Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 1 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro Políticas Públicas para composição no Código de Processo Civil brasileiro Fabiana Marion Spengler Theobaldo Spengler Neto (organizadores) 2 3 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro 2017 Santa Cruz do Sul 1ª edição Políticas Públicas para composição no Código de Processo Civil brasileiro Fabiana Marion Spengler Theobaldo Spengler Neto (organizadores) 2 3 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa – Direito – UFSC e UNIVALI/Brasil Prof. Dr. Alvaro Sanchez Bravo – Direito – Universidad de Sevilla/Espanha Prof. Dr. Argemiro Luís Brum –Economia – UNIJUI/Brasil Prof. Dr. Carlos M. Carcova – Direito – UBA/Argentina Profª. Drª. Caroline Müller Bitencourt – Direito – UNISC/Brasil Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster – Ciências da Comunicação – UNISC/Brasil Prof. Dr. Eduardo Devés – Direito e Filosofia – USACH/Chile Prof. Dr. Eligio Resta – Direito – Roma Tre/Itália Profª. Drª. Gabriela Maia Rebouças – Direito – UNIT/SE/Brasil Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin – Direito – UNIJUI/Brasil Prof. Dr. Giuseppe Ricotta – Sociologia – SAPIENZA Università di Roma/Itália Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Direito – UERJ/UNESA/Brasil Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – Direito – PUCRS/Brasil Prof. Dr. Janriê Rodrigues Reck – Direito – UNISC/Brasil Prof. Dr. João Pedro Schmidt – Ciência Política – UNISC/Brasil Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais – Direito – UNISINOS/Brasil Profª. Drª. Kathrin Lerrer Rosenfield – Filosofia, Literatura e Artes – UFRGS/Brasil Profª. Drª. Katia Ballacchino – Antropologia Cultural – Università del Molise/Itália Profª. Drª. Lilia Maia de Morais Sales – Direito – UNIFOR/Brasil Prof. Dr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito – Universidade de Lisboa/Portugal Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier – Direito – UNIPAR/Brasil Profª. Drª. Nuria Belloso Martín – Direito – Universidade de Burgos/Espanha Prof. Dr. Sidney César Silva Guerra – Direito – UFRJ/Brasil Profª. Drª. Silvia Virginia Coutinho Areosa – Psicologia Social – UNISC/Brasil Prof. Dr. Ulises Cano-Castillo – Energia e Materiais Avançados – IIE/México Profª. Drª. Virgínia Appleyard – Biomedicina – University of Dundee/ Escócia COMITÊ EDITORIAL Profª. Drª. Fabiana Marion Spengler – Direito – UNISC/Brasil Prof. Me. Theobaldo Spengler Neto – Direito – UNISC/Brasil 4 5 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406 Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406 Correção ortográfica: pelos autores Diagramação: Daiana Stockey Carpes Essere nel Mondo Rua Borges de Medeiros, 76 Cep: 96810-034 - Santa Cruz do Sul Fones: (51) 3711.3958 e 9994. 7269 www.esserenelmondo.com.br www.facebook.com/esserenelmondo Todos os direitos são reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida por qualquer meio impresso, eletrônico ou que venha a ser criado, sem o prévio e ex- presso consentimento da Editora. A utilização de citações do texto deverá obedecer as regras editadas pela ABNT. As ideias, conceitos e/ou comentários expressos na presen- te obra são criação e elaboração exclusiva do(s) autor(es), não cabendo nenhuma responsabilidade à Editora. P769 Políticas públicas para composição no Código de Processo Civil brasileiro [recurso eletrônico] / Fabiana Marion Spengler, Theobaldo Spengler Neto (organizadores) – Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2017. 174 p. Texto eletrônico. Modo de acesso: World Wide Web. 1. Política pública. 2. Processo civil. 3. Direito processual. 4. Mediação. 5. Conciliação (Processo civil). I. Spengler, Fabiana Marion. II. Spengler Neto, Theobaldo. CDD-Dir: 341.4618 Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406 Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates Revisão gramatical: Rodrigo Bartz Diagramação: Daiana Stockey Carpes Prefixo Editorial: 67722 Número ISBN: 978-85-67722-90-0 4 5 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro O presente livro foi construído a partir dos estu- dos, leituras e debates realizados junto ao grupo de pesquisa “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos”, certificado pelo CNPq. A pesquisa aconteceu no decorrer do ano de 2017, no âmbito do projeto intitulado “A mediação e a conciliação como políticas públicas autocomposi- tivas de Acesso à Justiça no Código de Processo Civil brasileiro (CPC)” 6 7 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro “Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo dirige-se a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. [...] Durante todos esses anos, o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei [...] Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro [...] ‘O que é que você ainda quer saber?’, pergunta o porteiro. ‘Você é insaciável.’ ‘Todos aspiram à lei’, diz o homem. ‘Como se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para entrar?’ O porteiro percebe que o homem já está no fim, e para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: ‘Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a’.” (O Processo – Franz Kafka) 6 7 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 1 O PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO COMO FUNDAMENTO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS AUTOCOMPOSITIVAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - CPC Fabiana Marion Spengler, David Kelling de Souza e Thais Mello 2 IMPACTOS PRÁTICOS E PSICOLÓGICOS DAS POLÍTICAS PÚ- BLICAS DE AUTOCOMPOSIÇÃO NA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Victor Priebe, Helena Schwantes e Julilaine Oliveira 3 ANÁLISE DAS FORMAS DE AUTOCOMPOSIÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Roselaine Berenice Ferreira da Silva, Ricardo Leal da Costa e Taiane Lemos Lorencena 4 O PAPEL DO MEDIADOR E DO CONCILIADOR NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: DOS CURSOS DE CAPACITAÇÃO À FACILITA- ÇÃO DE DIÁLOGOS Helena Pacheco Wrasse, Manoela Staub Soares e Letícia Rauber 5 A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU DE MEDIAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 334 DO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: CAMINHOS PARA A HUMANIZAÇÃO DA JUSTIÇA Camila Silveira Stangherlin, Lilian Elise Bartz e Márcio Luis Schenwgber 6 A IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIAÇÃO NAS AÇÕES DE FA- MÍLIA COMO RESULTADO DA APLICAÇÃO DOS EQUIVALENTES JURISDICIONAIS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Giácomo Tenório Farias e Maria Eriadne Leite de Oliveira 7 A MEDIAÇÃO NO DIVÓRCIO COMO POLITICA PÚBLICA NO TRATAMENTO ADEQUADO DE CONFLITOS FAMILIARES DE ACORDO COM O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Silvio Erasmo Souza da Silva, Dianifer Moraes dos Santos e Rafaela Matos Peixoto. 9 11 31 51 63 82 96 117 8 9 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro 8 A MEDIAÇÃO NAS AÇÕES DE INTERESSES DIFUSOS EM FACE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO (CPC) Cássio Alberto Arend, Aline Casagrande e Mitson Mota de Mattos 9 O JUIZ COMO LONGA MANUS DO ÁRBITRO: COMOO CPC CO- LABORA COM A ARBITRAGEM Theobaldo Spengler Neto, Paula Keller, Victor Teixeira da Silveira 10 SOBRE OS AUTORES 136 154 169 8 9 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro APRESENTAÇÃO O legislador do Código de Processo Civil de 2015 almeja inaugurar uma nova fase no Processo Civil Brasileiro, ao estabelecer as normas funda- mentais nos dispositivos inaugurais do diploma. Fincar o Processo Civil Bra- sileiro em novas bases exige de toda a comunidade jurídica uma profunda e séria reflexão, a fim de que tais propósitos efetivamente saiam do papel e ganhem vida no dia-a-dia forense, representando, em última análise, benefí- cios reais para os jurisdicionados. Dentre as novas bases trazidas pelo Código, destaca-se a valorização da justiça coexistencial, lastreada no diálogo e no consenso. Trata-se de pro- funda mudança de paradigma entre nós, tão habituados à polarização autor -réu e à solução adjudicada. No entanto, embora reconheçamos que mudar uma tradição secular consiste em um grande desafio, entendemos que, se vencido, esse desafio proporcionará que o Processo Civil saia enriquecido e a sociedade disponha de profissionais do Direito com formação mais com- pleta, multifacetada e condizente com os tempos atuais. A obra coletiva “Políticas Públicas de autocomposição no Código de Processo Civil brasileiro”, organizada pelos Professores Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto e fruto das pesquisas realizadas no grupo de pesquisa “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos”, cum- pre à altura o nobre papel de jogar luz sobre esse tema, que se encontra na ordem do dia. Os organizadores são pesquisadores de excelência, com vasta experiência no estudo dos meios alternativos de solução de confli- tos, e, nesta obra, juntamente com os autores, vêm elucidar diferentes aspectos da mediação, muitos dos quais não haviam recebido a merecida atenção da Academia. São tratados, na obra, dentre outros temas de relevo, o impacto da consensualidade para a duração razoável do processo ─ outro objetivo a ser perquirido no Direito Processual de nossos dias ─, a mediação nas ações de família e nas ações envolvendo interesses difusos, o papel do mediador para além dos cursos de formação, a preocupação com a humanização da justiça através dos meios consensuais de solução de conflitos e as relações entre arbitragem e justiça estatal. 