Buscar

O Direito à Educação Domiciliar no Brasil

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 234 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 234 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 234 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

See	discussions,	stats,	and	author	profiles	for	this	publication	at:	https://www.researchgate.net/publication/303551238
O	direito	à	educação	domiciliar
Book	·	May	2016
CITATIONS
0
READS
8,511
1	author:
Some	of	the	authors	of	this	publication	are	also	working	on	these	related	projects:
Direito	Penal	Contemporâneo	View	project
ALEXANDRE	MAGNO	FERNANDES	Moreira
Banco	Central	do	Brasil
52	PUBLICATIONS			5	CITATIONS			
SEE	PROFILE
All	content	following	this	page	was	uploaded	by	ALEXANDRE	MAGNO	FERNANDES	Moreira	on	27	May	2016.
The	user	has	requested	enhancement	of	the	downloaded	file.
1 
 
 
O Direito à 
educação 
domiciliar 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
Prefácio 
 
Em “O Direito à educação domiciliar”, Alexandre Moreira compilou um recurso 
abrangente e útil de uma importante questão para a comunidade de educação domiciliar 
no Brasil. As questões abordadas no livro serão úteis para qualquer pessoa que tenha 
algum interesse nesta forma de educação, que tem crescido rapidamente. A maneira pela 
qual um país, em última análise, aborda a questão da educação domiciliar, revela muito 
sobre a cultura cívica, política e dirigente de uma nação. A questão apresenta um nexo 
jurídico, político e cultural dos direitos dos pais, crianças e sociedade na educação das 
gerações futuras. 
 
Dr. Joseph Murphy, diretor associado da Vanderbilt School of Education, identifica a 
educação domiciliar tanto como um movimento social quanto como uma forma 
alternativa de educação. O interesse em educação domiciliar está crescendo no Brasil. 
Isso fica claro a partir dos processos judiciais que foram iniciados, bem como o fato de 
que uma conferência mundial sobre educação domiciliar foi realizada em março de 2016 
no Rio de Janeiro, onde os principais pesquisadores de educação, advogados e políticos 
se reuniram para discutir o tema Home Education: it’s a right (Educação Domiciliar: é 
um direito). 
 
O Congresso Brasileiro tem considerado uma possível legislação, e um caso de 2016, 
pendente no Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da educação 
domiciliar, indicam que o movimento de educação em casa no Brasil chegou a um ponto 
crítico. O Brasil é o maior país livre e democrático na América do Sul e tem influência 
global, portanto como os formuladores de políticas brasileiros e juízes atenderão às 
demandas de seus cidadãos por liberdade de praticar a educação domiciliar, afetará 
dramaticamente os brasileiros, mas também muitos outros além de suas fronteiras. 
 
Hoje, existem mais de dois milhões de crianças educadas em casa nos Estados Unidos. 
Pesquisas demonstram que as crianças que são educadas em casa estão bem preparadas 
acadêmica e socialmente para participar de uma democracia liberal. Em comparação com 
3 
 
a média da população, pesquisas sugerem que crianças educadas em casa são mais 
civicamente engajadas, empreendedoras, envolvidas na sociedade, e a educação 
domiciliar foi tema de debate político intenso ao longo de duas décadas. Pesquisas 
também revelam que não existe uma correlação positiva entre a regulamentação e 
resultados para crianças educadas em casa. Isto significa que os altos níveis de 
regulamentação não implicariam resultados mais positivos. 
 
A crescente comunidade de educação domiciliar, em todo o globo, está se engajando com 
formuladores de políticas em todos os níveis, para garantir que eles tenham poderes para 
fornecer essa forma positiva de educação aos seus filhos. 
 
Muitos interpretam o direito das crianças e dos pais na educação como uma garantia ao 
direito à educação domiciliar. Advogados pela educação domiciliar, como eu, também 
enxergam numerosos documentos internacionais de direitos humanos estabelecem 
claramente que as crianças, em sua maioria, estão sob os cuidados de seus pais, cuja 
autoridade e responsabilidade para tomar decisões educacionais são respeitadas pelo 
Estado. Alexandre era redator principal dos Princípios do Rio 
(www.therioprinciples.org), que estabelecem a forma de como o direito de educação 
domiciliar deveria ser visto no âmbito do quadro internacional contemporâneo de direitos 
humanos.i 
 
Infelizmente, parece que muitas pessoas confundem o ensino obrigatório com frequência 
obrigatória na escola, especialmente escolas públicas. Esta visão, contudo, não é a melhor 
referência à luz dos direitos dos pais e crianças quanto à educação. 
 
O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais articula claramente 
que os pais têm o direito de enviar seus filhos para escolas não administradas pelo Estado 
ou financiadas por fundos públicos. A Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu 
que os pais têm o direito fundamental de dirigir a criação educacional de seus filhos. Em 
um caso famoso de 1925 o tribunal emitiu estas palavras: “A teoria fundamental da 
liberdade sobre a qual todos os governos desta União repousam, exclui qualquer poder 
4 
 
geral do Estado para padronizar suas crianças, forçando-as a aceitar o ensinamento de 
apenas professores públicos. Uma criança não é a mera criatura do Estado; aqueles que a 
nutrem e dirigem o seu destino possuem o direito, juntamente com o elevado dever, de 
reconhecê-la e prepará-la para obrigações adicionais”. 
 
Neste livro, Alexandre discute as questões mais importantes que os formuladores 
políticos precisam lidar sobre a educação em casa. Estas incluem o papel da família na 
sociedade e na educação de uma criança, a história da educação e o fenômeno da educação 
em casa à luz dos padrões atuais, a dignidade individual do ser humano, a importância da 
neutralidade ideológica por parte do Estado, o pluralismo, e o nexo de direitos parentais 
e os melhores interesses da criança. 
 
À medida que o Brasil trilha seu caminho como uma nação desenvolvida e uma sociedade 
livre, é importante que a educação não se torne monopólio de uma instituição. Devido ao 
fato de que o propósito principal da educação é permitir o florescimento humano, esta 
deveria ser a mais individualizada possível. E educação domiciliar é a educação mais 
individualizada disponível. Há muitos argumentos práticos e persuasivos em favor da 
permissão da educação domiciliar, em um sistema político pluralista; mas o respeito à 
dignidade humana e ao valor inerente e individual do indivíduo está entre os mais 
convincentes. 
O livro de Alexandre é uma importante contribuição para a literatura no contexto de uma 
das mais importantes sociedades democráticas emergentes do mundo, e ajudará 
formuladores de políticas públicas e cidadãos a considerar os argumentos jurídicos e 
filosóficos mais importantes e relevantes. 
MIKE DONNELLY 
Director of Global Outreach 
Home School Legal Defense Associationii 
 
 
5 
 
Introdução 
 
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo 
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo 
Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva 
E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva 
Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel 
Num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu 
 
Vai voando, contornando a imensa curva norte-sul 
Vou com ela viajando Havaí, Pequim ou Istambul 
Pinto um barco a vela branco navegando 
É tanto céu e mar num beijo azul 
 
Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená 
Tudo em volta colorindo, com suas luzes a piscar 
Basta imaginar e ele está partindo, sereno e lindo 
E se a gente quiser ele vai pousar 
 
Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida 
Com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida 
De uma América a outra consigo passar num segundo 
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo 
 
6 
 
Um menino caminha e caminhando chega no muro 
E alilogo em frente a esperar pela gente o futuro está 
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar 
Não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar 
Sem pedir licença muda nossa vida 
Depois convida a rir ou chorar 
 
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá 
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar 
Vamos todos numa linda passarela 
De uma aquarela que um dia enfim 
Descolorirá 
 
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo 
Que descolorirá 
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo 
Que descolorirá 
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo 
Que descoloriráiii 
 
Ouvir Toquinho cantar Aquarela como trilha sonora de um comercial de lápis de cor é 
uma das grandes lembranças da minha infância. Aos ouvidos de um menino de oito anos 
de idade vivendo no interior de Minas Gerais, essa música não apenas soava sumamente 
bela, mas também conseguia tocar o coração ao revelar verdades sobre a vida ainda 
inacessíveis à mente racional. Hoje ao ouvi-la ainda me emociono, pois percebo mais de 
três décadas depois que a vida realmente é uma aquarela, ou talvez várias aquarelas, sobre 
7 
 
a qual nós constantemente desenhamos (traçamos mentalmente nossos planos), colorimos 
(nos envolvemos com esses planos) finalmente deixamos a aquarela se descolorir (os 
planos, realizados ou não, passam a fazer parte da nossa memória e se esvanecem com o 
passar no tempo). Apesar desses planos todos, não sabemos como será o nosso futuro, 
por quais caminhos trilharemos e em quais destinos chegaremos. Não sabemos nem quem 
vamos nos tornar nessa caminhada: talvez o menino, caso pudesse ver-se décadas depois, 
não reconheceria a si mesmo nesse adulto. 
 
Soa absurdo pedir que alguém se prepare para uma longuíssima viagem, sem destinos 
definidos, sem duração determinada, sem nem ao menos saber com certeza quem vai 
acompanhá-lo nessa viagem. Porém, é exatamente isso que a vida pede a cada um de nós. 
A vida pede que estejamos prontos para um amanhã que depende de forças absolutamente 
fora de nosso controle. Já dizia Martin Heidegger que os seres humanos são simplesmente 
“jogados no mundo” ao nascer, chegando em uma realidade para a qual não demos a 
menor contribuição. Talvez o mais exato seja dizer que somos jogados no mundo todos 
os dias ao acordar, obrigados a lidar com uma realidade quase sempre fora do nosso 
controle. 
 
