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A sociedade do controle de “Terms and conditions may apply” em “O Ultimato Bourne”

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G2- Teoria da Comunicação II
Professor: Luisa Melo
A sociedade do controle de “Terms and conditions may apply” em “O Ultimato Bourne”
Michel Foucault foi o primeiro a mostrar em sua obra “Vigiar e Punir” que a sociedade moderna, através de práticas disciplinares, ergueu um sistema de poder que se baseava no controle e na submissão dos indivíduos. Segundo Foucault, “É pelo estudo dos mecanismos que penetraram nos corpos, nos gestos, nos comportamentos, que é preciso construir a arqueologia das ciências humanas”.
Para Foucault, em contraposição ao Absolutismo, período histórico que antecede a Modernidade, a sociedade moderna se classificaria como disciplinar, movida pelo olhar hierárquico. O exercício do poder busca produzir saber a respeito dos vigiados e adestrar os seus comportamentos. O autor argumenta que a sociedade se servia da vigilância nas prisões, escolas, hospitais, quartéis e outras organizações, fabricando corpos submissos, por meio de uma sujeição implantada nos indivíduos que se sabiam observados.
Alguns anos mais tarde, Deleuze formularia uma teoria sobre um novo tipo de sociedade, que se denominaria sociedade do controle. Para ele, após a Segunda Guerra Mundial, surgiram forças na sociedade que estabeleceram uma nova ordem, que estariam relacionadas a mudanças que aconteceram no mundo capitalista, ligadas, principalmente, às inovações tecnológicas. O uso dessas novas tecnologias para o controle seria o aprimoramento dos mecanismos de vigilância, mudando a natureza do poder, que deixa de ser hierárquico e passa a ser disperso mundialmente, se difunde entre nós e se torna ilocalizável. 
Com o surgimento da sociedade do controle, nenhuma forma de poder parece tão sofisticada quanto essa, que regularia aspectos imateriais das relações. Há uma passagem da sociedade disciplinar para a sociedade do controle. Na primeira, a ideia de vigilância se referia ao confinamento, à uma situação física que caracterizava as preocupações dessa sociedade. O que era regulado, vigiado, era o movimento físico dos indivíduos, seu deslocamento espacial. 
Com os novos meios de comunicação, a vigilância se dá sobre tudo, das mensagens ao trânsito de informações. Na sociedade disciplinar, o indivíduo sabia quando poderia estar sendo vigiado e se comportava de acordo com as regras. A vigilância agora não é momentânea, é constante e totalmente imersa na sociedade.
A trilogia Bourne segue um modelo de ficção onde os vilões são o sistema e exercem o controle de forma onipresente e invisível. Jason Bourne representa uma antiga ferramenta utilizada por esse sistema que se rebela, só lhe restando fugir. Em O Ultimato Bourne, a camada antiterrorismo da CIA tem uma imagem assustadoramente operacional e desumana. A CIA programa seus funcionários para servir ao sistema sem contestá-lo. Para o sistema representado por ela, toda subjetividade deve ser abolida em prol da manutenção da estrutura. Resta a Bourne, representado por Matt Damon, lutar contra essa filosofia e, para isso, precisa recuperar sua identidade para reconquistar seu espaço na sociedade. 
O filme corresponde ao suicídio simbólico de Jason Bourne e seu renascimento. Embora seja um filme que utiliza algumas ferramentas fictícias, ele nos permite a reflexão de como a população é controlada atualmente pelas tecnologias de comunicação. Bourne é uma representação do que toda a sociedade suporta hoje. 
A liberdade é restrita diante do sistema de vigilância contínuo imposto e oculto perante a sociedade do controle, que é exatamente o que é mostrado no documentário “Terms and conditions may apply”. O documentário busca revelar o que vem sendo feito pelas corporações e os governos que possuem acesso ilimitado as informações dos usuários através de bancos de dados em computadores e celulares, que podem ser acessados com um simples clique na palavra "aceitar" da política de privacidade. O documentário retrata o poder abusivo de vigilância, de controle, nas mãos de grandes empresas como o Google, o Facebook, o Twitter e o acesso do governo a todas as informações coletadas por eles. 
O papel de Jason Bourne no filme pode ser facilmente comparado ao de Edward Snowden, um Bourne da vida real. Ex-técnico da CIA, Edward Snowden, de 29 anos, foi acusado de espionagem por vazar informações sigilosas de segurança dos Estados Unidos e revelar em detalhes alguns dos programas de vigilância que o país usa para espionar a população americana, utilizando servidores de empresas como Google, Apple e Facebook. 
De acordo com Snowden, 9 em cada 10 espionados eram cidadãos comuns. Ao se apresentar ao mundo, Snowden disse que sentiu na obrigação de denunciar ao mundo, mesmo a um custo pessoal alto, os excessivos poderes de vigilância acumulados nas mãos do governo dos EUA. Em entrevista ao jornal inglês “The Guardian”, Snowden disse: "O público precisa decidir se esses programas e políticas são certos ou errados".
O mundo estava diante de um novo medo, a tecnologia. Não que fosse uma grande novidade, mas a internet se mostrou mais eficiente em descobrir informações do que os espiões antes aclamados. Matt Damon já havia comentado sobre o assunto, mas após esse episódio, tivemos a confirmação de que Jason Bourne está inserido no mundo atual baseado no controle. Os vazamentos feitos por Snowden foram um choque para as pessoas. A necessidade da verdade tornou-se mais presente do que nunca.
No documentário “Terms and Conditions may apply”, são mostradas algumas verdades assustadoras. Ele mostra casos em que a vigilância do governo americano passou dos limites. Em uma das cenas, um menino de 13 anos é procurado pelo FBI em sua escola após postar no Twitter que Obama deveria tomar cuidado com os homens-bomba após a morte de Osama Bin Laden. Em outra situação, um grupo teatral é detido por 25 horas por pensar em protestar em forma de teatro de rua no dia do Casamento Real na Inglaterra. Eles foram presos antes mesmo de fazerem qualquer coisa. 
Uma das partes mais chocantes do documentário é uma conversa vazada de Mark Zuckerberg com um colega de faculdade, na qual Mark diz que possui milhares de informações sobre todo mundo, e prossegue dizendo que pode fornecer a informação que o colega quiser, “é só pedir”. Quando questionado pelo amigo como ele tinha tanta informação, Mark responde: “As pessoas apenas me enviaram. Eu não sei por que. Elas ‘confiam’ em mim. Idiotas”.
O choque de realidade fornecido por Edward Snowden e ficticiamente por Bourne, foi absolutamente necessário. Em uma sociedade em que estamos imersos e mantidos sob controle, é fundamental levantar cada vez mais esse tipo de discussão e buscar formas de viver, não em uma sociedade de controle, mas em uma que seja justa.

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