10 11 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro Trata-se de uma obra rica, tanto na diversidade de temas relacio- nados à justiça coexistencial, quanto na profundidade e na seriedade acadêmica dos artigos que ela congrega. Por tudo isso, recomendo vi- vamente a sua leitura, na certeza de que esta obra contribui significati- vamente para o soerguimento de um Processo Civil mais compreensivo, dialogal e construtivo. Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2017. Flávia Pereira Hill Professora Adjunta de Direito Processual Civil da UERJ. Redatora-Chefe da Revista Eletrônica de Direito Proces- sual. Tabeliã. 10 11 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro 1 O PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO COMO FUNDAMENTO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS AUTOCOMPOSITIVAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - CPC Fabiana Marion Spengler David Kelling de Souza Thais Melo INTRODUÇÃO É de conhecimento geral, por isso chamado senso comum, que o Judiciário enfrenta dificuldades para lidar com o contingente de processos que a ele aporta cotidianamente. Também é sabido, desta vez de modo cientificamente provado1 – ainda que de conhecimento geral acanhado - que essa realidade já se encontra evidenciada em números e em relatórios que tem por objetivo delinear os limites do Poder Judiciário enquanto órgão es- tatal cuja função principal é decidir conflitos. O Código de Processo Civil – CPC, que entrou em vigor em 2015, trouxe vários dispositivos que pretendem tornar a prestação jurisdicional do Estado mais célere, com mais eficácia e mais humana. Diante de tal reali- dade, o presente texto tem por objetivo analisar o princípio da cooperação como fundamento para as políticas públicas autocompositivas previstas no CPC, dentre elas, e principalmente, a mediação e a conciliação. Para fins de desenvolver tal objetivo, a metodologia empregada con- tou com o método de abordagem dedutivo, partindo da relação entre argu- mentos gerais, denominados premissas, para argumentos particulares, até 1 Sobre o assunto sugere-se a leitura do Relatório “Justiça em Números” (Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros>. Acesso em: 13 out. 2016b.) 12 13 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro se chegar a uma conclusão. Como método de procedimento foi utilizado o método monográfico, a partir da leitura e fichamentos de fontes bibliográfi- cas ligadas ao tema da pesquisa. Inicialmente, o texto refere-se ao princípio da cooperação, adentrando sobre o mesmo em relação aos princípios constitucionais. A diferença entre os termos “cooperação e colaboração” é ressaltada, já que, muitas vezes, ambos se confundem em seu real significado. O processo cooperativo pro- porciona à tutela jurisdicional um andamento mais célere e eficaz; esses aspectos são abordados, especificadamente. Além disso, a cooperação por ter semelhança com o contraditório, complementa-o, formando assim, uma ligação entre esses dois princípios. Na primeira parte ocorre, também, uma explicação de quem são os sujei- tos processuais que devem, realmente, cooperar, tratando da divergência da doutrina quanto a cooperação para o juiz com as partes, bem como entre as próprias partes. Adiante, o texto adentra o debate a respeito do tempo do processo abordando a Emenda Constitucional 45 de 2004 (EC/45) que introduz a dis- cussão e que foi a mola propulsora da criação de muitas políticas públicas cujo objetivo foi tornar o processo mais célere. Concomitantemente, o mesmo item analisa alguns dos principais dis- positivos do CPC de 2015 que tem por objetivo tornar rápida e adequada a prestação jurisdicional. Esses dispositivos abrem caminho, inclusive, para a introdução, junto a legislação processual, de institutos intra/extraproces- suais tais como a mediação e a conciliação, cujo objetivo primeiro é huma- nizar a justiça adequando, em termos temporais e qualitativos, a resposta aos conflitos. Então, por fim, tendo em vista que o tempo do processo e a coopera- ção/colaboração são princípios do Processo Civil do Brasil, o capítulo abor- dará, ainda, a resposta adequada do processo, partindo-se do texto legal, da jurisprudência e da matriz principiológica. Nesse sentido, os princípios da boa-fé, os princípios processuais constitucionais e os da autocomposição, servem para colaborar com o deslinde das ações, aprimorando a interpretação, de modo a sistematizá -la e adequá-la ao contexto atual das demandas que batem às portas do Poder Judiciário. São esses, portanto, os objetos do texto que se aproxima. 12 13 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro 1.1 O PRÍNCIPIO DA COOPERAÇÃO NO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL O Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) vigente foi elaborado com diretrizes para que a sua abordagem, expressa e explicitamente, ocorresse num contexto mais abrangente, no qual a Constituição Federal ocupa um lugar de destaque (WAMBIER, 2016). Os princípios constitucionais inseridos no código de processo civil fornecem os preceitos mínimos de como deve se dar o próprio comportamento do Estado-Juiz, isto é, prescrevem, conforme Bueno (2017, p. 28) “o modo de ser (mais precisamente, de “dever ser”) do processo na perspectiva constitucional.”. Desta maneira, o princípio da coo- peração, ou, o processocooperativo, merece notoriedade. Torna-se necessário, primeiramente, fazer uma distinção entre cooperação e colaboração. Embora os dois termos sejam sinônimos, não possuem o mesmo significado. A diferenciação é precisa já que parte da doutrina utiliza, por vezes, “princípio da cooperação” e outra parte como “princípio da colaboração”. Na cooperação ocorre uma divisão mais clara de tarefas a serem rea- lizadas pelos participantes, já que cada um se responsabiliza por uma parte da resolução do problema. Na colaboração o engajamento dos participantes é mútuo, ou seja, há um esforço coordenado para a resolução do problema em conjunto (RIBEIRO, 2017). Isto é, na cooperação cada sujeito é responsá- vel por fazer a sua parte, enquanto na colaboração ambos os sujeitos traba- lham juntos. O princípio da cooperação no Direito Processual Civil tem sua origem na ligação dos princípios da boa-fé e do contraditório. Cooperar não é ape- nas uma obrigação das partes, uma vez que, no mesmo nível de importância aplica-se, também, ao juiz. Diante disso, a inclusão do artigo 6º do Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), o qual expressa que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, a decisão de mérito justa e efetiva” tornou-se de suma importância. Assim, as resoluções da lide passam a ter mais dinâmica e ativismo, já que as partes não são mais tratadas como meros artefatos do processo, garantindo o seu direito de agir de forma crítica e construtiva, dando mais celeridade ao ne- cessitado andamento do processo, bem como, integrando a maneira de agir em busca da verdade real (MELO, 2016). O enunciado n. 6 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (2015), referenciado por Ribeiro (2017, p. 109), cita que “o negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação”. Reforçando, ainda mais, a ligação da cooperação com o princípio da boa-fé. Nas palavras de Carneiro (2015, p. 4): 14 15 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro a cooperação ocorre através da prática dos atos processuais, que no contexto das partes realiza-se com o exercício dos direitos de ação, de defesa e de manifestação em geral; e na seara da magistratura se efetiva através das ordens e decisões latu sen- su. Ademais, a cooperação, como dever imposto aos sujeitos do processo, pressupõe uma harmoniosa sintonia nesta prática de atos processuais, os quais devem ser realizados sempre sob o signo da boa-fé. Ocorre que, por conta do ambiente de conflito de interesses, que é característico da relação processual, a doutrina e a jurisprudência posicio- nam-se, na maioria das vezes, no sentido de que uma parte não poderia ser compelida a praticar atos em prol dos interesses de seu adversário (AL- VIM, 2017). Porém, o modelo cooperativo de processo enxerga as partes não como adversárias, mas sim como partícipes, e tendo o mesmo objetivo que é a resolução do litígio, devem atuar em conjunto, e em consequência terão mais rapidamente o resultado. Como explica Cunha (2016, p. 9) “o processo precisa superar a fase de ser um duelo e passar a ser um