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DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Henriette Damm CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenação da Pós-Graduação EAD: Prof: Ivan Tesck Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Tathyane Lucas Simão Prof.ª Kelly Luana Molinari Corrêa Prof. Ivan Tesck Revisão de Conteúdo: Grazielle Jenske Revisão Gramatical: Sandra Pottmeier Revisão Pedagógica: Bárbara Pricila Franz Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2017 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 510.7 D162d Damm, Henriette Didática da matemática / Henriette Damm. Indaial : UNIASSELVI, 2017. 108 p. : il. ISBN 978-85-69910-39-8 1. Matemática – Estudo e Ensino. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci Impresso por: Henriette Damm Possui graduação em Matemática pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1993), especialização em Gestão Universitária pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (2015) e mestrado em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998), dissertando sobre “Educação Matemática e Educação Ambiental: uma Proposta de Trabalho Interdisciplinar como Possibilidade às Generalizações Construídas Socialmente”. Atualmente, é professora do quadro da Universidade de Blumenau (FURB), Chefe do departamento de Matemática, Membro da CAPEX (Comissão de Avaliação de Projetos de Extensão), Presidente da Comissão Permanente de Estágio Probatório e Coordenadora do Estágio das Licenciaturas. Atuou como Chefe da Divisão de Modalidades de Ensino por um ano, como Coordenadora do curso de Matemática, Coordenadora de TCC em cursos de Especialização na EaD por três anos, foi Tesoureira do SINSEPES (Sindicato dos Servidores Públicos do Ensino Superior de Blumenau, membro do CONSUNI (Conselho Universitário), professora coordenadora do PIBID/FURB, docente em cursos de pós- graduação e Vice-Presidente da APROF (Associação dos Professores da FURB). Tem coordenado um projeto de extensão voltado para pesquisas de mercado e satisfação junto ao Núcleo de Pesquisas do Departamento de Matemática. Atua nas áreas de Estatística, Estágio e Educação Matemática. Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 Conceitos de Didática da Matemática ..................................9 CAPÍTULO 2 Referências da Didática da Matemática .............................35 CAPÍTULO 3 A Especificidade da Matemática e da Didática da Matemática .....................................................61 CAPÍTULO 4 Questões Metodológicas e a Engenharia Didática ..........87 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a)! A Didática da Matemática é uma das tendências teóricas da Educação Matemática, e para entender melhor o trabalho da Didática da Matemática, precisamos contextualizar a Educação Matemática, ou seja, entender esta como uma grande área de pesquisa educacional, sendo sua consolidação relativamente recente. O objeto de estudo da Educação Matemática é a compreensão, a interpretação e a descrição de fenômenos referentes ao ensino e à aprendizagem da Matemática, nos diversos níveis de ensino, tanto na dimensão teórica, quanto na dimensão prática. A Educação Matemática vem ganhando cada vez mais espaço nas discussões acadêmicas e profissionais do ensino. Rico, Sierra e Castro (2000 apud GODINO 2003) consideram a Educação Matemática como o sistema de conhecimentos, intuições, planos de formação e finalidades formativas quanto ao processo ensino-aprendizagem da Matemática. A consolidação da Educação Matemática como área de pesquisa é relativamente recente, quando comparada à história da Matemática, e seu desenvolvimento recebeu um grande impulso nas últimas décadas, dando origem às várias tendências teóricas, cada qual valorizando determinadas temáticas educacionais do ensino da Matemática. Entre as várias tendências teóricas que compõem a Educação Matemática no Brasil, a Didática da Matemática é uma delas e se caracteriza pela influência de autores franceses, conforme veremos nos capítulos deste material. Segundo Régine Douady (apud PAIS, 2002b, p. 10-11), “A Didática da Matemática estuda os processos de transmissão e de aquisição dos diferentes conteúdos desta ciência, particularmente numa situação escolar ou universitária. Ela se propõe a descrever e explicar os fenômenos relativos às relações entre seu ensino e sua aprendizagem. Ela não se reduz a pesquisar uma boa maneira de ensinar uma determinada noção particular.”. Assim, podemos entender que a Didática da Matemática, busca a elaboração de conceitos e teorias que sejam compatíveis com a especificidade educacional do saber escolar matemático, mantendo vínculos com a formação de conceitos matemáticos, tanto da prática pedagógica, como no campo teórico da pesquisa acadêmica. A Didática da Matemática teve forte influência de autores franceses, pois foi na França que teve surgimento este referencial teórico, para após se espalhar por diversos países. São estas teorias e seus autores: A Teoria da “Transposição Didática” de Chevallard; A Teoria dos “Obstáculos epistemológicos” de Bachellard; A Teoria dos “Campos Conceituais” de Vergnaud; A Teoria das “Situações Didáticas” e a Teoria do “Contrato Didático” de Brousseau; A Teoria da “Engenharia Didática” de Artigue. Os capítulos que seguem buscam trabalhar especificamente cada um dos pontos destacados, ou seja: No primeiro capítulo, serão apresentados os Conceitos de Didática da Matemática buscando defini-los, discutindo as implicações dos conceitos na práxis do professor, bem como, trabalhando a importância do conhecimento dos conceitos básicos de Didática da Matemática em relação à autoavaliação profissional. No segundo capítulo, teremos as Referências da Didática da Matemática a partir da apresentação do saber matemático e suas particularidades, da discussão do trabalho do professor de matemática, da definição de obstáculos epistemológicos e didáticos no ensino da matemática, da articulação do trabalho do professor de matemática com os obstáculos epistemológicos e didáticos, e da análise da formação de conceitos e dos campos conceituais. No capítulo três, o objeto de estudo será a Especificidade da Matemática e da Didática da Matemática, através da discussão de situações didáticas e a-didáticas da Matemática, da definição de contrato didático, da avaliação de situações de ruptura do contrato didático, e da análise do cotidiano escolar e os efeitos didáticos. No capítulo quatro, teremos as Questões Metodológicas e a Engenharia Didática, buscando identificar e organizar as fases da Engenharia Didática e analisar a dimensão teórica e experimental da pesquisa em Didática da Matemática. Assim, buscamos com este material, analisar conceitos criados por autores que atuam no campo da Educação Matemática, especificamente, da Didática da Matemática e passar a questionar se o ensino da Matemática pode se resumir à apresentação de uma sequência de axiomas, definições e teoremas. A autora. CAPÍTULO 1 Conceitos de Didática da Matemática A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Defi nir os conceitos de Didática da Matemática. Discutir as implicações dos conceitos na práxis do professor. Explicar e aplicar a importância do conhecimento dos conceitos básicos de Didática da Matemática em relação à autoavaliação profi ssional. 10 Didática da Matemática 11 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 ConteXtualiZaÇÃo O homem sempre se encontrouenvolvido com Matemática. Procurando atender às necessidades de suas condições de vida, ele conta, mede e calcula. Agindo sobre o meio em que vive, o homem faz sua própria Matemática ao buscar soluções para os problemas do cotidiano, produzindo novos conhecimentos e aplicando-os, refi nando e sofi sticando os conceitos matemáticos. A escola se organiza levando em consideração saberes historicamente acumulados e construídos, acrescentando saberes formados e adquiridos no presente. Estamos na era da tecnologia e globalização, onde os saberes são dinâmicos e complexos, e esses se transformam e/ou evoluem constantemente. Aprendemosa todo o momento e de diferentes maneiras. E, neste contexto, é imprescindível fornecermos oportunidades aos alunos para desenvolverem um pensamento crítico, com o intuito de que informações sejam analisadas e refl etidas, para então, permitir e promover a construção do conhecimento. Os alunos, na contemporaneidade, chegam à sala de aula com muitos conhecimentos adquiridos nesse mundo cibernético e, muitas vezes, não têm esse conhecimento organizado ou estruturado, ou seja, às vezes, mesmo que possuam o conhecimento, os alunos não têm consciência que podem usá-lo sob outras circunstâncias diferentes àquelas nas que eles aprenderam. O professor pode auxiliar ao estudante se sentir um cidadão em pleno crescimento com todas as capacidades para se desenvolver seu papel na sociedade. No caso do professor de Matemática, tem sua inserção em muitas áreas do conhecimento que é útil para o estudante. Todas estas questões dizem respeito à Educação Matemática também. Mas então? O que é a Educação Matemática? Do que trata? Vamos descobrir adiante! EducaÇÃo matemática Assim como em diversas áreas do conhecimento, também na área da Matemática os alunos têm um caminho percorrido e é justamente o professor quemtem a função de mediar esse passo do conhecimento construído num ambiente diferente ao da escola e o vai conectar ao que ele encontra na escola. Com a organização desses conhecimentos no sistema educativo se entende que tudo que ele aprendeu é válido e vai se moldurando para ser falado de um jeito particular no meio escolar. Essa ideia vem ao encontro do que afi rma Freire. Fornecermos oportunidades aos alunos para desenvolverem um pensamento crítico, permitir e promover a construção do conhecimento. 12 Didática da Matemática O que tenho dito sem cansar, e redito, é que não podemos deixar de lado, desprezado como elo imprestável, o que educandos, sejam crianças chegando à escola ou jovens e adultos a centros de educação popular, traz consigo de compreensão do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática na prática social de que fazem parte. Sua fala, sua forma de contar, de calcular, seus saberes em torno do chamado outro mundo, sua religiosidade, seus saberes em torno da saúde, do corpo, da sexualidade, da vida, da morte, da força dos santos, dos conjuros (FREIRE, 2003, p.85-86). Caminhando essa discussão para o ensino da Matemática, parece haver um consenso de que uma Educação Matemática básica deve contribuir com a preparaçãodo cidadão no exercício da cidadania tanto no domínio individual quanto no coletivo. Nesse sentido, podemos possibilitar novas atitudes e comportamentos no viver em sociedade, tendo por referência os direitos humanos, os valores humanos e a justiça social. Além de ensinar Matemática, também é preciso formar valores. Em primeiro lugar fazermos uma ligação entre o mundo real e a Matemática da escola, como se menciona nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN através de projetos relacionados à realidade dos estudantes. Os projetos proporcionam contextos que geram a necessidade e a possibilidade de organizar os conteúdos de forma a lhes conferir signifi cado. É importante identifi car que tipos de projetos exploram problemas cuja abordagem pressupõe a intervenção da Matemática, e em que medida ela oferece subsídios para a compreensão dos temas envolvidos (BRASIL, PCN, 1997, p.26). Um dos desafi os atuais da aula de Matemática é o professor entender e aceitar que precisa além de ensinar Matemática, também contribuir na formação daquele ser humano. A sociedade hoje é diferente da sociedade a qual nós nascemos e, obviamente, faz-se necessário um novo olhar sobre a formação da educação básica, o que inclui a formação Matemática. Partindo deste contexto, é preciso expor dois importantes pontos. De um lado, ter a Matemática como uma ferramenta para atender as necessidades da vida cotidiana e, por outra, ter ela com as suas concepções. Assim, podemos introduzir o termo “Etnomatemática”, como foi defi nido pelo professor e pesquisador Ubiratan D’Ambrósio, como a arte ou técnica de explicar, conhecer e entender conceitos matemáticos vinculados a diversos contextos culturais. Outro ponto é, em meio aos conteúdos específi cos matemáticos, trabalhar questões de cidadania, em que a aula de Matemática pode tornar-se um fórum de debate e negociação de concepções e representações da realidade. Assim, questionamos, em quais contextos usar esses conhecimentos? Não podemos deixar de lado o que educandos traz consigo de compreensão do mundo. Ter a Matemática como uma ferramenta para atender as necessidades da vida cotidiana e, por outra, ter ela com as suas concepções. 13 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 Em jornais, por exemplo, onde alunos e professores trabalham conteúdos de ensino, atitudes, métodos e procedimentos. Criam um espaço de conhecimento compartilhado, refl etindo sobre suas aprendizagens e difi culdades a superar. Encontramos notícias ou informações que vêm argumentadas com gráfi cos, ou com porcentagens ou com curvas que seguem determinada função. Esses são casos em que o ensino da Matemática propicia a construção de um conhecimento com posicionamento crítico do cidadão, aí tanto o professor de Matemática quanto o aluno têm oportunidade de desenvolver assuntos paralelos que competem à formação, à ética, proporcionando um momento de discussão com respeito às opiniões diferentes entre colegas. Algumas dessas diferenças até podem servir para completar uma ideia ou conhecimento e, ainda, podemos fomentar e estimular a solidariedade entre os alunos solicitando um trabalho em grupos para eles mesmos serem mediadores entre eles e propiciar mais um momento de construção de conhecimento e de formação cidadã. Cabe lembrarmos que um trabalho em grupo pode revelar várias situações, positivas e negativas. O professor deve ter certos cuidados para que um trabalho em grupo se revele algo positivo, o grupo não deveria ser imposto, poderia se sugerir a participação daqueles que já aprenderam para servir de mediadores, mas com o consenso dos mesmos. Outro tema transversal, mencionado nos PCN (BRASIL, 1997), que podemos explorar é o meio ambiente, porque além de trazer muitas concepções na Matemática, é um assunto que podemos trabalhar na interdisciplinaridade com outras matérias como: ciências, geografi a, história, artes, sociologia e, assim, por diante. É o meio onde acontece um incontável número de situações,nas quaispodemos mergulhar para aprofundar e vincular os conhecimentos e formar cidadãos críticos e solidários. Alguns desses conceitos na Matemática poderiam ser médias, áreas, volumes, proporcionalidade, assim como procedimentos matemáticos,como formulação de hipóteses, realização de cálculos, coleta, organização e interpretação de dados estatísticos, prática da argumentação, assim como, é indicado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Nessa base também podemos usar temas como saúde, já fazendo relação com meio ambiente e avançando para outro patamar e, depois, seguindo superar o preconceito que se tem com a Matemática tanto com a sua difi culdade de aprendizagem quanto ser exclusiva de áreas específi cas do conhecimento e limitada a algumas classes sociais, especificamente. Com a evolução da humanidade, a Matemática passa a ganhar caráter científi co, adquirindo forma e estrutura interna própria. Não se desenvolve apenas em função de necessidades externas, mas também, passa a avançar a partir dos problemas que surgem em sua estrutura interna. Caberia aqui usar o 14 Didática da Matemática desenho animado do Pato Donald, da Disney, no episódio chamado “Donald no mundo da matemágica” no qual surge a fi gura de Pitágoras, ideias platônicas, o qual fala sobre o símbolo do pentagramae aparece o número áureo, também se vincula proporções arquitetônicas do Parthenon atrelada às da Catedral de Notre- Dame (Paris) e, assim, muitos outros exemplos de dimensões e de proporções na natureza. Trata-se de um episódio para explorar o aspecto multidisciplinar e desenvolver a ideia da estrutura interna da Matemática. Figura 1 – Donald no mundo da matemágica Fonte: Disponível em: <http://www.mdig.com.br/index. php?itemid=29136>. Acesso em: 15 maio 2016. Em sua origem, a Matemática se constitui a partir de uma coleção de regras isoladas, decorrentes de experiênciasda vida diária, e se converteu gradativamente em um sistema de variadas disciplinas. Nesse contexto, podemos conferir à Matemática dois aspectos distintos: o formalista e o prático. Estes aspectos se infl uenciam mutuamente. Assim como as descobertas dos matemáticos puros revelam valor prático, ao serem aplicadas as propriedades Matemáticas em acontecimentos específi cos, podem levar ao desenvolvimento teórico da Matemática. A Matemática, ao longo da história da humanidade, mostra-se uma ciência viva, dinâmica, em constante evolução e que interage com a realidade. A matemática transforma-se por fi m na ciência que estuda todas as possíveis relações e interdependências quantitativas entre grandezas, comportando um vasto campo de teorias, modelos e procedimentos de análise, metodologias próprias de pesquisa, formas de coletar e interpretar dados (BRASIL, PCN, 1997, p. 24). Podemos conferir à Matemática dois aspectos distintos: o formalista e o prático. 15 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 Além de refl etir sobre o caráter do conhecimento matemático, temos por objetivo refl etir sobre o caráter pedagógico da Matemática, ou seja, sobre como ensinar Matemática. A princípio, buscamos reunir aqui alguns elementos que possam ser tomados como referência para o estabelecimento de uma didática para o ensino da Matemática, assim, precisamos saber o que é a didática. Didática é um conjunto de princípios, crenças e valores do ensino e do método, que dialogam entre si, formando um conjunto de preceitos que servem de base para a perfeita execução da tarefa de ensina (PAIS, 2008). Assim, a didática do ensino da Matemática agrega o conjunto de princípios; crenças; opinião de autores; textos de obras escritas, entre outras ferramentas, adotados pelo professor de Matemática que servem de base para o seu sistema de ensino e para a organização da disciplina. Pensar uma didática da Matemática é pensar sobre as relações no processo ensino- aprendizagem de Matemática (PAIS, 2008). De um lado temos o problema da formação dos conceitos matemáticos, por outro, a formação dos conceitos didáticos referentes ao fenômeno da aprendizagem da Matemática. Mas seja qual for ao que fazemos referência, é fundamental usar o método construtivista, inspirado nas ideias do suíço Jean Piaget, que propõe que o aluno no seu aprendizado participe ativamente mediante experimentação, trabalhos ou atividades em grupo possibilitando a mediação entre colegas, estimulação à dúvida e ao desenvolvimento do raciocínio, entre outros procedimentos. A partir da própria ação, o estudante vai estabelecendo as propriedades dos objetos e construindo os conhecimentos e as características do mundo.Simultaneamente, o professor de Matemática adapta os conceitos científi cos para trazê-los à sala de aula adequando-os às diversas realidades. A educação Matemática vem ganhando cada vez mais espaço nas discussões acadêmicas e profi ssionais do ensino. Rico, Sierra e Castro (2000 apud GODINO 2003) consideram a educação Matemática como o sistema de conhecimentos, intuições, planos de formação e fi nalidades formativas quanto ao processo ensino-aprendizagem da Matemática. Simultaneamente, caracterizam a Didática da Matemática como a disciplina que estuda e investiga os problemas surgidos na Educação Matemática. Conforme Pais(2008, p. 10), A educação matemática é uma grande área de pesquisa educacional, cujo objeto de estudo é a compreensão, interpretação e descrição Didática é um conjunto de princípios, crenças e valores do ensino e do método, que dialogam entre si, formando um conjunto de preceitos que servem de base para a perfeita execução da tarefa de ensina (PAIS, 2008). Pensar uma didática da Matemática é pensar sobre as relações no processo ensino- aprendizagem de Matemática A educação matemática objeto de estudo é a compreensão, interpretação e descrição de fenômenos referentes ao ensino e à aprendizagem da matemática, nos diversos níveis de escolaridade 16 Didática da Matemática de fenômenos referentes ao ensino e à aprendizagem da matemática, nos diversos níveis de escolaridade, quer seja em uma dimensão teórica ou prática. A consolidação da Educação Matemática como área de pesquisa é relativamente recente, quando comparada à história da Matemática, em que seu desenvolvimento recebeu um grande impulso nas últimas décadas, dando origem às várias tendências teóricas, cada qual valorizando determinadas temáticas educacionais do ensino da Matemática. A expressão tendência teórica é utilizada para representar a existência de um coletivo de pesquisadores em Educação Matemática, que compartilha de um mesmo referencial teórico. Por exemplo: Etnomatemática, Modelagem Matemática, Filosofi a da Educação Matemática, História da Matemática, Didática da Matemática, entre outros. Entre as várias tendências teóricas que compõem a Educação Matemática no Brasil, a Didática da Matemática se caracteriza pela infl uencia de autores franceses, conforme veremos neste material.Devemos nos perguntar então: - O que é Didática da Matemática? Vamos desvendar essa pergunta juntos! Didática da Matemática Quando preparamos uma aula de Matemática, além dos objetivos, habilidades e competências que queremos desenvolver, fazemos a proposta de como essa aula irá acontecer, quais os exemplos que iremos fornecer, quais as realidades que iremos abordar para trazer o conceito em estudo à tona e tudo isso forma parte da didática pedagógica da aula que será ministrada. A expressão Didática da Matemática é diferente do que conhecemos como a disciplina pedagógica de didática aplicada ao ensino. Conforme Pais(2008, p.11): 17 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 A didática da matemática é uma das tendências da grande área da educação matemática, cujo objeto de estudo é a elaboração de conceitos e teorias que sejam compatíveis com a especifi cidade educacional do saber escolar matemático, procurando manter fortes vínculos com a formação de conceitos matemáticos, tanto em nível experimental da prática pedagógica, como no território teórico da pesquisa acadêmica. A Didática da Matemática objetiva compreender as condições de produção, registro e comunicação do conteúdo escolar da Matemática e de suas consequências didáticas. Assim sendo, todos os conceitos didáticos se destinam a favorecer a compreensão das múltiplas conexões entre a teoria e a prática. A dimensão teórica é entendida como as principais ideias resultantes da pesquisa e a dimensão prática como sendo a condução do fazer pedagógico. Nesse contexto, os elementos do sistema didático, devem ser fortemente integrados entre si.Tema este que abordaremos a seguir. A Didática da Matemática objetiva compreenderas condições de produção, registro e comunicação do conteúdo escolar da Matemática e de suas consequências didáticas. Assim sendo, todos os conceitos didáticos se destinam a favorecer a compreensão das múltiplas conexões entre a teoria e a prática. Atividade de Estudos: 1) Na compreensão do signifi cado da Didática da Matemática no texto, podemos afi rmar que: Assinale a alternativa correta: a) A Didática da Matemática está vinculada ao jeito de apresentar a disciplina aos alunos de uma maneira que estimule seu aprendizado. b) A Didática da Matemática está vinculada aos materiais que o professor providencia para o processo ensino-aprendizagem indicando explicitamente os conteúdos e não deixando lugar a dúvidas. c) A Didática da Matemática está vinculada a trabalhar a disciplina em conjunto com outras disciplinas, mesmo que o contexto seja estranho para o aluno, porque ele precisa construir um mundo global. 