E o que precisamos para realizar esse embate cotidiano com um mundo assustadoramente 
maior que nós? Melhor dizendo, como podemos transformar esse embate em uma dança 
entre o eu e o ambiente que o cerca, na qual a tensão permanente entre ambos é 
transformada em harmonia e beleza? Para responder essa pergunta, bibliotecas inteiras 
poderiam ser construídas com as formulações altamente sofisticadas de mestres da ética 
e da religião. Não há tempo, porém, para que um mero ser humano leia e absorva tão 
vasta obra, fruto da sabedoria acumulada de toda a humanidade. Não há também opção: 
é preciso viver aqui e agora e é preciso também se preparar para o futuro incerto. 
 
Uma das mais antigas e mais urgentes questões da humanidade consiste em como realizar 
essa preparação para o futuro. Para a maioria dos adultos, essa pergunta não faz mais 
sentido: a vida deve ser vivida cotidianamente, dia após dia, com a torcida de uma velhice 
serena e de uma morte indolor. De minha parte, creio que eles estão mortalmente errados: 
8 
 
o hoje é sempre o pai do amanhã e nossas escolhas atuais determinarão nosso futuro 
mesmo que não pensemos nisso. Não podemos escapar: a vida também é uma preparação 
para a morte. 
 
Com as crianças, porém, é diferente: prometemos a elas que depois de vários anos de 
preparação, estarão prontas para viver. Deixarão de ser meras “pessoas em formação”, 
como diz o Estatuto da Criança e do Adolescente, para se tornar “pessoas plenamente 
formadas” e prontas para atuar em sociedade em nome próprio, sem a necessidade de 
apoio formal de nenhum adulto. E para isso, a Constituição Federal diz que dos quatro 
aos dezessete anos, a pessoa deve ser obrigatoriamente “educada”. 
 
Não há o mínimo consenso, porém, sobre o que seja essa exatamente esse processo de 
preparação para o futuro denominado de educação. Seria alguma forma de cultivo em que 
a pessoa, como uma planta, recebe os estímulos necessários para realizar seu potencial? 
Em outras palavras, a educação seria simplesmente o cumprimento do comando de 
Nietzsche: “torna-te quem tu és”? Ou, por outro lado, seria a introdução da criança ao 
patrimônio cultural da humanidade, apta a transformar um ser biológico em um ser 
humano? Ou, na forma mais pragmática, seria apenas a preparação para a uma vida 
economicamente produtiva, tornando as pessoas aptas ao mercado de trabalho? Afinal de 
contas, as crianças devem mesmo ser educadas por adultos ou podem fazer isso por si 
mesmas? 
 
Os questionamentos não terminam e certamente nunca terminarão pelo simples motivo 
de que sempre haverá diversas visões sobre o adulto que se pretende construir e o modo 
como deve ser feita essa construção. No meio de tanta polêmica sobre o que é educação, 
sobre como as crianças devem ser educadas e mesmo se devem ser formalmente 
educadas, é paradoxal todo o esforço que tem sido feito pelo Estado para que a educação 
esteja necessariamente centrada na instituição escolar. Afinal de contas, as crianças 
precisam de escola para se tornarem adultos saudáveis, felizes e produtivos? Para algumas 
crianças, a resposta é certamente positiva, mas não há evidências de que essa resposta 
9 
 
seja a mesma para a maioria das crianças. Certamente, a escola não é a opção mais 
adequada para todas as crianças, mesmo porque não existe essa opção. 
 
A experiência tem demonstrado que existem tantas maneiras de se educar quanto existem 
crianças no mundo. Nenhum ser humano percorre um caminho exatamente igual aos 
demais. Tentar impor um modelo idêntico para todos não apenas vai contra essa 
experiência como também viola a dignidade de cada criança, tratando-a meramente como 
parte de uma massa amorfa e não como uma pessoa a parte que deve ser respeitada em 
sua individualidade. Esse tipo de mentalidade centralizadora e autoritária tem sido 
responsável por intenso sofrimento de milhões de crianças por todo o País, que têm seu 
bem-estar atual gravemente prejudicado em nome da preparação para um futuro que, na 
imensa maioria das vezes, não tem nada a ver com seu potencial, seus talentos, suas 
deficiências e seus desejos. Dessa maneira, a infância de hoje termina por ser brutalmente 
sacrificada em nome de um “adulto ideal”, concebido artificialmente pelo sistema, que 
pouco ou nada tem a ver com o potencial da criança. Estamos, enfim, sacrificando a alma 
de nossas crianças em nome de uma criatura futura que somente existe na cabeça de uma 
elite intelectual. 
 
Sim, a criança é frágil e precisa ser protegida, cuidada e amparada. Porém, somente os 
adultos que a amam têm real condições de fazer isso, pois naturalmente o interesse deles 
consiste na realização dos interesses da criança. Deixar a educação nas mãos daqueles 
que não tem amor pela criança significa na prática submetê-la a um tratamento indigno e 
profundamente desrespeitoso com sua individualidade. Nem todas as famílias, porém, 
têm condições de efetivamente dirigir a educação dos filhos, como determina nosso 
Código Civil. 
 
Este livro fala das famílias que não apenas têm condições de dirigir a educação dos filhos, 
mas principalmente têm disponibilidade e vontade para fazer isso. A educação domiciliar 
não é meramente uma alternativa à escola; muito mais do que isso, consiste no mais 
integral cumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar. Essencialmente, educar 
10 
 
os filhos em casa é provavelmente a maiormanifestação de amor que os pais podem dar 
a eles. 
 
Sabemos, porém, que a criança não pode viver apenas de amor: ela precisa efetivamente 
ser educada, preparada para a vida adulta. Em outras palavras, a educação precisa ser 
eficiente, precisa cumprir seus objetivos. Milhões de famílias no mundo todo e milhares 
de famílias no Brasil têm demonstrado que isso é possível por meio da educação 
domiciliar. Na verdade, as crianças educadas essas famílias têm mostrado resultados bem 
melhores do que aquelas educadas no sistema escolar, mesmo em escolas privadas. 
 
Se esses fatos fossem suficientes para falar por si, este livro seria absolutamente inútil. 
Infelizmente, muitas vezes toneladas de evidências podem não significar nada para as 
autoridades públicas. Estamos afinal em um Estado Democrático de DIREITO, onde tudo 
deve ser justificado a partir de normas jurídicas. Com essa pretensão o livro foi escrito: a 
de traduzir na linguagem jurídica a experiência concreta desses milhares de famílias no 
Brasil. 
 
Faço votos de que este livro ajude a tornar a vida dessas famílias um pouco menos difícil, 
para que elas possam se concentrar naquilo que realmente interessa: a educação de seus 
filhos. Vejo esta obra também como um subsídio para todos aqueles que, educando em 
casa ou não, acreditam e lutam por mais liberdade educacional. Desejo por fim que este 
livro se torne, no futuro próximo, uma peça de museu, reminiscência de uma época em 
que ainda se considerava necessária a elaboração de complexas teses jurídicas para 
explicar o óbvio ululante, qual seja, que os pais não apenas podem educar seus filhos em 
casa como também são as pessoas mais capacitadas e mais interessadas na educação de 
seus próprios filhos. 
 
 
 
 
11 
 
Índice 
 
I – Educação: conceitos fundamentais 
 
II – A família 
1. Conceito e espécies de famílias 
2. O regime jurídico da família 
3. Familismo na Constituição Federal 
 
III – O fenômeno da educação domiciliar 
1. A educação dirigida pelos pais 
2. Abordagens e situações de educação domiciliar 
3. Motivações para a adoção da educação domiciliar 
4. Situação da educação domiciliar no mundo e no Brasil 
 
IV – Questões jurídicas fundamentais 
1. A dignidade da pessoa humana e a educação infantil 
2. A neutralidade ideológica do Estado 
3. A liberdade de consciência e de crença na educação infantil 
4. O direito de transmitir determinada cultura às novas gerações 
5. O pluralismo político 
6. Os direitos das associações 
7. As relações do poder familiar com o poder estatal 
 
12 
 
V – O direito à instrução dirigida pelos pais 
1. A educação como direito social e o princípio da subsidiariedade 
2. O pluralismo político aplicado à educação 
3. O princípio da proteção integral ou do melhor interesse da criança 
 
Conclusões 
 
Apêndices 
 
Reflexões sobre educação e família 
 
Declaração de princípios do Rio de Janeiro sobre educação domiciliar 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
I – Educação: conceitos fundamentais 
 
We don't need no education 
We don’t need no thought control 
No dark sarcasm in the classroom 
Teachers leave them kids alone 
Hey! Teachers! Leave them kids alone! 
All in all, it's just another brick in the wall 
All in all, you're just another brick in the walliv 
 