diálogo.” Comple- menta-se, ainda, conforme Carneiro (2016, p. 6) que: os participantes do processo não poderiam ter comportamento diverso, na medida em que a finalidade da jurisdição é a reali- zação da justiça rápida e eficaz. Para o alcance desse mister, é fundamental que exista um vínculo de cooperação entre todos aqueles que participam da atividade jurisdicional, sem o qual dificilmente as suas finalidades poderiam ser alcançadas. A ideia de cooperação é bastante ampla, dependendo dela, a própria marcha do processo. Do início ao fim, deve “dar o tom” para todo e qualquer impulso processual. Explicitamente ou implicitamente, o contraditório é im- portante no transcorrer de cada procedimento, alinhado e ditado pelo gene da cooperação (LANES, 2014). Em relação ao contraditório, cabe destacar que, no processo civil atual, o seu significado é divergente do que lhe era atribuído à época do direito liberal. Mas, como a legitimação do exercício da jurisdição depende da participação e tendo essa importante significância no princípio do con- traditório, não há como entender como legítimo ou até mesmo democrático o processo que prive alguém de participar. A legitimidade do processo tem ligação com uma possibilidade real de participação (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017). A norma fundamental prevista no artigo 6º do Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), sob rótulo de cooperação, são de deveres que com- plementam a garantia do contraditório. Sendo o seu objetivo principal de predispor em tempo razoável, a decisão de mérito justa e efetiva. Isso só é 14 15 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro possível, devido a simbiose formada entre o contraditório e a cooperação (THEODORO JÚNIOR, 2017). Segundo Ribeiro (2017, p. 115): vale dizer, o processo de ontem não era cooperativo porque o juiz não se valia concretamente da atividade das partes para construir a sentença, elas simplesmente serviam de meio para que o juiz pudesse produzir sua sentença. Elas tinham, pois, um papel coadjuvante na criação de seu próprio direito. Com o novo CPC, o processo deve ser cooperativo no sentido de o juiz valer- se efetivamente das atividades praticadas pelas partes ao longo de todo o procedimento para democraticamente, com a colabo- ração das partes, construir a decisão judicial mais apropriada. Partindo do ponto de que uma decisão justa não pode ser fundada em fatos obscuros e nem em dúvidas que poderiam ser resolvidas, se houvesse a boa vontade dos participantes do processo, torna-se necessário compreen- der quem são os sujeitos do processo que precisam cooperar para que se obtenha a tutela jurisdicional, justa, efetiva e célere (CUNHA, 2016). A cooperação prevista no Código de Processo Civil deve ser praticada por todos os sujeitos do processo. Não é apenas um envolvimento entre as partes (autor e réu) e de seus procuradores, compreendidos entre esses os membros da advocacia pública e da defensoria pública. Terceiros interve- nientes, o próprio magistrado, os auxiliares da justiça, e o próprio Ministé- rio Público quando atuar na qualidade de fiscal da ordem jurídica, devem cooperar. Ademais, cabe destacar que os advogados das partes não podem criar empecilhos um para o outro, mesmo tendo restrições em relação ao advogado ou à parte contrária, como, por exemplo, o sigilo e a probidade profissional. Não significa, contudo, que a eles não é aplicada a cooperação (BUENO, 2017). Cada um, dentro de sua especificidade decorrente de seu mister insti- tucional, deve cooperar, uma vez que isso é essencial para viabilizar a pres- tação da tutela jurisdicional (BUENO, 2017). Desdobra-se em quatro deveres o princípio da cooperação para o juiz, os quais são: esclarecimento, diálogo, prevenção e auxílio (WAMBIER; TALAMINI 2016). Sobre a atuação do juiz no processo cooperativo, é importante a visão de Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 13) “o juiz do processo cooperativo é isonômico na sua condução e assimétrico apenas quando impõe suas decisões. Desempenha duplo papel: é paritário no diálogo e assimétrico nas decisões.” A doutrina não é pacífica em relação ao princípio da cooperação entre as partes. A cooperação no processo civil não implica cooperação entre as partes, pois estas não cooperam e não devem cooperar entre si já que pos- 16 17 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro suem interesses diferentes no que tange à sorte no litígio (MARINONI; ARE- NHART; MIDIERO, 2017). Nesse mesmo sentido, conforme salienta Amaral (2016, p. 8): é importante ressaltar, contudo, que diferentemente do que se poderia suporda interpretação literal do dispositivo em comento, quando se fala em colaboração ou cooperação, não se está a exigir a colaboração entre as partes. É ilusório imaginar que num processo de corte eminentemente adversarial as partes venham a contribuir uma com a outra para o alcance da solução mais justa para o litígio. O princípio da cooperação impõe, isto sim, que o juiz colabore para com as partes e que as partes colaborem com o juízo. Por outro lado, embora as partes não estejam obrigadas a pro- duzir provas contra si mesmas, não podem se recusar, sem razão ou motivo, a fornecer elementos imprescindíveis para que o juiz, ou até mesmo o adversário, produza determinada prova relevante para a cau- sa. Diante disso, as partes possuem sim o dever de cooperar (WAMBIER; TALAMINI, 2016). A cooperação não se restringe à relação parte-juiz, e nem se limita ao relacionamento entre as partes. Ou seja, induz a ideia de que são de- veres que devem ser cumpridos por ambos (juízes e partes) (THEODORO JÚNIOR, 2017). Deste modo, o princípio da cooperação tende a transformar o proces- so civil numa “comunidade de trabalho”. Por meio disso, é potencializado o diálogo entre todos os sujeitos processuais, com o objetivo de se obter a solução mais adequada e justa ao caso concreto (THEODORO JÚNIOR, 2017). Como base na doutrina alemã, a “comunidade de trabalho” supõe que: os seus sujeitos, cônscios de suas funções institucionais, agem com boa-fé e em regime de cooperação entre si para viabilizar a efetiva prestação da tutela jurisdicional a quem dela for merece- dor; um processo, destarte, que seja, a um só tempo, o devido e eficiente” (BUENO, 2017, p. 102). É importante salientar que, embora pareça haver uma limitação do objetivo do artigo 6º do atual Código de Processo Civil, referindo-se apenas à esfera do processo de conhecimento, a cooperação é indispensável em qualquer tipo de processo (THEODORO JÚNIOR, 2017). A decisão judicial so- mente alcançará a esperada legitimidade democrática, e por consequência, a devida rapidez e justiça, se a cooperação ocorrer constantemente no iter processual (CARNEIRO, 2015). 16 17 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro Segundo Cunha (2016, p. 9) “o princípio da cooperação tem por finali- dade evitar o erro judiciário, a injustiça da decisão, o julgamento equivoca- do.”. Por conseguinte, o processo deixa de ser apenas um conjunto de des- pachos e decisões, passando a ser uma atividade cooperativa. Cada agente possui a sua função e seus próprios interesses, mas ambos almejam um justo e efetivo fim para a causa. 1.2 O TEMPO DO PROCESSO, A EMENDA CONSTITUCIONAL 45 E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL A cooperação é princípio incorporado ao atual CPC que foi muito co- memorado. Conectada diretamente ao princípio da boa-fé, a cooperação tam- bém é uma elaboração simbólica do processo, tal como outros princípios. Porém, todas essas elaboração simbólicas do processo são alvo de ataques e críticas. Na maioria das vezes, acusa-se a justiça de ser demasiado lenta e para muitos o antídoto para essa morosidade é o tratamento dos processos “em tempo real”. Desse modo, a justiça, que se flexibiliza e desformaliza, é solicitada com mais frequência. Percebe-se que a morosidade judicial “tem uma história longa e famo- sa” (SANTOS, 2014, p. 40). A solicitação cada vez mais presente e urgente pela intervenção jurisdicional em outros poderes estatais (tais como o legis- lativo e o executivo) tem como consequência o congestionamento dos tri- bunais. Na ânsia de dar resposta céleres às demandas, o Judiciário brasileiro passou por uma reforma trazida pela Emenda Constitucional 45 (EC/45), cujas expectativas eram de que suas alterações pudessem gerar transforma- ções necessárias para implementar uma efetividade quantitativa e qualitati- vamente junto ao sistema judiciário nacional. Na verdade, a EC/45 é apenas uma das tentativas (não a primeira e, com certeza, nem a última) de buscar celeridade através da alteração/intro- dução de legislação que tenha por objetivo estimular a eficácia quantitativa das decisões através da celeridade processual (SPENGLER, 2016). O novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15)2 (SPENGLER, 2016) contempla a preocupação com a celeridade processual em alguns de seus dispositivos, dentre os quais se pode mencionar o art. 4º, Lei 13.105/15 que determina: “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solu- 2 Aqui é importante salientar que os artigos citados são exemplificativos e que não esgotam os dispositivos que tem por objetivo tornar mais célere o trâmite processual, dentre os quais pode-se referir: art. 1º, art. 3º, art. 69, art. 120, art. 153, art. 154, art. 193, art. 218, art. 219, art. 269, dentre outros. 