18 Didática da Matemática d) A Didática da Matemática está vinculada à elaboração de conceitos e teorias compatíveis com o saber matemático específi co da escola atrelado tanto à pesquisa acadêmica quanto à formação dos próprios conceitos matemáticos na prática pedagógica. Sistema Didático O Sistema Didático é uma estrutura composta de nove elementos (PAIS, 2008) principais: professor, aluno, conhecimento, planejamento, objetivos, recursos didáticos, instrumentos de avaliação, uma concepção de aprendizagem e metodologia de ensino. A interação entre esses elementos é extremamente necessária para a condução da prática pedagógica. O professor é o maestro dessa orquestra, é por isso, que ele é o responsável por fazer acontecer tanto à comunicação dele com seus alunos quanto fornecer exercícios e momentos de discussão entre os alunos sobre o assunto estudado para que venha a ocorrer à mediação entre os próprios colegas. Muitos desses elementos são trabalhados prévio às aulas como o planejamento, relacionado a cada aula que vai ser ministrada relacionando os conteúdos que serão estudados com o objetivo de aprendizagem e sua contextualização. A escolha da metodologia está intimamente ligada aos recursos didáticos como o quadro, o livro didático, os recursos audiovisuais,que o professor possa utilizar ou que possa recrear no caso tenha carência de alguns recursos na instituição educativa onde trabalhe. O professor com tempo introduz também os recursos de contexto da realidade dos alunos em que pode ser aplicado o conteúdo e as novas concepções de aprendizagem, o diálogo com outras disciplinas, o próprio conhecimento e uma sequência didática que leve a obter o sucesso do objetivo alcançado. As relações entre professor, aluno e saber estão atreladas ao Sistema Didático, como detalhamos. O rigor e o formalismo são características do pensamento matemático e, na relação pedagógica entre professor e aluno, o ensino da Matemática pode estar infl uenciado por aspectos relativos ao próprio pensamento matemático, mas que na verdade não pertencem à natureza do trabalho didático. Na próxima fi gura podemos observar o esquema do Sistema Didático proposto por Brousseau (1986). O Sistema Didático é uma estrutura composta professor, aluno, conhecimento, planejamento, objetivos, recursos didáticos, instrumentos de avaliação, uma concepção de aprendizagem e metodologia de ensino. 19 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 Figura 2 – Sistema Didático Fonte: Disponível em: <http://docslide.com.br/documents/1-universidade-federal-do- para-especializacao-em-didatica-da-matematica.html>. Acesso em: 08 ago. 2016. Assim, podemos nos fazer algumas perguntas: - O que infl uencia na formação do saber matemático previsto na educação escolar? - Quem participa do processo seletivo dos conceitos matemáticos ensinados na escola? Para responder estas questões sob o olhar da Didática da Matemática, recorremos ao conceito de transposição didática. Atividade de Estudos: 1) Vamos imaginar que estamos na sala de aula explicando um conceito e logo deixamos alguns exercícios para os alunos aplicarem o tal conceito. A atitude do professor que vem ao encontro da discussão nesse capítulo qual seria? 20 Didática da Matemática ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ TransposiÇÃo Didática A transposição didática se revela uma ideia centralizadora da Educação Matemática ao estar associada a vários outros conceitos. Lembramos que a transposição nos leva a uma ideia de deslocamento e alteração. Assim, a transposição didática permite, por exemplo, interpretar as diferenças que ocorrem entre a origem de um conceito da Matemática, como ele encontra-se proposto nos livros didáticos, e a intenção de ensino do professor e os resultados obtidos em sala de aula. E nesse movimento acontece uma transposição. Aprofundamos mais um pouco com base em Chevallard. Segundo defi nição de Chevallard (1991 apud PAIS, 2008, p.19): Um conteúdo de saber que tenha sido defi nido como saber a ensinar, sofre, a partir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O ‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado de transposição didática. Chevallard (1991) conceitua Transposição Didática como o trabalho de produção necessário para chegar a um objeto de ensino, a partir do saber gerado pelo cientista.Essa transformação vai muito além da simplifi cação de códigos científi cos. Estuda a seleção que ocorre através de uma extensa rede de infl uências, envolvendo diversos segmentos do sistema educacional. O termo “Transposição Didática” foi introduzido pelo sociólogo Michel Verret na França em 1975, e discutido novamente por Yves Chevallard, em seu livro La Transposition Didactique, de 1985, empenhando-se em tornar evidentes as transformações pelas quais passa o saber ao transpor o campo científi co para o âmbito escolar (PERRELLI, 1999). 21 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 Assim, de maneira ampla, podemos considerar que a transposição didática é o conjunto de adaptações que o saber científi co sofre para transformar-se em saber escolar. Podemos exemplifi car isso começando pela linguagem utilizada na sala de aula, escolhemos uma variedade linguística mais apropriada à compreensão dos estudantes. Os exemplos que se formulam são aqueles de menor complexidade e vai se incrementando a difi culdade na medida em que os alunos vão compreendendo os conceitos trabalhados na sala. A transposição didática é o conjunto de adaptações que o saber científi co sofre para transformar-se em saber escolar. Yves Chevallardé um didata francês do campo do ensino das matemáticas. E seu trabalho internacionalmente conhecido é “A Transposição Didática”. Sua publicação mais difundida no Brasil é a tradução para o espanhol e o original em francês do livro La Transposition Didactique, uma versão ampliada da primeira edição francesa de 1985. Na discussão entre a dimensão prática e teórica, Gastão Bachelard (1884- 1961), na França, é uma importante referência na interpretação do problema da conciliação entre essas duas dimensões. Para Bachelard, toda análise teórica deve passar por uma análise prática, da mesma forma que toda experiência deve passar pelo controle de uma posição racional. Nesse contexto, Bachelard (2003),trabalhou o conceito de obstáculos epistemológicos. No que diz respeito principalmente às ciências exatas e, destaca que é necessário superar ou haver uma transposição de uma série de obstáculos à aprendizagem,para que a construção do espírito científi co se efetive. No campo da Matemática, particularmente a respeito da aprendizagem escolar, abordamos a questão específi ca de obstáculos didáticos, a qual defi niremos a seguir. Gaston Bachelard (1884-1962) fi lósofo e ensaísta francês que se licencia em matemática no ano de 1912. A teoria da relatividade deita por terra as suas ideias sobre física, o que o terá levado a estudar fi losofi a, obtendo uma segunda licenciatura em letras em 1920. Tendo- se doutorado em 1927 com a tese Ensaio sobre o Conhecimento aproximado e Estudo sobre a Evolução de um problema da física, 22 Didática da Matemática a propagação térmica nos sólidos. Em 1930, iniciou uma carreira regular de professor universitário, especifi camente nas universidades de Dijon (1930-1940) e, depois na Sorbonne (Paris). Atividade de Estudos: 1) Enquanto profi ssional atuante no âmbito escolar, como você se percebe utilizando a transposição didática? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ OBstáculos Didáticos Quando pensamos em obstáculo, logo fazemos uma ligação com a ideia de alguma coisa que difi culta, impede ou simplesmente atrapalha a execução de uma ação desejada. Assim, Bachelard (2003) discute o tema obstáculos, no sentido de obstáculos epistemológicos, que são obstáculos que os professores devem evitar, de maneira a garantir o sucesso do ensino-aprendizagem. Para isso, é necessário estar atento e identifi car esses obstáculos sem seu modo de ensinar, no ambiente da sala de aula e nos recursos didáticos usados. O professor precisa estar ciente do que cada um trata, pois somente assim, poderá desvendá-los e superá-los, ou ainda, ajudar os seus alunos a vencê-los. Bachelard (2003) observou que a evolução de um conhecimento pré-científi co para um nível de reconhecimento científi co passa, quase sempre, pela rejeição de conhecimentos anteriores e se defronta com obstáculos. Esses obstáculos não estão atrelados à falta de conhecimento, mas sim, a conhecimentos antigos que resistem à instalação de novas concepções. Da mesma maneira, acontece com os obstáculos no ensino-aprendizagem da Matemática. 23 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 Como a Matemática apresenta certa regularidade em se tratando de sua evolução histórica, ao invés de trabalhar na concepção dos obstáculos epistemológicos, Pais (2008) admite a existência de obstáculos didáticos, ou seja, noção motivada pela comparação entre a evolução dos conceitos, no plano histórico dos saberes científi cos, e o fenômeno cognitivo, no plano subjetivo da elaboração do conhecimento. Com essa refl exão nos questionamos sobre como a superação dos obstáculos didáticos pode facilitar a investigação da formação de conceitos? Que elementos precedentes entram na construção de um novo conceito? É fundamental que as aulas de matemática lancem um novo olhar para a construção de conceitos ou signifi cados matemáticos. E esse novo olhar traga a realidade em que a escola e seus estudantes encontra-se inserida. Dessa maneira os conceitos que serão construídos podem se constituir na realidade, num mundo concreto e com exemplos vinculados e aplicados a situações que tanto o aluno quanto seu professor de matemática conhecem e lidam no seu dia-dia ou em circunstâncias específi cas em que o aluno possa se visualizar e perceber o tal conceito. Assim como Freire nos faz analisarmos [...]. Não seria, porém, com essa educação desvinculada da vida, centrada na palavra, em que é altamente rica, mas na palavra “milagrosamente” esvaziada da realidade que deveria representar, pobre de atividades com que o educando ganhe a experiência do fazer, que desenvolveríamos no brasileiro a criticidade de sua consciência, indispensável à nossa democratização (FREIRE, 2006, p.102). Conceber o ensino da Matemática voltado para a problematização e análise de situações diversas do cotidiano, permite que o aluno faça deduções levando em conta suas experiências de vida e, consequentemente, levando-o à construção de conceitos matemáticos. Nesse contexto, podemos nos questionar pela aplicação prática dos conceitos matemáticos, considerando o espaço vivo de uma sala de aula. Quais as competências necessárias para o exercicio docente? Brousseu (1996) nos dá um dos possíveis caminhos: o estudo das situações didáticas. Obstáculos didáticos, ou seja, noção motivada pela comparação entre a evolução dos conceitos, no plano histórico dos saberes científi cos, e o fenômeno cognitivo, no plano subjetivo da elaboração do conhecimento. É fundamental que as aulas de matemática lancem um novo olhar para a construção de conceitos ou signifi cados matemáticos. 24 Didática da Matemática Guy Brousseau nasceu em 4 de fevereiro de 1933, em Taza, no Marrocos. Passou a lecionar na Universidade de Bordeaux, no fi m dos anos de 1960, sendo mais tarde diretor do Laboratório de Didática das Ciências e das Tecnologias e professor emérito. Em 1991, tornou-se docente do Instituto Normal Superior local. Brousseau investiu em uma teoria que compreendia as interações sociais entre os alunos, os professores e o conhecimento. SituaÇões Didáticas A teoria de Brousseau (1996) sobre as situações didáticas busca estudar as relações epistemológicas, cognitivas e sociais do ensino da matemática, ou seja, Brousseau (1996) se preocupa além da relação professor-aluno, em entender também o contexto em que essa relação ocorre. A Teoria das Situações Didáticas desenvolvida por ele se baseia no princípio de que "cada conhecimento ou saber pode ser determinado por uma situação", entendida como uma ação entre duas ou mais pessoas. Na Teoria das Situações Didáticas, o professor propõe problemas para que os alunos possam interagir, discutir e construir os conceitos matemáticos de forma ativa e participativa. Sendo assim, o aluno participa do processo e tem condições de usar o conhecimento construído no âmbito escolar, fora deste, de forma natural e espontânea. Para representar a teoria das Situações Didáticas, Brousseau (1996) propõe o triângulo didático (fi gura 1) que relaciona o aluno, o professor e o saber, constituindo uma relação dinâmica e complexa. Situações Didáticas, o professor propõe problemas para que os alunos possam interagir, discutir e construir os conceitos matemáticos de forma ativa e participativa. 25 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 Figura 3 – Triângulo didático Fonte: Adaptado de Almouloud (2007, p. 32). As situações didáticas são ocorrências elaboradas intencionalmente pelo professor para defrontar os alunos com contextos que exijam dele a busca de conhecimentos para a análise e resolução das situações. Para Brousseau (1996) as situações didáticas são classifi cadas em etapas: ação, formulação, validação e institucionalização. a) Ação: Na fase da ação, o professor cede ao aluno a responsabilidade pela aprendizagem. No momento em que propõe ao aluno uma situação didática, o aluno realiza uma primeira análise e traz uma devolutiva ao professor que, contra-argumenta buscando possibilidades de ação por parte do aluno. O aluno refl ete sobre as possíveis soluções, elegendo um procedimento de resolução. b) Formulação: Já na fase da formulação ocorre a troca de informação, através de uma linguagem Matemática formal. Nesta fase os alunos procuram transcrever o compreendido, o coloquial, para o formal que devem comunicar. Isto é, tem que se transcrever a linguagem falada, onde é comum ser coloquial, para a linguagem escrita, a qual deve serformal. c) Validação: Junto à fase da validação, através de linguagem Matemática apropriada, buscam convencer os interlocutores da veracidade da informação. Importante observar que, durante todas essas fases, o professor encontra- se como mediador, levando os alunos a trilhar o caminho da construção do conhecimento matemático. Pois ser mediador é uma postura do professor 26 Didática da Matemática que pode e deve ocorrer durante toda a aula, durante todo o período letivo. Devemos estar atentos nesse aspecto e em nossas atitudes durante nossas aulas, pois muitos professores consideram que essa prática só é possível quando trabalhamos com projetos, mas não. Ela é possível também em aulas tradicionais, pois o que torna um professor mediador, é ele não dar as respostas prontas, mas sim, proporcionar ao aluno situações que lhe permitam construir conceitos. Figura 4 –Cuidado com a postura no processo ensino-aprendizagem Fonte: Quino (2003, p.16). Por fi m, temos a fase da institucionalização, onde a intenção do professor é socializada e onde retoma sua responsabilidade (cedida até então aos alunos), formalizando os objetos e objetivos de estudo. Com a Teoria das Situações Didáticas, o erro deixa de ser um desvio imprevisível para se tornar um obstáculo valioso e parte da aquisição de saber. Há uma teoria específi ca que estuda a função do erro na aprendizagem. É visto como o efeito de um conhecimento anterior, que já teve sua utilidade, mas agora se revela inadequado ou falso. 27 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 Um educador, sob a ótica de Piaget (1982), que considera o erro parte do processo construtivo da aprendizagem, deve ser paciente e competente para avaliar, segundo a teoria de ensino-aprendizagem que utiliza. Isto, pois o processo de construção do conhecimento do seu estudante, a reformulação dos procedimentos de ensino, de maneira que esse consiga chegar aos objetivos da escolarização são fundamentais, ou seja: que sejam alunos formados numa perspectiva integral e com criticidade, que sejam bem informados, que raciocinem com independência e que sejam capazes de se posicionar. Isto só será possível sabendo aproveitar o papel do erro no meio escolar. Esse deve ser tomado como sinal de que o processo ensino- aprendizagem já iniciou e que nesse caminho ele não é considerado derrotado/fracassado, não há porque punir o aluno e ele não deve temer ou evitar cometê-lo. Ao contrário, deve ser utilizado como parte da construção do conhecimento, uma peça que vai em outro lugar e não onde está sendo colocado, se deve encorajar e parabenizar aquele estudante que mostrou o erro, porque isso ajuda a ele próprio e aos seus colegas avançar na construção dos novos conceitos. Cabe então, ao professor, ajudar seus alunos a analisarem a adequação do procedimento selecionado, encaminhando-os na busca de condutas mais ricas, complexas e diversifi cadas. No caso da fi gura 5 sobre ensino-aprendizagem aparecem os passos pelos quais o aluno passa para atingir a aprendizagem, no caso do exemplo é sobre sistema de escrita, esse seria o assunto, que no nosso caso é a Matemática. Qualquer conceito matemático também passará pelos passos indicados na fi gura. E o erro que o estudante cometer durante esse processo nos mostra seu raciocínio e, com isso, o professor pode auxiliá-lo a elaborar melhor o conhecimento até chegar na aprendizagem. Aproveitar o papel do erro no meio escolar. Esse deve ser tomado como sinal de que o processo ensino- aprendizagem já iniciou e que nesse caminho ele não é considerado derrotado/ fracassado, não há porque punir o aluno e ele não deve temer ou evitar cometê-lo. 28 Didática da Matemática Figura 5 –Ensino-aprendizagem Fonte: Disponível em: <http://pt.slideshare.net/brunarbraga9/ psicognese-da-lngua-escrita>. Acesso em: 15 maio 2016. Para saber mais sobre o erro na construção do conhecimento, acesse o artigo Aprendizagem infantil: o erro na visão construtivista, disponível no site: <http://www.webartigos.com/artigos/ aprendizagem-infantil-o-erro-na-visao-construtivista/93152/#ixzz49V QqVqlL>. O trabalho, nessa concepção, leva os alunos a buscar por si mesmos as soluções, chegando aos conhecimentos necessários para isso. No desenvolver do processo ensino-aprendizagem, uma parte é a cargo do professor e outra parte, a cargo do aluno. Essas responsabilidades de ambos os envolvidos, tanto professor quanto aluno, devem fi car claras, ou seja, qual parte corresponde a cada um. E isso, geralmente, o faz o professor através do contrato didático que apresentamos a seguir. 29 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Explique num pequeno texto dissertativo qual é a atitude mais adequada do professor frente ao erro cognitivo do aluno quando ele o comete na sala de aula, em concordância com o tratado nesse capítulo? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Contrato Didático Proposta por Guy Brousseau (2006), no início da década de 1980, a ideia de contrato didático pretende estabelecer um conjunto de fatores referentes à relação didática entre professor e aluno, que procura defi nir as responsabilidades e os comportamentos que cada sujeito deve ter perante o outro nas práticas que possibilitam a construção do saber. Estas responsabilidades/comportamentos, por sua vez, são legitimadas por meio de regras implícitas, que estão envolvidas, mas não de modo claro e, sim, subentendido e regras explícitas, aquelas expressas formalmente e de maneira clara, desenvolvida e bem explicadas. O contrato didático pretende descrever comportamentos determinados referentes ao professor e que os alunos esperam desse, assim como um conjunto de comportamentos por parte dos alunos que o professor deseja desses em vista do seu melhor aproveitamento nas atividades que acontecem durante as salas de aula. Assim, a função do contrato didático é equilibrar questões implícitas e explícitas, buscando criar um espaço de diálogo e troca entre professor e alunos, tendo em vista que a comunicação tem sentido diferente para ambos os atores. Deve haver um espaço de signifi cações em relação ao saber, onde nada é comum ou preestabelecido. Na escola, o contrato didático é fundamental, pois dá responsabilidade ao aluno também do sucesso das aulas e do melhor 30 Didática da Matemática aproveitamento da matéria estudada. Esse contrato chama o aluno para ser protagonista junto com o professor. No contrato didático, o aluno também assume tarefas que deve desempenhar para que a aprendizagem ocorra. Assim, como o compromisso do professor de levar aulas bem preparadas e desenvolvidas e possibilitar atividades que motivem a aprendizagem. Segundo Régine Douady (apud PAIS, 2002b, p. 10-11): A Didática da Matemática estuda os processos de transmissão e de aquisição dos diferentes conteúdos desta ciência, particularmente numa situação escolar ou universitária. Ela se propõe a descrever e explicar os fenômenos relativos às relações entre seu ensino e sua aprendizagem. Ela não se reduz a pesquisar uma boa maneira de ensinar uma determinada noção particular. Deste conceito podemos apreender que a Didática da Matemática “não visa simplesmente recomendar modelos ou receitas de solução a determinados problemas de aprendizagem” (PAIS, 2002b, p. 11). Em Pais (2002a, p. 11), obtemos uma defi nição da Didática da Matemática relativa ao contexto brasileiro, ou seja, uma tendência da grande área da Educação Matemática, que tem por objeto de estudo, [...] a elaboração de conceitos eteorias que sejam compatíveis com a especifi cidade educacional do saber escolar matemático, procurando manter fortes vínculos com a formação de conceitos matemáticos, tanto em nível experimental da prática pedagógica, como no território teórico da pesquisa acadêmica. Assim, essa é uma ferramenta valiosa utilizada em vários momentos do período letivo e para diferentes tipos de atividades que se realizam no percorrer das aulas e do processo ensino-aprendizagem, a qual sempre tem que estar presente nas palavras do professor para ter o tempo todo seus alunos vinculados e comprometidos com o conhecimento. Atividades de Estudos: 1) Enquanto sua atuação como professor, você traz conceitos através de situações didáticas objetivando com que seus alunos precisem raciocinar na resolução de situações que podem acontecer na sua realidade, aproximando assim, o conceito à vida do estudante. De que maneira acontece esse processo no seu caso? A função do contrato didático é equilibrar questões implícitas e explícitas, buscando criar um espaço de diálogo e troca entre professor e alunos, tendo em vista que a comunicação tem sentido diferente para ambos os atores. 