A música Another Brick in the Wall, da qual foi retirado o trecho acima, é provavelmente 
a manifestação mais famosa de repúdio ao sistema escolar. Lançada no final de 1979, 
alcançou em 1980 o primeiro lugar das paradas em países tão diversos como Estados 
Unidos, Israel e Nova Zelândia. A música chegou a ser proibida pelo regime racista da 
África do Sul, pois havia se tornado um verdadeiro hino nos protestos contra a segregação 
nas escolas sul-africanas. Ainda hoje, Another Brick in the Wall é considerada uma das 
melhores músicas de todos os tempos.v 
A gigantesca repercussão dessa música demonstrou a existência de uma percepção 
compartilhada em vários países do mundo de que há algo essencialmente errado com a 
educação tal qual a concebemos hoje. Infelizmente, a banda inglesa Pink Floyd também 
cometeu um erro, que passou despercebido por quase todos que ouviram a música. Esse 
erro foi a confusão entre educação e escolarização. Bem, não precisamos jogar toda a 
culpa em Roger Waters & cia., pois esse erro é largamente disseminado. E não é o único: 
instrução, por exemplo, também é frequentemente associada com escolarização.vi Da 
mesma forma, os termos professor e educador são frequentemente tomados como 
sinônimos. vii 
Sem dúvida alguma, o termo “educação” é o de mais problemática definição. Vários 
sentidos, muitas vezes com pouquíssima relação entre si foram se agregando à palavra 
“educação” com o passar do tempo. viii A razão para essa infindável diversidade semântica 
14 
 
foi a excepcional circunstância de que, a partir do Iluminismo, a educação passou a ter 
uma forte conotação emotiva, significando “o instrumento fundamental de transformação 
individual e social”.ix Nesse sentido, a educação passou a ser um símbolo agregador de 
todas as transformações sociais e individuais visualizadas pelas mais diversas correntes 
ideológicas. x 
Entre as várias definições reconhecidas de educação, destaco: 
“Educação desenvolve no corpo e na alma do aluno toda a beleza e toda a 
perfeição de que ele é capaz.” (Platão) 
“A educação é a criação da mente sadia em um corpo sadio. Desenvolve a 
faculdade do homem, especialmente sua mente, para que ele possa ser capaz 
de desfrutar a contemplação da verdade suprema, a bondade e beleza.” 
(Aristóteles) 
“A educação é o desenvolvimento da criança de dentro.” (Rousseau) 
“A educação é desdobramento do que já existe em germe. É o processo através 
do qual a criança faz com que o interno torne-se externo.” (Froebel) 
“A educação é o desenvolvimento harmonioso e progressivo de todos os 
poderes e faculdades de inatas do ser humano – físicas, intelectuais e morais.” 
(Pestalozzi) 
“A educação é o completo desenvolvimento da individualidade da criança 
para que ele possa fazer uma contribuição original para a vida humana de 
acordo com o melhor de sua capacidade.” (T. P. Nunn) xi 
Apesar dessa diversidade de definições, é possível identificar uma essência comum a 
todas elas: a educação diz respeito a um desenvolvimento, uma maturação, um 
florescimento do potencial individual.xii Nesse sentido, a educação não é um pensamento 
ou uma teoria, mas uma forma de ação concreta sobre o indivíduo: 
Educação é ação, e a definição de Durkheim parece-nos excelente: “A 
educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda não 
amadureceram pela vida social.” Ação de uma personalidade sobre outras, 
criação de comunicações psicológicas entre seres humanos, a educação 
pertence ao domínio da arte: a arte de criar condições favoráveis a essa ação 
profunda, suscetível de orientar a evolução de um sujeito, a arte de manejar 
15 
 
certas técnicas de ação, a arte de conduzir para os objetivos determinados 
aqueles cujo encargo nos pertence.xiii 
Analiticamente, é possível constatar que a educação: 
a) Compreende diversos processos de aprendizagem no decorrer da vida, sem 
limitação a uma situação específica, como a escolar;xiv 
 
b) Consiste essencialmente no desenvolvimento de um poder inato da pessoa; 
 
c) É um processo dinâmico, que se desenvolve de acordo com as mudanças na 
situação concreta da pessoa; 
 
d) Em regra, é um processo tripolar, que requer a participação do educador, do 
educando e da sociedade em que eles vivem. xv xvi 
A educação pode ser realizada fundamentalmente de modo: 
a) Informal: “ocorre no curso de atividades adultas mundanas nas quais os jovenstomam parte de acordo com sua habilidade. Não há uma atividade executada 
apenas para ‘educar as crianças’.”xvii; 
 
b) Formal: existe um processo educacional específico, destacado da vida cotidiana, 
que se destina à transmissão de conhecimentos, hábitos e habilidades para as 
novas gerações. xviii Enquanto a educação informal parte de uma relação pessoal 
entre o educador e o educando (por ex., pai e filho), a educação formal é centrada 
no conteúdo, universalmente padronizadoxix. A educação formal é realizada 
usualmente dentro do ambiente escolar; 
 
c) Não formal: qualquer atividade educacional organizada realizada fora do sistema 
estabelecido. Envolve grupos comunitários e outras organizações. Existem os 
seguintes tipos de educação não formal: 
 
I) Educação paraformal: atividades reconhecidas por autoridades 
educacionais e que correm paralelamente ao sistema educacional. É o caso 
16 
 
da educação à distância, dos programas de tutoria e de aulas 
complementares para pessoas com problemas de aprendizagem; 
 
II) Educação popular: iniciativas educacionais explicitamente dirigidas aos 
grupos marginais da população, de forma concreta e aproveitando-se de 
seus conhecimentos anteriores; xx 
 
III) Atividades de desenvolvimento pessoal: realizadas por meio do mercado 
privado de ensino com o objetivo de atender demandas de caráter 
individual. No Brasil, essas atividades acontecem nos “cursos livres”, que 
recebem essa denominação por não requererem reconhecimento do 
Ministério da Educação. São exemplos dessas atividades os cursos de 
idiomas, esportes, artes plásticas e informática; xxi 
 
IV) Treinamento profissional: inclui os vários programas de treinamento 
profissional e vocacional organizados por firmas, sindicatos, agências 
privadas e até escolas formais. Seu objetivo é capacitar profissionais para 
atender às necessidades das empresas. xxii 
Idealmente, a educação formal e não formal distinguem-se nos seguintes aspectos: xxiii 
 Formal Não formal 
Propósitos Longo prazo & geral Curto prazo & específica 
Baseada em certificação Não baseada em 
certificação 
Tempo De ciclo longo De ciclo curto 
Preparatório Recorrente 
Tempo integral Meio expediente 
Conteúdo Padronizada Individualizada 
Absorção Produção 
Centrada na academia Centrada na prática 
Requisitos de admissão 
determinam a clientela 
A clientela determina os 
requisitos de admissão 
17 
 
Sistema de administração Baseada na instituição, 
isolada do ambiente. 
Baseada no ambiente, 
relacionada à comunidade. 
Estruturada rigidamente. Flexível. 
Centrada no professor. Centrada no aluno. 
Utilização intensiva de 
recursos. 
Economia de recursos. 
Controle Externo Autogoverno 
Hierárquico Democrático 
 
Por sua vez, a “instrução se refere à formação intelectual, formação e desenvolvimento 
das capacidades cognoscitivas mediante o domínio de conhecimentos sistematizados”. 
xxiv
 Nesse sentido, instrução é, essencialmente, a transmissão de conhecimentos e 
habilidades. A instrução não é um fim em si mesmo, mas apenas um dos meios de se 
realizar a educação, como explica José Carlos Libâneo: 
Há uma relação de subordinação da instrução à educação, uma vez que o processo e o 
resultado da instrução são orientados para o desenvolvimento das qualidades específicas 
da personalidade. Portanto, a instrução, mediante o ensino, tem resultados formativos 
quanto converge para o objetivo educativo, isto é, quando os conhecimentos, capacidades 
e habilidades propiciados pelo ensino se tornar princípios reguladores da ação humana, 
em convicções e atitudes reais frente à realidade. xxv 
O ensino “corresponde a ações, meios e condições para a realização da instrução; contém, 
pois, a instrução. (...) o ensino é o principal meio e fator da educação – ainda que não o 
único – e, por isso, destaca-se como campo principal da instrução e educação”.xxvi O 
ensino pressupõe necessariamente uma intenção (objetivo a ser alcançado por aquele que 
se submete ao ensino) e em caráter triádico, pois se refere a quem ensina, à quem se ensina 
e ao que é ensinado. Nesse sentido, o ensino é muitas vezes visto como mero sinônimo 
de educação, mas trata-se, na verdade, de apenas uma das formas de realização do 
processo educacional. Nada impede, por exemplo, que a educação ocorra sem um 
educador (aquele que ensina): essa é a situação do autodidatismo, no qual a aprendizagem 
ocorre sem o ensino.xxvii 
A aprendizagem consiste na “aquisição de uma técnica qualquer, simbólica, emotiva ou 
de comportamento: isto é, uma mudança nas respostas de um organismo ao ambiente, que 
18 
 
melhore tais respostas em vista da conservação e do desenvolvimento do próprio 
organismo”xxviii. A aprendizagem tem três dimensões: 
a) humana: relacionamento interpessoal (professores, alunos, direção, funcionários); 
b) político-social: época histórica, políticas governamentais, etc.; 
c) técnica: definição de objetivos, seleção de conteúdos, técnicas e recursos de 
ensino. 
Cultura, em sentido antropológico, engloba tudo aquilo que o ser humano produz para 
garantir sua sobrevivência e desenvolvimento. Abrange desde atividades essencialmente 
materiais, como a agricultura,xxix até obras de caráter mais intelectual, como a literatura e 
as artes. A Constituição Federal adotou esse conceito ao definir patrimônio cultural 
brasileiro como “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou 
em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes 
grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216, caput). A transmissão da cultura se 
faz por meio da educação, formal, não formal e mesmo informal. 
Escolarização (ou educação escolar), por sua vez, refere-se a todos os processos de 
caráter educacional controlados por uma instituição específica, a escola. Em termos 
jurídicos, escolarização é sinônimo de submissão a padrões homogêneos definidos 
nacionalmente; no caso do Brasil, esses padrões constam da Lei nº 9.394, de 20 de 
dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional – também conhecida 
como LDB), que delimita expressamente seu âmbito de aplicação: “Esta Lei disciplina a 
educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em 
instituições próprias” (art. 1º, § 1º).xxx A escolarização não é apenas a educação 
institucionalizada (isto é, conduzida por estruturas burocráticas altamente reguladas, as 
escolas), mas também uma ideologia xxxi, um mito xxxii, uma religião xxxiii e um processo 
educacional xxxiv. 
Educador é simplesmente aquela pessoa responsável pela educação de outrem. Sua 
relevantíssima função social consiste na transmissão seletiva da cultura às novas 
gerações. Nesse sentido, o educador determina quais manifestações culturais são 
relevantes o bastante para serem internalizadas pelos educandos. Não é exagero dizer que 
o conjunto de possibilidades de vida imagináveis por determinada geração foi 
determinado majoritariamente pelos educadores dessa geração. 
19 
 