18 19 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro ção integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Esse dispositivo tem correspondência direta com o art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, uma vez que ambos preveem o direito à duração razoável do processo - judi- cial ou administrativo. Nesse sentido, cabe ao Poder Judiciário, respeitando a determinação legal, promover a solução integral da lide. Esse artigo é uma inovação do novo Código de Processo Civil (NCPC) uma vez que não possui dispositivo correspondente no Código de Processo Civil de 1973. Em relação ao inciso LXXVIII, do art. 5º da Constituição Federal, em ligação com o art. 4º do Novo Código de Processo Civil, deve ser de relevância a verificação de como economizar a atividade jurisdicional, re- duzindo a atividade em si, o número de atos processuais e, até mesmo, a propositura de outras demandas. No entanto, não se pode ter esses dispositivos como sinônimos de celeridade, uma vez que, eventual cele- ridade não pode comprometer outras garantias do processo, as quais de- mandam por suas próprias características de tempo necessário para que se concretizem (BUENO, 2017). De igual importância é o dispositivo contido no art. 12 do NCPC: “os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”. A redação foi alterada pela Lei 13.256/2016. Esse artigo também não possui correspondência no Código de processo Civil de 1973. A primeira versão apresentada no texto processual previa que Juízes e Tribunais deveriam obedecer a ordem cronológica de conclusão. Mas, a redação foi revista e alterada pela Lei 13.256/2016. Atualmente, a determinação é de que será observada, preferencialmente, a ordem cronológica de conclusão. Esse artigo contém ainda importante referência a celeridade nas exceções à ordem cronológica de julgamento dispostas no § 2º, que objetiva a possibilidade de uma apreciação mais célere das demandas ali mencionadas. Por fim, o art. 139 determina que “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] II - velar pela duração ra- zoável do processo; [...] V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais.”. Este dispositivo corresponde ao art. 125 do Código Processual Civil de 1973, no entanto, não foi reproduzido completamente, tendo sofrido algumas altera- ções, a exemplo das acima citadas. Diante disso, o direito ao prazo razoável no processo tem por caracterís- tica ser autônomo e, além disso, independe das técnicas processuais adotadas pela lei. Portanto, o juiz para garantir que solução integral do mérito seja ofe- recida em tempo razoável, deverá adotar todas as medidas necessárias. Ou, em outras palavras, o dever do juiz de velar pelo prazo razoável do processo não se acaba nos métodos dominantes e já previstos em lei. É importante sa- 18 19 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo CivilBrasileiro lientar que, nem sempre depende do juiz o fato de que o processo tenha uma duração razoável, sendo que, existem fatores que ultrapassam a sua atuação e que implicam numa demora do procedimento (FONSÊCA, 2017). Percebe-se, pois, que tanto a entrada em vigor da EC/45 e do novo CPC são tentativas de fortalecer e modernizar a prestação jurisdicional brasi- leira que sabidamente tem acontecido de forma acanhada em termos quanti- tativos e principalmente qualitativos. É fato que o Judiciário viu sua estrutura (física, política, pessoal...) tornar-se inadequada diante dos avanços da socie- dade moderna, sem o necessário acompanhamento em termos tecnológicos, administrativos e comportamentais. De fato, “são múltiplos os impactos negativos da morosidade judicial nos objetivos a serem cumpridos pelos tribunais” (SANTOS, 2014, p. 40). Den- tre esses impactos pode-se referir, em primeiro lugar, “o método de decisão baseado num sistema adversarial depende de se preservar a memória dos fatos” (SANTOS, 2014, p. 40). Por outro lado, “a demora, ao prolongar a ansie- dade e a incerteza nas partes, abala a confiança que estas têm nos tribunais como meio de resolução de seus conflitos. Quando a morosidade é um proble- ma estrutural, a desconfiança generaliza-se.” (SANTOS, 2014, p. 40). Além desses, outros problemas acontecem, todos eles rotulados: “ex- plosão de litigiosidade”, “sobrecarga de legislação” (que muitas vezes é para- doxal e contraditória entre si), “acúmulo de processos”, e assim por diante. Verdadeiramente, todos os problemas do Judiciário brasileiro são conhecidos e detectados quando a lentidão e a ineficiência se fazem sentir pelas partes, que, mesmo desconhecedoras dos procedimentos, percebem que a jurisdi- ção não responde de forma adequada e ainda a identificam como morosa. Segundo Boaventura de Sousa Santos (2014), é possível identificar dois tipos de morosidade: a morosidade sistêmica e a morosidade ativa. “A morosidade sistêmica é aquela que decorre da sobrecarga de trabalho, do excesso de burocracia, positivismo e legalismo.”3. Já a morosidade ativa é 3 Provavelmente, a melhor forma de “medir” a morosidade sistêmica seja analisar os núme- ros obtidos junto ao site do CNJ, especialmente no Relatório “Justiça em Números” (Dispo- nível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros>. Acesso em: 13 out. 2016b.). Trabalhando com esses números Paulo Henrique dos Santos Lucon, em palestra proferida junto as “Jornadas de Direito Processual”, intitulada “Procedimento ade- quado as necessidades do direito material e do caso concreto”, refere que: a) 106 milhões de processos tramitam no Brasil (considerando todas as esferas); b) um processo brasileiro dura em média 13 anos; c) cada processo tem, em média, 15 recursos; d) existem mais de 1 milhão de advogados integrantes da OAB; e) o número de faculdades de Direito no país che- ga a 1.400 (informação verbal). (LUCON, Paulo Henrique dos Santos, em palestra proferida junto as “Jornadas de Direito Processual”, intitulada “Procedimento adequado as necessida- des do direito material e do caso concreto” na XXV Ibero-americanas/XI Brasileiras Jornadas de Direito Processual, em Porto de Galinhas, em 15 de setembro de 2016. 20 21 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro aquela identificada por situações nas quais os processos encontram-se “na gaveta”, de “intencional não-decisão em que, em decorrência do conflito de interesses em que estão envolvidos, os envolvidos e os responsáveis pelo encaminhamento da decisão utilizam todos os tipos de escusas protelató- rias possíveis.” Diante dessas duas formas de morosidade, percebe-se que as refor- mas propostas e já em vigor (anteriormente mencionadas) incidem sobre a morosidade sistêmica objetivando a obtenção de uma justiça mais rápida, porém nem sempre proporcionam um uma justiça mais cidadã. Diante dessa constatação, faz-se necessário que a democratização e a obtenção de um efetivo acesso à justiça não se dê apenas com medidas de aceleração - nas quais visa-se apenas a melhora quantitativa da prestação jurisdicional - e sim mediante a qualificação da resposta, gerando decisões exequíveis. Por fim, a celeridade deveria deixar de ser a meta principal, objetivando-se mais do que rapidez, uma justiça democrática e cidadã. Isso se dá porque as imbricações entre tutela jurisdicional e tempo são visíveis, especialmente quando a primeira é vista como uma resposta estatal às expectativas sociais e normativas e como uma forma importante de proteção do indivíduo à lesão ou ameaça de lesão através do direito de ação. No entanto, essas imbricações tornam-se frouxas e débeis quando se verifica que a tutela jurisdicional acontece “a destempo” e sem qualidade. Tal afirmativa se deve ao fato de que o tempo, assim como perpetua situações de litígios e corrói direitos (que não são tutelados de forma adequada e “a tempo”), tem o poder de interferir na concepção processual, uma vez que se torna grande controlador da máquina judiciária.4 Mas, como se sabe, o acesso à justiça não se esgota no acesso ao 4 As relações temporais/processuais precisam ser analisadas levando em considera- ção que “o tempo do processo judicial é o tempo diferido, encarado como sinônimo de segurança e concebido como uma relação de ordem e autoridade, representada pela possibilidade de esgotamento de todos os recursos e procedimentos numa ação judicial. Cada parte intervindo no momento certo, pode apresentar seus argumentos e ter a garantia de ser ouvida na defesa de seus interesses. O tempo diferido, nesta perspectiva, é utilizado como instrumento de certeza, na medida que impede a rea- lização de julgamentos precipitados, sem o devido distanciamento com relação aos acontecimentos que deram margem à ação judicial. Já o tempo da economia globali- zada é o tempo real, isto é, o tempo da simultaneidade. À medida que se torna mais complexa, gerando novas contingências e incertezas, a economia globalizada obriga os agentes a desenvolver intrincados mecanismos para proteger seus negócios, ca- pitais e investimentos da imprevisibilidade e do indeterminado. A presteza se con- verte assim numa das condições básicas para a neutralização dos riscos inerentes às tensões e aos desequilíbrios dos mercados, o que leva a um processo decisório orientado pelo sentido da vigência e baseado tanto na capacidade quanto na veloci- dade de processamento de informações técnicas e altamente especializadas”. (FARIA, 2002, p. 35). 