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O que é ser professor hoje 
Isabel Alarcão 
O professor é um profissional que tem como projeto de vida criar condições para que 
seus alunos aprendam e desenvolvam-se 
O professor é — e sempre foi — concebido como um mediador de aprendizagens, o elo 
de ligação entre o saber e o aluno e entre este e o saber, uma espécie de tradutor do 
conhecimento. O modo como essa mediação tem sido feita é que tem variado ao longo 
dos séculos, e acentuadamente nos últimos anos, em face das enormes mudanças 
ocorridas na sociedade, no próprio conhecimento e no modo de conceber a formação. 
 
Etimologicamente, a palavra “formação” remete para “formar”, “enformar”, “formatar”. 
A ação de formar pode ser entendida como colocar em moldes previamente feitos e, 
durante muitos anos, concebeu-se a formação como o transvasar do conhecimento do 
professor para o aluno, qual recipiente que deveria armazenar o saber e reproduzi-lo. 
 
Concebe-se a formação atualmente como a criação de condições de desenvolvimento 
pessoal e social, de construção e apropriação de saberes próprios, de criação, 
autonomização e personalização, devendo os formandos assumir um papel fundamental 
nesse processo. É nesse enquadramento que entendo o papel mediador do professor 
como a responsabilidade, alicerçada no saber e na “arte”, para potencilizar as 
capacidades dos formandos em sua caminhada em direção aos saberes necessários a 
uma vivência da cidadania no século XXI. 
 
E ser cidadão no século XXI é bem diferente de ter sido cidadão em séculos anteriores, 
mesmo nos finais do recente século XX. Hoje, somos cada vez mais cidadãos do 
mundo, um mundo que não se confina à nossa terra nem sequer ao nosso país, mas que 
nos coloca em permanente interação com outras culturas, ideias e saberes. Vivemos em 
uma sociedade globalizada, repleta de complexidades e ameaças, instável nos valores 
que a regem, caracterizada por frequente mobilidade e feroz competitividade. No 
entanto, é também uma sociedade repleta de descobertas e inovações que tornam 
possível o inimaginável e deixam pairar no ar novas esperanças. 
 
Se essas são as características do mundo em que vivemos, e se elas são diferentes do 
passado, isso necessariamente repercute no modo como concebemos a educação e a 
formação. Em 2011, a Comissão Europeia publicou um documento intitulado The future 
of learning: preparing for change (Redecker et al., 2011), que considero muito 
interessante pela antevisão do que provavelmente virá a ser a educação do futuro. Na 
opinião dos autores, três aspetos a caracterizarão: a pessoalização, ou seja, a 
aprendizagem centrada na pessoa; a colaboração, isto é, a aprendizagem realizada em 
contextos sociais interativos; a informalização, que revela um reconhecimento da 
presença da aprendizagem ao longo da vida, incluindo a grande influência das 
aprendizagens em contextos informais. 
 
Os autores destacam também as possibilidades de formação abertas pelas ferramentas 
informáticas cada vez mais sofisticadas. Nesse contexto, que valoriza o eu e a sua 
relação com os outros, identificam-se três tipos de competências que deverão ser 
desenvolvidas: pessoais (iniciativa, resiliência, responsabilidade, capacidade de correr 
riscos, criatividade), sociais (capacidade de trabalhar em grupo e em rede, empatia, 
compreensão, construção conjunta) e de aprendizagem (organização, gestão do trabalho 
e metacognição). Todas essas competências são edificadas a partir de conhecimentos e 
atitudes, os alicerces sobre os quais se desenvolvem as competências, entendidas como 
a capacidade para agir em situação. 
 
Um grande desafio hoje se coloca às nossas escolas, aos nossos professores, aos nossos 
políticos: educar todos (e isso implica educar cada um) para uma cidadania ativa numa 
escola imensamente heterogênea, numa sociedade muito exigente, num mundo em 
permanente mudança, mas também repleto de possibilidades a que os nossos 
antepassados não tiveram acesso. E é nessa abertura entre o que temos, o que 
gostaríamos de ter e o que poderemos ter que se deve concentrar o pensamento sobre a 
escola, a educação e a sociedade, uma vez que a educação não se confina à escola, 
embora tenha nela e nas famílias as suas bases fundacionais. 
 
Nas considerações seguintes, começarei por chamar a atenção para a necessidade de 
articular os três contextos de formação: o formal, o não formal e o informal. Essa 
articulação implica o reconhecimento da validade de vários tipos de saber, as 
preferências de aprendizagem de cada um, a conjugação de esforços entre formadores 
nos vários contextos e o importante papel do professor como o pivô aglutinador dos 
contributos vindos de várias fontes. 
 
Gostaria também de chamar a atenção para a importância e a valorização das literacias 
que não se confinam à leitura, à escrita e aos números, mas que se estendem à literacia 
científica, informática, tecnológica, econômica e à literacia da cidadania. Compete à 
sociedade, e nomeadamente à escola, desenvolver esses saberes básicos; e os 
professores têm de estar preparados para criar os contextos favoráveis ao seu 
desenvolvimento. As literacias — ou seja, o desenvolvimento dos saberes que se 
traduzirão em ação — requerem trabalho e assentam-se em motivações e convicções. 
 
