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ACESSO À JUSTIÇA Professor Rafael de Almeida Pujol Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina Curso de Graduação em Direito Mediação, Conciliação e Negociação Florianópolis, 2018 Bibliografia complementar • Manual de Mediação CNJ 2016 - http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/07/f247f5ce60df2774c59d6e2dd dbfec54.pdf • Manual de técnicas de Negociação da AGU - http://www.agu.gov.br/noticia/o- manual-de-tecnicas-de-negociacao-da-agu-esta-disponivel--588599 • Inteligência emocional – Daniel Coleman; • Para entender a delação premiada pela teoria dos jogos – Alexandre Morais da Rosa; • As armas da persuasão – Robert B. Cialdini; • Negociação total – José Augusto Wanderley; • A mediação no novo CPC – Coord. Diogo Assumpção Rezende de Almeida; • Mediação de Conflitos: Teoria e Prática: Jéssica Gonçalves e Juliana Goulart • Arbitragem – Estudos sobre a Lei n. 13.129/2015 – org. Francisco José Cahali. • Noções Gerais da arbitragem – Ricardo Soares Stersi dos Santos O Direito e outras áreas de conhecimento O estudo do Direito, de forma independente, é capaz de fornecer subsídios para dizer como se dá o acesso à Justiça? Acesso à Justiça: dupla finalidade - Sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e resolver seus litígios sob os auspícios do Estado - Forma de produzir resultados que sejam individual e socialmente justos Pesquisas em economia, psicologia, sociologia, antropologia podem fornecer dados que o Direito, por si só, é incapaz de produzir Que resultados são individual e socialmente justos? • Nem tudo que é individualmente justo, é bom para a sociedade • Ex: Proibição do corte de energia elétrica por decisão judicial; deferimento de liminares para tratamentos experimentais de saúde; • Como pensar num sistema que produza resultados individual e socialmente justos? Recusar-se a aceitar como imutáveis quaisquer dos procedimentos e instituições que caracterizam nossa engrenagem de justiça Relação do Estado com a Sociedade • No estado absolutista (séc. XVIII), o Estado envolvia toda a vida social – que estava sob seu controle, realizando profunda e opressiva intromissão na vida dos indivíduos • Como reação a esse quadro, a concepção predominante no séc. XIX – Estado Liberal ou abstencionista – era do Estado mínimo • Quase ausência de atuação do Estado no âmbito econômico e social A evolução do conceito de acesso à Justiça Segunda metade do séc. XIX surge a ideia de Estado de Direito • Imposto adquire a dimensão de coisa pública – financiador do Estado. • Nasce a possibilidade de exigir serviços públicos (contraprestação) • Séc. XVIII e XIX - solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos A evolução do conceito de acesso à Justiça • Séc. XIX - Direito ao acesso ao Judiciário significava o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação • Direito natural – acreditava-se que os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção (esses direitos eram considerados anteriores ao Estado). • É possível a garantia de direitos sem atuação do Estado? Direitos negativos: direito de propriedade ou a liberdade contratual Direitos positivos: Requerem atuação estatal direta (escolas, hospitais) A pobreza e o acesso à justiça • Inexistia preocupação do Estado sobre a incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar a justiça e suas instituições • IGUALDADE FORMAL, NÃO MATERIAL • Quando foi criada a Defensoria Pública em SC? Mudança na atuação do Estado • Séc. XX – pós II GGM – cresce o Estado e a máquina administrativa - Cresceram as instituições e associações privadas que fazem pressão sobre os poderes estatais na busca de seus interesses • Declaração Universal dos Direitos Humanos – Direito Universal de acesso à jurisdição, em igualdade de condições • Estado passa de uma posição passiva, para uma posição ativa • Caráter coletivo prevalece sobre o individual - direitos ao trabalho, à saúde, à segurança material e à educação Acesso à justiça como requisito fundamental para a efetividade dos direitos humanos • Processo sai do “vácuo” - as técnicas processuais servem a questões sociais • Percepção da incapacidade do Judiciário de “fazer frente” às demandas judiciais Custo médio unitário do Processo de Execução Fiscal na Justiça Federal, no primeiro grau: Tempo médio total de tramitação do Processo: R$ 5.606,67 09 anos, 9 meses e 16 dias (IPEA, 2012) Palestra “Arbitragem 20 anos” • 2015 – 89 bilhões de reais destinados ao Judiciário • 92 Tribunais no país • 90% do gasto do Judiciário é com a folha de pagamento • 110 milhões de ações no Brasil • 11 anos tempo médio de tramitação 25% das disciplinas do cursos de Direito