Professor ou docente é a pessoa responsável pela educação, ou mais, estritamente, pela 
transmissão de conhecimentos a outras pessoas. A atividade do professor é o ensino, que 
pode ser realizado tanto em caráter informal (na educação domiciliar, por exemplo, o 
ensino é responsabilidade dos pais) quanto profissionalmente, dentro de um ambiente 
escolar como integrante de uma profissão. Existem duas espécies fundamentais de 
professores: 
a) Os professores instrutores: são responsáveis apenas pela transmissão de 
conhecimentos. Não têm o poder de determinar o que, porque e para que 
transmitir, mas somente prestam um serviço tendo em vista os fins já 
determinados por outrem. Geralmente, consideram-se instrutores ou facilitadores 
aqueles que atuam na educação não formal(por exemplo, em cursos de línguas 
estrangeiras, de artes marciais e de mecânica); 
 
b) Os professores educadores: são simultaneamente educadores e instrutores, pois 
são responsáveis tanto por transmitir conhecimentos e habilidades como também 
por selecionar os bens culturais e as finalidades com que eles são transmitidos. O 
professor educador transmite ao educando a cultura filtrada de acordo com sua 
ideologia e visão de mundo. Essa função é exercida pelos pais e mais 
controvertidamente pelos profissionais do sistema escolar. 
O quadro a seguir sintetiza as categorias de professores: 
 Atividade formal Atividade informal 
Instrutores Professores inseridos no 
sistema escolar. 
Instrutores de cursos livres. 
Educadores Professores e outros 
profissionais do sistema 
escolar. 
Pais e responsáveis por 
crianças e adolescentes. 
 
Intelectual, em sentido lato, é todo aquele que, dotado de cultura consideravelmente maior 
que a média da população, reflete sobre as realidades sociais e propõe soluções para os 
problemas dessa sociedade. A classe dos intelectuais é tradicionalmente denominada de 
intelligentsia. Na conhecida classificação das espécies de poder realizada por Max 
Weber, o poder intelectual (ao lado do militar e do político) tem destacada importância, 
20 
 
uma vez que determina a ação alheia sem a necessidade da utilização da força física ou 
de meios financeiros. 
Extremamente influente no Brasil é a distinção realizada por Antônio Gramsci entre 
intelectuais tradicionais e intelectuais orgânicos: 
Daqui a designação de intelectuais “orgânicos” distintos dos intelectuais tradicionais. 
Estes, para Gramsci, eram basicamente os Eram os intelectuais estagnados no mundo 
agrário do Sul da Itália. Eram o “clero”, “os funcionários”, “a casa militar”, “os 
acadêmicos” voltados a manter os camponeses atrelados a um status quo que não fazia 
mais sentido. (...) 
(...) 
“Orgânicos”, ao contrário, são os intelectuais que fazem parte de um organismo vivo e 
em expansão. Por isso, estão ao mesmo tempo conectados ao mundo do trabalho, às 
organizações políticas e culturais mais avançadas que o seu grupo social desenvolve para 
dirigir a sociedade. Ao fazer parte ativa dessa trama, os intelectuais “orgânicos” se 
interligam a um projeto global de sociedade e a um tipo de Estado capaz de operar a 
“conformação das massas no nível de produção” material e cultural exigido pela classe 
no poder. Então, são orgânicos os intelectuais que, além de especialistas na sua profissão, 
que os vincula profundamente ao modo de produção do seu tempo, elaboram uma 
concepção ético-política que os habilita a exercer funções culturais, educativas e 
organizativas para assegurar a hegemonia social e o domínio estatal da classe que 
representam.xxxv 
De acordo com essa classificação, os professores, responsáveis pela educação, seriam 
necessariamente intelectuais tradicionais ou orgânicos. Na doutrina pedagógica brasileira, 
há praticamente um consenso no sentido de que os professores não apenas são 
intelectuais, mas principalmente têm o dever moral de serem intelectuais orgânicos, ou 
em outros termos, intelectuais transformadores. xxxvi Maria Lúcia de Arruda Aranha, 
autora do mais influente manual de filosofia da educação no Brasil, afirma essa 
vinculação entre professor e intelectual orgânico de forma assaz contundente: 
Ser um educador intelectual transformador é compreender que as escolas não são espaços 
neutros de mera instrução, mas carregados de pressupostos que representam as relações 
de poder vigentes e convicções pessoais nem sempre explicitadas. Imaginar que a escola 
seja um local apolítico, em que são transmitidos conhecimentos objetivos e apartados do 
21 
 
mundo das injustiças sociais, é manter uma postura conservadora. Perigosamente 
conservadora, por contribuir com a manutenção do status quo.xxxvii 
Ideologia tem duas concepções: a neutra e a crítica. De acordo com a primeira, ideologia 
é uma visão de mundo compartilhada por determinado grupo; é, nesse caso, sinônimo de 
ideário. Na concepção crítica, de fundo marxista, ideologia é a estratégia utilizada pelos 
intelectuais a serviço de uma classe para representar falsamente a realidade em benefício 
dessa classe. Para propagar a ideologia dominante e manter o sistema mediante o 
consenso da população, o Estado contaria com aparelhos ideológicos, quais sejam, 
instituições como a família, a religião, a escola, o sistema legal, a cultura e a 
comunicação. xxxviii 
Propagandaxxxix ou doutrinação é uma forma de comunicação que busca influenciar o 
comportamento dos destinatários em direção a determinada causa ou ideologia. A 
modificação comportamental, por sua vez, consiste em um estágio mais avançado da 
doutrinação, pois utilizada técnicas empiricamente demonstradas para aumentar ou 
diminuir a frequência de um comportamento. Há controvérsia a respeito da possibilidade 
de uma diferenciação essencial entre educação propaganda ou doutrinação. xl Porém, 
considerando a educação no sentido clássico de “formação integral do ser humano”, é 
possível realizar uma série de distinções entre educação e doutrinação ou propaganda, 
como será detalhado no quadro a seguir.xli 
 
Doutrinação e propaganda Educação 
Unilateral: Diferentes ou opostos pontos 
de vista são ignorados, deturpados, 
subrepresentados ou denegridos. 
Multifacetada: As questões são 
examinadas a partir de muitos pontos de 
vista; os lados opostos são 
equitativamente representados. 
Usa generalizações, declarações 
“totalizantes” e despreza referências e 
dados específicos. 
Usa qualificadores: as declarações são 
apoiadas em referências e dados 
específicos. 
Omissão seletiva: Dados cuidadosamente 
selecionados – e mesmo distorcidos – para 
apresentar apenas o melhor ou o pior caso 
Equilibrado: Apresenta as amostras de 
uma ampla gama de dados disponíveis 
sobre o assunto. Linguagem usada para 
revelar. 
22 
 
possível. A linguagem é usada para 
esconder. 
Uso enganador das estatísticas. Referências estatísticas qualificadas com 
respeito ao tamanho, duração, critérios, 
controles, fonte e subsídios. 
Aglomeração: ignora distinções e 
diferenças sutis. Tenta reunir elementos 
superficialmente semelhantes. Raciocina 
por analogia. 
Discriminação: Assinala as diferenças e 
distinções sutis. Use analogias com 
cuidado, apontando diferenças e casos de 
inaplicabilidade. 
Falso dilema (ou/ou): apenas duas 
soluções para o problema ou duas 
maneiras de ver a questão - o “caminho 
certo” (o caminho do orador ou do 
escritor) e o “caminho errado” (qualquer 
outra forma). 
Alternativas: Há muitas maneiras de 
resolver um problema ou visualizar uma 
questão. 
Apelos a autoridade: declarações 
selecionadas de autoridades utilizados 
para encerrar uma discussão. Abordagem 
“Só o especialista sabe”. 
Apelos à razão: Declarações de 
autoridades e partes envolvidas utilizados 
para estimular o pensamento e a 
discussão. “Especialistas raramente 
concordam”. 
Apelos ao consenso ou “efeito arrastão”: 
“Se todo mundo está fazendo isso, então 
devem estar certos”. 
Apelos aos fatos: fatos selecionados a 
partir de ampla base de dados. Aspectos 
lógicos, éticos, estéticos e psicoespirituais 
considerados. 
Apelos às emoções: Usa palavras e 
imagens com fortes conotações 
emocionais. 
Apelos à capacidade das pessoas para 
respostas fundamentadas e atenciosas: 
usa explicações e palavras 
emocionalmente neutras. 
Rotulagem: usa rótulos e linguagem 
depreciativa para descrever os defensores 
de pontos de vista opostos. 
Evita rótulos e linguagem depreciativa: 
aborda o argumento, e não as pessoas que 
apoiam um ponto de vista específico. 
23 
 
Promove atitudes de ataque e/ou de defesa 
com o objetivo de vender umaatitude ou 
produto. 
Promove atitudes de abertura e de 
pesquisa. O objetivo é descobrir. 
Ignora os pressupostos e os vieses 
embutidos. 
Explora os pressupostos e os vieses 
embutidos. 
O uso da linguagem promove a falta de 
consciência. 
O uso da linguagem promove maior 
consciência. 
Pode levar à pobreza de espírito e à 
intolerância. 
Pode levar à compreensão e à visão mais 
abrangente. 
Estudos citados escondem os conflitos de 
interesse das fontes de financiamento. 
Estudos citados revelam os conflitos de 
interesse das fontes de financiamento. 
As estatísticas sempre são apresentadas 
para mostrar o máximo de dano do 
problema e mínimo de danos da solução. 
As estatísticas são apresentadas para 
mostrar vários aspectos do problema, nem 
sempre a partir de uma abordagem 
maximalista ou minimalista. 
 