31 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Qual é o objetivo de fazer uso de um contrato didático entre professor e alunos? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Enquanto profi ssional atuante no âmbito escolar, como você se percebe utilizando a transposição didática? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas ConsideraÇões A Didática da Matemática, é uma das tendências teóricas da Educação Matemática. No Brasil, esta tendência teve forte infl uência dos autores franceses, alguns dos quais, apresentamos e apresentaremos nos próximos capítulos as teorias que têm sido utilizadas como suporte em diversos trabalhos de pesquisadores matemáticos brasileiros. A partir da década de 1960, foram implementadas algumas mudanças no ensino da Matemática, com proposição de novos programas, metodologias de ensino, conteúdos e currículos para a formação de professores. Estas mudanças 32 Didática da Matemática coincidem com o impulso que teve a Educação Matemática no Brasil e que se identifi cou com a grande diversidade de tendências teóricas que surgiram. Foram concebidas lógicas de organização no ensino da Matemática, operações realizadas no referente a conjuntos numéricos atrelados a teoremas, fórmulas, axiomas e demonstrações que são característicos do conhecimento matemático e as mudanças abarcaram a didática utilizada para essa nova maneira de ensinar Matemática, Matemática moderna. A existência deste considerável movimento educacional, que trabalha na estruturação de um saber pedagógico voltado ao ensino da Matemática, teve justifi cativa, em nível social, na necessidade de responder a uma crise generalizada que atinge toda a educação escolar. Essas novas tendências revelam variadas concepções da própria educação, desde as mais tradicionais às mais libertadoras sobre a prática escolar. Neste contexto, surge a Didática da Matemática como uma forma particular de descrever e compreender os fenômenos da prática educativa. Todos os conceitos didáticos visam favorecer a compreensão das múltiplas conexões entre a teoria e a prática, propiciando compreender as condições de produção, registro e comunicação do conteúdo escolar da Matemática e suas consequências didáticas. Deste modo, entende-se a dimensão teórica como o ideário resultante da pesquisa e a prática como a condução do fazer pedagógico. Referências BACHELARD, G. (1928). Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto, 2004, 316p. ______. (1938). A formação do espírito científi co. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto, 2003, 316p. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: matemática.Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/ SEF, 1997. 142p. BROUSSEAU, G. A Teoria das Situações Didáticas e a Formação do Professor. Palestra. São Paulo: PUC, 2006. 33 CONCEITOS DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 1 ______. Fundamentos e Métodos da Didáctica da Matemática. In: BRUN, J. Didática das Matemáticas. Tradução de: Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996a. Cap. 1. p. 35-113. ______. Os diferentes papéis doprofessor. In: PARRA, C.; SAIZ, I. (org). Didática da Matemática: Refl exões Psicológicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996b. Cap. 4. p. 48-72. CHEVALLARD, Y., BOSCH, M. e GASCÓN, J. Estudar Matemáticas: o elo perdido entre o ensino e a aprendizagem. Tradução: Daisy Vaz de Moraes. Porto Alegre: Artmed, 2001. ______. Educação como prática da liberdade. 29. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. D’AMBRÓSIO, U. Etnomatemática - elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. GODINO, J. Perspectiva de la Didática de lãs Matemática como disciplina científi ca. Un. Granada: Programa de doctorado “Teoria de la educación Matemática”, 2003. PAIS, L. C. Didática da matemática: uma análise da infl uência francesa. 2. ed. 2. Reimp. -Belo Horizonte: Autêntica, 2008. 128p. (Coleção Tendências em Educação Matemática, 3). ______. Transposição Didática. In: ALCÂNTARA, S. D. (Org). Educação Matemática: uma introdução. p. 13-42. São Paulo: EDUC, 1999. ______. Introdução. In: MACHADO, Silvia Dias A. Educação Matemática: uma introdução. 2. ed. São Paulo: EDUC, 2002a, 9-12. ______. Transposição Didática. In: MACHADO, Silvia Dias A. Educação Matemática: uma introdução. 2. ed. São Paulo: EDUC, 2002b, 13-42. PERRELLI, M. A. S. Uma epistemologia dos conteúdos das disciplinas científi cas: as contribuições da transposição didática. In: Série-Estudos. Periódico do Mestrado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco. n.7, p. 76-113, abr. Campo Grande, MS: 1999. 34 Didática da Matemática CAPÍTULO 2 Referências da Didática da Matemática A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Apresentar o saber matemático e suas particularidades. Discutir o trabalho do professor de matemática. Conhecer obstáculos epistemológicos e didáticos no ensino da matemática. Articular o trabalho do professor de matemática com os obstáculos epistemológicos e didáticos. Analisar a formação de conceitos e os campos conceituais. 36 Didática da Matemática 37 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2 ConteXtualiZaÇÃo Quando falamos em referências, poderíamos pensar em autores ou diretrizes sobre o estudo da Didática da Matemática, no entanto, o que desejamos fazer é tornar claras as referências fundamentais que servem para compor uma didática mais relevante no âmbito educacional e científi co. Nesse sentido,abordamos as questões das escolhas que realizam os professores no seu trabalho, cuja abrangência é a partir de seus conhecimentos e propostas de ensino, os conteúdos que terão que trabalhar vinculados ao saber, aos tipos de obstáculos que podem enfrentar no processo ensino-aprendizagem envolvendo tanto o próprio professor quanto o aluno com sua intelectualidade e com a valorização do seu contexto. Além disso, o professor não só trabalha os signifi cados do próprio conceito, mas leva essas variáveis mencionadas conjugadas no fazer do professor na realidade escolar. Nesse capítulo, abordamos as referências da Didática da Matemática, dialogamos com Brousseau (1986a) e realizamos uma análise do saber matemático levado à esfera escolar. O SaBer Matemático Ao pensar em saber matemático, as primeiras ideias que ocorrem são abstratas, características próprias da matemática. Consideramos, aqui, que a natureza do saber matemático procedente de um lugar acadêmico irá afetar a prática na escola desse professor, levando sua concepção das ideias matemáticas à sala de aula. Cada professor terá sua própria concepção de acordo com a formação que teve e da sua história pessoal e acadêmica. Lembramos que existe diversidade de concepções fi losófi cas e isso traz diferentes práticas educativas. A criação de conceitos, descobertas de teoremas e demonstrações são traços característicos do trabalho do matemático, que são básicos no ensino da matemática, e que posto em prática vem atrelado à aprendizagem dessa disciplina. Nessa atrelagem se faz necessária tanto à atuação pedagógica quanto às tarefas realizadas pelos alunos para obter, de fato, o sucesso na aprendizagem da disciplina e, para isso, se deve considerar o conteúdo estudado relacionado ao contexto em que o aluno se encontra inserido. Nesse contexto, a Etnomatemática é uma tendência dentro da educação matemática que, conforme Ubiratan D’Ambrosio (1990, p.5- 6), é: [...] a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender- nos diversos contextos culturais. [...] é um programa que visa Etnomatemática é uma tendência dentro da educação matemática. 38 Didática da Matemática explicar os processos de geração, organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem nos e entre os três processos [...]. A Etnomatemática pode ser empregada no processo ensino-aprendizagem da Matemática com o intuito de compreender as diferentes sociedades culturais, tais como grupos urbanos, grupos rurais, trabalhadores, classes profi ssionais, grupos indígenas, entre outros. Não é aprendida dentro de uma escola, e sim, através do convívio entre colegas de profi ssão, amigos, familiares e, em geral, através da vida cotidiana. Para Ubiratan D’Ambrosio (1990, p.5): [...] etno é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e portanto inclui considerações como linguagem, jargão, códigos de comportamento, mitos e símbolos; matema é uma raiz difícil, que vai na direção de explicar, de conhecer, de entender; e tica vem sem dúvida de techne, que é a mesma raiz de arte e de técnica. A Etnomatemática é um dos caminhos para o resgate da função social da escola, no intuito dessa se constituir em mais um elemento preocupado em promover aos alunos o questionamento das razões da vida em sociedade. A escola deve ser tomada como o lugar onde o aluno entra em contato com uma série de conhecimentos, que ele pode não vivenciar diretamente, mas que lhe possibilitem uma compreensão mais ampla do mundo que o rodeia. E, nesse sentido, o saber matemático pode ser socializado e contribuir para elevar o nível cultural da população, que hoje se encontra alienada dos processos decisórios, em nome da ignorância. Nesse contexto, a prática pedagógica da Matemática, pode se tornar um meio para a construção/reconstrução social. Faz-se necessário buscar como fonte para a construção do conhecimento matemático, as questões que emergem da realidade social do aluno, ou seja, transformar o ensino em atividade signifi cativa, o que certamente trará mais motivação e, frequentemente, um aprofundamento do signifi cado dessas questões. Faz-se necessário buscar como fonte para a construção do conhecimento matemático, as questões que emergem da realidade social do aluno, ou seja, transformar o ensino em atividade signifi cativa, o que certamente trará mais motivação e, frequentemente, um aprofundamento do signifi cado dessas questões. 39 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2 Conheça um produto educacional envolvendo a Etnomatemática em um dos trabalhos de Mestrado em Ensino de Ciências Naturais e Matemática. TIRONI, Cristiano Rodolfo. As contribuições do Laboratório de educação matemática Isaac Newton para o ensino de matemática na educação básica na perspectiva da etnomatemática. 2015. 86 + 61 f., il. Dissertação (Mestrado em Matemática) - Universidade Regional de Blumenau, Centro de Ciências Exatas e Naturais, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, Blumenau, 2015. Disponível em: <http://www.bc.furb.br/ docs/DS/2015/360424_1_1.pdf>. Acesso em: 23 mai. 2016. Para compreendermos melhor a matemática, no quesito sobre a sua natureza fi losófi ca Davis e Hersh (1985) assinalam que há historicamente três tendências, o platonismo, o formalismo e o construtivismo. A explicitação dos fundamentos dessas tendências, permite a discussão dos objetos de estudo da Matemática a partir de concepções que se fazem presentes nas práticas pedagógicas com a disciplina. a) Platonismo A tendência mais antiga ,considera que existe um mundo que não é matéria e, portanto, os objetos são ideias acabadas, assim como os conceitos também são acabados, já existem previamente aos esforços intelectuais de cientistas,o que nos leva a pensar que eles não são inventados, mas descobertos. Nesta concepção, a Matemática existe independente dos homens, pois está em alguma parte, no mundo das ideias platônicas. Essa concepção é “O Platonismo”. Davis e Hersh, (1985, p. 359) afi rmam que, [...] os objetos matemáticos são reais. Sua existência é um fato objetivo, totalmente independente de nosso conhecimento sobre eles. Conjuntos fi nitos, conjuntos infi nitos não numeráveis, variedade de dimensão infi nita, curvas que enchem o espaço – todos os membros do zoológico matemático são objetos defi nidos, com propriedades defi nidas, algumas conhecidas, muitas desconhecidas. Nesta perspectiva, os objetos são entes ideais, não são físicos ou materiais, Para compreendermos melhor a matemática, no quesito sobre a sua natureza fi losófi ca Davis e Hersh (1985) assinalam que há historicamente três tendências, o platonismo, o formalismo e o construtivismo. 40 Didática da Matemática existem desligados de um espaço e tempo, portanto são imutáveis e, o papel do matemático é o de descobrir o que já existe, está pré-determinado no mundo. b) Formalismo Já na segunda tendência, entram em jogo elementos conhecidos como axiomas, defi nições e teoremas que dialogam entre eles através de regras que, por sua vez, conduzem a deduções e sequências lógicas traduzindo isso em atividade matemática. Colocando em prática os conceitos daí derivados, podem se inventar fórmulas que sejam aplicadas na resolução de problemas numa realidade específi ca. Esta tendência tem suas raízes em Kant, que considera que a lógica desempenha na Matemática o mesmo papel do que em qualquer outra ciência e, conforme Machado (1994, p. 29): “Considera que, sem dúvida, em Matemática os teoremas decorrem dos axiomas de acordo com as leis da Lógica. “Nega, no entanto, que os axiomas sejam eles mesmos, princípios lógicos ou consequências de tais princípios.””. Nessa concepção, denominada “Formalismo” não existem objetos matemáticos, “a matemática consiste em axiomas, defi nições e teoremas – em outraspalavras fórmulas.” (DAVIS; HERSH, 1985, p. 360). O formalismo, criado em 1910 por Hilbert (1861-1943), defende a linguagem formal em detrimento da linguagem cotidiana, natural, pois acredita que a linguagem formal utiliza raciocínios absolutamente seguros, acima de qualquer suspeita ou contradição. Para a formação de professores de matemática é fundamental contar com a amplitude de conhecimentos e opções na sua prática pedagógica, ter acesso ao objeto didático, o trabalho do matemático e suas concepções. As duas tendências explicadas são válidas e mesmo parecendo dicotômicas é conveniente considerá- las para o entendimento de uma noção científi ca. c) Construtivismo Por volta de 1908, surge a corrente construtivista, que admite a existência de entidades abstratas, mas somente na medida em que são construídas pela mente do sujeito. O idealizador desta escola foi Brower, que admite um modelo kantiano de conhecimento a priori, que o homem tem uma intuição particular que lhe permite construções mentais a partir de uma percepção imediata. A Matemática é entendida como construção mental e não como um conjunto de teoremas. Nesta corrente, considera-se que “os objetos matemáticos não podem ser considerados existentes, se não forem dados por uma construção, em número fi nito de procedimentos, partindo dos números naturais. Não é sufi ciente mostrar 41 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2 que a hipótese de não-existência conduziria a uma contradição.” (DAVIS; HERSH, 1985, p. 375). Quanto a esta tendência, existem algumas limitantes ligadas à amplitude das concepções matemáticas que essa tendência aceita. O autor Davis (1985) se refere às concepções matemáticas com base no “Construtivismo” como concepções limitadas que só expressam o que pode ser obtido como uma construção fi nita, deixando de lado teorias que trabalham com números reais. Essa natureza fi losófi ca do construtivismo, na área da matemática fi ca pouco expressiva quando comparada com as de maior preponderância como são o Platonismo e o Formalismo. Assim, essas duas últimas tendências são as que sobressaem na atuação científi ca. Aprofunde seus conhecimentos sobre concepções fi losófi cas, realizando a leitura do artigo: MENEGHETTI, R. C. G.; TREVISANI, F. de M. Futuros matemáticos e suas concepções sobre o conhecimento matemático e seu ensino e aprendizagem. In: EMP. Educação Matemática Pesquisa. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática. São Paulo, v.15, n.1, pp.147-178, 2013. A tendência platônica está baseada nas ideias de Platão, que valorizava o trabalho intelectual em detrimento do trabalho manual. A Matemática se encontrava em um mundo ideal, tendo supremacia em relação às outras ciências. Baraldi (1999, p. 85) considera que esta concepção está presente quando consideramos a Matemática “contextualizada nela mesma, abstrata, pronta e acabada, que somente pode ser aprendida intelectualmente.”. A tendência formalista considera o conhecimento matemático como detentor de verdades absolutas, que podem ser provadas pelo método dedutivo e que não podem ser validadas por métodos experimentais. Conforme Baraldi (1999, p. 86): “Os absolutistas aceitam, sem demonstrações, um conjunto de afi rmações básicas, a partir da qual deduzem logicamente outros resultados.”. E, fi nalizando, na tendência construtivista, os conhecimentos matemáticos são construídos e reconstruídos, não sendo separados, conforme Baraldi (1999, p. 90), “do conhecimento empírico, da física e de outras crenças”. A Matemática 42 Didática da Matemática é considerada uma construção humana e social. Nesta tendência, privilegia-se o debate em sala de aula na atuação de professor e alunos, que elaboram uma Matemática também viva, rejeitando o formalismo, com o seu modelo dedutivo. Finalmente, percebemos que o saber matemático se constitui de concepções de conhecimento objetivos, mas sendo feito pelas ideias do homem em que estão implícitas a intermediação da subjetividade e historicidade na produção desse saber. Assim, a subjetividade serve de suporte à objetividade que a sua vez concretiza a descoberta de novas ideias através de demonstração, ou seja, conhecemos uma coisa de maneira absoluta, quando sabemos qual é a causa que a produz e o motivo porque não pode ser de outro modo, caracterizando o saber por demonstração. Os trabalhos na linha da Etnomatemática, destacada acima, apresentam múltiplas possibilidades, ou seja, podem ser desenvolvidos junto à matemática escolar e não escolar, a matemática de grupos profi ssionais, a matemática praticada em comunidades das mais diversas. Esses trabalhos envolvem diferentes abordagens e, o caminho escolhido pelo professor e ou pesquisador, depende, por exemplo, da percepção e compreensão que tem da matemática e do conhecimento em geral. A mais conhecida caracterização da Etnomatemática foi feita por D’Ambrosio (2011). Seu entendimento se apresenta a partir de uma análise estrutural do termo “Etno + Matema + Tica” como sendo os diferentes modos, estilos e técnicas de explicar, aprender, conhecer de cada grupo culturalmente determinado. Assim, podemos observar que o discurso etnomatemático busca adotar uma postura crítica diante dos discursos de neutralidade e universalidade da produção do conhecimento matemático. Podemos, então entender, que a partir do olhar fi losófi co sobre a natureza do conhecimento matemático, acreditamos que os professores podem rever as suas concepções e optar por posturas com perspectiva crítica de abordagem do conhecimento, do ensinar e aprender, da relação entre professor e aluno. Faz-se necessário refl etir sobre os currículos de Matemática dentro das escolas, considerando o lugar de atuação dos professores, o objeto ou objetos de estudo da Matemática, os aspectos internos a esta ciência e os aspectos externos à Matemática, que são os possibilitadores para pensarmos em Educação Matemática. Conforme Davis e Hersh (1985, p. 49): Podemos, então entender, que a partir do olhar fi losófi co sobre a natureza do conhecimento matemático, acreditamos que os professores podem rever as suas concepções e optar por posturas com perspectiva crítica de abordagem do conhecimento, do ensinar e aprender, da relação entre professor e aluno. 43 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2 O que é conhecer algo em matemática? Que tipo de sentido é transmitido por afi rmativas matemáticas? Assim, problemas inadiáveis da prática diária da matemática conduzem a problemas fundamentais de epistemologia e ontologia, mas quase todos os profi ssionais aprenderam a evitar estes problemas, julgando-os irrelevantes. Assim, entendemos que o professor de Matemática deva conhecer sobre a natureza do conhecimento matemático, para que possa rever as suas concepções e optar por posturas condizentes com uma perspectiva crítica de abordagem do conhecimento. Apesar do grande movimento em prol da utilização das novas propostas de ensino em sala de aula, ainda muitos professores, até por desconhecimento, se baseiam em tendências do platonismo e do formalismo. A exemplo da tendência formalista, podemos citar o ensino da tabuada. Vemos que muitos professores não se preocupam em trabalhar com os alunos o signifi cado da mesma, apenas querem que os mesmos a “decorem”. Também podemos citar como exemplo, o que acontece em muitas salas de aula de matemática, onde o algoritmo é muito mais importante do que o entendimento do processo envolvido. Você conhece algum exemplo de professor que trabalha desta forma? Como é a sua atuação como professor (a)? Atividades de Estudos: 1) O que diferencia as três tendências fi losófi cas na matemática? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 44 Didática da Matemática 2) Qual sua experiência com a Etnomatemática? Descreva uma atividade já vivenciada (ou somente conhecida) e identifi que qual a contribuição desta área de pesquisa para a construção de conceitos matemáticos. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ O TraBalho do Professor de Matemática Iniciamos diferenciando o papel do matemático em relação ao papel do professor de matemática. O matemático tem como objeto de estudo o próprio saber matemático, mas para o professor de matemática, o aluno é prioridade no que diz respeito à matemática quanto saber escolar que serve para a educação do mesmo. O primeiro, o pesquisador, precisa eliminar as variáveis relacionadas ao contexto do objeto de pesquisa, enquanto o professor deve considerar todo o contexto em que o aluno se encontra inserido para precisamente viabilizar o melhor entendimento dos conceitos matemáticos em estudo e manter contextualizando os conteúdos associados ao ensino-aprendizagem. Para melhor compreendermos o trabalho do professor de matemática se faz necessário conhecer sobre a epistemologia do docente. Falar de epistemologia é falar de alguma maneira em teoria do conhecimento, ela aborda o saber no estudo da evolução das ideias que a formam e a correspondente metodologia aplicada para a ciência em estudo com seus valores e objetos que a formam. A noção de epistemologia se remete, segundo Émile Meyerson (1859-1933), a ressaltar a compreensão sobre a evolução da ideia científi ca enquanto estudo da ideia central da fi losofi a das ciências dedicado à formação de conceitos. Assim, a epistemologia da matemática trata do estudo do progresso de seus conceitos da disciplina científi ca matemática. O matemático tem como objeto de estudo o próprio saber matemático, mas para o professor de matemática, o aluno é prioridade no que diz respeito à matemática quanto saber escolar que serve para a educação do mesmo. Epistemologia da matemática trata do estudo do progresso de seus conceitos da disciplina científi ca matemática. 