são de processo Apenas 32 % dos cursos têm disciplinas de MASC obrigatórias A efetividade do direito ao acesso à justiça • Efetividade poderia ser expressada como “igualdade de armas” – igualdade material – a resposta ao questionamento judicial dependeria apenas do mérito jurídico • É possível alcançá-la? O juiz deve ser imparcial ou equilibrar a balança? Custos do processo • Quais os custos de um processo? • Custos do Judiciário (divididos pela sociedade) • Custas judiciais propriamente ditas • Honorários advocatícios • Riscos de sucumbência • Garantias ao juízo Tempo • Quem pode esperar 5, 10 anos para receber uma indenização? • E uma herança? • E a dissolução de uma sociedade? Custo psicológico • desconfiança nos advogados; desconfiança nas instâncias administrativas etc As pessoas confiam no Judiciário? Quais instituições são as mais confiáveis? (CUNHA, 2015) Custo do conhecimento – que direitos eu tenho? • O conhecimento tem um custo – compreender a legislação é difícil • As pessoas não sabem que podem questionar os tributos que pagam, os editais de concursos, normas trabalhistas, etc Exemplos "Gostaria de saber se existe a gratuidade na emissão de 2° via de documentos roubados?" "Ganhei por direito remédio do estado de auto custo do que faz 3 meses que não mandão o q posso fazer" "O Estado tem o dever de nomear todos os candidatos classificados em concurso público ou pode só chamar alguns?" "Boa tarde!! Se um jovem que cursa faculdade de Direito e está na 9 fase é aprovado em concurso público para o curso de formação de oficiais da Polícia Militar, com duração de dois anos. Existe a possibilidade de entrar com mandado de segurança para ser nomeado e cursar a faculdade e o curso de formação ao mesmo tempo? Obrigado" Litigantes eventuais e litigantes habituais • O que caracteriza um litigante habitual? • maior “experiência” com o Direito • Economia de escala – perde um, ganha outro • Relações com as instâncias decisoras (conhecem todo mundo) • Podem “testar” estratégias • Como o litigante eventual faz frente àestes litigantes habituais? Agregando causas – Ex: associações de moradores, sindicatos, grupos organizados. Quem são os maiores litigantes no Brasil? Listagem dos 100 maiores litigantes contendo o percentual de processos em relação aos 100 maiores litigantes da Justiça (CNJ, 2011) Conclusões • Os obstáculos ao acesso são maiores para as “pequenas causas” e para autores individuais • Esses obstáculos são de ordem econômica, psicológica, temporal e de conhecimento • Há um incentivo para os litigantes habituais “usarem” a máquina do Judiciário • Como solucionar? • Eliminando a obrigação de advogados, por exemplo? Algumas soluções para o problema do Acesso • Capelletti destaca três “ondas” do movimento de Acesso à Justiça: • 1 – Assistência Judiciária • 2 – Reformas para garantia dos direitos difusos • 3 – “Enfoque de acesso à Justiça” A primeira onda – Assistência Judiciária • Percebe-se a necessidade do advogado – complexidade das leis, procedimentos incompreensíveis • Sistemas de assistência judiciária inadequados - advogados particulares, sem contraprestação • Em economias de mercado, os advogados, particularmente os mais experientes e altamente competentes, tendem mais a devotar seu tempo a trabalho remunerado que à assistência judiciária gratuita A primeira onda – Assistência Judiciária • Entre 1919-1923 a Alemanha deu início a um sistema de remuneração pelo Estado dos advogados que fornecessem assistência judiciária • 1949 – Inglaterra cria o Legal Aid and Advice Scheme –Surge o Judicare - Sistema gratuito de assistência judiciária – cidadão escolhia um advogado em lista previamente definida. Esses advogados eram remunerados pelo Estado • Desfaz a barreira do custo – mas mantém-se outras barreiras (culturais, de acesso à informação) No Brasil • Lei 1.060/1950 - Estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados • CRFB/1988 • Art. 5; LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; • Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. Criação das Defensorias Públicas no Brasil Fonte: http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria/a-defensoria-publica A primeira onda – Assistência Judiciária • O Advogado público (1965, EUA) • – Escritórios de “vizinhança” (descentralização) • Advogados pagos pelo governo • Criados para defender interesses dos pobres • Em suma, este sistema buscava dar maior acesso – as pessoas teriam em suas comunidades escritórios, diminuiriam as barreiras culturais • Críticas: Dificuldade de atendimento das demandas com a mesma qualidade; questões políticas: Como garantir autonomia? A primeira onda – Assistência Judiciária • Possibilidades e limitações: • Ter advogados em número suficiente para atender às demandas dos mais necessitados; • e • que estes advogados aceitem trabalhar com baixa remuneração • Nesta segunda-feira (18/3/13), a promessa de justiça para todos completa 50 anos “totalmente irrealizada”, de acordo com uma série de artigos publicados pelo The National Law Journal, para comemorar uma data sobre a qual não há nada para celebrar. "A Defensoria Pública dos Estados Unidos está quebrada”, disse ao jornal o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, Steven Benjamin. “Não se pode confiar na instituição para proteger as pessoas contra condenações indevidas”, afirmou. “An act of God” Interesses difusos: como protegê-los? • Interesses fragmentados ou coletivos - direito ao ambiente saudável, ou à proteção do consumidor • Qual o “prêmio” por tentar corrigir um problema desses individualmente? • Trata-se de uma demanda “anti-econômica” • Os “custos” são altos, e os payoffs são baixos • Ex: poluição; demanda por serviços prestados com qualidade (telefonia, tv a cabo, etc) A segunda onda – interesses difusos • Década de 1970 – EUA, França, Suécia, Canadá, Alemanha, Holanda e diversos outros países renovaram e ampliaram seus sistemas de gratuidade judiciária • Concepção tradicional do processo civil – O processo era um assunto das partes – interesses individuais • As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares A segunda onda – interesses difusos • Solução para o problema da representatividade: Como garantir a proteção de interesses difusos? • I – reconhecimento dos grupos privados de interesse: reconhece-se a necessidade de permitir ações coletivas no interesse público • II – Além dos grupos: reconhecimento da possibilidade de que indivíduos pleiteiem direitos difusos em nome de outros (class actions) No Brasil Lei 8.078/1990 - Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. CRFB/1988 - Art. 5 - XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; Terceira onda – acesso e representação em juízo • Centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas • Novos direitos exigem novos mecanismos – o processo é suficiente? • Percepção de que os litígios merecem tratamentos diferenciados – valor, níveis de complexidade e importância social diferentes • Diferenças das partes – reconhecimento das diferenças Terceira onda – acesso e representação em juízo • Tendências • Reformas dos procedimentos judiciais – redução de custos dos processos; ampliação da oralidade; flexibilização dos procedimentos; diminuição da complexidade • Dada a complexidade do nosso sistema legal, é possível diminuir os custos e tornar mais simples o processo? Terceira onda – acesso e representação em juízo • Métodos alternativos para solução de litígios • Percepção da necessidade de criação de alternativas ao Judiciário – o acesso à Justiça não é, necessariamente, acesso ao Judiciário • Necessidade de procedimentos mais simples – e julgadores mais informais • Juízo arbitral, conciliação e incentivos econômicos para a solução fora dos tribunais Terceira onda – acesso e representação em juízo • Juízo arbitral – possibilidade de formação técnica dos árbitros; poucas possibilidades de recurso; Empecilhos: custo • Conciliação e mediação – possibilita a manutençãoe restauração de relacionamentos; maior aderência ao resultado • Incentivos econômicos para a solução fora dos tribunais – redução de multas; custas processuais imputadas ao “perdedor”; • *Na Itália há a figura da mediazone – se a parte não acordar com o Fisco e perder na via judicial, há o acréscimo de 50% sobre o valor das custas. Terceira onda – acesso e representação em juízo • Procedimentos especiais – criação de foros que sejam “atraentes” para os indivíduos – baratos, próximos de sua residência, e “amigáveis” (informalidade, proteção dos hipossuficientes) • Mudanças nos métodos de prestação de serviços • Utilização de “paralegais” – muitos serviços não precisam de um advogado • Criação de convênios ou “seguros” – redução dos custos e serviço especializado Conclusões • As reformas judiciais e processuais não são substitutos suficientes para as reformas políticas e sociais • “Tirar” do Judiciário, ou fazer o Judiciário mais acessível? Quando se fala em amplo acesso, redução de custos e eficiência, é preciso analisar se a redução do Judiciário é medida salutar ou apenas a manifestação de uma vontade política travestida de boas intenções As reformas não podem (e não devem) ser transplantadas simploriamente de seus sistemas jurídicos e políticos Procedimentos modernos e eficientes não podem abandonar as garantias fundamentais do processo – e da Constituição
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