Socialização é o processo de absorção e disseminação das normas culturais de um 
determinado grupo social. Em outros termos, é o modo como a cultura é transmitida a 
uma pessoa e retransmitida por essa mesma pessoa; também é conhecida como educação 
informal. Os agentes de socialização consistem nas pessoas e instituições que auxiliam 
na integração do indivíduo na sociedade. Esses agentes podem ser: 
a) primários: são as pessoas naturalmente mais próximas do indivíduo, ou seja, os 
familiares e amigos; 
 
b) secundários: são as instituições sociais nas quais o indivíduo é inserido, como 
escola, igreja e local de trabalho.xlii 
Pedagogia é a ciência da educação. Em sentido estrito, diz respeito apenas à educação 
das crianças e jovens (pedagogia vem do grego paidós, que significa criança).xliii Em 
sentido amplo, tem por objeto qualquer espécie de educação. xliv Didática é o campo da 
pedagogia que tem por objeto os modos de realização do ensino. Concepções pedagógicas 
(ou concepções educacionais) são as diversas teorias que buscam fundamentar o saber 
pedagógico. São reconhecidas as seguintes concepções: xlv 
24 
 
a) Concepção tradicional: o aluno é considerado receptor passivo de informações 
preestabelecidas pelo sistema ou instituição educacional, que deve 
criteriosamente selecionar e preparar os conteúdos a serem transmitidos às novas 
gerações. A avaliação da aprendizagem baseia-se na capacidade de reprodução 
fiel das informações ensinadas. A relação professor-aluno é marcada por forte 
hierarquização e autoritarismo; 
 
b) Concepção comportamentalista ou behaviorista (tecnicismo): o conhecimento é 
externo ao indivíduo e deve ser por ele descoberto como resultado direto de sua 
experiência. Cabe à Educação o papel de estabelecer um roteiro de ações 
rigorosamente controlado, que conduza o aluno a atingir objetivos de ensino pré-
determinados. A transmissão dos conteúdos deve levar ao desenvolvimento de 
habilidades e competências; 
 
c) Concepção humanista: privilegia os aspectos da personalidade do sujeito que 
aprende. Corresponde ao “ensino centrado no aluno”. O conhecimento, para essa 
concepção, existe no âmbito da percepção individual e não se reconhece 
objetividade nos fatos. A aprendizagem se constrói por meio da ressignificação 
das experiências pessoais. O aluno é o autor de seu processo de aprendizagem e 
deve realizar suas potencialidades. A educação assume um caráter mais amplo, e 
organiza-se no sentido da formação total do homem e não apenas do estudante; 
 
d) Concepção cognitivista: entendem o ser humano como um sistema aberto, ou seja, 
consideram sua capacidade de processar novas informações, integrando-as a seu 
repertório individual, reconstruindo-as de forma única e subjetiva continuamente 
ao longo da vida, em direção à constante autossuperação, e incorporando 
estruturas mentais cada vez mais complexas. Nessa abordagem, o professor é 
entendido como mediador entre o aluno e o conhecimento. Cabe a ele 
problematizar os conteúdos de ensino, criando condições favoráveis à 
aprendizagem, e desafiar os alunos para que cheguem às soluções por meio de um 
processo investigativo; 
 
e) Concepção sociocultural: No Brasil, Paulo Freire é o representante mais 
significativo da abordagem sociocultural. Nessa perspectiva, o ser humano não 
25 
 
pode ser compreendido fora de seu contexto; ele é o sujeito de sua própria 
formação e se desenvolve por meio da contínua reflexão sobre seu lugar no 
mundo, sobre sua realidade. Essa conscientização é pré-requisito para o processo 
de construção individual de conhecimento ao longo de toda a vida, na relação 
pensamento-prática. Visa à consciência crítica, que é a transcendência do nível de 
assimilação dos dados do mundo concreto e imediato, para o nível de percepção 
subjetiva da realidade como um processo de relações complexas e flexíveis ao 
longo da história. 
 
Glossário 
 
Educação 
Conceito “A educação é a ação exercida pelas gerações 
adultas sobre as que ainda não amadureceram 
pela vida social.” (Durkheim) 
Características Compreende diversos processos de 
aprendizagem no decorrer da vida. 
Desenvolve um poder inato da pessoa. 
Varia de acordo a com situação concreta da 
pessoa. 
Participantes: educador, educando e sociedade. 
Classificação Formal Conceito Realizada em 
estabelecimentos 
de ensino e 
regulamentada 
pelo Estado. 
Classificação Ensino 
fundamental 
E. médio. 
E. superior. 
Informal 
(ou não 
intencional) 
Não há um processo educativo 
separado da vida cotidiana da 
criança. 
26 
 
Não formal Conceito Cursos livres, sem 
regulamentação 
estatal. 
Classificação Educação 
paraformal 
Educação popular 
Atividades de 
desenvolvimento 
pessoal 
Treinamento 
profissional 
Instrução Transmissão de conhecimentos e habilidades. 
Ensino Ações, meios e condições para a realização da instrução; contém, 
pois, a instrução. 
Aprendizagem Aquisição de conhecimentos e habilidades. 
Cultura Tudo aquilo que o ser humano produz para garantir sua sobrevivência 
e desenvolvimento. 
Escolarização 
(ou educação 
escolar) 
Processos de caráter educacional controlados por uma instituição 
específica, a escola. 
Educador A pessoa responsável pela educação de outrem. 
Professor (ou 
docente) 
Conceito Pessoa responsável pela educação, ou mais, 
estritamente, pela transmissão de conhecimentos a 
outras pessoas. 
Atividade Informal Fora do ambiente escolar; não 
constitui uma profissão. 
Profissional Dentro de um ambiente escolar 
como integrante de uma profissão. 
Classificação Instrutores São responsáveis apenas pela 
transmissão de conhecimentos. 
Educadores São simultaneamente educadores e 
instrutores. 
27 
 
Intelectual Conceito Pessoa que reflete sobre as realidades sociais e 
propõe soluções para os problemas dessa 
sociedade. 
Classificação de 
Gramsci 
Tradicional Intelectual ainda preso a uma 
formação socioeconômica 
superada. 
Orgânico Intelectual que participa da 
formação de uma nova sociedade; 
também chamado de intelectual 
transformador. 
Ideologia Concepção 
crítica 
(marxista) 
Estratégia utilizada pelos intelectuais a serviço de 
uma classe para representar falsamente a realidade 
em benefício dessa classe. 
Aparelhos 
ideológicos do 
Estado 
Conceito Instituições sociais que propagam a 
ideologia da classe dominante no 
Estado. 
Espécies Religioso, escolar, familiar, 
jurídico, político, sindical, cultural 
e de informação. 
Doutrinação 
(ou 
propaganda) 
Conceito Forma de comunicação que busca influenciar o 
comportamento dos destinatários em direção a 
determinada causa ou ideologia. 
Modificação 
comportamental 
Consiste em um estágio mais avançado da 
doutrinação, pois utilizada técnicas 
empiricamente demonstradas para aumentar ou 
diminuir a frequência de um comportamento. 
Socialização Conceito Processo de absorçãoe disseminação das normas 
culturais de um determinado grupo social. 
Agentes de 
socialização 
Primários Pessoas naturalmente mais 
próximas do indivíduo: os 
familiares e amigos. 
28 
 
Secundários Instituições sociais nas quais o 
indivíduo é inserido, como escola, 
igreja e local de trabalho. 
Pedagogia Conceito Ciência da educação. 
Didática Campo da pedagogia que tem por objeto os modos 
de realização do ensino. 
Concepções 
Pedagógicas 
Conceito São as diversas teorias que 
buscam fundamentar o saber 
pedagógico. 
Classificação Tradicional 
Comportamentalista ou 
behaviorista (tecnicismo) 
Humanismo 
Cognitivista 
Sociocultural 
 
II – A família 
 
1. Conceito e espécies de famílias 
Família! Família! 
Papai, mamãe, titia 
Família! Família! 
Almoça junto todo dia 
Nunca perde essa mania 
 
Mas quando a filha quer fugir de casa 
Precisa descolar um ganha-pão 
Filha de família se não casa 
29 
 
Papai, mamãe, não dão nenhum tostão 
(...) 
 
Família! Família! 
Vovô, vovó, sobrinha 
Família! Família! 
Janta junto todo dia 
Nunca perde essa mania 
 
Mas quando o neném 
Fica doente 
Uô! Uô! 
Procura uma farmácia de plantão 
O choro do neném é estridente 
Uô! Uô! 
Assim não dá pra ver televisão 
 
(...) 
 