20 21 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro Judiciário, traduzindo-se no direito de acesso a uma justiça organizada de forma adequada, cujos instrumentos processuais sejam aptos a realizar, efetivamente, os direitos assegurados ao cidadão5. É por isso que não bas- ta apenas “garantir o acesso aos tribunais, mas principalmente possibilitar aos cidadãos a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos atra- vés de um acto de jurisdictio” (CANOTILHO, 2000, p. 423). Nessa seara, mesmo que a EC/45 alcance resultados significativos tornando célere o trâmite processual, aproximando a justiça do cidadão, especializando va- ras para o melhor tratamento de uma parcela de direitos até então pouco observados, valorizando as defensorias públicas (o que implica de forma direta ou indireta na diminuição de custos e na possibilidade de inclusão do cidadão hipossuficiente), deve-se recordar que os mecanismos de tra- tamento dos conflitos precisam ser revistos. Os resultados atingidos pela Reforma do Judiciário, mesmo que significativos, não evitarão o necessá- rio empreendimento de novos esforços na busca por outras estratégias de tratamento de conflitos, cuja base consensuada possibilite à sociedade retomar a autonomia perdida, conquistando a possibilidade de encontrarrespostas para suas demandas. Consequentemente, essas novas garantias constitucionais vêm para integrar o sentido includente que deve ser conferido às normas constitucio- nais de um País que pretende reduzir desigualdades, erradicar a pobreza, fundar uma sociedade justa e solidária, etc., como forma de integrar a na- ção em um projeto de sociedade comprometida com a dignidade humana que, como escopo do “constitucionalismo social e democrático de direito”, repercute em todos os âmbitos da prestação estatal, seja administrativa ou jurisdicional (MORAIS, 2005). 5 Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o impacto substantivo dos vários mecanismos de processamento de litígios. Eles precisam, consequentemente, ampliar sua pesquisa para além dos tribunais e utilizar métodos de análise da socio- logia, da política, da psicologia e da economia, e ademais, aprender através de outras culturas. O “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reco- nhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 13). 22 23 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro 1.3 O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL SOB O PRISMA DOS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS E DA AUTOCOMPOSIÇÃO: A RESPOSTA ADEQUADA AOS CONFLITOS Quer-se, a partir deste item, verificar se a resposta dada pela justiça oficial6 às demandas conflitivas que se desenvolvam através dos procedi- mentos adotados para o seu tratamento, atualmente previstos no Código de Processo Civil, adequa-se aos anseios das pessoas envolvidas em conflitos. Para cumprir tal objetivo, será traçado um paralelo entre os princípios que regem o Processo Civil brasileiro e os meios adequados de tratamento dos conflitos, com vistas a cumprir o objetivo de pesquisa que ora se propõe. Sabe-se, que o acesso à justiça é um Direito Humano, uma vez que está expresso na Constituição Federal, no seu art. 5º, inciso XXXV, que dita que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (Brasil, 1988 < www.planalto.gov.br >). O direito ao acesso à justiça tem tido progressivo reconhecimento e ama- durecimento ao longo da história constitucional brasileira. Isto decorre, dentre outros motivos, da proteção erigida pela novel Carta Política aos direitos indi- viduais indisponíveis e sociais, conforme esclarece Cappelletti e Garth (1988). Brevemente, traz-se à baila a importância dos direitos individuais e sociais aos indivíduos, e a consequente influência no acesso à justiça. Estes direitos são qualificados, conforme Moraes (2007), como direitos de ordem fundamental, versando acerca das “liberdades positivas”, que devem ser ob- servadas pelo Estado, enquanto ente que deve garantir a melhoria das possi- bilidades das pessoas com insuficiência de recursos. Visam, segundo o autor “à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal” (MORAES, 2007, p. 181). Nesse interim, a ausência de políticas públicas destinadas à prestação de serviços básicos à população, tais como aqueles descritos no art. 6º da Constituição Federal – os chamados direitos sociais -, acarretam à prestação jurisdicional o dever de conceder, ou não, direitos garantidos em tese pelo legislador constituinte. Assim, preleciona Cappelletti e Garth que, “o ‘acesso’ [à justiça] não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente o ponto central da moderna processualística” (1988, p. 13). 6 Aquela com forma prevista em lei, seja a jurisdição prestada pelo Estado-juiz, seja a oriunda da autocomposição das partes. 22 23 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro Ao falar-se, portanto, em resposta adequada às demandas propostas perante o Poder Judiciário ou difundidas através dos meios adequados de tratamento dos conflitos (tais como a mediação e a conciliação), parte-se do prisma do acesso à justiça. Este se revela como acesso ao Poder Judiciário e, também, como acesso ao direito “de justiça”. Tem-se, assim, o direito de acesso à jurisdição e o direito de acesso à justiça. Este é uma garantia material, que se confunde com o próprio direito, classificado, inclusive, como de ordem natural (CAPPELLETTI; GARTH, 1988); aquele é a vindicação formal do direito subjetivo de ação (ingressar em juízo se quiser). A garantia, portanto, à justiça, que em um primeiro momento será qualificada enquanto o acesso ao Judiciário, traduz-se em norma ordinária (o CPC), com o fito de resguardar os interesses de todos que pretendam buscar a tutela jurisdicional. Os princípios resguardam o processo civil brasileiro atual. Cappelletti e Garth (2008, p. 364) ensinam que “nenhuma técnica jurídica é um fim em si mesmo”. Exsurgem, a partir disso, princípios que nortearão o procedimento a fim de dispensar aos demandantes um resultado adequado. Os princípios são, para Wambier e Talamini (2014, p. 68) “normas que fornecem coerên- cia e ordem a um conjunto de elementos, sistematizando-o”. Continuam os autores ao mencionarem que “os princípios jurídicos são também normas jurídicas. Mesmo quando implícitos, não expressos, os princípios jurídicos são obrigatórios, vinculam, impõem deveres, tanto quanto qualquer regra jurídica” (WAMBIER; TALAMINI, 2014, p. 68). As normas principiológicas existentes no Ordenamento Processual Ci- vil destinam-se, especialmente, para orientar o desenvolvimento do processo e estão, boa parte delas, previstas no texto constitucional, conforme se ob- serva da leitura de Wambier e Talamini (2014). O que se objetiva, portanto, é a prestação da tutela jurisdicional (inclusive a partir das inovações oriundas do surgimento dos meios autocompositivos de tratamento dos conflitos), devolvendo ao cidadão um serviço cujo resultado seja adequado ao caso em concreto, mas além disto, que esteja em conformidade com os direitos e as garantias previstas na Constituição Federal. O Código de Processo Civil, por sua vez, consagra os princípios pro- cessuais de modo a introduzir na sua sistemática procedimentos atinentes a proporcionar um desenvolvimento do processo (lato sensu) em conformida- de com as garantias fundamentais. Nesse diapasão, elencam-se os princípios processuais-constitucionais do devido processo legal, do contraditório, ampla defesa e duplo grau de 24 25 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro jurisdição, do juiz natural, da motivação das decisões, da publicidade, da razoável duração do processo,7 da efetividade do processo e da vedação de provas ilícitas (WAMBIER; TALAMINI, 2014). Todos estes princípios, independentemente do procedimento adotado (seja sob a jurisdição do Estado-juiz, seja sob os procedimentos alternativos a ela) devem ser observados, sob pena de acarretarem prejuízos ao processo, mas, sobremaneira, aos envolvidos (partes, advogados, juízes e serventuários). Destarte, a matriz principiológica acompanha o julgador/terceiro media- dor ou conciliador. Neste sentido, haure-se ementa que traduz a jurisprudência acerca da influência dos princípios constitucionais norteadores do processo: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. REVELIA. EFEITO MATERIAL. A revelia é um fato processual