o professor e seus alunos, como nas descritas pelo Contrato Pedagógico de Jeanine Filloux, entre 1973 e 1974. Com base nesses autores, surge então o contrato didático de Guy Brousseau, que ensaiava sua teoria desde meados da década de 1970 e que em 1980 publica-a de maneira estruturada e definitiva. Nela inicia-se a percepção de que ocorreriam as denominadas rupturas do contrato didático, pois não haveria como evitá-las, já que estão relacionadas às questões sociais, cognitivas, entre outras, incluindo as questões de relações humanas, em particular aquelas ligadas ao ensino e à aprendizagem do saber matemático, ou ainda do saber escolar dessa componente curricular, o qual possui características bastante complexas, entre os demais saberes. Sendo assim, verificamos alguns exemplos clássicos dessas rupturas, como no caso em que o professor altera sua forma de ensinar sem tê-la comunicado previamente aos seus alunos. Issopode ser visto quando o professor, após participar de cursos de formação continuada, tenta aplicar metodologias diferenciadas ou atividades propostas por essas formações à sua turma de alunos. Muitas vezes, essas tarefas acabam por gerar alguma ruptura no contrato didático estabelecido inicialmente com a sua turma de alunos. Imagine que, sem nunca termos trabalhado com problemas sem solução e sem que comunicássemos isso aos nossos alunos, aplicássemos alguns desses problemas para que eles resolvessem. Neste caso, teríamos gerado uma quebra ou ruptura no contrato didático estabelecido, pois se nunca tivéssemos trabalhado estes tipos de problemas, nossos alunos tentariam respondê-los de acordo com os modelos de problemas propostos frequentemente, tentando produzir uma resposta dentro das expectativas estabelecidas pelo contrato didático anterior. Portanto, se costumamos trabalhar com problemas que exigem resoluções por meio de cálculos matemáticos, é normal que nossos alunos tentem alguma solução desse tipo e não por meio de outro raciocínio. Outro tipo de ruptura pode ser ocasionado quando ocorre algum desinteresse por parte dos nossos alunos. Isso é muito frequente quando trabalhamos com exercícios de repetição, nos momentos de sistematização de algum novo algoritmo matemático, ou ainda com a resolução 012 de problemas matemáticos muito artificiais ou sem contexto. Essa ruptura ocorre até mesmo quando buscamos realizar alguma demonstração matemática formal ou dedução de fórmulas de alguns conteúdos matemáticos. Em todos esses casos, ouvimos de nossos alunos certa inquietação, principalmente comentários de que não estão compreendendo, entre outras observações, além de algumas perguntas como “onde iremos usar isto?”. Isso aponta para uma ruptura do contrato didático, por causa dos desinteresses dos alunos, ou devido à sua natureza intelectual ou cognitiva. No entanto, essas rupturas fazem parte do processo de ensino e aprendizagem, não podemos controlá-las totalmente, mas ao considerarmos sua existência, torna-se possível nos adaptarmos aos grandes desafios exigidos no ensino da Matemática. Em relação à corrente norte-americana, da didática da Matemática, percebemos sua maior presença no Brasil, principalmente, ao verificarmos documentos curriculares, pesquisas acadêmicas, entre outras fontes, sejam provenientes da formação inicial e continuada de professores de Matemática, ou das propostas curriculares provenientes da Pedagogia. Com isso, temos que essa linha de pesquisa acaba sendo mais compreendida, em particular por estarmos acostumados com alguns dos seus conceitos teóricos. Isso não nos garante, apesar de termos uma maior familiaridade com esses conceitos teóricos, que faremos uso adequado das suas proposições. Basta vermos como temos tratado o tema resolução de problemas de Matemática na prática pedagógica – ou seja, de que maneira fazemos uso dessa teoria em sala de aula, no ensino da Matemática? Podemos responder a essa pergunta sem muita cerimônia, pois, apesar de conhecermos um pouco dessa teoria, demonstramos apenas conhecimento superficial dela, visto que, normalmente, o ensino da Matemática ainda está focado nos exercícios algorítmicos da matemática e não na problematização ou na contextualização, ou seja, na compreensão conceitual e prática dessa componente curricular. De qualquer maneira, acredito que, neste momento, seja possível respondermos à problematização inicial: tudo o que vimos sobre a didática da Matemática permite-nos apontar a necessidade de um equilíbrio entre os entes formadores da tríade professor-aluno-conhecimento, aqui representado pelo saber matemático, em particular na sua forma adaptativa, de um saber escolar. 013 REFERÊNCIAS BOYER, C. B. História da matemática. Tradução de Elza F. Gomide. 2. ed. São Paulo: Blücher, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília, 1997. BROUSSEAU, G. 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