Família! Família! 
Cachorro, gato, galinha 
Família! Família! 
Vive junto todo dia 
Nunca perde essa mania 
30 
 
 
A mãe morre de medo de barata 
Uô! Uô! 
O pai vive com medo de ladrão 
Jogaram inseticida pela casa 
Uô! Uô! 
Botaram cadeado no portãoxlvi 
 
A geração que nasceu nas décadas de 1960 e 1970 foi a primeira a ter o rock nacional 
como sua grande referência musical e talvez a última a ter uma noção mais estabilizada 
do termo “família”. Como ilustra a simpática música dos Titãs, a família era vista como 
um lugar onde vários conflitos e desavenças aconteciam, mas mesmo assim as pessoas 
estavam reunidas essencialmente por relações de consanguinidade (“Vovô, vovó, 
sobrinha”). Analogamente, “família” ainda incluiria relações afetivas entre pessoas sem 
vínculo de consanguinidade, os amigos mais próximos, e mesmo entre pessoas e animais 
(“Cachorro, gato, galinha”). Se levarmos ainda mais longe essa analogia, “família” 
incluiria quaisquer relações sociais que tivessem, ao menos retoricamente, algum grau de 
afetividade, como empresas, associações e sindicatos. Porém, mesmo que apenas 
intuitivamente, todos nós sabíamos que família “pra valer” abrangia apenas aquelas 
pessoas pelas quais nós tínhamos relações de parentesco.xlvii Para as demais, isso não 
passava de uma figura de linguagem (era como chamar os amigos mais próximos de 
“irmãos”). 
Essa noção relativamente bem definida de família tem sido progressivamente contestada 
por movimentos sociais que procuram inflar a sua abrangência (para incluir, por exemplo, 
uniões informais, casais gays ou mesmo uniões afetivas de mais de duas pessoas) ou 
mesmo para destruir o próprio conceito de família, considerada como uma instituição 
criada na era patriarcal que não teria mais função na sociedade contemporânea. Por isso, 
mais do que nunca, é preciso identificar as diversas definições de família, além das 
variadas formas de estruturas familiares. 
31 
 
A palavra “família” tem origem no latim pater familias (chefe de família) e famulus 
(servos), e incluía, portanto, o chefe de família, seus descendentes e servos (a mulher não 
era necessariamente parte da família do marido). Apenas no final do século XVII 
“família” passou a designar, na Europa, o conjunto dos pais e dos filhos. Bronisław 
Malinowski (1884-1942), antropologista polonês, declarou que a família era uma 
instituição universal, cuja definição compreendia três elementos: 
a) um grupo delimitado de pessoas (uma mãe, um pai e seus filhos) que reconhecem 
uns aos outros e são distinguíveis de outros grupos; 
 
b) um espaço físico definido, um lar e uma casa; 
 
c) um conjunto peculiar de emoções, “amor familial”. 
Essa definição foi objeto de muita controvérsia uma vez que nem sempre essas 
características estavam presentes nas estruturas familiares estudadas pelos antropólogos 
ao redor do mundo. Considerando que a universalidade da família derivaria de uma 
necessidade humana constante, a criação das novas gerações,xlviii parece-me que seria 
mais adequado considerar a família, estruturalmente, como qualquer grupo doméstico 
que contenha ao menos um adulto e uma criança sob a dependência desse adulto. 
A família também pode ser definida funcionalmente, ou seja, de acordo com o seu papel 
social. Nesse sentido, a função primária da família é a perpetuação da sociedade, tanto 
biologicamente, por meio da procriação, quanto culturalmente, por meio da educação 
informal (socialização) ou formal. Secundariamente, a família tem diversas funções, 
dentre as quais se destacam: 
a) satisfação das necessidades sexuais de homens e mulheres; 
 
b) provimento das necessidades básicas de seus membros; 
 
c) unidade econômica primária, que estabelece a divisão do trabalho de acordo com 
o gênero e a idade; 
 
d) segurança de seus membros; 
 
32 
 
e) provimento de um ambiente de afetividade e amor. 
No Brasil, a definição de família adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e 
Estatística (IBGE) é especialmente relevante, uma vez que é considerado não apenas nos 
censos realizados pelo instituto, mas também na definição de diversas políticas públicas: 
Família – conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou 
normas de convivência, residente na mesma unidade domiciliar, ou pessoa que mora só 
em uma unidade domiciliar. Entende-se por dependência doméstica a relação estabelecida 
entre a pessoa de referência e os empregados domésticos e agregados da família, e por 
normas de convivência as regras estabelecidas para o convívio de pessoas que moram 
juntas, sem estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica. 
Consideram-se como famílias conviventes as constituídas de, no mínimo, duas pessoas 
cada uma, que residam na mesma unidade domiciliar (domicílio particular ou unidade de 
habitação em domicílio coletivo).xlix 
Muito se tem falado sobre a “decadência” e a “transformação” da família. O foco dessa 
discussão, porém, parece-me deslocado. Considerando que a existência da instituição 
“família” somente se justifica no exercício de sua função primária, a perpetuação da 
sociedade, por meio da criação e educação das novas gerações, a verdadeira questão é 
quão bem cada tipo de família pode exercer essa atribuição. Assim, quanto melhor a 
família exerce sua função primária, mais funcional ela é; por outro lado, quanto menos 
eficaz for a família no exercício de sua função, mais disfuncional ela é. 
Abstraindo as questões ideológicas que contaminam severamente o debate público, é 
possível distinguir empiricamente a funcionalidade e a disfuncionalidade de cada espécie 
de estrutura familiar. Para isso, serão consideradas as seguintes estruturas familiares, 
definidas nos termos do New Family Structures Study (NFSS) – Novo Estudo de 
Estruturas Familiares, realizado pelo professor Dr. Mark Regnerus da Universidade do 
Texas com quase 3.000 adultos de 18 a 39 anos: l 
 
Estrutura familiar Descrição Relação entre os pais 
Adotado Criança adotada por um ou 
dois estranhos (pessoas não 
relacionadas com a criança) 
Variados status conjugais e de 
relacionamento entre o(s) 
pai(s) adotivo(s) 
33 
 
no momento do nascimento 
ou antes de 2 anos de idade. 
Divorciado mais tarde 
ou guarda conjunta 
Criança vivia com a mãe e o 
pai biológicos do 
nascimento até a idade de 18 
anos, seja através de guarda 
conjunta ou em uma família 
intacta que mais tarde passou 
pordivórcio. 
Os pais biológicos não estão 
atualmente casados um com o 
outro. 
Mãe tinha uma 
relação lésbica 
Criança vivia com a mãe 
(biológica ou adotiva) que 
teve um relacionamento 
romântico do mesmo sexo 
por algum período de tempo. 
91% dessas crianças viviam 
com a mãe enquanto ela 
estava em um relacionamento 
do mesmo sexo; 57% viviam 
com sua mãe e sua parceira 
durante pelo menos 4 meses; e 
23% viviam com sua matriz e 
sua parceira durante pelo 
menos 3 anos. 
Família biológica 
intacta 
Criança vivia com seus pais 
biológicos, casados entre si, 
do nascimento até os 18 
anos. 
Pai e mãe biológicos foram 
casados durantes toda a 
infância da criança e 
permanecem casados. 
Pai em um 
relacionamento gay 
Criança vivia com o pai 
(biológico ou adotivo) que 
teve um relacionamento 
romântico do mesmo sexo 
por algum período de tempo. 
42% dessas crianças viviam 
com o pai enquanto ele estava 
em um relacionamento do 
mesmo sexo; 24% viviam 
com seu pai e o parceiro dele 
durante pelo menos 4 meses; e 
2% viviam com o pai e seu 
parceiro durante pelo menos 3 
anos. 
34 
 
Pai ou mãe solteira Criança vivia principalmente 
com um de seus pais 
biológicos, que não se casou 
(ou não se casou novamente) 
antes que a criança atingisse 
18 anos de idade. 
Os pais biológicos são 
divorciados ou nunca se 
casaram. 
Família mista Criança vivia principalmente 
com um de seus pais 
biológicos que se casou com 
alguém que não seja o outro 
pai biológico da criança 
antes que a criança atingisse 
18 anos de idade 
Os pais biológicos ou tinham 
divorciado ou nunca haviam 
se casado; o pai que tinha a 
guarda era casado. 
 
Nessa pesquisa, ficaram extremamente nítidas as diferenças de cada estrutura familiar 
para o desenvolvimento futuro da criança. No quadro a seguir, são enumerados alguns 
desses resultados (em azul são destacadas as proporções mais favoráveis e em vermelho 
as mais desfavoráveis): 
 
Estrutur
a familiar 
Maconha
li
 
Cigarro
lii
 
Prisão
liii
 
Declarou-se 
culpadoliv 
Recebem 
assistência 
social 
Desem-
prega-
dos 
Adotado 1,33 2,34 1,31 1,19 27% 22% 
Divorcia-
do mais 
tarde 
2,00 2,44 1,38 1,30 31% 15% 
Mãe tinha 
uma 
relação 
lésbica 
1,84 2,76 1,68 1,36 38% 28% 
35 
 
Família 
biológica 
intacta 
1,32 1,79 1,18 1,10 10% 8% 
Pai tinha 
uma 
relação 
gay 
1,61 2,61 1,75 1,41 23% 20% 
Pai ou 
mãe 
solteira 
1,73 2,18 1,35 1,17 30% 13% 
Família 
mista 
1,47 2,31 1,38 1,21 30% 14% 
 
A tabela acima demonstra que em todos os aspectos considerados, a família biológica 
intacta é que proporciona a melhor condição de vida para o adulto formado dentro dessa 
família.lv A conclusão dos pesquisadores não deixa dúvidas de que este é o melhor arranjo 
familiar: 
(...) serem criadas por uma família biológica intacta apresenta claras vantagens para as 
crianças sobre outras formas de parentalidade. Particularmente, o estudo fornece 
evidências que as gerações anteriores de cientistas sociais foram incapazes de coletar -
evidências sugerindo que as crianças de famílias biológicas intactas também superam 
seus pares que foram criados em lares de um pai que teve relações do mesmo sexo. 
Portanto, esse novo estudo reafirma e fortalece a convicção de que o melhor padrão para 
criar os filhos ainda é a família biológica intacta.lvi 
 