consistente na inércia do réu em apresentar con- testação no prazo estipulado pelo CPC. Essa é a regra geral, apli- cável ao procedimento comum ordinário. A presunção relativa de veracidade dos fatos precisa ser interpretada à luz dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, além, é claro, do princípio processual dolivre convencimento motivado, o qual estipula, em última análise, que o Juiz precisa fundamentar seu entendimento em sentença de maneira racional, expondo argumentos concretos, críveis e objetivos para acolher ou não o pedido posto em lide. Mesmo em situações de revelia, pode-se exigir, em alguns casos, que a parte autora tome a iniciativa probatória. Sendo a união estável um instituto civil de exceção, por ser paralelo ao casamento, que é solene (no sentido de depender de muitas formalidades), a interpretação de seus pressupostos configuradores deve ser restritiva, além de cabalmente comprovados por quem o alega. Era ônus da parte autora a comprovação, mas ficou inerte. APELO IMPROVIDO. UNÂNIME. Apelação Cível 70068162486, Oitava Câmara Cível, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 13/07/2017. Como tais, os princípios estão intrinsecamente ligados ao resultado adequado que se busca dar aos litigantes. Nesse sentido, o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) con- sagra as técnicas alternativas à jurisdição comum, isto é, aquela tradicional- mente conhecida e prestada pelo Estado-juiz. A mediação e a conciliação, neste sistema, foram instituídas com o fito de abreviar o deslinde do conflito. Entretanto, precipuamente a mediação e a conciliação trazem ao procedimento contencioso importantes propostas, cujas consequências interagem com as regras processuais e com o que as partes efetivamente pretendem com a ação judicial (resultado adequado). A busca pela autocomposição dos conflitantes é um dos princípios 7 Objeto de análise neste capítulo. 24 25 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro norteadores do sistema processual civil em vigor. De partida, o Códex esti- pula a preferência que se dará à mediação e à conciliação, que deverão, con- forme o seu art. 3º, ser estimuladas pelos operadores do direito. Spengler Neto, Zuchetto e Ferreira (2016, p. 267) elucidam que “está-se diante de um novo momento e que deve ser objeto de estudos, análises e, em especial, de coragem para implementação de uma Justiça de Paz”. Tal busca decorre da necessidade que o processo possui de ser bem administrado, sob pena de submetê-lo a uma espécie de competição. Neste aspecto, vem o estímulo à mediação e a conciliação, sem, contudo, torná-las obrigatórias. Logo, a despeito da pressão e da coerção usuais do poder he- terônomo, as ferramentas da criatividade e da flexibilidade oportunizam aos envolvidos a condução cooperativa do processo, instituindo-se uma outra cultura no tratamento dos conflitos (SPENGLER, 2016). A corroborar isso, a Resolução nº 125/2010 instituída pelo Conselho Nacional de Justiça, trouxe, antes mesmo do CPC, ao bojo dos sistemas de resolução de controvérsias, a mediação e a conciliação. O seu objetivo, agora consagrado pelo Código de Processo Civil, conforme leciona Spengler (2014) é conferir melhores respostas ao conflito. Assim, tanto a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Jus- tiça quanto o Código de Processo Civil, tendem, a partir das oportunidades da mediação e da conciliação, promover “a participação dos conflitantes em busca de um resultado que satisfaça seus interesses, preservando o rela- cionamento prévio e os laços por ventura existentes entre eles” (SPENGLER, 2014, p. 75). Outra característica dos procedimentos de mediação e conciliação ora previstos no CPC, é o dever de informação das partes (princípio da decisão informada). Conforme ensina a professora Fabiana Marion Spengler (2014, p. 88) é: direito de todos os participantes das sessões de receberem infor- mações quantitativas e qualitativas acerca da composição que es- tão realizando, de modo a não ser surpreendidos por qualquer con- sequência inesperada da direção ou proposta pela qual optarem. Ademais, em uma técnica autocompositiva na qual se possibilita aos envolvidos a discussão de pontos nevrálgicos sobre o conflito, o que cor- robora na exposição de sentimentos e emoções, traz como consequência direta a confidencialidade do que foi objeto de tratativas (SPENGLER, 2014). Outrossim, os princípios do CPC que regem a mediação e a concilia- ção, como a construção conjunta da solução do conflito posto em exame (princípio da autonomia da vontade), fomentam a confiança e a comunica- 26 27 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro ção, “bem como providenciam uma base mais estável para uma cooperação contínua”, de acordo com Spengler (2016, p. 104). Os princípios vislumbrados à mediação e à conciliação guardam im- portante conexão com o resultado que se espera às demandas conflitivas, e estão expressamente dispostos no caput do art. 166 do Código de Processo Civil. Prescreve o aludido dispositivo que “a conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da auto- nomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada” (BRASIL, 2015 <www.planalto.gov.br>). Assim, o princípio da independência visa à manutenção espacial do terceiro mediador e conciliador em relação aos mediandos e conciliandos, a partir do que leciona a doutrina de Spengler (2016). Vale dizer, ainda, que a independência do terceiro indica a sua capacidade de agir de forma livre, ao arrepio de influências externas, como informa Sales (2004). Por conseguinte, o princípio da imparcialidade advém da impossibi- lidade do terceiro (mediador ou conciliador) conferir privilégios a uma das partes. Em que pese isto, não se deve dispensar tratamento distante aos mediandos e conciliandos, mas antever as suas necessidades, funcionando o terceiro como um intermediário entre as pretensões dos litigantes. Outro princípio que ilustra os procedimentos alternativos é o da oralidade. Tanto a mediação quanto a conciliação não possuem o condão de convencer o ma- gistrado, mas visam à troca de experiências e informações entre as partes (SPENGLER, 2016). De mais a mais, a guisa do entendimento de Spengler (2016, p. 108), a oralidade do procedimento vem atrelada ao princípio da informalidade, “no qual as pessoas têm a oportunidade de debater os problemas que lhes envolvem, visando a encontrar a melhor solução para eles”. Impende afir- mar, ainda, que tal princípio não se confunde com a criação de novos ritos processuais, mas trata-se da adequação dos atos procedimentais a partir de alternativas, no caso concreto, que não venham a ferir as normas jurídicas. Ademais, todos os princípios processuais, concernentes a dar azo ao bom deslinde do processo, devem tomar por base a boa-fé. Esta, conforme esclarece Darci Guimarães Ribeiro (2017, p. 103), “é um princípio que se sobrepõe aos demais, por possuir um interesse público iminente, condicio- nando, sempre que possível, os demais princípios”. De tal modo, continua o doutrinador, “obriga a todos os intervenientes a agirem e a se comportarem no processo com probidade e honestidade” (RIBEIRO, 2017, p. 103). Com efeito, a resposta adequada ao processo passa pela percepção dos princípios processuais constitucionais e pelos princípios erigidos do CPC 26 27 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro no que tange aos métodos adequados de tratamento dos conflitos. Nessa toada, verifica-se que a autonomia da vontade estabelece impor- tante congruência entre o que se pede e como alcançar o pedido. Portanto, um processo que se desenvolva sob o crivo do diálogo entre os seus litigan- tes, oportuniza que estes de forma conjunta costurem o meio e o fim da sua demanda. Mais do que isto, a autonomia “diz respeito às decisões, dando aos conflitantes a opção de homologarem ou não o acordo construído. Compete a eles optarem pelo melhor para si mesmos” (SPENGLER, 2016, p. 107). Compreende-se, nessa esteira, que a respostaadequada vai além da- quela oriunda dos tribunais, proferida por um juiz. Braga Neto preleciona que a justiça não se encontra única e exclusivamente sob o manto da toga, tam- pouco está “restrita à aplicação pura e simples da previsão legal” (2007, p. 64). Por tais razões, a aplicação das normas legais deve interagir com o anseio sócio-jurídico à prestação jurisdicional célere e eficaz, de modo que a mediação de conflitos e a conciliação possam introduzir nos procedimentos formais e processuais, técnicas que elucidem a interdisciplinariedade oriunda dos meios adequados de tratamento dos conflitos, resultando em uma res- posta adequada aos contornos delineados pela lide. Esse resultado se dará, tão-somente, se forem respeitados os princípios processuais, que compõem o CPC brasileiro, dentre eles, e principalmente, o princípio da colaboração. REFERÊNCIAS ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribu- nais, 2017. E-book: Biblioteca Virtual ProView. AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. E-book: Biblioteca Virtual ProView. BRAGA NETO, Adolfo. Alguns aspectos relevantes sobre a mediação de con- flitos. In: GRINOVER, A. P.; WATANABE, K.; LAGRASTA NETO, C. (Org.). Media- ção e gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional. São Paulo: Atlas, 2007. p. 63-70. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Consti- 28 29 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro tuicaoCompilado.htm>. Acesso em: 23 jul. 2017. ______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de processo civil. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 23 jul. 2017. BUENO, Cassio Scarpinella. Das Normas Fundamentais do Processo Civil. In: ______ (coord). Comentários ao Código de Processo. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 21-175. ______. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Ed. Coim- bra, 2000. CAPPELLETTI, Mauro. Processo, ideologias e sociedade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2008. CAPPELLETTI, M.; GARTH, B.. Acesso à Justiça. Tradução e revisão de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Das Normas Fundamentais do Processo Civil. In: WAMBIER, T. A. A. et al. (coords.). Breves comentários ao novo códi- go de processo civil. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 4-5. E-book: Biblioteca Virtual ProView. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Das Normas Fundamentais do Processo Civil. In: WAMBIER, T. A. A. et al. (coords.). Breves comentários ao novo códi- go de processo civil. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 6-7. E-book: Biblioteca Virtual ProView. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números. Dispo- nível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-nume- ros>. Acesso em: 15 jul. 2016. CUNHA, José Sebastião Fagundes. Das Normas Fundamentais do Processo Civil. In: CUNHA, J. S. F; CAMBI, E; BOCHENEK, A. C. (Orgs). Código de Pro- cesso Civil Comentado. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 9. E-book: Biblioteca Virtual ProView. 28 29 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf. Estado, sociedade e direito. Qual o futuro dos direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação capitalista. São Paulo: Max Limonada, 2002. FONSÊCA, Vitor. Das Normas Fundamentais do Processo Civil. In: BUENO, Cassio Scarpinella (coord). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 21-175. LANER, Júlio Cesar Goulart. Fato e direito no processo civil cooperativo. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. E-book: Biblioteca Vir- tual ProView. MARINONI, L.; ARENHARDT, S.; MITIDIERO, D. Novo código de processo civil comentado: teoria do processo civil. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. MELO, Fábio Henrique dos Anjos. A devida aplicação do Princípio da Coo- peração no Processo Civil Brasileiro e os seus efeitos no Juiz e nas Partes. Disponível em: <https://bius.jusbrasil.com.br/artigos/347612793/a-devida -aplicacao-do-principio-da-cooperacao-no-processo-civil-brasileiro-e-os-seus -efeitos-no-juiz-e-nas-partes>. Acesso em 12 jul. 2017. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. MORAIS, José Luis Bolzan de. O Estado e suas crises. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. RIBEIRO, Darci Guimarães. Das Normas Fundamentais do Processo Civil. In: BUENO, Cassio Scarpinella (coord). Comentários ao Código de Processo Ci- vil. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 21-175. RIO GRANDE DO SUL. AC. 70088162486. Rel. Desembargador Ivan Leo- mar Bruxel. Oitava Câmara Cível, julgado em 13/07/2017. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 20 jul. 2017. SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 30 31 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Revolução Democrática da Justi- ça. Coimbra: Almedina, 2014. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação de conflitos: da teoria à prática. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. ______. Retalhos de mediação. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2014. SPENGLER NETO, T.; ZUCHETTO, T. M.; FERREIRA, V. G. Conciliação, media- ção e arbitragem no novo Código de Processo Civil (CPC). In: SPENGLER, F. M.; SPENGLER NETO, T. (Org.). Mediação, conciliação e arbitragem: artigo por artigo. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016. p. 264-289. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria ge- ral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 58. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Das Normas Fundamentas do Processo Civil. In: Wambier, L. R. et al. (coords.). Novo CPC Urgente: guia esquemático para co- nhecer o novo cpc. 1. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2016. p. 5. E-book: Biblioteca Virtual ProView. WAMBIER, L. R.; TALAMINI, E. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. ______. Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo. 16. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. 30 31 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro 2 IMPACTOS PRÁTICOS E PSICOLÓGICOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE AUTOCOMPOSIÇÃO NA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Victor Priebe Helena Schwantes Julilaine Oliveira INTRODUÇÃO A proposta da Política Pública Judiciária Nacional de tratamento de conflitos de interesse, implementada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através da Resolução nº 125/2010, tem como uma de suas finalida- des o incentivo aos mecanismos de autocomposição, em especial a media- ção e a conciliação, na medida em que esses institutos são considerados ferramentas úteis a uma efetiva duração razoável dos processos, uma vez que promovem outros modos de resolução de conflitos que não a clássica Jurisdição estatal. Nessa seara, objetivo principal é investigar se a política pública de au- tocomposição traz, de algum modo, impactos práticos na razoável duração do processo, bem como, investigar os impactos psicológicos que tais resul- tados práticos possam trazer ao indivíduo que esteja envolvido em conflito regido pelo processo civil brasileiro. Diantedesse cenário, a justificativa sustenta-se no fato de que o atual contexto da efetividade processual apresenta um congestionamento de ações que leva a uma irrazoabilidade na duração do processo civil brasileiro. Sendo assim, trabalha-se com a hipótese de que a autocomposição constitui- se como o meio mais autêntico e simples de se conferir um tratamento quali- 32 33 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro tativamente adequado para os conflitos, tanto no aspecto prático (Jurisdição) quanto no aspecto psicológico (jurisdicionado). Nessa conjuntura, procura-se responder a seguinte indagação: A políti- ca pública de autocomposição possui o condão de tratar os conflitos de uma maneira quantitativa e qualitativamente mais adequada, ao mesmo tempo em que proporciona impactos positivos, psicologicamente falando, aos juris- dicionados submetidos a um processo com tempo irrazoável? Para exame do proposto, realizou-se um estudo de cunho qualitativo, visando a interpretação e análise dos dados por meio da pesquisa biblio- gráfica. Utilizou-se, ainda, o método dedutivo, o qual parte de argumentos gerais para particulares. Assim, a reflexão que segue, no primeiro momento, trata de expor o atual cenário da razoável duração dos processos na Jurisdição brasileira. Após, passa-se a fazer breves apontamentos acerca dos reflexos quantitati- vos e qualitativos da política pública de autocomposição. Por fim, aborda-se, de modo específico, a repercussão psicológica da autocomposição frente o atual cenário de duração dos processos. 2.1 ATUAL CENÁRIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DOS PROCESSOS NA JURISDIÇÃO BRASILEIRA Antes de adentrar precisamente na proposta central deste ponto é ne- cessário trazer claro que se parte aqui da concepção de que o tempo é uma das principais características instituintes do Direito, cabendo-lhe estabele- cer, dentro de suas múltiplas realidades, categorias simples e operacionais que possam servir de base para pautar o seu agir frente às complexidades sociais (GARAPON, 1997, p. 70-71). Em sendo assim, observa-se que a implementação da norma jurídica exige um tempo próprio repleto de força instituinte. Para isto, o tempo do processo, por ser separado do da vida real, e, rigorosamente regulado pelas prescrições do ritual, faz com que o julgamento desenvolva seus efeitos instituintes, tanto jurídicos, como a condenação/absolvição, quanto efeitos sociais relativos ao apaziguamento e/ou surgimento de novos conflitos (OST, 1999, p. 15). Neste passo, se pode dizer que durante seu desenvolvimento o pro- cesso apresenta avanços e recuos que se alternam entre esperança e pessi- mismo, e, quando o fim se aproxima, surge a ansiedade. O processo é dota- do de inúmeras sensações, as quais vistas de fora induzem a uma revolução 32 33 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro completa. É nestes termos que se afirma que a temporalidade processual não