45 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2 Com a compreensão do que trata a epistemologia da matemática e, vinculando-a ao docente chegamos à epistemologia do professor sendo esta, as concepções que ele tem, referentes à disciplina, originárias do plano estrito da compreensão do professor e que são aplicadas no contexto educacional. Neste caso, a epistemologia está relacionada à matemática, mas em geral a epistemologia se vincula a cada ciência e se pode considerar que representa a evolução das ideias fundamentais de uma disciplina científi ca. O que é diferente às concepções relativas a métodos, valores e objeto da ciência em questão, assim como sua subjetividade ao aplicar a objetividade do ensino-aprendizagem no âmbito educacional. Em se tratando da didática das ciências, existe um esclarecimento oportuno, ou seja, a epistemologia do professor com certeza está atrelada à epistemologia da ciência com a que ele trabalha, mas nunca essas duas epistemologias serão a mesma. Isso, podemos, confi rmar em Astofoli e Develey (1990) que ainda completam que mesmo com a existência de um esforço para que a compreensão do professor esteja imbuída da essência objetiva do conceito, mesmo assim, pode até acontecer divergências. Essas divergências e o distanciamento que naturalmente acontece entre o cientista e o professor, levam a perceber, pela experiência, que há um “espaço” entre o saber científi co e o saber escolar evidenciado nas próprias práticas pedagógicas dos professores. Havendo diferenciado a epistemologia do professor e a epistemologia da ciência (matemática), a matemática que está em mãos do professor continua ligada à matemática do saber científi co e de alguma maneira através da atuação pedagógica o professor orienta e medeia o processo ensino-aprendizagem da matemática e enfrenta junto ao aluno os obstáculos que podem ocorrer tanto de um lado do processo como do outro. O papel do professor de Matemática deve motivar os alunos para aprender, promover o enriquecimento técnico-científi co-social com vistas à formação da sua personalidade com a fi nalidade de exercer a sua cidadania e preparação para o mercado formal de trabalho e para a vida. Nesse contexto, o professor deve procurar atuar como um mediador entre a disciplina e as nuances do processo de ensino- aprendizagem, buscando formas de trabalho mais amplas, mais motivadoras e mais efi cientes quanto ao desenvolvimento epistêmico dos alunos e da efi cácia do trabalho do docente. Assim, o papel do professor que atua como docente da disciplina de matemática deixa de ser o de um mero repetidor de fórmulas sem sentido algum para o aluno e sem a menor função social para ser alguém que ajuda a construir fórmulas a partir do cotidiano dos mesmos. O professor deve procurar atuar como um mediador entre a disciplina e as nuances do processo de ensino- aprendizagem, buscando formas de trabalho mais amplas, mais motivadoras e mais efi cientes quanto ao desenvolvimento epistêmico dos alunos e da efi cácia do trabalho do docente. 46 Didática da Matemática Para buscar mais informações sobre o Papel do Professor de Matemática acesse o artigo intitulado Guy Brousseau: referência na didática da Matemática. Disponível em: <http://revistaescola.abril. com.br/matematica/fundamentos/pai-didatica-matematica-427127. shtml>. Temos, então, o saber matemático e o trabalho do professor de matemática. Nesse contexto, podemos ter obstáculos. Mas então? O que são obstáculos? Do que tratam? Vamos descobrir adiante! Os OBstáculos e a Matemática No Capítulo 1 deste caderno, já falamos genericamente dos obstáculos didáticos e, neste momento, retomaremos a temática de forma mais aprofundada bem como, buscaremos interligar esta ao processo ensino-aprendizagem da matemática. A matemática apresenta uma evolução histórica regular no seu desenvolvimento, mesmo que com algumas pausas no tempo, mas sem rompimento da sua linha histórica contínua, e que em ciências experimentais podem e têm acontecido rupturas no processo de evolução das mesmas. Na matemática, entre a descoberta do conhecimento e sua sistematização, por meio de uma demonstração, ocorre a regularidade do saber quando acontece à formulação fi nal do conceito matemático, por isso, não fi cam registradas as não linearidades e os confl itos que acontecem na formulação de ideias e construção de conceitos, na história da evolução dessa ciência. A formulação das ideias em qualquer ciência inicia com um movimento prévio de fl uxo de ideias que passam por um processo de maturação para serem conectadas e, uma vez superados os confl itos que causam o fato de romper pré noções, as novas ideias devem ser colocadas num texto para serem compreendidas. No caso específi co da matemática, justamente pela sua natureza, os obstáculos surgem quando acontece a criação dos conceitos, nessa trilha que perpassa pelos conceitos adjacentes e intrínsecos No caso específi co da matemática, justamente pela sua natureza, os obstáculos surgem quando acontece a criação dos conceitos, nessa trilha que perpassa pelos conceitos adjacentes e intrínsecos da matemática para criar os novos conceitos emergidos das novas ideias e que harmonizam com os paradigmas dessa área científi ca. 47 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2da matemática para criar os novos conceitos emergidos das novas ideias e que harmonizam com os paradigmas dessa área científi ca. Pais (2008) observa que os obstáculos são mais evidenciados na fase de aprendizagem e síntese do conhecimento. Isso nos permite perceber que no processo de ensino- aprendizagem levamos a vantagem de que aqueles obstáculos que apareceram na formulação dos conceitos como erros, dúvidas, avanços e retrocesso, foram superados a partir do momento em que encontramos o texto pronto para ser estudado. Os obstáculos, pela própria semântica da palavra, podem ser considerados elementos ruins dentro da área do conhecimento. Contudo, no caso da matemática, em que conceitos, teoremas e demonstrações exigem se submeter a provas e refutações, esses obstáculos vêm a ser a alavanca da elaboração de argumentos para a validação da matemática e para a formação de novos conceitos e ao mesmo tempo, ajudam a forjar as bases para a continuidade na evolução desta ciência. Da mesma maneira, esse fenômeno cognitivo acontece na escola durante o processo ensino-aprendizagem da matemática. Os obstáculos servem para a construção do conhecimento e para constituir uma aproximação entre o professor e o aluno, porque com os obstáculos o professor serve de mediador, orientando para, a partir desse, fazer acontecer à evolução do conhecimento do aluno, aproveitando ainda esta oportunidade para contextualizar na realidade do aluno e fazer a ponte com suas próprias experiências. Ao encontro dessa realidade dos obstáculos e a matemática, percebemos que nessa última ciência os maiores obstáculos se apresentam antes sequer da elaboração do texto que a posteriori será estudado. Esses obstáculos (erros, dúvidas, avanços, retrocesso entre outros) anteriores à formulação do texto fi nal são os obstáculos epistemológicos. No entanto, existem também os referentes ao ensino da matemática, nesse sentido, é fundamental a atuação do professor conjugando conteúdo e didática. Saber envolver os alunos tanto no conteúdo teórico quanto no prático lembrando sempre de contextualizar, para o aluno ter uma ideia mais concreta dos assuntos estudados e sua relação e/ou aplicação no seu entorno, viabilizando a compreensão matemática de cada aluno levando em consideração sua bagagem de conhecimento. Dessa maneira, os obstáculos poderão ser minimizados, na aplicação da matemática em experiências práticas na vida do aluno. Nesse contexto, podemos então diferenciar os obstáculos? Quais seriam estes e como defi ni-los? Os obstáculos servem para a construção do conhecimento e para constituir uma aproximação entre o professor e o aluno, porque com os obstáculos o professor serve de mediador, orientando para, a partir desse, fazer acontecer à evolução do conhecimento do aluno, aproveitando ainda esta oportunidade para contextualizar na realidade do aluno e fazer a ponte com suas próprias experiências. 48 Didática da Matemática Os OBstáculos Epistemológicos e Didáticos Temos dialogado sobre obstáculos e acabamos de mencionar os obstáculos epistemológicos. Um dos primeiros estudiosos a trazer a noção de “obstáculo epistemológico” foi Bachelard na sua obra publicada em 1938. Ele explica que na evolução histórica dos conceitos, há toda uma área de estudos e de ideias que se manifestam para formar conceitos e que esse grupo de ideias passa pela fi na peneira do saber científi co antes mesmo de escrever a primeira palavra sobre um conceito, um teorema ou uma demonstração. Todo esse estudo, discussões, análises de ideias são os obstáculos epistemológicos que se opõem à desconstrução de conceitos de determinada ciência. Todo esse processo fi ca velado após os novos conceitos evolutivos a serem aceitos. Esse tipo de obstáculo, Lakatos (1978), aborda fazendo uma descrição de análise epistemológica relativa à evolução conceitual da matemática que se faz com provas e demonstrações. O desenvolvimento das provas, ele explica, é feito procurando manter um seguimento contínuo do problema, resolvendo uma sequência de rupturas parciais dos argumentos. Com isso, Lakatos manifesta que, de fato, os problemas de obstáculos epistemológicos, na matemática, acontecem no período da demonstração em si, mais do que a posteriori que o texto de uma demonstração esteja pronto. Assim, todo o processo que antecede à elaboração de conceitos, teoremas e demonstrações, todas as refutações que sofrem e questionamentos fi cam ocultos nas experiências dos cientistas que não deixam registrados esses fatos nos textos formais, limpos e bem elaborados sobre conceitos, teoremas e demonstrações. Podemos encontrar mais detalhes em Balacheff (1988). Os alunos recebem o texto formal trabalhado pelo professor de matemática e, é a partir desse contato com os saberes matemáticos, que o professor necessita atentar à questão pedagógica que permita explorar meios para que o aluno tenha acesso à compreensão dos conceitos que perpassam o material. Vamos exemplifi car obstáculos epistemológicos: 49 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2 EXEMPLO 1. OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS A compreensão dos números naturais exige, por exemplo, certa maneira de conceber esses números e suas operações: um número natural como 4 tem um sucessivo e, seu produto por outro número natural (N) será maior que esse número. Algumas dessas propriedades falham quando 4 é entendido como um número racional (Q), ou seja, não tem mais sucessivo. O aluno não se dá conta dessa passagem e continua aplicando as propriedades de N também em Q. Assim, encontram-se estudantes que afi rmam, em Q, que 2,33 é o sucessivo de 2,32, ajudados nisso até por alguns livros textos. Além disso, por exemplo, 0,7 × 0,8 = 0,56 é menor do que cada um dos fatores. O professor chama de “multiplicação” ou “divisão” novas operações e gostaria que os estudantes as “reconhecessem” e assimilassem às anteriores. O conhecimento dos números naturais é indispensável para adquirir o conhecimento dos racionais, mas ao mesmo tempo, é um obstáculo para essa aquisição. Esse fenômeno gera equívocos e difi culdades importantes e invisíveis, porque o obstáculo se esconde no interior de um saber que funciona, mas que é “local” e que não pode ser generalizado para o objeto matemático que deveria ser aprendido. Este é o sentido da ideia de obstáculo epistemológico. Esse fenômeno gera equívocos e difi culdades importantes e invisíveis, porque o obstáculo se esconde no interior de um saber que funciona, mas que é “local” e que não pode ser generalizado para o objeto matemático que deveria ser aprendido. Este é o sentido da ideia de obstáculo epistemológico. 50 Didática da Matemática EXEMPLO 2. OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS Alunos que concluíram o Ensino Fundamental, muitas vezes se atrapalham com divisão entre números naturais, apesar de saberem questões de geometria e trabalhar com álgebra, conteúdos mais complexos. Em divisões como 1236 / 12, que resulta em 103, frequentemente aparece o número 13, pois os alunos se atrapalham com o algoritmo e não se preocupam com o valor posicional dos números, bem como não tem noção da ordem de grandeza dos números envolvidos. Figura 6 - Divisão de Números Naturais Fonte: A autora. O signifi cado de cada passo do algoritmo quase nunca é justifi cado, levando ao problema acima constatado. Em sala de aula, os professores utilizam conhecimentos, métodos, convicções sobre a maneira de encontrar, aprender ou organizar um saber. Essa bagagem de conhecimento é construída de forma empírica, buscando satisfazer as necessidades didáticas. O professor propõe aos seus alunos, por exemplo, um problema que considera análogo a um problema que havia proposto anteriormente, mas no qual muitos haviam fracassado. Com esse processo, espera que os alunos reconheçam 51 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2a semelhança e que utilizem a correção e as explicações que havia dado para reproduzir o mesmo método de resolução, a fi m de enfrentar com sucesso a nova situação. Indica, então, que os alunos procurem utilizar essa analogia. Esse procedimento leva ao sucesso segundo o professor. Mas, na realidade, o aluno produz uma resposta correta, mas não porque tenha entendido a sua necessidade matemática ou lógica a partir do enunciado, não porque tenha “compreendido e resolvido o problema”, não porque tenha aprendido um objeto matemático, mas simplesmente porque estabeleceu uma semelhança com outro exercício. O aluno apenas reproduziu uma solução já feita por outros para ele, e o professor, “acreditará” que o aluno compreendeu a questão matemática em jogo, enquanto na verdade só interpretou uma intenção didática. Atividade de Estudos: 1) De que forma os obstáculos no ensino da matemática interferem na construção de conceitos matemáticos? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ É em matemática que os alunos entram em contato com sistemas de conceitos que permitem resolver problemas e fazer novas deduções; em que a coerência e a precisão do raciocínio conferem legitimidade às ideias e às conclusões obtidas, segundo a necessidade lógica, de premissas defi nidas (por outros) (BICUDO, 1999, p.163). 52 Didática da Matemática Podemos nos perguntar, então, qual o signifi cado dos conceitos, esquemas e defi nições na matemática? Conceitos, esquemas e defi nições Até aqui temos discursado sobre a formação dos conceitos, a evolução histórica dos saberes da matemática em forma geral e dos obstáculos que precisa o aluno passar para formulação dos novos saberes, conceitos, teoremas e demonstrações. Mas agora queremos abordar o signifi cado dos conceitos, esquemas e defi nições, além do aspecto cognitivo, epistemológico, também escolar no que diz respeito ao processo ensino-aprendizagem proporcionando meios para facilitar o entendimento na aprendizagem conceitual por parte dos alunos. Uma das vias que estudamos para refl etir as condições de como acontece e como se facilita a aprendizagem conceitual por parte do aluno é a teoria dos Campos Conceituais, trazida e defi nida por Vergnaud (1994, p. 75), como: “um conjunto de situações cujo tratamento implica esquemas, conceitos e teoremas em estreita relação, assim como representações linguísticas e simbólicas que podem utilizar-se para simbolizá-los”. O autor delimita essa teoria indicando que ela respeita a estrutura progressiva da elaboração de conceitos e sua aplicação vai além da Educação Matemática. Uma das características da teoria dos Campos Conceituais é que dá um realce ao tratamento do saber escolar de uma maneira diferente àquela do saber científi co e, aqui, encontra lugar o saber escolar visualizando-o entre o saber cotidiano e o saber científi co. Nesse sentido, entra o importante papel da didática para proporcionar ao aluno a oportunidade de elaborar os conceitos, que geralmente não vêm sozinhos, mas atrelados a outras noções que, dada a situação problema, o aluno resolve o problema passando por uma sucessão de adaptações até a compreensão dos conceitos e vinculação com as experiências do seu contexto. Pais (2008, p.53) afi rma que, No caso ideal em que a aprendizagem acontece com sucesso, os conhecimentos anteriores são adicionados uns aos outros e incorporados à nova situação. Assim ocorre uma parte do processo cognitivo que consiste no conjunto de procedimentos de raciocínio desenvolvidos pelo sujeito para coordenar as adaptações necessárias para que informações precedentes sejam incorporadas em uma situação de aprendizagem, sintetizando o novo conhecimento. A Teoria dos Campos Conceituais nos ajuda a entender como os alunos constroem os conceitos. De acordo com Vergnaud (1996), o conhecimento emerge de resolução de problemas, a partir da ação do aluno sobre a situação. 53 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2 Essa ação necessita de uma refl exão para que se direcione para a formação e desenvolvimento. Para a formação de um conceito, faz-se necessário interagir com ele numa variedade de situações, entendendo que o conhecimento é fruto de uma maturação do indivíduo, de sua experiência e de sua prática. A teoria dos campos conceituais permite a análise de competências e difi culdades dos alunos, pois o processo cognitivo envolvido não tem nenhum vínculo com o uso de aprendizagem mecânica ou memorizadora de repetição seja de modelos, fórmulas ou qualquer outra maneira de automatizar uma aprendizagem. Conforme Vergnaud (1993), uma das formas de veicular a aprendizagem de um conceito é aplicando a noção de esquema. Vergnaud (1993, p. 2) defi ne esquema como “[...] a organização invariante do comportamento para uma classe de situações dada.”. O esquema serve para decompor um conceito em classes de situações que, por sua vez, tem certa organização ou forma que permite uma melhor visualização por parte do aluno e que o leva através de situações experimentais e racionais conhecidas pelo aluno até a conceitualização desejada. Quando o aluno aprende um conceito, isso é uma conquista para sua aprendizagem. É isso que fornece bases para a construção de conhecimentos mais amplos e o que lhe permite fazer ligações entre outros conceitos e chegar a um saber mais aprofundado. Por isso, é fundamental, não confundir conceito com defi nição. A defi nição seria o texto que procede da formalização de um conceito. É o conceito posto em palavras, palavras essas que não conseguem abranger a amplitude de um conceito, seja este qual for. Para Vergnaud (1993) um conceito não pode ser reduzido à sua defi nição quando a prioridade é o ensino e a aprendizagem signifi cativa, pois um conceito somente adquire signifi cado para o aluno, através da linguagem e dos símbolos envolvidos. Como exemplo, podemos citar o conceito de adição. A adição é uma operação matemática que corresponde às ideias de juntar quantidades e de acrescentar uma quantidade à outra. A sentença 3 + 4 = 7 indica uma adição cujas parcelas são 3 e 4 e cujo resultado ou soma é 7. O aluno pode saber a defi nição de adição, mas não compreender seu signifi cado ou ainda não conseguir transferi-lo para uma situação diferente daquela em que aprendeu. Assim, Vergnaud (1994, p. 8) defi ne um conceito “ao conjunto das situações que constituem a referência de suas diversas propriedades, e ao conjunto dos esquemas utilizados pelos sujeitos nessas situações”, ou seja, um conceito abrange a uma combinação de três conjuntos: 1) conjunto de situações que dão 54 Didática da Matemática sentido ao conceito (referência); 2) conjunto de invariantes operatórios que são utilizadas para analisar e dominar as situações (o signifi cado) e; 3) conjunto de representações simbólicas que são utilizadas para representar os invariantes (o signifi cante). Para melhor entendermos ao que se refere um conceito de alguma coisa, precisamos entender que este está relacionado a um signifi cado, mas vai ainda mais fundo porque o conceito deve também incluir aspectos que lhe são fundamentais e intrínsecos. Segundo Pais (2008, p. 55) “[...] o conceito é algo em permanente processo de devir, estamos sempre nos aproximando a sua objetividade, generalidade e universalidade [...]” sendo nessa citação, “devir”, referente à formação de conceito relativo ao fenômeno de aprendizagem. Observe assituações abaixo: Situação 1 - João tinha 12 carrinhos e ganhou 7. Com quantos fi cou? - É de mais ou de menos? - Se ele ganhou, só pode ser de mais! Situação 2 - Maria tem9 bonecas. Quando ela mudou de casa, 3 sumiram. Com quantas bonecas ela fi cou? - Esse é de menos porque ela perdeu as bonecas que tinha... Quantas vezes você já ouviu comentários como esse ao formular um problema matemático para a turma? Os alunos fi cam afl itos para saber qual operação usar e chegar ao resultado fi nal e você, muitas vezes, precisa domar a tentação de dar a dica. Quando as operações são assim apresentadas, há a tendência de a turma acreditar equivocadamente que ambas são opostas e confl itantes, mas é possível resolver o mesmo problema usando uma ou outra, porque há vários caminhos que levam à resolução. Podemos utilizar a teoria do Campo Conceitual, para melhor organizar as práticas em sala de aula. Ao apresentar problemas, devemos observar se os signifi cados envolvidos estão sendo explorados para que os alunos percebam que diferentes situações podem ser resolvidas pelo uso de uma mesma operação. Entendemos, assim, que a maioria dos conhecimentos são competências, e a análise dos esquemas revela que eles não consistem somente em maneiras de agir, mas também em conceitualizações implícitas. Os conhecimentos modifi cam, porque o aluno enfrenta situações cada vez mais complexas. À medida que existe uma apropriação do conhecimento, o aluno tem contato com a dimensão conceitual o que lhe permite navegar entre saberes passando do escolar ao científi co. 55 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2 Para buscar mais informações sobre a Teoria dos Campos Conceituais acesse o material abaixo: JENSKE, Grazielle. A teoria de Gérard Vergnaud como aporte para a superação da defasagem de aprendizagem de conteúdos básicos da matemática: um estudo de caso. 2011. 131f. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) — Faculdade de Física, PUC-RS, Porto Alegre (RS). Orientador: João Batista Siqueira Harres. Disponível em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/ bitstream/tede/3412/1/434027.