2. O regime jurídico da família 
 
O casamento é essencial para unidades familiares estáveis e fortes, que por sua vez são 
essenciais para proteger a estabilidade da nossa sociedade. (Até mesmo alguns a favor 
do casamento homossexual reconheceram esse fato e tentam usá-lo para promover sua 
própria posição!) (Declaração do parlamento australiano)lvii 
36 
 
 
Juridicamente, família é a comunidade formada por indivíduos unidos em razão de: 
a) casamento (realizado entre cônjuges) ou união estável (realizado entre 
companheiros); e/ou 
 
b) parentesco, consanguíneo (relativo às pessoas que compartilham um ascendente 
comum), por afinidade (relativo aos parentes consanguíneos do cônjuge) ou por 
adoção (ato jurídico que estabelece a relação de filiação sem que haja a 
consanguinidade). lviii 
São legalmente previstas duas espécies de família: 
a) a família natural, “comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus 
descendentes” (Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA – Lei nº 8.069, de 13 
de julho de 1990, art. 25, caput); e 
 
b) a família extensa ou ampliada, “aquela que se estende para além da unidade pais 
e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a 
criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade” 
(ECA, art. 25, parágrafo único). 
Curiosamente, a Constituição Federal utiliza, além do vocábulo “família”, também a 
expressão “entidade familiar”. Nesses termos, a família é decorrente do casamento 
enquanto que a entidade familiar compreende a união estável e a comunidade formada 
por apenas um dos pais e seus filhos.lix A doutrina tem usado os dois termos como 
sinônimos, mas é clara a intenção do constituinte de estabelecer um regime jurídico 
diferenciado para cada caso, mesmo que as diferenças sejam apenas secundárias.lx 
Nos termos da Constituição, a família, ou a entidade familiar,lxi pode ser classificada em: 
a) a família biparental: comunidade formada por dois adultos, unidos por meio de 
casamento (art. 226, §§ 1º e 2º) ou de união estável (art. 226, § 3º)lxii, e os eventuais 
filhos ou netos que tiverem; e 
 
b) a família monoparental: comunidade formada por apenas um dos pais e seus 
descendentes, sejam filhos ou netos (art. 226, § 4º). 
37 
 
 
 
Família 
Conceito Comunidade formada por 
indivíduos unidos em razão de 
Casamento ou união estável 
Parentesco Consanguíneo 
Por afinidade 
Por adoção 
Classificação Quanto à abrangência Natural 
Extensa ou ampliada 
Quanto aos pais Biparental 
Monoparental 
 
No atual contexto constitucional, a família, como agrupamento, deve ter sua função 
compatibilizada com os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, 
dentre os quais se destaca a “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, inc. III); com os 
objetivos fundamentais da República, principalmente a promoção do “bem de todos” (art. 
3º, inc. IV); e com os direitos e garantias individuais, com destaque para a igualdade 
substancial (art. 5º, caput). lxiii Nesse contexto, a família se torna, nas palavras de Cristiano 
Chaves de Farias e de Nelson Rosenvald, um “instrumento de proteção avançada da 
pessoa humana”. lxiv De acordo com esses autores: 
É simples, assim, afirmar a evolução de uma família-instituição, com proteção 
justificada por si mesmo, importando não raro violação dos interesses das pessoas nela 
compreendidas, para o conceito de uma família instrumento do desenvolvimento da 
pessoa humana, evitando qualquer interferência que viole os interesses de seus 
membros, tutelada na medida em que promova a dignidade de seus membros, com 
igualdade substancial e solidariedade entre eles (arts. 1º e 3º da CF/88). 
(...) 
Desse modo, avulta afirmar, como conclusão lógica e inarredável, que a família cumpre 
modernamente um papel funcionalizado, devendo, efetivamente, servir como um 
ambiente propício para a promoção da dignidade e a realização da personalidade de seus 
membros, integrando sentimentos, esperanças e valores, servindo como o alicerce 
fundamental para o alcance da felicidade. lxv 
38 
 
A família tem algumas semelhanças com o Estado. Primeiramente, ambos têm uma 
finalidade em comum: proteger os direitos fundamentais de seus membros, possibilitando 
que eles usufruam o máximo bem-estar possível. Os direitos fundamentais,apesar de 
serem dirigidos primordialmente ao Estado, são providos primariamente pela família que, 
se contar o mínimo de estabilidade, atua com eficiência consideravelmente maior que o 
Estado. Por exemplo, os direitos à vida, à segurança, à alimentação, ao lazer, à moradia 
são providos em primeiro lugar pela família, somente se justificando a atuação estatal nas 
situações em que a família não tem condições de prover esses direitos adequadamente 
(trata-se do conhecido princípio da subsidiariedade, que será analisado mais a frente). 
Além disso, família e Estado tem em comum a previsão expressa dos responsáveis pelo 
exercício do poder, com a determinação das competências dessas autoridades. Enquanto 
a Constituição Federal trata detalhadamente da distribuição do poder político entre os 
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o Código Civillxvi e o Estatuto da Criança e 
do Adolescentelxvii definem as competências daqueles que exercem o poder familiar, ou 
seja, o pai e a mãe. É notável ainda que a CF estabeleça deveres apenas para duas 
instituições: o Estado, juntamente com seus agentes públicos, e a família, representada 
pelos pais. 
Nesse sentido, é dever da família: 
a) “a educação” (art. 205, caput); 
 
b) “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito 
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, 
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além 
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, 
violência, crueldade e opressão” (art. 227, caput); e 
 
c) “amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, 
defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida” (art. 230, 
caput). 
Além disso, é dever dos pais “assistir, criar e educar os filhos menores” e dos filhos 
maiores “ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (art. 229). 
39 
 
As nítidas semelhanças entre a família e o Estado conferem a ela um status único entre as 
instituições da sociedade civil: a de uma entidade semiestatal. A autonomia privada, 
fundamento do princípio da dignidade humana e principal contrapeso ao poder estatal, é 
fundamentalmente exercida em dois níveis: individual e associativo. Quanto à família, 
espécie de associação, parte da doutrina a considera mais do que autônoma, mas até 
mesmo soberana.lxviii Vide, a esse respeito, a contundente lição do administrativista 
chileno Eduardo Soto Kloss: 
Família que nasce do poder soberano de um homem e de uma mulher que se dão 
mutuamente e em que ambos são “cossoberanos”, comunidade de vida e amor que 
constitui a primeira e mais radical forma de sociedade humana, “autônoma” em seus 
fins e bens, “independente de todo o poder estatal e “soberana” na sua potencialidade 
de gerar direitos, anteriores e superiores ao Estado. lxix 
Os qualificativos dados à família pelo ordenamento jurídico reforçam esse entendimento. 
No art. 226, caput, da CF, a família é denominada de “base da sociedade”, ou seja, o 
fundamento e o suporte de todas as demais estruturas sociais. Em decorrência, não é 
possível “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (CF, art. 3º, inc. I) sem que a 
família tenha força suficiente para formar indivíduos capazes de conduzir adequadamente 
as demais estruturas sociais, inclusive o próprio Estado. 
Os documentos internacionais de direitos humanos também qualificam a família da 
mesma forma: 
a) a Declaração Universal de Direitos Humanos, promulgada pela Organização das 
Nações Unidas (ONU) em 1948, dispõe que “a família é o núcleo natural e 
fundamental da sociedade” (Artigo 16, inciso III); 
 
b) a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, promulgada também 
em 1948, dispõe que a família é “elemento fundamental da sociedade” (Artigo 
VI); 
 
c) o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, promulgado pela ONU em 
1966, dispõe que “a família é o elemento natural e fundamental da sociedade” 
(Artigo 23, inciso I); exatamente nestes termos também dispuseram: 
 
40 
 
I) o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 
promulgado pela ONU em 1966; 
II) a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgado 
pela ONU em 2007 e recepcionada no Brasil com status de emenda 
constitucional;lxx e 
III) a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa 
Rica), promulgada pela Organização dos Estados Americanos em 1967 e 
adotada no Brasil em 1992; 
 
d) finalmente, a Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pela ONU em 
1989, dispõe que a família é o “grupo fundamental da sociedade e ambiente 
natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular 
das crianças”.lxxi 
Neste ponto, cabe enfatizar que nenhuma norma jurídica tem função meramente 
decorativa ou retórica. Pelo contrário: por definição, a norma jurídica, e mais ainda a 
norma constitucional, é promulgada com a finalidade de produzir efeitos na realidade 
social. Portanto, a incomparável importância dada à família faz com que essa instituição 
tenha poderes e atribuições da mais notável relevância, merecendo não apenas um 
específico ramo jurídico, o Direito de Família, mas também a mais intensa proteção do e 
contra o Estado. 
 