Temos de reconhecer que muitos dos nossos alunos hoje em dia não valorizam o saber 
escolar e, por isso, os professores deparam-se com problemas de desmotivação e 
indisciplina graves. Todos conhecemos, porém, casos de sucesso, normalmente 
ocorridos em escolas com um clima educativo de grande qualidade. Esses casos 
precisam ser conhecidos e divulgados, não tanto como exemplos a seguir acriticamente, 
visto que cada situação é única, mas como inspiração para se olhar a situação em que se 
está envolvido a fim de compreendê-la e, se necessário, transformá-la. 
 
É recomendável, e justo até, que, em termos de formação inicial, os professores sejam 
preparados para essa realidade, e não lhes seja apenas transmitida uma visão teórica e 
idealista do que é ser professor. Essa visão, uma vez confrontada com o choque da 
realidade, pode levar à frustração, ao desânimo, à perda de autoconfiança e ao abandono 
da profissão. 
 
Voltando agora a minha atenção para a formação dos professores, eu a concebo como 
um contínuo que, tendo o seu começo na chamada formação inicial, só poderá terminar 
com a aposentadoria. A ligar a formação inicial (que, na minha perspectiva, não pode 
prescindir da prática pedagógica supervisionada) à vulgarmente designada por formação 
continuada, que, na verdade, deverá ser um processo de desenvolvimento profissional, 
situa-se um período de indução à profissão em que aos professores principiantes, já no 
exercício da sua profissão e no convívio com os seus pares, facultem-se condições de 
socialização (não quero dizer adestramento) com apoio supervisivo que os ajudará a 
vencer os obstáculos. 
 
Também concebo a formação de professores como um processo em que se interligam a 
teoria e a prática, afastando-me, assim, dos que associam formação inicial e teoria, por 
um lado, e, por outro, formação continuada e prática. Uma formação inicial 
desenraizada da prática pode criar imagens deturpadas e fantasiosas do real exercício da 
profissão; por isso, a inserção na verdadeira realidade é essencial. No entanto, em 
contexto de trabalho, a formação continuada não pode prescindir de teorias e de 
teorização que, trazendo luz sobre os fenômenos vivenciados, estimule a qualidade e o 
desenvolvimento profissionais. 
 
A propósito dessa última afirmação, não posso deixar de reiterar a minha inteira 
concordância com a ideia, expressa nos anos 1960, mas plena de significado nomomento presente, de que a escola é muito mais do que um lugar de instrução. Schaefer 
(1967) defendia que a escola devia ser um centro de pesquisa, um lugar de produção do 
saber, e não apenas de transmissão do saber. E continuava afirmando tratar-se inclusive 
de uma responsabilidade da escola em relação à saúde mental dos seus professores, 
porque dissociá-los da produção do conhecimento e da substância da pedagogia será 
transformá-los em meros funcionários, o que significa torná-los prisioneiros em vez de 
lhes conceder a liberdade de darem voos ao seu poder intelectual. 
 
É uma escola desse calibre sociointelectual que tenho vindo a defender através da minha 
conceção de escola reflexiva como “organização que continuamente se pensa a si 
própria, na sua missão social e na sua organização e se confronta com o desenrolar da 
sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo” 
(Alarcão, 2001). 
 
Revisitando o documento a que aludi sobre a educação do futuro, eu diria que, por 
homologia, os professores também devem ser preparados em uma lógica de 
pessoalização e colaboração e que não se devem descurar as aprendizagens resultantes 
da informalização. Formar professores e formar-se como professor é um processo de 
desenvolvimento da pessoa, de cada um, um processo personalizado, uma formação do 
ser que é, ou virá a ser, um educador que ensina. 
 
A identidade do professor assenta-se na conjugação destes dois vetores: ensinar e educar 
ou, como gosto de dizer, educar ensinando, ressaltando, assim, a essência da atividade 
do professor — ensinar — e a sua mediação com vista à finalidade educativa. Ser 
professor implica saber (saber o que se ensina), saber ensinar (ensinar o que se conhece) 
e saber relacionar-se (com o saber sempre em evolução, consigo próprio no seu percurso 
de desenvolvimento, com os colegas, os alunos e suas famílias). 
 
O professor não é um técnico, um aplicador de saberes, mas um mediador. E, nesse 
sentido, destaco a dimensão da pessoalização. O professor é uma pessoa com 
conhecimentos, um profissional do humano que tem como projeto de vida criar 
condições para que outros — os seus alunos — aprendam e desenvolvam-se. Para levar 
a cabo a sua missão, não pode isolar-se no interior da sua sala de aula, pois precisa 
abrir-se aos outros, aos seus colegas, colaborar com eles, deixar-se ajudar e ajudá-los na 
melhoria de suas práticas docentes, na dinamização do projeto educativo da sua escola e 
no comprometimento com a comunidade em que esta se insere. 
 
É nesse sentido que deve ser entendida a hoje tão apregoada colaboração, bem como a 
necessidade de se considerar, na formação docente, a formação na e para a colaboração. 
Fala-se muito em colaboração, reconhece-se a sua necessidade, mas receio que nos 
cursos de formação inicial se incutam atitudes de individualismo e competição. 
 Isabel Alarcão é doutora em Educação. 
Disponível em https://loja.grupoa.com.br/revista-patio/artigo/11195/o-que-e-ser-professor-
hoje.aspx Acesso em 28/10/16.

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