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2016. Atividades de Estudos: 1. Com base na visão sociocultural de inteligência propõe-se que a escola participe do processo de desenvolvimento da inteligência da criança ao lhe oferecer acesso a instrumentos e objetos simbólicos, como sistemas de numeração, que amplifi cam sua capacidade de registrar quantidades, lembrar e solucionar problemas. Essa perspectiva está vinculada à Teoria dos Campos Conceituais (VERGNAUD, 1996), segundo a qual os conceitos são desenvolvidos num longo período de tempo por meio da experiência, maturação e aprendizagem, expressas por esquemas. NUNES, T. et al. Educação Matemática: números e operações matemáticas. São Paulo: Cortez, 2005 (adaptado). A partir do texto acima, avalie as afi rmações a seguir. I. Os conceitos de adição e subtração tem origem nos esquemas de ação de juntar, separar e colocar em correspondência um-a-um. II. Os conceitos de multiplicação e divisão têm origem nos esquemas de ação de correspondência um-a-muitos e de distribuir. III. O raciocínio aditivo implica a existência de uma relação fi xa entre duas variáveis, e o raciocínio multiplicativo, da relação parte-todo. IV. A criança consegue ordenar sua atividade teórica com a contagem, quando se torna capaz de resolver problemas simples de adição e subtração. 56 Didática da Matemática É correto apenas o que se afi rma em A - I e II. B - I e IV. C - III e IV. D - I, II e III. E - II, III e IV. 2. Qual a diferença entre Defi nição e Conceito, segundo Vergnaud (1993)? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas ConsideraÇões O professor de matemática que se forma nesse século XXI já não é mais aquele teórico dedicado exclusivamente ao saber matemático, nem mesmo aquele que tinha que escrever tudo o que sabia no quadro da sala de aula sem mesmo nem saber sobre a natureza e contexto social de seus alunos. É necessário entender que, além de ensinar o conteúdo, o professor é um transformador de conceitos e produtor dos mesmos, como afi rma Freire (1996, p. 69), “[...] saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Com a Didática da Matemática, o aluno passa a estar num foco importante como alvo de difundir o saber, de providenciar através da didática a contextualização de suas vivências e com a aplicação do saber cotidiano chegar ao saber escolar e a partir desse, uma vez atingido as conceitualizações e se apropriado dos conhecimentos, tenha o acesso ao saber científi co. É uma missão signifi cativa para o professor de matemática levar seus alunos para a construção de conceitos, através da sua prática pedagógica e fazer a diferença. Para tanto, precisa se preparar para, por meio de métodos e criando situações que viabilizem atividades em que se manifestem situações reais, possa aplicar esquemas que levem o aluno, ao alcance das conceitualizações e 57 REFERÊNCIAS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 2 pelo conhecimento chegar a ter sentido mais concreto nas aplicações do saber matemático. Referências ALMOULOUD, S. A. (2007). Fundamentos da Didática da Matemática. Curitiba: UFPR, 2007. BRASIL. 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Teoria dos campos conceituais. 1º Seminário Internacional de Educação Matemática do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro/RJ, 1993. Anais… p 1-26. 60 Didática da Matemática CAPÍTULO 3 A Especificidade da Matemática e da Didática da Matemática A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Constatar a especifi cidade da matemática e da Didática da Matemática. Discutir situações didáticas e a-didáticas da Matemática. Defi nir contrato didático. Avaliar situações de ruptura do contrato didático. Analisar o cotidiano escolar e os efeitos didáticos. 62 Didática da Matemática 63 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 ConteXtualiZaÇÃo No processo da construção do saber, este é concebido, validado e comunicado. À Didática cabe analisar e discutir as variações, no processo ensino- aprendizagem, desses três aspectos. Quando o saber é concebido lhe precede um processo de elaboração de tal saber, assim, primeiro temos o contato com os conceitos, sua origem, sua causa e suas aplicações e, em muitos, casos as aplicações auxiliam na compreensão do conceito que a posteriori será concebido. O saber está relacionado com o mundo exterior, isto é, ele existe e sabemos disso, mas ainda não nos apropriamos dele. Quando o saber passa pelo processo ensino-aprendizagem, por uma construção e vira conhecimento porque a pessoa se apropriou do saber, então, podemos passar ao seguinte estágio. Assim que nos apropriarmos de um conhecimento, procuramos as diversas situações em que podemos testar ele e procuramos pelos meios conhecidos de validar tal aquisição. Tentamos buscar experiências para a não validação do saber para de uma maneira indireta desconstruir o tal saber, e isso auxilia na validação do saber aprendido, quando o resultado demonstra as propriedades do saber em questão. Uma vez que o saber foi concebido e validado, é a vez de ser comunicado. Enquanto professores, sabemos que ao preparar um assunto, que implica a explicação de um saber, o fato de ser comunicado passa antes por um estágio de assentamento. Esse assentamento do saber permite o encontro de estratégias para que seja comunicado, questionarmos de que maneira seria mais efetiva a estratégia da comunicação, além de sobrepor às prenoções dos saberes já adquiridos que em muitos casos atrapalham para o novo saber ser aceito. O trabalho pedagógico necessita de uma análise dessas variações no processo ensino-aprendizagem e, para estudar as formas de elaboração e apresentação do saber escolar, recorremos à teoria das situações didáticas, elaborada por Brousseau (2006), a qual discutiremos neste capítulo e, também das situações a-didáticas que também apresentaremos. NoÇões de SituaÇões Didáticas Na educação nos deparamos inevitavelmente com diversos tipos de situações que envolvem tanto ensino quanto aprendizagem, e a maneira como Para estudar as formas de elaboração e apresentação do saber escolar, recorremos à teoria das situações didáticas. 64 Didática da Matemática fazemos para que esse processo seja bem-sucedido, tanto para o estudante quanto para o educador. Temos o que se apresenta como conjunturas didáticas, que se refere a circunstâncias dentro do momento em que acontece a construção do conhecimento que vincula, de alguma maneira, os fatores que estão no meio do acontecer desse processo e que chamamos de situação didática. Pais (2008) explica como Brousseau (1988) diferencia conhecimento de saber e que isso é explicado com a teoria das situações didáticas e aponta que segundo o tipo da situação didática será mais apropriado ou falar em conhecimento ou em saber. Nesse quesito, acudimos a lembrarmos do que trata a teoria das situações didáticas. Conforme Pais (2008, p. 65): [...] uma situação didática é formada pelas múltiplas relações pedagógicas estabelecidas entre o professor, os alunos e o saber, com a fi nalidade de desenvolver atividades voltadas para o ensino e para a aprendizagem de um conteúdo específi co. Professor, aluno e saber, componentes de uma situação didática, esses três elementos formam o chamado triângulo didático e eles são a essência da sala de aula, mas não são sufi cientes para que possamos entender/analisar a complexidade do processo cognitivo. Além desses três fatores, temos o ambiente em que esta situação didática acontece o que formaria o quarto membro do que infl uencia numa situação didática quando está em execução, o processo ensino-aprendizagem. Podemos ver como esclarece Brousseau (1988), que falou sobre polígonos da didática e além dos elementos citados professor, aluno e saber, acrescentou o que ele chamou de “milieu” nome dado ao ambiente em que acontece o processo de ensino-aprendizagem. Contudo, esse autor ainda achou que não estaria sendo considerada a variável referente à bagagem de conhecimento que traz cada aluno, mesmo assim, considerando entre as variáveis o ambiente ou “milieu” já fi caria mais próximo a um ajuste da realidade contextualizada no espaço escolar, chamado por Brousseau (1988) como quadrilátero da didática. O processo cognitivo se efetiva na associação dos elementos professor/ aluno/saber a outros elementos do sistema didático, ou seja, objetivos, métodos, posições teóricas, recursos didáticos, entre outros. E, nesse contexto, a especifi cidade de cada conteúdo trabalhado, infl uencia diretamente no processo ensino-aprendizagem do aluno e na pedagogia da didática usada pelo professor, e ainda, considerando o quarto vértice daquele primeiro polígono professor, aluno, saber mais o ambiente em questão. Lembramos ainda que mesmo levando em conta essas variáveis, ainda não conseguimos diferenciar nele os saberes escolares dos conhecimentos Uma situação didática é formada pelas múltiplas relações pedagógicas estabelecidas entre o professor, os alunos e o saber. 65 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 já adquiridos no sistema apresentado. Juntando todas essas variáveis, o autor Brousseau (1988), nos leva a estudar as situações didáticas através de um hexágono da didática e apresenta a seguinte estrutura: Figura 7 - Hexágono da Didática Fonte: D’Amore (2007, p.7). Figura 8 - Situação didática Fonte: Disponível em: <http://www.submarino.com.br/produto/116521086/livro-numeros-e- matematica-colecao-atividades-educativas-turma-da-monica>. Acessoem: 15 jul. 2016. 66 Didática da Matemática As relações entre esses fatores ou variáveis deverão ser consideradas para fazer acontecer o processo de ensino-aprendizagem e as relações entre esses fatores serão as situações didáticas que se apresentam, e que deveremos avaliar para obter o nosso objetivo que é o aprendizado. Trazemos a fi gura da Turma da Mônica para ter presente às diversas bagagens de conhecimentos que cada aluno traz pelas diferentes características históricas, culturais, sociais, familiares e experienciais que eles carregam. Na educação matemática, esse hexágono da didática tem aplicação no próprio saber matemático e suas características. O saber fazer, o entendemos com dois aspectos que precisam ser considerados no processo ensino-aprendizagem, que descrevemos a seguir: - A possível infl uência da natureza do saber matemático nas relações pedagógicas estabelecidas entre professor-aluno e, - A infl uência da natureza do trabalho do matemático, sobretudo na forma textual em que o saber é apresentado, sobre o professor. Assim, na análise didática é preciso ponderar as especifi cidades das relações referentes ao conteúdo matemático. Nas situações didáticas outro aspecto a ser analisado é a contextualização, signifi cativa para o aluno, do conteúdo matemático, afi nal, neste ponto, encontramos a dimensão de seus valores educativos. Sem este vínculo, como alcançar as transformações formativas do saber científi co? A teoria das situações didáticas fundamenta-se, então, na forma de apresentação do conteúdo, buscando um signifi cado do saber, para o aluno. O saber matemático escolar deve ser elaborado em sintonia com a situação didática e a relação dos fatores mostrados e que apresentam alguma relação no entorno escolar e a sua realidade. Trabalhamos os conteúdos, e as atividades propostas aos alunos, defi nem o tipo de situação didática relativa a situações reais em que esse saber passa a ser conhecimento com a aplicação de uma situação próxima do seu cotidiano em que pode ser aplicado. Depois de discursarmos sobre as situações didáticas, podemos inferir que são situações que acontecem em todas as áreas do saber, mas será que existe alguma especifi cidade educacional do saber matemático? Existe diferença quando falarmos em situações didáticas aplicadas no saber matemático. Vamos prosseguir para compreendermos melhor esse processo. Nas situações didáticas outro aspecto a ser analisado é a contextualização. Situações reais em que esse saber passa a ser conhecimento com a aplicação de uma situação próxima do seu cotidiano em que pode ser aplicado. 67 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 Atividades de Estudos: 1) Uma situação didática tem vários elementos que devem ser considerados, mas os fundamentais são três. Eles são: a) Conhecimento, saber, escola. b) Professor, saber, aprendiz. c) Aprendiz, conhecimento, pedagogia. d) Metodologia, saber, professor. e) Aluno, escola, ensino. 2) Explique quais você considera, em situações didáticas, as especifi cidades da matemática. Qual a diferencia entre as outras disciplinas do currículo escolar? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A Especificidade Educacional do SaBer Matemático A maior parte da sociedade, especialmente a escola, considera o saber matemático como um conhecimento imutável e verdadeiro, que o aluno deve assimilar. O professor “ensina” e o aluno “aprende”. Contudo, não há uma só concepção sobre as ideias matemáticas e suas práticas educativas. Precisamos considerar o saber matemático como uma ferramenta para melhor compreender e atuar sobre o dia a dia. Seu conhecimento não é imutável, mas sim, fruto da construção humana no processo de interação com o meio, considerado aqui natural, social e cultural. É fundamental que para o aluno, faça sentido aquilo que se explica e aplica no saber matemático, para ele conseguir levar o abstrato para o concreto. É natural que o conceito matemático possa parecer abstrato, mas é importante ter presente que ele é construído para ser aplicado aos fenômenos do mundo real. Observar isso é muito importante para trazer para a sala de aula situações reais e não irreais. Dessa maneira, os 68 Didática da Matemática exemplos e situações que se apresentam nas explicações aos alunos tem que ter contextualização de situações reais. A didática da matemática permite interpretar a prática pedagógica escolar, que busca desenvolver o saber matemático, envolvendo professor, aluno e saber, como mencionado no item anterior e acrescentando as variáveis do hexágono da didática. E, essa interpretação, nos permite fundamentar uma prática educativa mais signifi cativa, proporcionando um saber escolar comprometido com o desenvolvimento de um aluno crítico e participativo. Conceber o ensino da matemática voltado para a problematização e análise de situações diversas do cotidiano, permite que o aluno faça deduções levando em conta suas experiências de vida e, consequentemente, levando-o à construção de conceitos matemáticos do saber matemático. Figura 9 - Exemplo de compreensão Fonte: Disponível em: <www.nanihumor. com+matemáticas&espv>. Acesso em: 08 ago. 2016. A fi gura 9 do “exemplo de compreensão” mostra nos diálogos que nem sempre o que está sendo mostrado fi ca compreensível. Na fi gura existe dúvida em cada informação que é dada pelo adulto. Dessa mesma maneira acontece na sala de aula quando nós professores de Matemática explicamos e, por isso, é bem importante garantir e verifi car que os estudantes estão compreendendo o assunto que está sendo tratado e a contextualização a que fazemos referências. É claro que na fi gura podemos perceber que não se trata somente de matemática. Assim, é na vida real que notamos que não se trata de uma 69 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 matemática abstrata isolada do mundo em que estamos inseridos, pois junto a ela coexiste um mundo social, a qual conforme apresentada na charge, envolve Línguas, Geografi a, História para mencionar algumas áreas do conhecimento, mas que envolve, na verdade, qualquer uma. Percebemos assim, que para falarmos de qualquer área do conhecimento, é preciso ter domínio de uma linguagem própria, dessa maneira, não é diferente com a Matemática. As especifi cidades do saber matemático nos trazem em primeiro lugar, a linguagem alfanumérica explícita desta disciplina, que precisa de uma competência determinada num aluno para saber que ele se apropriou da decodifi cação dessa linguagem para a continuação do processo de ensino-aprendizagem. Na matemática, o aluno constrói ou edifi ca os conhecimentos partindo de bases que não consegue em outra área do saber que não seja a matemática. Posteriormente, todas as tarefas solicitadas pelo professor requerem de uma sequência de aprendizagem para evoluir no saber matemático e no fazer da matemática, mesmo que seja considerado, e devemos fazê-lo, o que traz o aluno do seu cotidiano. Nesse sentido, precisa que exista gestão de representações próprias da matemática e suas aplicações com experiências e relações dos conceitos com as práticas. Todas essas ações de colocar os conceitos na prática junto com as linguagens e simbologias próprias têm que ser dominadas pelos aprendizes e levadas na comprovação pelas explicações do professor de matemática. Nesse contexto, identifi camos mais uma vez a necessidade da elaboração do signifi cado do saber escolar para levar à refl exão sobre a criação e as formas de apresentação do conteúdo no meio de situações que propiciam ao aluno fazermatemática, isso veremos na continuação. NoÇões de SituaÇões A-Didáticas A educação matemática busca contribuir para o desenvolvimento de um aluno autônomo, e que o saber escolar aprendido lhe possibilite a intervenção sobre o meio em que vive. Nesse contexto, precisamos considerar que muitas situações, apesar de contribuírem para a formação de conceitos, não estão no controle pedagógico do professor. O espaço e tempo escolar são somente uma parte dos momentos de aprendizagem dos alunos. Assim, o desafi o da didática está em equilibrar e conciliar os elementos indicativos de uma possível progressão da aprendizagem Linguagem alfanumérica explícita desta disciplina, que precisa de uma competência determinada num aluno para saber que ele se apropriou da decodifi cação dessa linguagem para a continuação do processo de ensino- aprendizagem. 70 Didática da Matemática escolar, tanto em situações onde encontramos o controle direto do professor, como nos demais. As noções das situações a-didáticas perseguem defi nir de que maneira o estudante pode ser conduzido a elaborar a apropriação do conhecimento do saber matemático, como de fato o fazer matemática e com ela, saber utilizá-la ou recriá-la sem mesmo contar com a mediação do professor. Isso é mais profundo do que acontece numa sala de aula, e refere-se ao saber científi co, aquele que pode ser capaz de, a partir de saberes, chegar a criar e montar conceitos e teorias matemáticas com a resolução de problemas e, para isso, o aluno precisa contar com conhecimento prévio para conseguir a elaboração dos novos conhecimentos. Nessa situação existiria uma auto-didática em que o professor não infl uenciaria além das paredes da escola. Essas situações que Brousseau (2003) discute e chama de a-didáticas, permitem compreender a interação entre o ambiente escolar e o espaço maior da vida, incluindo o imaginário do sujeito cognitivo. Entender a relação entre o didático e o a-didático é um dos grandes desafi os da didática da matemática. Um exemplo de situação a-didática é quando o aluno fora da sala de aula consegue relacionar aprendizagem do saber matemático em situações reais no seu contexto de vida. Continuando o exemplo da Charge do item anterior, do “exemplo de compreensão” e, o aluno já tivesse aprendido as frações, saberia quanto é a terceira parte das metas da Educação, uma situação que pode acontecer na rua, com os amigos ou em casa com os familiares. O conhecimento não é só uma questão de sala de aula, ele tem que chegar além e ser utilizado pelos nossos estudantes. É muito conhecida a história de Albert Einstein como aluno medíocre que, posteriormente, se tornou quem nós conhecemos hoje, mas você já leu sobre a carta de Thomas Edison. Procure em https://mensagensavellar.wordpress.com/2015/11/26/a-carta-de- thomas-edison/ Os casos mencionados no Leo mascote, Albert Einstein e Thomas Edison, são casos de pessoas brilhantes na sua inteligência e que dentro da sala de aula foram considerados medíocres, mas que levaram o conhecimento além da sala de aula para suas realidades e sem limitações para projetar o conhecimento que conseguiram ter e conseguir novidades no mundo do conhecimento. Leia e verá. 71 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 Considerar as situações a-didáticas, claramente nos demonstra que a função do professor está muito além de ser um mero transmissor de conhecimentos. Segundo defi nição de Brousseau (1986 apud PAIS, 2008, p. 68): Quando o aluno torna-se capaz de colocar em funcionamento e utilizar por ele mesmo o conhecimento que ele está construindo, em situação não prevista de qualquer contexto de ensino e também na ausência de qualquer professor, está ocorrendo então o que pode ser chamado de situação adidática. Assim, em determinados momentos do processo de aprendizagem, o aluno trabalha de forma independente, não havendo uma intencionalidade pedagógica direta ou um controle didático por parte do professor. Mas, a intenção pedagógica caracteriza todas as etapas do sistema didático, uma vez que o trabalho do professor é determinado por objetivos, métodos e noções conceituais. Voltando ao contexto da sala de aula, é no ambiente escolar que o professor exerce sua liderança no processo de ensino-aprendizagem, considerando as condições em que o aluno seja mentalmente e emocionalmente saudável e, justamente por causa dessa responsabilidade, é o professor que deverá estabelecer as regras do jogo para quando o conhecimento a partir do saber acontece. Essas regras do jogo são o assunto que abordaremos a seguir. Atividade de Estudos: 1) Uma situação a-didática da matemática pode até não ser muito frequente encontrar, mas ela se identifi ca quando: a) O aluno, fora da sala de aula, consegue copiar e repetir aquilo que o professor ministrou na sala de aula. b) O aluno através do conhecimento que está construindo consegue colocar em funcionamento o tal conhecimento sem qualquer auxilio de professor. c) O aluno não consegue com mediação ou sem mediação do professor conseguir fazer aplicar um conhecimento dado. d) O aluno não é capaz de colocar em funcionamento um conhecimento que ele está construindo, a menos que conte com a ajuda do professor. 