Família 
Concepções Tradicional Instituição (fim em si mesma) 
Contemporânea Instrumento (proteção dos direitos 
individuais de seus membros) 
Semelhanças com o Estado Finalidade: proteção dos direitos fundamentais de seus 
membros. 
Previsão expressa dos responsáveis pelo exercício do 
poder, com a determinação das competências dessas 
autoridades. 
Previsão de deveres 
Deveres familiares Educação 
41 
 
Da família como 
um todo 
Assegurar os direitos das crianças, 
adolescentes e jovens 
Amparar os idosos 
Dos pais Assistir, criar e educar os filhos 
menores. 
Dos filhos maiores Ajudar e amparar os pais na 
velhice, carência ou enfermidade. 
Natureza jurídica Entidade semiestatal, soberana na realização de suas 
funções típicas. 
Qualificações Base da sociedade 
Núcleo natural e fundamental da sociedade 
Elemento fundamental da sociedade 
Elemento natural e fundamental da sociedade 
Grupo fundamental da sociedade 
 
3. Familismo na Constituição Federal 
 
O sociólogo dinamarquês Gøsta Esping-Andersen classificou o Estado de bem-estar 
social em três tipos fundamentais:lxxii 
a) Liberal: as regras para a habilitação aos benefícios são estritas e muitas vezes 
associadas ao estigma; os benefícios são tipicamente modestos. O Estado, por sua 
vez, encoraja o mercado, tanto passiva – ao garantir apenas o mínimo – quanto 
ativamente – ao subsidiar esquemas privados de previdência; 
 
b) Conservador/corporativista: predomina a preservação das diferenças de status; os 
direitos são ligados à classe e ao status. Este corporativismo está por baixo de um 
edifício estatal inteiramente pronto a substituir o mercado enquanto provedor de 
benefícios sociais; por isso a previdência privada e os benefícios ocupacionais 
extras desempenham realmente um papel secundário. Os regimes corporativistas 
são muito comprometidos com a preservação da família tradicional. Creches e 
outros serviços semelhantes prestados à família são claramente subdesenvolvidos; 
42 
 
o princípio de “subsidiariedade” serve para enfatizar que o Estado só interfere 
quando a capacidade da família servir os seus membros se exaure. 
 
c) Socialdemocrata: A política de emancipação do regime socialdemocrata dirige-se 
tanto ao mercado quanto à família tradicional. Ao contrário do modelo 
corporativista-subsidiador, o princípio aqui não é esperar até que a capacidade de 
ajuda da família se exaura, mas sim de socializar antecipadamenteos custos da 
família. O ideal não é maximizar a dependência da família, mas capacitar a 
independência individual. Neste sentido, o modelo é uma fusão peculiar de 
liberalismo e socialismo. O resultado é um Estado de bem-estar que garante 
transferências diretamente aos filhos e assume responsabilidade direta pelo 
cuidado com as crianças, os velhos e os desvalidos. Por conseguinte, assume uma 
pesada carga de serviço social, não só para atender as necessidades familiares, 
mas também para permitir às mulheres escolherem o trabalho em vez das prendas 
domésticas.lxxiii 
O segundo tipo de Estado de bem-estar social (conservador/corporativista) baseia-se 
numa concepção denominada de familianismo (ou familismo), segundo a qual a família é 
a mais importante fonte de bem-estar para os indivíduos. A família é, portanto, uma 
instituição, na verdade a mais importante instituição social. Por essa razão, a família deve 
ser protegida e respeitada pelo Estado, que somente pode exercer funções típicas da 
família quando esta comprovadamente não puder realiza-las. Assim, em um regime no 
qual predomine a concepção familista, o principal recebedor da assistência social do 
Estado é a família e não o indivíduo. 
A Constituição Federal de 1988 nitidamente adotou o Estado de bem-estar social 
conservador, fundamentado na concepção familista. Não por acaso o primeiro objetivo 
da assistência social é a “proteção à família” (CF, art. 203, inc. I). A Norma Operacional 
Básica do Sistema Único de Assistência Social – NOB/SUAS,lxxiv por sua vez, determina 
que uma das “diretrizes estruturantes da gestão do SUAS” é a “matricialidade 
sociofamiliar” (art. 5º, inc. IV), ou seja, deve haver a “centralidade na família para 
concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos” (Política 
Nacional de Assistência Social – PNAS, p. 18).lxxv 
Essa concepção da central da família nas políticas sociais não é algo novo no Brasil, como 
bem salienta Andréa Pacheco de Mesquita: 
43 
 
Ao discutir a centralidade da família nas políticas públicas é importante salientar que no 
Brasil, segundo Pereira, “a instituição familiar sempre fez parte integral dos arranjos de 
proteção social”, e acrescenta ainda que, “os governos brasileiros sempre se beneficiaram 
da participação autonomizada e voluntarista da família na provisão do bem-estar de seus 
membros” (2006, p.29). Assim, não é algo novo a participação da família, mas o que se 
coloca hoje é o novo papel que está sendo atribuído. Se antes a família (principalmente a 
mulher) participava através do cuidado aos dependentes e na reprodução de atividades 
domésticas não remuneradas, como bem coloca Potyara (2004), hoje ela passa a ser 
centralidade nas políticas públicas (saúde, educação, assistência social). Chegando a ser 
um eixo estruturante da gestão do Sistema Único de Assistência social – SUAS: a 
matricialidade sociofamiliar.lxxvi 
Assim, quando a Constituição Federal determina que apenas a família “tem especial 
proteção do Estado” (art. 226, caput), isso significa que a família é a destinatária 
preferencial das políticas sociais, como saúde, educação, e assistência social. Como 
destacado acima por Mesquita, compete à família decidir autonomamente como distribuir 
esses benefícios entre seus membros. Presume-se, dessa maneira, que a família tem maior 
capacidade e competência que o Estado para gerir benefícios sociais para os membros da 
família. Exemplo dessa política é o conhecidíssimo bolsa-família, benefício que é 
distribuído não individualmente, mas a cada grupo familiar, e que ainda determina 
obrigações específicas para esse grupo familiar, como a obrigatoriedade de vacinação dos 
filhos. 
Tipos fundamentais de Estado de bem-
estar social 
Liberal 
Conservador/corporativista 
Socialdemocrata 
Familianismo (ou familismo) Concepção segundo a qual a família é a 
mais importante instituição da sociedade, 
devendo ser protegida e respeitada pelo 
Estado. 
Constituição Federal de 1988 Adotou o Estado de bem-estar social 
conservador, baseado em uma concepção 
familista das políticas sociais. 
 
III – O fenômeno da educação domiciliar 
44 
 
 
Educação de hoje em dia 
 
Observando a juventude de hoje em dia 
É uma anarquia não sei onde vai pará 
Com essa moda de educação moderna 
Muitos direitos, pouco dever pra cobrá 
Antigamente se educava na família 
Mostrava a trilha, pra não ter que castigá 
Diz um ditado, “quem não cuida da raiz 
Depois que cresce não consegue endireitá” 
 
Eu sou do tempo da benção e a senhoria 
Onde a hierarquia, nos fazia obedecê 
Só pelo olhar de atravessado dos meus pais 
É o que bastava e já sabia o que fazê 
 
Hoje na escola cada um com celular 
 Na sala de aula poucos prestam atenção 
O professor vai explicando a matéria 
E os alunos com fone escutando som 
Eu tenho pena do pobre do professor 
Que ganha pouco e não consegue ensiná 
Com tanto aluno, sem o mínimo interesse 
45 
 
No fim do ano só o que resta é reprová 
 
Antigamente uma vara de marmelo 
Ou um chinelo, imperava pra exemplá 
Tinha um ditado “quem obedece seus pais 
Dificilmente da polícia apanhará” 
Mas hoje em dia tudo é muito diferente 
E dar conselho nem sei se pode também 
Mais de uma coisa, tenho certeza, não muda 
Que rédea curta e carinho sempre faz bemlxxvii 
 
É quase impossível discordar do lamento expresso nessa música. Nos últimos anos, temos 
testemunhado um fenômeno coletivo de “desistência (ou renúncia) familiar”, no qual 
progressivamente a família delega a outras instituições sociais as suas atribuições mais 
típicas. Parece que sobra para a imensa maioria das famílias a função mais rudimentar de 
todas: o sustento dos filhos. Dá-se as condições materiais necessárias para a sobrevivência 
e o conforto dos filhos e deixa-se todo o restante para o Estado e para outras instituições 
sociais. Isso aconteceu de forma mais marcante quanto à atribuição mais fundamental da 
família: a educação dos filhos. 
Quase não se educa mais em casa. O cotidiano das crianças brasileiras, de qualquer nível 
socioeconômico, é marcado por uma divisão entre o espaço da escola (reservado à 
educação) e o da casa (reservado basicamente aos cuidados materiais, sendo o tempo livre 
quase totalmente preenchido pela televisão). E isso não provoca nenhum escândalo em 
nossa sociedade (aliás, escândalo no Brasil parece ter que envolver sempre desvio de 
dinheiro público...), apesar de sua extrema gravidade: todos os dias, milhões de famílias 
por todo o país descumprem seu dever natural (e obrigação constitucional) de educar os 
próprios filhos, de prepará-los para a vida adulta. Do descumprimento dessa função 
essencial, que gera a disfuncionalidade da família, até a pura e simples desagregação 
46 
 
familiar, costuma haver um caminho incrivelmente curto, que muitas vezes é percorrido 
sem que se tenha consciência de seu destino final. 
Por outro lado, cresce o número de famílias que resolveram trilhar o caminho oposto, ou 
seja, que tomaram para si a responsabilidade pela educação de seus filhos. Muitas dessas 
famílias ainda se utilizam de estabelecimentos escolares por razões meramente práticas 
(para elas, as escolas são um “mal necessário”, funcionando como “creches mais 
sofisticadas”, pois é preciso deixar as crianças em algum alugar enquanto ambos os pais 
trabalham); nos períodos em que toda a família se encontra em casa, a prioridade absoluta 
é a educação dos filhos, ou seja, a transmissão da cultura familiar para as novas gerações. 
Essas famílias tentam compatibilizar as demandas da vida contemporânea com a 
educação dos filhos, lutando para transmitir o que têm de melhor e buscando cumprir seus 
deveres naturais e jurídicos. Seu grande mérito talvez seja reconhecer a sabedoria do 
famoso

Continue navegando