72 Didática da Matemática e) O aluno em situação não prevista de qualquer contexto de ensino é capaz de construir um conhecimento com a intervenção de um professor. NoÇões de Contrato Didático Quando um professor no ambiente escolar propõe a planifi cação do ensino da sua disciplina, também considera que os alunos terão sua participação ativa nela, bem como que depende do processo ensino-aprendizagem e do tempo que os estudantes levarão para o sucesso desse processo, o fato de cumprir esse planejamento. O professor deve levar e explicar, e de alguma maneira, fazer com que os alunos concordem com a maneira como esse processo irá acontecer, permitindo assim, que o processo se efetive. No caso particular da matemática, o professor pode usar o método de indução, raciocínio cujas premissas têm caráter menos geral que a conclusão, ou de dedução, raciocínio que parte de uma ou mais premissas gerais e chega a uma ou mais de umas conclusões particulares, ou qualquer outro método e uma grande variedade de metodologias e recursos para usar nas suas aulas. No decorrer do período letivo, os alunos assimilam essa maneira de acontecer em que fi ca implícito, muitas vezes, o contrato didático. No campo específi co do ensino da matemática, a prática pedagógica é caracterizada especialmente por quatro situações didáticas, segundo Brousseau (2003), ou seja, situação de ação, situação de formulação, situação de validação e situação institucionalização. Quase sempre estas situações encontram-se fortemente entrelaçadas entre si, mas analisadas separadamente permitem operacionalizar uma análise didática. Assim, cada uma das situações articula diferentes regras de contrato, pois as tarefas do professor e dos alunos se diferenciam em cada uma delas. Dessa forma, a noção de contrato didático passa a ser essencial, tendo em vista os diferentes caminhos e olhares que as situações didáticas podem proporcionar. Para Brousseau (1986 apud PAIS, 2008, p.77): 73 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 Contrato didático refere-se ao estudo das regras e das condições que condicionam o funcionamento da educação escolar, quer seja no contexto de uma sala de aula, no espaço intermediário da instituição escolar quer seja na dimensão mais ampla do sistema educativo. A noção de contrato didático está associada a dois conceitos: conceito de contrato social, segundo Jean-Jacques Rousseau (1712- 1778) e ao conceito de contrato pedagógico, segundo Filloux (1974). Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), através do conceito de contrato social “propõe uma forma de compreender as regras defuncionamento da sociedade e suas aplicações na educação” (PAIS, 2008, p. 78). Suas ideias levaram a distinguir três diferentes estados no transcorrer do desenvolvimento intelectual: o natural, o social e o contratual. No estado natural prevaleciam a liberdade e a igualdade. Já, no estado social, o ser humano estaria condicionado por um conjunto de regras e compromissos e, o estado contratual, deveria representar uma evolução para combater as injustiças do estado social, onde deveria prevalecer a vontade da coletividade. Contrato didático refere-se ao estudo das regras e das condições que condicionam o funcionamento da educação escolar, quer seja no contexto de uma sala de aula, no espaço intermediário da instituição escolar quer seja na dimensão mais ampla do sistema educativo. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um fi lósofo social, teórico político e escritor suíço. Em sua obra mais importante “O Contrato Social” desenvolveu sua concepção de que a soberania reside no povo. Filloux (1974), através do conceito de contrato pedagógico “destaca inconveniência de predominar indevidamente, no sistema didático, uma certa superioridade do professor em relação ao aluno” (PAIS, 2008, p. 79). Essa situação permite a imposição de um poder – o professor -, a uma inferioridade – os alunos. Assim, tanto o contrato social como o contrato pedagógico, reproduzem as relações de poder e, o sentido proposto por Brousseau (2003), leva a necessidade de considerar o contrato didático sob três perspectivas – professor, aluno e conhecimento, sempre acompanhado pelas regras da educação escolar. 74 Didática da Matemática Importante destacar ainda, que a diferença entre as regras de um contrato didático e um contrato jurídico reside nas condições exigidas no meio escolar de forma implícita, aumentando a complexidade do sistema educativo. O professor deve conhecer a especifi cidade educacional de sua disciplina e saber como a consciência desta pode infl uenciar no sucesso ou fracasso em se tratando da dimensão didática. Nesse contexto, podemos nos questionar sobre possíveis rupturas em um contrato didático, dessa maneira estaremos preparados para resolver situações relativas a essas circunstâncias. Como trabalhar esta questão? Vejamos a seguir. Leia mais sobre contrato didático no arquivo disponível em: <http://www.edumat.com.br/wp-content/uploads/2008/12/o-contrato- didatico-e-a-resolucao-de-problemas-matematicos-em-sala-de-aula. pdf>. Condições exigidas no meio escolar de forma implícita, aumentando a complexidade do sistema educativo. Ruptura do Contrato Didático Para Brousseau (2003) mais importante que explicitar todas as regras que compõem um contrato didático, é delinear possíveis pontos de ruptura. Em ambas as situações, nos defrontamos com uma difícil situação, ou seja, tratar com questões implícitas, subjetivas, que não são totalmente previsíveis. Apesar desta difi culdade, é possível e viável estudar/analisar possíveis situações vulneráveis na atividade pedagógica escolar. Estas situações vulneráveis exigem do professor um conhecimento amplo e aprofundado quanto ao grupo com o qual está trabalhando, o espaço escolar, a estrutura pedagógica e o conteúdo a ser trabalhado. Podemos exemplifi car situações de ruptura do contrato pedagógico, segundo Pais (2008) quando: - O aluno mostra desinteresse pela atividade proposta É possível e viável estudar/analisar possíveis situações vulneráveis na atividade pedagógica escolar. 75 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 Figura 10 - Desinteresse do aluno Fonte: Disponível em: <vaniagenarioggenario.blogspot.com>. Acesso em: 08 ago. 2016. - A atividade proposta está além do nível intelectual e cognitivo do aluno; Figura 11 - Atividade proposta está além do nível intelectual e cognitivo do aluno Fonte: Disponível em: <portaldoprofessor.mec.gov.br>. Acesso em: 02 mai. 2016. - O professor perde a paciência com o aluno e passa a aplicar retaliações ao aluno que se comportou de forma inadequada; 76 Didática da Matemática Figura 12 - Punição verbal do professor para o aluno Fonte: Disponível em: <tvweb-brasilia-barreiras.blogspot.com>. Acesso em: 2 mai. 2016. - Punição indireta do professor para com o aluno Figura 13 - Punição indireta do professor para com o aluno Fonte: Disponível em: <fucxic0.blogspot.com>. Acesso em: 02 mai. 2016. Assim, não podemos deixar de destacar que o conjunto de regras do contrato didático é resultado de uma ampla fonte de infl uências, ou seja, o cotidiano, o espaço da sala de aula, a instituição escolar, os alunos, bibliografi as, entre outros. Cabe ao professor planejar sua ação e verifi car em que condições as situações didáticas foram efetivadas pelos alunos. Avaliar se a aprendizagem ocorreu e, em caso de negativa, redirecionar as atividades de forma adequada ao nível cognitivo dos alunos. Não havendo esse processo, o contrato didático se rompe e implica na Cabe ao professor planejar sua ação e verifi car em que condições as situações didáticas foram efetivadas pelos alunos. O contrato didático se rompe e implica na desistência de engajamento no processo de ensino. 77 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 desistência de engajamento no processo de ensino e, portanto, no abandono do objetivo da atividade profi ssional docente. Mas é fundamental compreendermos as relações que se sucedem no ambiente escolar e as condições que estão atreladas a efeitos didáticos como veremos a seguir. Atividades de Estudos: 1) Numa situação de ruptura de contrato didático, qual deverá ser a postura do professor? O que ele deve propor aos seus alunos? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) No caso de ruptura de contrato pedagógico cabe ao professor planejar sua ação para validar esse contrato, mas o que faria você na situação exemplifi cada no capítulo referente à quando o aluno mostra desinteresse pela atividade proposta? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Cotidiano Escolar e os Efeitos Didáticos Ao pensar em contrato didático não podemos deixar de equilibrar duas condições presentes em sala de aula – negociações e expectativas. Estas necessitam ser trabalhadas no contexto do professor, do aluno e do saber, a princípio com os elementos principais, sem tirar a importância de outros elementos que fazem parte do composto escolar, mas que não são protagonistas desse contrato. 78 Didática da Matemática Silva (2008) destaca que muitas das difi culdades dos alunos têm sua causa em contratos didáticos que podem ser considerados como mal dimensionados (quanto à comunicação e entendimento). Tanto professor quanto alunos têm objetivos e expectativas que precisam se encontrar para que ocorra o processo ensino-aprendizagem. E ambos deverão estar cientes no transcurso do período letivo sobre as características e os assuntos vinculados no contrato didático. A teoria das situações didáticas e a noção de contrato didático buscam contribuir para a especifi cidade do ensino da matemática, mas tendo em vista cada realidade educacional, o cotidiano escolar pode apresentar surpresas que difi cultam a aprendizagem. Assim, Brousseau (2003) descreveu alguns efeitos didáticos, que conforme Pais (2008, p. 89) são “[...] situações que podem acontecer em sala de aula e que se caracterizam como momentos cruciais para a continuidade do processo ensino-aprendizagem”. Situações que podem acontecer em sala de aula e que se caracterizamcomo momentos cruciais para a continuidade do processo ensino- aprendizagem”. Figura 14 - Professora remeta-se ao site Fonte: Disponível em: <educaacaovv.blogspot.com>. Acesso em: 02 mai. 2016. Tais situações não podem ser consideradas determinantes quanto ao resultado fi nal da ação educativa, mas sim, dizem respeito a momentos localizados, cuja superação depende tanto do aluno como do professor. Por exemplo, na fi gura “professora remeta-se ao site” é um momento localizado, mas que o professor pode aproveitar para falar em autoria, na importância de cada pessoa fazer suas atividades como parte da construção do conhecimento e como parte do seu esforço para aprender esse ou aquele conceito. 79 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 É verdade que nos dias de hoje encontra-se tudo na Internet, mas nem tudo é verdade e nem tudo é transformado em conhecimento para o aluno. Aqui se pode também ressaltar que o professor também tem que estar atento nas facilidades que hoje se têm na Internet e nas redes sociais e que têm de ser bem administradas no entorno educativo. São consequência de vários aspectos vinculados ao processo ensino- aprendizagem, tais como: metodologia de ensino, obstáculos, formação do professor, nível dos alunos, conceitos, entre outros, que farão a diferença para cada aluno nesse processo. E, quanto aos efeitos didáticos, o autor que abordamos é o autor Guy Brousseau. Para Brousseau (2003), são cinco os efeitos didáticos: efeito Topázio, efeito Jourdain, efeito da Analogia, deslize metacognitivo e efeito Dienes. Mas o que determina e diferencia cada um deles? É o que passaremos a estudar agora. Figura 15 - Relacionamento dos fenômenos didáticos e seus efeitos Fonte: Disponível em: <pt.slideshare.net>. Acesso em: 02 mai. 2016. 80 Didática da Matemática a) Efeito Topázio No processo ensino-aprendizagem, durante a prática pedagógica da matemática, muitas vezes, o aluno sente-se bloqueado diante da difi culdade em resolver certo problema. Como professores podemos não atentar para a situação e buscar resolver a situação acelerando a aprendizagem e antecipando o resultado que deveria ser alcançado pelo aluno. Brousseau (2003) identifi cou este efeito como Topázio, ao traçar uma analogia com uma passagem do romance Topázio, de Marcel Pagnol, onde o professor aplica um ditado junto a sua turma e no momento da correção, junto a um aluno que comete erro de concordância, na esperança de ajudá-lo acaba dando ênfase ao erro, levando o aluno à correção única e exclusivamente por seu estímulo e não pela real consciência do mesmo. Este efeito caracteriza-se pela tentativa de transferência de conhecimento em situações que deveriam envolver a autonomia do próprio aluno. Do ponto de vista pedagógico, este efeito é uma ação inadequada, pois entende que o conhecimento pode ser transmitido do plano intelectual do professor para o aluno. No contexto das situações didáticas, sinaliza para a direção oposta da participação ativa do aluno no processo ensino-aprendizagem. A situação de aprendizagem fi ca esvaziada. Para que isso não aconteça, o professor deve possibilitar ao aluno seu próprio momento de aprendizagem, deixá-lo pensar e construir o conhecimento, questioná-lo para ser ele próprio quem chega à resposta fi nal e não dar a resposta fi nal de graça. Dar autonomia ao aluno é respeitá-lo, tratá-lo como ser intelectual e, socialmente valioso. b) Efeito Jourdain O efeito Jourdain está no contexto de um fracasso eminente do processo de ensino, quando o professor busca para si a responsabilidade da tarefa de compreensão que cabia ao aluno. Na ânsia de identifi car a existência de algum saber escolar ou científi co, passa a valorizar indevidamente, o conhecimento superfi cial manifesto pelo aluno e passa a não ter mais o controle pedagógico da situação. Ocorre uma desistência, por parte do professor, em aprofundar o diálogo com o aluno, pois poderia se ver em uma situação embaraçosa, por não apresentar mais nenhuma estratégia didática satisfatória para a situação. Para isso o professor deve ser humilde quando não conhece uma situação e virar o jogo ao fazer a proposta de uma nova pesquisa no assunto, deixar para outra aula em que ele tem tempo de se preparar melhor e os alunos também e, desse jeito, existe benefício tanto do aluno quanto do professor. No contexto das situações didáticas, sinaliza para a direção oposta da participação ativa do aluno no processo ensino- aprendizagem. Quando o professor busca para si a responsabilidade da tarefa de compreensão que cabia ao aluno. 81 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 Em uma situação onde ocorre o efeito Jourdain, o aluno trata de uma situação deslocada do signifi cado matemático e o professor admite o fato como sufi ciente para considerar a aprendizagem satisfatória. c) Efeito da Analogia Em diversos momentos do processo ensino-aprendizagem, a utilização de analogias entre um conteúdo já conhecido pelo aluno e os conceitos estudados em uma nova situação, é considerada um recurso didático efi ciente. Para que uma analogia obtenha uma resposta efetiva no processo ensino- aprendizagem, deve ser acompanhada de uma vigilância criteriosa por parte do professor, para ao fi nal não chegar a conclusões reducionistas sobre os conceitos envolvidos. Assim, o uso inadequado de analogias, pode desencadear em um efeito Topázio, que por sua vez, pode terminar em um efeito Jourdain. No efeito Analogia, o aluno chega a uma conclusão não porque aprendeu realmente, mas porque visualiza indícios com situações análogas que o professor propôs que repetisse e, após algumas tentativas, reconhece nestas, a melhor solução. Para isso não acontecer, é fundamental apresentar exemplos e exercícios de diversas maneiras rompendo com as possíveis analogias. d) Deslize Metacognitivo Fenômenos didáticos têm origem a partir de difi culdades, que podem ser do aluno em compreender certo problema, ou do professor que não consegue dar uma continuidade ao processo ensino- aprendizagem. Quando uma situação de ensino não chega a um resultado satisfatório e o aluno explicita sua difi culdade, o professor na busca da continuidade de seu trabalho e, percebendo o esgotamento de seus argumentos didáticos, pode passar às explicações baseadas unicamente em suas próprias concepções. Nesse caso, é importante procurar outros autores e, inclusive, trazer os alunos que já compreenderam, que já adquiriram o conhecimento, como mediadores e proporcionar outro momento e circunstância para fazer acontecer à aprendizagem. Este momento caracteriza-se por um deslize metacognitivo, no momento em que quebra o procedimento vinculado a um discurso científi co e passa a explicações com origem no saber cotidiano do professor. No efeito Analogia, o aluno chega a uma conclusão não porque aprendeu realmente, mas porque visualiza indícios com situações análogas que o professor propôs. Ensino não chega a um resultado satisfatório e o aluno explicita sua difi culdade, o professor na busca da continuidade de seu trabalho e, percebendo o esgotamento de seus argumentos didáticos, pode passar às explicações baseadas unicamente em suas próprias concepções. 82 Didática da Matemática Importante destacar que, normalmente a mudança do discurso científi co para um discurso baseado no saber cotidiano do professor não é percebida pelos alunos, favorecendo a confusão entre o saber escolar e o mundo cotidiano. e) Efeito Dienes O efeito Dienes, está baseado, segundo Brousseau (2003), nos trabalhos do educador Dienes, no contexto da matemática moderna, na década de 1960. Sua proposta era chamada de processo psicodinâmico e, consistia em um modelo de aprendizagem que buscava sistematizar certos modelos de ensino, envolvendo a repetição de problemasou exemplos semelhantes na busca de respostas padronizadas. Esta concepção de ensino, baseada em uma visão puramente estruturalista da matemática, contribuiu para incorrer em confusões entre o saber científi co e a especifi cidade de seus valores educacionais. Este efeito traz implícito o afastamento do professor no processo ensino- aprendizagem, pois não necessita mais acompanhar e compreender os processos de ensino. Dienes (1975) pretendia construir um modelo didático que fosse independente do conteúdo. Para a superação desse efeito, a relação professor-aluno deve ser referência na função educativa do saber. Um exemplo que podemos mencionar, é o modelo Kumon, que para alguns alunos funciona bem. Esse modelo pretende dar uma base sólida para o aluno para que ele possa aprender por si só, em que a relação professor-aluno iria a sua mínima expressão. Esse método divulgou uma fama de rapidez em cálculos matemáticos e desenvolvimento dos conhecimentos abstratos que até em piadas aparece essa fama como mostra a vinheta abaixo. Para a superação desse efeito, a relação professor- aluno deve ser referência na função educativa do saber. Figura 16 - Fama do método Kumon: bom em matemática Fonte: Disponível em: <piadasdocardosinho.blogspot.com>. Acesso em: 02 mai. 2016. 83 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 Para deixar ainda mais claro, os efeitos dos fenômenos didáticos fi cam resumidos no quadro a seguir, que apresenta as características de cada um dos fenômenos. Quadro 1 - Características dos efeitos dos fenômenos didáticos Efeito Caracterização Topázio Apresenta-se uma situação, onde, após um problema proposto, num mo- mento determinado, o professor percebe a difi culdade do aluno, então, tenta acelerar a aprendizagem, antecipando o resultado. Jourdain Apresenta-se uma situação em que o professor reconhece uma resposta simples do aluno como a expressão de um conhecimento científi co. Da Analogia Acontece quando o professor incorre no uso inadequado de uma analogia. Deslize Metagognitivo Circunstância onde o professor toma suas próprias explicações como objeto de estudo no lugar do verdadeiro conhecimento matemático. Dienes Situação em que o professor com suas concepções (epistemológicas) tenta aproximar o saber científi co do saber ensinado. Fonte: A autora. Conheça um trabalho exemplifi cando os efeitos didáticos em sala de aula. Disponível em: <http://rbep.inep.gov.br/index.php/rbep/ article/viewFile/676/654>. Atividade de Estudos: 1) Considerando realidades educacionais específi cas do dia a dia,11 podem acontecer imprevistos que atrapalham a aprendizagem. Esses são conhecidos como efeitos didáticos. Aquele efeito didático vinculado a tentar passar conhecimento diretamente ao aluno sem deixar acontecer o desenvolvimento da autonomia do aluno é conhecido como: a) Efeito Jourdain. b) Efeito Metacognitivo. 84 Didática da Matemática c) Efeito da Analogia. d) Efeito Topázio. e) Efeito Dienes. Algumas ConsideraÇões A sala de aula é um espaço complexo que envolve muitas variáveis, mas que se fundamentam na relação professor, aluno e saber. A relação didática estabelecida traz consigo negociações e expectativas que necessitam ser dialogadas e acordadas, caracterizando a importância do contrato didático no processo ensino-aprendizagem. Por mais que haja planejamento e defi nição clara de objetivos, o processo de construção do saber traz consigo variáveis intangíveis que podem emergir na relação estabelecida entre o professor, aluno e saber, motivo pelo qual a análise e discussão de possíveis obstáculos didáticos se fazem presentes e necessárias no fl uxo do processo de ensinar e aprender. Para Brousseau (2003) mais importante que explicitar todas as regras que compõem um contrato didático, é delinear possíveis pontos de ruptura e, em ambas as situações nos defrontamos com uma difícil situação, ou seja, tratar com questões implícitas, subjetivas, que não são totalmente previsíveis. A partir da análise dos possíveis problemas encontrados no cotidiano escolar, podemos entender e visualizar a dinâmica da sala de aula. Neste cotidiano acontecem inúmeras interações e relações, o conhecimento é produzido e reproduzido e o meio externo exerce constante infl uência. Assim, precisamos observar e repensar a prática pedagógica no dia a dia. A teoria das situações didáticas e a noção de contrato didático buscam contribuir para a especifi cidade do ensino da matemática, tendo em vista que cada realidade educacional e cada cotidiano escolar podem apresentar surpresas que difi cultam a aprendizagem. Referências ALMOULOUD, S. A. (2007). Fundamentos da Didática da Matemática. Curitiba: UFPR, 2007. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Fundação Nacional de Material Escolar (1973). Desenho 2: plano – espaço. Brasília: MEC. 85 A ESPECIFICIDADE DA MATEMÁTICA E DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA Capítulo 3 BACHELARD, G. (1928). Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto, 2004, 316p. ______. (1938). A formação do espírito científi co. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto, 2003, 316p. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: matemática / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/ SEF, 1997. 142p. BROUSSEAU, G. A Teoria das Situações Didáticas e a Formação do Professor. Palestra. São Paulo: PUC, 2006. ______. Fundamentos e Métodos da Didáctica da Matemática. In: BRUN, J. Didática das Matemáticas. Tradução de: Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996a. Cap. 1. p. 35-113. ______. Os diferentes papéis do professor. In: PARRA, Cecília; SAIZ, Irma (org). Didática da Matemática: Refl exões Psicológicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996b. Cap. 4. p. 48-72. CHEVALLARD, Y., BOSCH, M. e GASCÓN, J. Estudar Matemáticas: o elo perdido entre o ensino e a aprendizagem. Tradução: Daisy Vaz de Moraes. Porto Alegre: Artmed, 2001. ______. Educação como prática da liberdade. 29. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. D’AMORE B. Epistemologia, Didática da Matemática e Práticas de Ensino. Bolema. Boletim de Educação Matemática. Vol. 20, n° 28, 1179-205. ISSNÇ 0103-636X DIENES, Z. P. As seis etapas do processo de aprendizagem. (Trad. Maria Pia B. de Macedo Charlier e René F. J. Charlier). 72 p. São Paulo: EPU; Brasília, INL, 1975. GODINO, J. Perspectiva de la Didática de lãs Matemática como disciplina científi ca. Un. Granada: Programa de doctorado “Teoria de la educación Matemática”, 2003. PAIS, L. C. Didática da matemática: uma análise da infl uência francesa. 2. ed. 2. reimp. - Belo Horizonte: Autêntica, 2008. 128p. (Coleção Tendências em Educação Matemática, 3). 86 Didática da Matemática SILVA, B. A. Contrato Didático / Educação Matemática Uma Nova Introdução / Anna Franchi... et al; org. Silvia Dias Alcântara Machado – 3. ed. Revista. – São Paulo: EDUC, 2008. CAPÍTULO 4 Questões Metodológicas e a Engenharia Didática A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Identifi car e organizar as fases da Engenharia Didática. Analisar a dimensão teórica e experimental da pesquisa em Didática da Matemática. 88 Didática da Matemática 89 QUESTÕES METODOLÓGICAS E A ENGENHARIA DIDÁTICA Capítulo 4 ConteXtualiZaÇÃo Ao pensarmos sobre a engenharia de qualquer coisa, uma das primeiras imagens relacionadas é a do conhecimento científi co aplicado, isto é, o que científi camente conhecemos desse “assunto” e o aplicamos na prática. No nosso caso, o conhecimento científi co que estudamos é sobre a Didática da Matemática, então, passamos a explorar os estudos em que podemos aplicar o conhecimento de uma maneira prática e através da metodologia científi ca. Por outro lado, ao falarmos em engenharia mergulhamos num assunto que nos remetea arte de construir uma obra de grande porte, para isso é necessário termos conhecimentos teóricos que colocaremos em prática para obtermos essa obra. Na didática da matemática não é diferente se utilizarmos a metodologia da engenharia, pensamos na aplicação na prática pedagógica do ensino da matemática, espaço no qual as teorias dessa disciplina vem à tona. Os assuntos que temos discutido até este ponto nos fornecem bases teóricas, as quais são, atualmente, utilizadas para estudos de pesquisas e que usam a metodologia da Engenharia Didática. Esta tem um procedimento diferenciado cujo ponto de partida é a conjugação da dimensão teórica com a dimensão prática. Mas, de que forma? Qual o caminho escolhido para tal fi m? Veremos a seguir as noções da Engenharia Didática que nos auxiliarão neste quesito. NoÇões da Engenharia Didática A educação matemática é sem dúvida uma obra de engenharia de grande porte e, no nosso espaço, cabe fazer essa parte da obra no que diz respeito à Didática da Matemática. Pesquisas nessa área implicam em domínio de conceitos. Em qualquer área do conhecimento isso é fundamental, mas é preciso levar esse conhecimento à prática e, para isso, fazemos a ponte com a engenharia que não só precisa de conceitos, mas planejamento e execução de um projeto. Aqui, a analogia é entre a didática e o trabalho do engenheiro. Na aplicação da didática, é necessário considerar os outros elementos da obra, como os alunos. Na didática, o professor se apropria do campo das ideias e se utiliza de conceitos, para de alguma maneira, usando sua criatividade qualifi cada, lhe dar a forma racional e a colocar em prática, destacando que essa prática na maioria dos casos acontece na sala de aula. Conforme, já estudado nos capítulos anteriores, Brousseau (1996a; 1996b) e Artigue (1996), dentre outros pesquisadores da linha da Didática da Matemática, defendem a utilização de situações de aprendizagem, em que os alunos são 90 Didática da Matemática colocados em ação diante de jogos e situações-problema, mobilizando assim, estratégias de resolução e conhecimentos anteriores para que sejam capazes de realizar operações de seleção, organização e interpretação de informações. Nesse contexto, entendem que o processo de construção do conhecimento matemático efetivamente ocorre e, consequentemente a formação passa a fazer sentido para o aluno. Essas situações (jogos e situações-problema) acima de tudo instrumentalizam o professor para a elaboração de situações, em que o aluno tenha um papel dinâmico, social e participativo na própria aprendizagem. Situações de Aprendizagem permitem que o estudante interaja permanentemente no processo ensino-aprendizagem e aprenda a aprender, para entender as defi nições e conceitos que se fazem necessários. Seu desenvolvimento e aplicação é um desafi o para os docentes e para os estudantes, que aprendem através de estratégias de ensino. Este aprender fazendo, permite que os alunos produzam, questionem, pesquisem, criem, compreendam, interpretem e, até mesmo, descubram novos conhecimentos, como cita Prado (2009 apud FREIRE; PRADO, 1995, p. 3): [...] uma situação de aprendizagem deve propiciar ao aluno a vivenciar ações refl exivas, que possa favorecer tanto aprender- com, como aprender-sobre o pensar. Isto signifi ca que o aluno deve aprender-fazendo (colocando a mão na massa) e construindo algo que lhe seja signifi cativo, de modo que posso envolver-se afetiva e cognitivamente com aquilo que está sendo produzido. É importante que o produto seja algo tangível e passível de ser feito e compreendido pelo aluno-produtor; algo que permita ao aluno reconhecer durante o processo de produção, uma utilidade imediata para aquilo que está sendo feito e aprendido. A seleção do uso de estratégias de ensino adequadas na realização da situação de aprendizagem deve permitir ensaios, testes, trabalhos de pesquisa, práticas diversas que promovam êxito nos resultados esperados. Um dos referenciais para viabilizar a intenção de colocar o ensino como um projeto social se fortaleceu com a proposta da metodologia da Engenharia Didática, delineada por Brousseau (1996a; 1996b) e estruturada nos trabalhos de Artigue (1996). A Engenharia Didática foi inicialmente concebida para fomentar a criação de recursos e meios para aprimorar o trabalho em sala de aula, mas, posteriormente, evoluiu para a estruturação em um quadro teórico mais amplo, de modo a possibilitar a concepção de situações de aprendizagem, servindo também como referencial metodológico para a posterior análise do material empírico. 91 QUESTÕES METODOLÓGICAS E A ENGENHARIA DIDÁTICA Capítulo 4 Segundo Artigue (1996), a Engenharia Didática é um processo empírico que objetiva conceber, realizar, observar e analisar as situações didáticas. A autora pondera que a Engenharia Didática possui dupla função, a qual pode ser compreendida como uma produção para o ensino tanto como uma metodologia de pesquisa qualitativa. Assim, a Engenharia Didática deve ser concebida sob dois enfoques: pode ser utilizada como metodologia qualitativa de pesquisa na área de Matemática, mas também é extremante útil para a elaboração de situações didáticas que confi gurem um quadro de aprendizagem signifi cativa em sala de aula. Pais (2008, p. 99) destaca a engenharia didática como uma metodologia que “possibilita uma sistematização metodológica para a realização prática da pesquisa, levando em consideração as relações de dependência entre teoria e prática”. Segundo Artigue (1996), a Engenharia Didática enquanto metodologia de pesquisa é um esquema experimental, baseado em realizações didáticas na sala de aula, tratando da concepção, realização, observação e análise de sequências de ensino. Deste modo, a Engenharia Didática se caracteriza por propor: [...] uma seqüência de aula(s) concebida(s), organizada(s) e articulada(s) no tempo, de forma constante, por um professor- engenheiro para realizar um projeto de aprendizagem para certa população de alunos. No decurso das trocas entre professor e alunos, o projeto evolui sob as reações dos alunos e em função das escolhas e decisões do professor (MACHADO, 2002 apud DOUADY, 1993, p. 2). Podemos distinguir dois níveis de engenharia didática – a microengenharia e a macroengenharia, ambos necessários e complementares. Na microengenharia, as pesquisas têm por objeto de estudo, um determinado assunto. São pesquisas localizadas e levam em conta a complexidade dos fenômenos de sala de aula. Já na macroengenharia, estão às pesquisas que permitem uma composição entre a complexidade das pesquisas da microengenharia e os fenômenos ligados à duração nas relações ensino/aprendizagem. Além dos níveis, a Engenharia Didática, como metodologia descrita por Artigue (1996), compreende quatro fases: a 1ª fase, das Segundo Artigue (1996), a Engenharia Didática é um processo empírico que objetiva conceber, realizar, observar e analisar as situações didáticas. A Engenharia Didática, como metodologia descrita por Artigue (1996), compreende quatro fases: a 1ª fase, das análises preliminares, a 2ª fase, da concepção e da análise a priori, a 3ª fase, da experimentação e a 4ª e última fase, da análise a posteriori e validação. 92 Didática da Matemática análises preliminares, a 2ª fase, da concepção e da análise a priori, a 3ª fase, da experimentação e a 4ª e última fase, da análise a posteriori e validação, conforme expresso na fi gura abaixo. Figura 17 - As quatro fases ou etapas da Engenharia Didática Fonte: A autora. Essas fases permitem prover o professor de referencial propício e motivador para conceber, aplicar e, posteriormente, analisar algumas tarefas didáticas, ou seja, introduzir um novo conceito e desenvolver diversas estratégias, conforme sugere Brousseau (2006). Cabe salientar que as quatro fases podem não ocorrer de forma linear e estanque.A elaboração da Engenharia Didática necessita, em alguns momentos, da articulação, da antecipação e até da superposição dos elementos caracterizadores destas quatro fases. Fases da Engenharia Didática Anteriormente, afi rmamos que a Engenharia Didática se constitui pela teoria posta em prática, sendo esta prática sistematizada e organizada por meio de um planejamento. Agora, apresentaremos o trabalho realizado através das fases da Engenharia Didática. 93 QUESTÕES METODOLÓGICAS E A ENGENHARIA DIDÁTICA Capítulo 4 1ª fase - Das análises preliminares Nesta fase, conforme descreve Machado (2002), são feitas ponderações envolvendo o quadro teórico didático geral, bem como sobre conhecimentos mais específi cos envolvendo o tema da pesquisa. Como análise preliminar, é feita uma revisão bibliográfi ca envolvendo as condições e contextos presentes nos vários níveis de produção didática e no ambiente onde ocorrerá a pesquisa. Também se desenvolve uma análise geral quanto aos aspectos histórico-epistemológicos dos assuntos do ensino a serem trabalhados e dos efeitos por eles provocados, bem como, da concepção, das difi culdades e obstáculos encontrados pelos alunos dentro deste contexto de ensino. Um ponto de apoio das análises preliminares “[...] reside na fi na análise prévia das concepções dos alunos, das difi culdades e dos erros tenazes, e a engenharia é concebida para provocar, de forma controlada, a evolução das concepções” (ARTIGUE, 1996, p. 202). Assim, a primeira fase está apoiada em um referencial teórico já adquirido e analisa como se encaminha aquele conhecimento no aprendiz, como se dá o ensino atual em relação àquele conteúdo/ domínio, as concepções dos alunos, as difi culdades e os obstáculos que marcam a evolução desse conhecimento. Deve-se ter presente os fundamentos teóricos vinculados com o assunto que será desenvolvido pelo professor/pesquisador e as categorias que ele apresenta com o intuito de conseguir fazer a montagem de uma sequência didática. O objeto de pesquisa/interesse passa por uma análise preliminar, primeiro percebendo as concepções dos alunos e o contexto em que será inserido. Fazem-se as deduções sobre o levantamento de constatações empíricas, as quais serão consideradas explicitamente, na medida do possível, dentro do planejamento, mas, em não se concretizando, essas constatações empíricas devem ao menos ser consideradas na elaboração da proposta da sequência didática. É muito importante termos presente, ao constituir o objeto de estudo, suas dimensões com respeito ao vínculo com o sistema de ensino, bem como a epistemologia cognitiva e principalmente pedagógica. O levantamento das difi culdades e obstáculos permitirá a análise dos fatores que permitirão superar os problemas observados na aprendizagem, o que viabiliza a etapa seguinte: a concepção da sequência didática. 2ª fase - Da concepção e da análise a priori Nesta fase, Machado (2002) ressalta que a pesquisa delimita as variáveis microdidáticas (ou locais) e macrodidáticas (ou globais), conforme já destacadas A primeira fase está apoiada em um referencial teórico já adquirido e analisa como se encaminha aquele conhecimento no aprendiz, como se dá o ensino atual em relação àquele conteúdo/domínio, as concepções dos alunos, as difi culdades e os obstáculos que marcam a evolução desse conhecimento. 94 Didática da Matemática anteriormente como níveis, pertinentes ao Sistema Didático (professor/aluno/ saber) que podem ser consideradas pelo pesquisador/professor. A importância da determinação dessas variáveis está na fundamentação da construção das sequências didáticas, que permitirão o surgimento do conhecimento almejado. A delimitação das variáveis microdidáticas (locais) e macrodidáticas (globais), permite fazer evoluir os comportamentos dos alunos, através da possibilidade de mudanças de estratégia na resolução de problemas. Machado (2002) descreve que estas duas modalidades de variáveis (variáveis microdidáticas e macrodidáticas), identifi cadas como variáveis de comando são interdependentes. A escolha das variáveis globais (macrodidáticas) precede a escolha das variáveis locais (microdidáticas), afi nal esta última está ligada a organização do meio mais imediato. Assim, segundo Artigue (1996, p. 205), na segunda fase da Engenharia Didática, a análise a priori: [...] deve ser concebida como uma análise do controle do sentido; muito esquematicamente, se a teoria construtivista coloca o princípio do compromisso do aluno na construção dos seus conhecimentos por intermédio das interações com determinado meio, a teoria das situações didáticas que serve de referência à metodologia de engenharia [didática], teve, desde sua origem a ambição de se constituir como uma teoria de controle das relações entre sentido e situações. Artigue (1996, p. 205), ainda destaca, que o objetivo da análise a priori é: [...] determinar de que forma permitem as escolhas efetuadas controlar os comportamentos dos alunos e o sentido desses comportamentos. Para isso, ela funda-se em hipóteses; será a validação destas hipóteses que estará, em princípio, indiretamente em jogo no confronto, operado na quarta fase, entre a análise a priori e a análise a posteriori. Machado (2002) destaca que para alcançar o objetivo da análise a priori, esta deve estar vinculada às características da situação a-didática (já discutida em capítulos anteriores) desenvolvida e aplicada aos alunos. Para organizar o meio, a pesquisa deverá: • Descrever as variáveis locais ou globais e as características da situação a-didática; • Ponderar qual o grau de investimento que esta situação terá para o aluno em decorrência de suas opções de ação, formulação, controle e validação na experimentação; 95 QUESTÕES METODOLÓGICAS E A ENGENHARIA DIDÁTICA Capítulo 4 • Prever os comportamentos possíveis e como a situação permitirá controlar esses comportamentos em prol do desenvolvimento do conhecimento almejado. Machado (2002) ressalta ainda, que na análise a priori o caráter descritivo e o caráter preditivo são pertinentes dentro do papel do aluno. Já com relação ao professor, temos apenas a análise descritiva, devido aos papéis assumidos pelo professor e aluno na concepção de Brousseau (1996a) para a fase a-didática. Assim, o aluno é o ator principal, e o papel do professor é recuperado no contrato didático. O aluno refl ete e trabalha com tentativas, de modo a eleger um procedimento de resolução, através de uma interação com o ‘milieu’. Os alunos tomam as decisões que faltam para organizar a resolução do problema ou do jogo proposto. Conforme já destacado no capítulo 3, podemos ver como esclarece Brousseau (1988), que falou sobre polígonos da didática e além dos elementos professor, aluno e saber, acrescentou o que ele chamou de “milieu” nome dado ao ambiente em que acontece o processo de ensino-aprendizagem. Podemos, então afi rmar, que esta segunda fase é a da concepção e análise a priori das situações didáticas nas quais o professor/ pesquisador defi nirá as variáveis que estarão sob controle e onde o comportamento esperado do aluno é o foco principal da análise. É a fase em que se realiza uma análise preliminar de variáveis designadas pelo professor/pesquisador como aquelas que afetam signifi cativamente o objeto de estudo. A partir da identifi cação e escolha das primeiras variáveis acontece à análise a priori propriamente dita que determina quais dessas variáveis é possível controlar, de alguma maneira, e associar atividades com conteúdo trabalhado em sala, através das quais se viabilize a apropriação dos conceitos estudados. Segunda fase é a da concepção e análise a priori das situações didáticas nas quais o professor/ pesquisador defi nirá as variáveis que estarão sob controle e onde o comportamento esperado do aluno é o foco principal da análise. O instrumentofundamental para a pesquisa em Didática da Matemática é a análise a priori de uma situação didática [...]. A análise a priori de uma situação didática, signifi ca a análise das representações epistemológica, representações histórico- 96 Didática da Matemática epistemológicas e comportamentos, supostos corretos ou não, para a solução da situação didática dada (ARAÚJO; IGLIORI, 2012, p. 4). 3ª fase - Da experimentação Conforme Machado (2002), esta fase, consiste basicamente no desenvolvimento da aplicação da Engenharia Didática, concebida a um grupo de alunos, objetivando verifi car as ponderações levantadas na análise a priori. Portanto, a experimentação pressupõe: • A explicitação dos objetivos e condições de realização da sequência didática aos alunos; • O estabelecimento do contrato didático; • A aplicação da sequência didática; • O registro das observações feitas durante a sequência didática. Segundo Brousseau (1996a), no contrato didático, é essencial a não interferência explícita de conhecimentos, evitando explicações ou ‘dicas’ que induzam caminhos para a resolução da sequência didática por parte dos alunos. É de suma importância para o processo ensino-aprendizagem, condições que permitam a mobilização do aluno em enfrentar o problema e em resolvê-lo, através da sua lógica e dos conhecimentos anteriores. Assim, é imprescindível o entendimento mútuo dos papéis - da não interferência do professor/pesquisador e da ação independente do aluno. O respeito a estas condições, garante condições para se caracterizar o contrato didático. Importante destacar que a intenção de propiciar condições de situar o aluno em confronto com a situação da forma mais independente possível, pressupõe o aceite do aluno em enfrentar o desafi o intelectual de resolver as situações propostas, como se o problema fosse dele. Podemos, aqui, observar a importância do contrato didático, sendo este um conjunto de normas ou cláusulas, geralmente implícitas, que regulam as obrigações recíprocas do professor/pesquisador e dos alunos, em relação ao projeto de estudo de ambas as partes, que evolui à medida que o processo didático avança. Cabe resgatar o conceito de sequência didática. Para Zabala (1998, p.18) “sequências didáticas são um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fi m conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos”. “Sequências didáticas são um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fi m conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos”. 97 QUESTÕES METODOLÓGICAS E A ENGENHARIA DIDÁTICA Capítulo 4 Uma sequência didática é constituída por uma série de aulas planejadas e analisadas com antecedência em função dos conceitos previstos na pesquisa e o processo ensino-aprendizagem que acontece, uma vez elas aplicadas, com foco na observação de situações de aprendizagem. Nessas aulas que fazem parte da sequência didática, é relevante toda e qualquer informação relacionada ao fenômeno investigado para ser registrada e ter um desenvolvimento da pesquisa mais completo. Também é fundamental o registro da contextualização das características reais sobre a aplicação dessas sequências, através de registros escritos em relatórios e, se necessário, através do registro com fi lmagens, gravações e fotos. Quanto ao tipo de registro, está de alguma maneira, enlaçado ao tipo de variáveis que foram priorizadas na fase da análise a priori. O importante é que o registro tenha a ver com o tipo de variável destacada como principal no fenômeno de estudo, porque a descrição da variável tem de ser fi dedigna com o contexto em que está envolvida. Se os dados que precisam ser registrados foram defi nidos como o discurso do aluno, deverá existir uma gravação e transcrição desses dados. Se for um estudo de caso, ou um grupo, talvez o mais apropriado seja fi lmagem e, assim, vai se adequando a fonte de registro com as variáveis a que se deu prioridade na segunda etapa. Machado (2002) destaca que na fase da experimentação, em determinados momentos torna-se necessário a obtenção de dados complementares, em que é possível obter esclarecimentos das respostas e comportamentos dos alunos, assim como, efetuar eventuais correções nas atividades subsequentes. Finalizamos, assim, a terceira fase, entendendo ser esta a fase de aplicação da sequência didática com os alunos, registrando as observações realizadas durante a mesma. 4ª fase - Da análise a posteriori e validação De acordo com Artigue (1996), esta fase apoia-se sobre os dados obtidos ao longo da experimentação pelas observações do professor/pesquisador. Caracteriza-se pelo tratamento dos dados e a confrontação com a análise a priori, levando à interpretação e análise dos resultados. Podemos assim, entender que a quarta e última fase, segundo Artigue (1988, p. 10): A terceira fase, entendendo ser esta a fase de aplicação da sequência didática com os alunos, registrando as observações realizadas durante a mesma. Caracteriza-se pelo tratamento dos dados e a confrontação com a análise a priori, levando à interpretação e análise dos resultados. 98 Didática da Matemática [...] se apoia no conjunto de dados recolhidos quando da experimentação, [...] mas também nas produções dos alunos em sala de aula ou fora dela. Esses dados são geralmente completados por dados obtidos pela utilização de metodologias externas: questionários, entrevistas individuais ou em pequenos grupos, realizados em diversos momentos do ensino ou a partir dele. Assim, por meio do confronto das análises a priori, com base no referencial teórico constituído, e da análise a posteriori, realizada sobre os dados recolhidos quando da ação efetiva dos alunos, é realizada a validação das hipóteses da pesquisa. A principal diferença entre as pesquisas realizadas dentro de uma Metodologia da Engenharia Didática e outras, é a busca de um confronto das análises iniciais com os dados sobre os procedimentos e desempenhos dos alunos, analisados posteriormente, validando assim, as hipóteses da pesquisa. Podemos, então, resumir esta fase como aquela em que nos debruçamos sobre os dados registrados, relacionando-os com a teoria para assim, analisar e ponderar sobre o objeto de estudo. Além disso, nessa etapa se complementam os dados já obtidos com uso de outros recursos como diálogos, gravações adicionais, fi lmagens e similares. Com todos os dados armazenados e tratados, nos debruçamos sobre a análise para alcançar a realidade de produção dos alunos, usando as ferramentas cognitivas e metodológicas com o objetivo de conseguir perceber os procedimentos de raciocínio dos alunos. Nesta última etapa, fazemos o fechamento com a validação dos resultados. Essa validação acontece ao confrontarmos os dados da análise a priori com a análise a posteriori e, assim, analisamos as hipóteses que foram elaboradas ao iniciar a pesquisa. Nesse momento, o cuidado deve ser maior para garantir a validade científi ca da pesquisa, além do aspecto epistemológico da pesquisa didática. Ressaltamos, entretanto, que o uso da engenharia didática tem maior adequação quanto metodologia, especialmente, em registros de estudo de casos, por ter uma valorização no contexto em que a pesquisa foi realizada. 1 - A engenharia didática compreende quatro fases. Identifi que e diferencie as mesmas A Engenharia Didática compreende quatro fases: a 1ª fase, das análises preliminares, a 2ª fase, da concepção e da análise a priori, a 3ª fase, da experimentação e a 4ª e última fase, da análise a posteriori e validação. 99 QUESTÕES METODOLÓGICAS E A ENGENHARIA DIDÁTICA Capítulo 4 Conheça dois trabalhos que recorrem à Engenharia Didática 1. http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/31596.Acesso em: 30 mai. 2016. 2. http://www.mat.ufrgs.br/~vclotilde/publicacoes/ENGENHARIA %20ZETEIKE2005.pdf. Acesso em: 15 de jun. 2016. Após o estudo da Engenharia Didática e da leitura dos trabalhos destacados no “Léo – Sugestão de leitura”, podemos, então, fi nalizar este tópico, destacando que a Teoria das Situações Didáticas de Guy Brousseau, concebida como suporte teórico, associada a Engenharia Didática, como metodologia, podem contribuir signifi cativamente para a construção de conhecimentos em sala de aula. Os elementos teóricos apresentados por Brousseau, permitem identifi car como e por que transformar os saberes matemáticos em conhecimentos matemáticos. Tradicionalmente os modelos de algoritmos são apresentados pelo professor, na perspectiva de assimilação pelos alunos. Com a sequência didática, A contribuição da Engenharia Didática para a sala de aula, diz respeito à possibilidade de prover a fundamentação teórica para que o professor conheça o signifi cado e amplie seu leque de possibilidades de ações, sempre buscando o elo entre a teoria e a prática de sala de aula. A contribuição da Engenharia Didática para a sala de aula, diz respeito à possibilidade de prover a fundamentação teórica para que o professor conheça o signifi cado e amplie seu leque de possibilidades de ações, sempre buscando o elo entre a teoria e a prática de sala de aula. A Engenharia Didática representa uma forma de análise e compreensão da relação entre teoria e prática, estabelecendo um vínculo com a questão da formação de conceitos matemáticos. Nesta metodologia, a revisão bibliográfi ca com relação ao conhecimento (dimensão epistemológica) é de suma importância. A busca das origens dos conhecimentos de matemática aprimora a relação com o saber do professor, consequentemente incrementando a crítica com relação a materiais didáticos disponíveis e fomentando o trabalho criativo e dinâmico em sala de aula. Ao conhecer os fundamentos que regem as etapas de análise preliminar, concepção e análise a priori, o professor obtém um domínio da formulação das situações de aprendizagem, aprimorando a construção do conhecimento pelos alunos. A estrutura proposta pela Engenharia Didática mantém um elo entre o saber acadêmico (resultados da pesquisa) e o saber a ser ensinado (constatações práticas), permitindo um movimento constante de aproximação da academia com as práticas escolares. 100 Didática da Matemática o processo passa a ser invertido, ou seja, a partir da estratégia de tentativa e erro, os alunos podem desenvolver outras estratégias como recursos para a resolução dos problemas. Este tipo de proposta pode ser complementada, permitindo ao professor explicar a origem do algoritmo de resolução do problema para a busca dos possíveis novos caminhos. A utilização de uma sequência didática, onde a atuação do aluno se intensifi ca pela possibilidade de autonomia e pelo confronto com as situações propostas, possibilita uma evolução de estratégias, potencializando a cognição dos alunos. A prioridade e a atenção do processo ensino-aprendizagem recaem sobre uma cultura do pensar. Assim, podemos entender a importância de possibilitar em sala de aula a autonomia da aprendizagem, a participação efetiva dos alunos e a cultura do pensar, propiciando aos alunos: • Uma forma de explicitar estratégias de resolução, tornando-as passíveis de compartilhamento; • Um estímulo ou motivação para pensar, de forma a alcançar decisões acertadas; • Coragem para enfrentar situações novas e diferenciadas; • Transferência de estratégias e conhecimentos gerados em um dado contexto para outros, ou seja, a generalização do conhecimento. A utilização de contextos práticos, do dia a dia, junto a sequências didáticas, permite ainda o desenvolvimento do uso das várias linguagens matemáticas e permite articular competências essenciais para a construção do conhecimento, ou seja: • A capacidade de compreensão, ao tomar contato com contextos práticos; • A capacidade de argumentação, ao possibilitar o raciocínio e o exame de situações matemáticas em diferentes pontos de vista e estratégias; • A capacidade de decisão, ao realizar as possíveis análises dos resultados; • A capacidade de contextualização, possibilitada pela inserção em situações cotidianas e de fácil compreensão, situadas em contextos próximos aos alunos. O uso de sequências didáticas está no contexto da cultura de propostas de situações de aprendizagem. Para nós, profi ssionais da educação, que nos propusermos a empreender uma jornada na aplicação dos conceitos apresentados, inicialmente, deverá ocorrer uma busca das situações-problema e jogos que possuam as características adequadas para a aplicação das situações fundamentais. Buscaremos uma redução das mediações do professor e a 101 QUESTÕES METODOLÓGICAS E A ENGENHARIA DIDÁTICA Capítulo 4 valorização da interação do aluno com o meio em que está inserido bem como, de sua autonomia no processo ensino-aprendizagem. Isto requer por parte do professor, um trabalho refl exivo e coletivo, em que a dialética da teoria com a prática, possa contribuir para formar um cidadão com uma cultura matemática mais signifi cativa. Para introduzir o próximo tópico, assista ao vídeo: Educação Brasileira - Ubiratan D’Ambrosio e Nilson José Machado. Disponível em: <https://youtu.be/-vRBZYw_wfw>. Acesso em: 30 mai. 2016. As Bases Atuais Compartilhadas Pela PesQuisa em Didática da Matemática A Didática da Matemática é uma das tendências teóricas da Educação Matemática. No Brasil, esta tendência teve forte infl uência dos autores franceses, com teorias que têm sido utilizadas como bases atuais em diversos trabalhos de pesquisadores matemáticos brasileiros em Didática da Matemática. 1 - Quais as funções da Engenharia Didática? Disserte sobre elas. A Engenharia Didática possui dupla função, a qual pode ser compreendida como uma produção para o ensino tanto como uma metodologia de pesquisa qualitativa. Relato pessoal. 2 - Qual a contribuição da Engenharia Didática para a sala de aula? A contribuição da Engenharia Didática para a sala de aula, diz respeito à possibilidade de prover a fundamentação teórica para que o professor conheça o signifi cado e amplie seu leque de possibilidades de ações, sempre buscando o elo entre a teoria e a prática de sala de aula. 102 Didática da Matemática Entre os autores franceses, podemos destacar: • A Teoria da “Transposição Didática” de Chevallard; • A Teoria dos “Obstáculos epistemológicos” de Bachellard; • A Teoria dos “Campos Conceituais” de Vergnaud; • A Teoria das “Situações Didáticas” e a Teoria do “Contrato Didático” de Brousseau; • A Teoria da “Engenharia Didática” de Artigue. 1. Quais os autores e teorias consideradas como bases atuais para a pesquisa em Didática da Matemática? • A Teoria da “Transposição Didática” de Chevallard; • A Teoria dos “Obstáculos epistemológicos” de Bachellard; • A Teoria dos “Campos Conceituais” de Vergnaud; • A Teoria das “Situações Didáticas” e a Teoria do “Contrato Didático” de Brousseau; • A Teoria da “Engenharia Didática” de Artigue. 2. Como você descreve as teorias consideradas como bases atuais para a pesquisa em Didática da Matemática? Descrever as teorias abaixo, conforme compreensão individual • A Teoria da “Transposição Didática” de Chevallard; • A Teoria dos “Obstáculos epistemológicos” de Bachellard; • A Teoria dos “Campos Conceituais” de Vergnaud; • A Teoria das “Situações Didáticas” e a Teoria do “Contrato Didático” de Brousseau; • A Teoria da “Engenharia Didática” de Artigue. Após o conhecimento das teorias que têm sido utilizadas como bases atuais na pesquisa em Didática da Matemática, podemos analisá-la, segundo três dimensões: os valores, os conceitos e as questões metodológicas. Primeira dimensão – OS VALORES Quando pensamos no ensino da matemática, entendemos os valores educacionais damatemática como argumentos básicos para justifi car a importância dessa disciplina no currículo escolar. Questiona-se o seu signifi cado real e sua função no currículo escolar, que deste modo, passam a ser pesquisados e analisados de forma mais pontual, contextualizada e consciente. 103 QUESTÕES METODOLÓGICAS E A ENGENHARIA DIDÁTICA Capítulo 4 A Didática da Matemática defende uma estreita relação entre a prática pedagógica e o território acadêmico. Desenvolve-se como uma forma particular de descrever e compreender os fenômenos da prática educativa. Segundo Régine Douady (apud PAIS, 2002, p. 10-11), A Didática da Matemática estuda os processos de transmissão e de aquisição dos diferentes conteúdos desta ciência, particularmente numa situação escolar ou universitária. Ela se propõe a descrever e explicar os fenômenos relativos às relações entre seu ensino e sua aprendizagem. Ela não se reduz a pesquisar uma boa maneira de ensinar uma determinada noção particular. Deste conceito podemos apreender que a Didática da Matemática “não visa simplesmente recomendar modelos ou receitas de solução a determinados problemas de aprendizagem” (PAIS, 2002, p. 11). Em Pais (2002, p. 11), obtemos uma defi nição da Didática da Matemática relativa ao contexto brasileiro, junto a uma tendência da grande área da Educação Matemática, que tem por objeto de estudo: [...] a elaboração de conceitos e teorias que sejam compatíveis com a especifi cidade educacional do saber escolar matemático, procurando manter fortes vínculos com a formação de conceitos matemáticos, tanto em nível experimental da prática pedagógica, como no território teórico da pesquisa acadêmica. Todos os conceitos didáticos visam “favorecer a compreensão das múltiplas conexões entre a teoria e a prática” (PAIS, 2002, p. 11), propiciando “compreender as condições de produção, registro e comunicação do conteúdo escolar da matemática e suas conseqüências didáticas” (PAIS, 2002, p. 11). Deste modo, entende-se a dimensão teórica como o ideário resultante da pesquisa e a prática como a condução do fazer pedagógico. É fato que existe uma especifi cidade educacional no saber matemático, que se constitui num campo de pesquisa e, paralelamente, temos uma complexa relação estabelecida entre professor, aluno e saber. Assim, para pensar na dimensão dos valores da Didática da Matemática, faz-se necessário, o cuidado constante na estreita relação entre o saber acadêmico e o saber a ser ensinado – o saber da escola. Mas como pensar nesta relação, sem priorizar conceitos didáticos que venham com a fi nalidade maior de fornecer uma fundamentação para a Educação Matemática? 104 Didática da Matemática Segunda dimensão – OS CONCEITOS Conceitos como transposição didática, obstáculos didáticos, campos conceituais, situações didáticas, efeitos didáticos e contrato didático, tanto em nível acadêmico como nas aplicações práticas no cotidiano escolar, constituem o corpo da Didática da Matemática. A transposição didática se revela uma ideia centralizadora da educação matemática ao estar associada a vários outros conceitos. Lembramos que a transposição nos leva a uma ideia de deslocamento e alteração, assim a transposição didática permite, por exemplo, interpretar as diferenças que ocorrem entre a origem de um conceito da matemática, como ele encontra-se proposto nos livros didáticos, e a intenção de ensino do professor e os resultados obtidos em sala de aula. E, nesse movimento, acontece uma transposição. Assim, a transposição didática permite uma visão panorâmica das transformações por que passa o saber matemático. Parte de sua criação acadêmica, passando entre outros, pelas ideias de autores de livros, por responsáveis pela política educacional, pelas interpretações do professor, chegando à sala de aula, no processo de construção do conhecimento por parte do aluno. Os obstáculos didáticos foram descritos por Bachelard. Ele explica que na evolução histórica dos conceitos há toda uma área de estudos e de ideias que se manifestam para formar conceitos e que esse grupo de ideias passa pela fi na peneira do saber científi co antes mesmo de escrever a primeira palavra sobre um conceito, um teorema ou uma demonstração. Todo esse estudo, discussões, análises de ideias são os obstáculos epistemológicos que se opõem à desconstrução de conceitos de determinada ciência. Todo esse processo fi ca velado após os novos conceitos evolutivos a serem aceitos. Assim, os obstáculos didáticos descritos por Bachelard referem-se a resistência oferecida por conceitos considerados verdadeiros, em um determinado período, e que, na realidade, difi cultam a formação de um novo saber. A Teoria dos Campos Conceituais nos ajuda a entender como os alunos constroem os conceitos. De acordo com Vergnaud (1996), o conhecimento emerge de resolução de problemas, a partir da ação do aluno sobre a situação. Essa ação necessita de uma refl exão para que se direcione para a formação e desenvolvimento. Para a formação de um conceito, faz-se necessário interagir com ele numa variedade de situações, entendendo que o conhecimento é fruto de uma maturação do indivíduo, de sua experiência e de sua prática. A teoria dos campos conceituais permite a análise de competências e difi culdades dos alunos, pois o processo cognitivo envolvido não tem nenhum vínculo com o uso de aprendizagem mecânica ou memorizadora de repetição seja de modelos, fórmulas ou qualquer outra maneira de automatizar uma aprendizagem. Assim, a 105 QUESTÕES METODOLÓGICAS E A ENGENHARIA DIDÁTICA Capítulo 4 As situações didáticas são ocorrências elaboradas intencionalmente pelo professor para defrontar os alunos com contextos que exijam dele a busca de conhecimentos para a análise e resolução das situações. Situações que podem acontecer em sala de aula e que se caracterizam como momentos cruciais para a continuidade do processo ensino- aprendizagem”. A função do contrato didático é equilibrar questões implícitas e explícitas, buscando criar um espaço de diálogo e troca entre professor e alunos, tendo em vista que a comunicação tem sentido diferente para ambos os atores. teoria dos campos conceituais está em sintonia com o problema do signifi cado do saber escolar visando a realização dos valores educacionais da matemática. Na teoria das Situações Didáticas, o professor propõe problemas para que os alunos possam interagir, discutir e construir os conceitos matemáticos de forma ativa e participativa. Sendo assim, o aluno, participa do processo e tem condições de usar o conhecimento construído no âmbito escolar, fora deste, de forma natural e espontânea. As situações didáticas são ocorrências elaboradas intencionalmente pelo professor para defrontar os alunos com contextos que exijam dele a busca de conhecimentos para a análise e resolução das situações. Assim, por meio da noção de situações didáticas é possível descrever atividades previstas para o ensino da matemática, cada qual voltada para o desenvolvimento de uma competência ou habilidade associada a essa disciplina. O funcionamento das situações didáticas ocorre sob o controle de regras e de condições que constituem a noção de contrato didático. Os efeitos didáticos se caracterizam como certos momentos decisivos para o sucesso ou para a continuidade da aprendizagem. Brousseau (2003) descreveu alguns efeitos didáticos, que conforme Pais (2008, p. 89) são “[...] situações que podem acontecer em sala de aula e que se caracterizam como momentos cruciais para a continuidade do processo ensino-aprendizagem”. Tais situações não podem ser consideradas determinantes quanto ao resultado fi nal da ação educativa, mas sim, dizem respeito a momentos localizados, cuja superação depende tanto do aluno como do professor. São consequências de vários aspectos: metodologia de ensino, obstáculos, formação do professor,nível dos alunos, conceitos, entre outros. Para Brousseau (2003), são cinco os efeitos didáticos: efeito Topázio, efeito Jourdain, efeito da Analogia, deslize metacognitivo e efeito Dienes. Proposta por Guy Brousseau (2006), no início da década de 1980, a ideia de contrato didático pretende estabelecer um conjunto de fatores referentes à relação didática entre professor e aluno, que procura defi nir as responsabilidades e os comportamentos que cada sujeito deve ter perante o outro nas práticas que possibilitam a construção do saber. A função do contrato didático é equilibrar questões implícitas e explícitas, buscando criar um espaço de diálogo e troca entre professor e alunos, tendo em vista que a comunicação tem sentido diferente para ambos os atores. Deve haver um espaço de signifi cações em relação ao saber onde, nada é comum ou preestabelecido. Na escola, o contrato didático é, pois, fundamental, pois dá responsabilidade ao aluno 106 Didática da Matemática Segundo Artigue (1996), a Engenharia Didática é um processo empírico que objetiva conceber, realizar, observar e analisar as situações didáticas. também do sucesso das aulas e do melhor aproveitamento da matéria estudada. Esse contrato chama o aluno para ser protagonista junto com o professor. No contrato didático, o aluno também assume tarefas que deve desempenhar para que a aprendizagem ocorra. Assim, como, o compromisso do professor de levar aulas bem preparadas e desenvolvidas e possibilitar atividades que motivem a aprendizagem. Terceira dimensão – AS QUESTÕES METODOLÓGICAS A importância da questão metodológica está na fundamentação que ela permite à sistematização dos procedimentos operacionais de pesquisa. O método nos orienta para novos conhecimentos e viabiliza a validação deste. Nesse contexto, a Engenharia Didática é uma forma de organizar a pesquisa em didática da matemática, a partir da criação de uma sequência de aulas planejadas com a fi nalidade de obter informações para desvelar o fenômeno investigado. Considerando o contexto da formação de professores, objetivamos a formação de professores refl exivos, através da junção da ação com a investigação. Podemos, então, observar que a teoria da Engenharia Didática se insere neste momento, pois exige e organiza a refl exão em diferentes níveis, onde destacamos: • Refl exões sobre os conteúdos a serem ensinados; • Refl exões da esfera didática, quando o assunto gira em torno do modo como o conteúdo em pauta é tradicionalmente ensinado e sobre possibilidades e limites para implementação de mudanças; • Refl exões sobre questões de âmbito cognitivo, com observação, registro e análise da produção em sala de aula, cruzando os dados com resultados de teorias já estabelecidas. Segundo Artigue (1996), a Engenharia Didática é um processo empírico que objetiva conceber, realizar, observar e analisar as situações didáticas. A autora pondera que a Engenharia Didática possui dupla função, a qual pode ser compreendida como uma produção para o ensino tanto como uma metodologia de pesquisa qualitativa. Assim, a Engenharia Didática deve ser concebida sob dois enfoques: pode ser utilizada como metodologia qualitativa de pesquisa na área de Matemática, mas também é extremante útil para a elaboração de situações didáticas que confi gurem um quadro de aprendizagem signifi cativa em sala de aula. 107 QUESTÕES METODOLÓGICAS E A ENGENHARIA DIDÁTICA Capítulo 4 Reforce os conceitos trabalhados neste material, assistindo ao vídeo “Didática da Matemática”. Disponível em: <https://youtu.be/ FpdcqZr9L4c>. Acesso em: 30 mai. 2016. Algumas ConsideraÇões Podemos observar que existe uma dialética entre o conhecimento escolar e o acadêmico, mas, apresentam tensões que precisam ser debatidas junto a formação inicial e formação continuada de professores. Há de se atentar para a especifi cidade do conhecimento matemático escolar e do conhecimento matemático científi co que o professor necessita para lidar com a sala de aula. Qual a capacidade que devemos desenvolver para relacionar conteúdos matemáticos com problemas da prática cotidiana, envolvendo, inclusive, os vinculados as questões sociais? Possuir competência matemática signifi ca entre outras coisas, conhecer, compreender, fazer, usar e possuir uma opinião bem fundamentada sobre a Matemática em uma variedade de situações e contextos, onde ela tem ou pode vir a ter um papel. E, como usar esta competência no processo ensino- aprendizagem? A didática da matemática nos dá possibilidades de caminhos. Podemos observar em pesquisas realizadas, nos PCN, nos livros didáticos, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de Matemática, entre outros, a infl uência francesa na Educação Matemática no Brasil. No entanto, embora já possamos perceber aplicações da Didática da Matemática nas escolas, temos muito ainda a estudar e compartilhar quando tratamos do conhecimento acadêmico e do conhecimento a ser desenvolvido junto aos alunos. A Didática da Matemática é uma das linhas de pesquisa da Educação Matemática e para tanto, precisamos relacionar esta tendência às demais, ou seja, a etnomatemática, a modelagem matemática, a história da matemática, entre outras. Tal estudo e relação nos possibilitará cada vez mais entender o complexo processo com o qual nos deparamos diariamente – o processo ensino- aprendizagem. 108 Didática da Matemática Referências ARAÚJO, P. C. de; IGLIORI, S. B. C. O método na pesquisa em educação matemática. V Seminário internacional de pesquisa em educação matemática. Petrópolis, RJ. Anais... Petrópolis: 2012. Disponível em: <http://www.sbem.com. br/fi les/v_sipem/PDFs/GT04/CC16516613591_A.pdf>0. Acesso em: 14 nov. 2016. ARTIGUE, M. Engenharia Didática. In: BRUN, J. (Org.). Didática das matemáticas. Tradução de M. J. Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 193-217. BROUSSEAU, G. A Teoria das Situações Didáticas e a Formação do Professor. Palestra. São Paulo: PUC, 2006. ______. 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