encontra possibilidade de reprodução (RESTA, 2014, p. 7), o que faz do processo um “instituto essencialmente dinâmico, porquanto não exaure o seu ciclo vital em um único momento, mas é destinado a desenvolver-se no tempo, possuindo duração própria” (TUCCI, 1997, p. 25). Posto assim fica nítido que o processo é composto de várias cadências próprias que atuam para instrumentalizar o julgamento dos diversos tipos de conflitos sociais a ele submetidos, sendo que, por vezes segue o seu rit- mo próprio, e, por vezes abandona este ritmo, fazendo com que desta for- ma diferencie, temporalmente, as matérias por ele tratadas, seguindo para um avançar, ou deixar de avançar, pautado pela complexidade do conflito. Porém, da mesma forma que no direito, é imposto ao processo que atue no presente olhando para o passado sem perder a linha do horizonte que guar- da o futuro. No entanto, o tempo processual “não é um tempo ordinário. Da mesma forma que o espaço judiciário reconstrói, por oposição ao aban- dono da sociedade, um interior que encarna a ordem absoluta, o tempo do processo interrompe o escoamento linear do tempo quotidiano” (GA- RAPON, 1997, p. 53). Partindo-se disto, destaca-se que o ideal é fazer com que as tutelas processuais atuem internamente de modo a distribuir o tempo do processo da maneira mais racional possível. Desta forma, a resposta jurisdicional obti- da através do processo, deve ser proferida em um lapso temporal compatível com a natureza do objeto litigioso, para que essa resposta seja a mais plena possível, com a possibilidade de em não sendo assim, se tornar utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito (TUCCI, 1997, p. 64-65). Em consequência, identifica-se que a conclusão de um debate é cada vez mais negligenciada pela justiça contemporânea, fazendo com que, atual- mente, assista-se a uma epidemia de decisões urgentes, preparatórias e con- servatórias, ao invés de decisões de mérito. Não obstante, a justiça não pode esquecer aquilo que a sociedade aspira dela, ou seja, que ponha fim aos seus conflitos que são a ela levados, remetendo-os definitivamente para a catego- ria do passado (GARAPON, 1997, p. 69-70). Frente a este contexto, uma das principais consequências desta crise é o surgimento, no cidadão, de uma falta de confiança na justiça. Isto se dá não só pela falta de conhecimento dos ritos e da linguagem que envolveos processos judiciais, mas também muito pelo tempo que cada processo leva para exprimir o direito. Também contribuem para isso as inadequações das decisões proferidas depois deste longo tempo, ou ainda, a impossibilidade de seu cumprimento pelo perecimento da coisa que estava sob litígio. O 34 35 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro que se verifica então é uma ampla falta de conexão entre o sistema judicial e o sistema político e social, afastando a lei, bem como sua interpretação e aplicação, da sociedade na qual se encontra inserida, não correspondendo, assim, à expectativa de regular os conflitos (SPENGLER, 2014, p. 27). Desta forma, a crise estatal que enfraquece a figura do Estado, bem como, a explosão de litigiosidade que a segue, sobrelevam uma das caracte- rísticas do reino da urgência, qual seja [...] resolver de imediato e em definitivo uma situação problemática, parece comprometer-se na via de um provisório permanente, como se, ali- mentando-se de alguma forma de si mesma, cada uma das suas intervenções pedisse a seguinte. Sem agarrar nos problemas pela raiz e aplicar-lhes um tratamento em profundidade, sem uma perspectivação real das questões e da vontade (ou da capacidade) política de os resolver duravelmente, as inter- venções em urgência parecem sempre chegar ao mesmo tempo demasiado cedo e demasiado tarde: demasiado cedo porque o tratamento aplicado é sempre superficial; demasiado tarde porque, sem uma inversão de lógica, o mal não parou de se propagar (OST, 1999, p. 356). Percebe-se aqui que as ações tomadas de forma imediata, buscando li- gar o futuro, fazem com que a urgência ao longo do tempo se transforme em uma cultura da impaciência, a qual trata um mero atraso como dilação insu- portável, bem como qualquer alteração institucional como um bloqueio repro- vável. As expectativas alteram-se no seu sentido mais profundo, deixando de agir como fontes de esperança, e assumindo a condição de fontes de atraso e frustração, atingindo consequentemente a ideia de que necessitamos de um determinado tempo para que possamos trilhar o percurso dos objetivos que pretendemos atingir, fazendo com que através deste caminho a maturação das coisas e das ideias tornem os fins bem sucedidos (OST, 1999, p. 355). Dentro desta realidade, observa-se que o processo é utilizado como um instrumento implementador da vontade da lei, carecendo de um desen- volvimento progressivo e célere, com a finalidadeprecípua de que a presta- ção jurisdicional seja realmente efetiva em resguardar os direitos subjetivos dos cidadãos, de uma forma que promova a máxima garantia social com o mínimo sacrifício das liberdades individuais, tudo dentro do menor tempo possível (TUCCI, 1997, p. 27). Sendo assim, é possível dizer que o termo razoável duração “traz como imediata consequência a visualização das dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las como a simples inobservância dos prazos processuais pré-fixados” (TUCCI, 1997, p. 68). Consequentemente, a razoabilidade deve ser analisada sob o contexto que apresenta cada caso específico, utilizando-se de conceitos concretos e 34 35 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro objetivos como os apresentados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TUCCI, 1997, p. 76). Tais critérios objetivos devem ser analisados frente às várias parti- cularidades de cada caso (KOEHLER, 2013, p. 91), o que de certa forma faz com que se assemelhem tais mecanismos com a gestão de policronia das várias cadências do direito, as quais reconduzem a um sentido de temperan- ça8 anteriormente mencionado (OST, 1999, p. 16-17). À vista disto, não se pode entender a celeridade unicamente como um conceito que a resumiria em celeridade vulgar. A celeridade que se busca é aquela que proporciona- ria ao processo “um ritmo tão rápido quanto possível, sem desatender aos princípios fundamentais da ordem jurídica, como a presunção de inocência ou o direito de defesa... A celeridade ou rapidez não pode ser entendida em sentido pejorativo” (TUCCI, 1997, p. 28). Pois, “o processo tem também por vocação dar as suas oportunidades à dúvida e institucionalizar a prudência” (OST, 1999, p. 383). Desta maneira, nota-se que a definição do que pode ser entendido como razoável somente se alcança analisando diretamente o caso concreto, que através das suas peculiaridades poderá se chegar a uma resposta se a ju- risdição está sendo quantitativamente e qualitativamente prestada de modo adequado (SPENGLER, 2010, p. 218), de maneira que, no cenário jurídico nacional, atualmente são dados os primeiros passos nesta direção. Notadamente, esta virada de rumos em direção a uma jurisdição quali- tativa e quantitativamente adequada fortalece uma cadeia de princípios cons- titucionais por conta dos efeitos que irradia, quando desde logo já se destaca o princípio do acesso à justiça, pois “não basta apenas garantir o acesso aos tribunais, mas principalmente possibilitar aos cidadãos a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos” (SPENGLER, 2010, p. 218-219). Assim, a decisão judicial, “por mais justa e correta que seja, muitas ve- zes pode tornar-se ineficaz quando chega tarde, ou seja, quando é entregue ao jurisdicionado no momento em que não mais interessa nem mesmo o re- conhecimento e a declaração do direito pleiteado” (SPENGLER, 2008, p. 50). Isto posto, salienta-se que é somente através de mudança de mentali- dade que rompa com a introspecção, que neste caso lê-se como introspecção por efetividade, é que se conseguirá considerar uma adequação do processo às realidades da vida, das quais leva-se em consideração fatores político-so- ciais (BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 26). 8 O conceito do termo “temperança” adotado no presente texto é definido por François Ost como a sabedoria do tempo que se desenvolve de forma justa frente as peculiarida- des envolvidas (1999, p. 17). 36 37 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro Ademais, os efeitos de uma razoável duração empregada de uma for- ma adequada, que aqui se trata, refletem a urgente incorporação à práxis jurisdicional de mecanismos diversos que permitam não só impor agilidade aos procedimentos, mas, também, demonstrar a problemática que cerca os métodos clássicos em não conseguir mais dar respostas suficientes e eficien- tes para os litígios que atualmente lhe estão sendo apresentados (BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 30). Neste ínterim, a atuação do CNJ merece destaque no momento em que rompe com a mentalidade de que duração razoável é aquela conta- bilizada pelo somatório dos prazos processuais, revogando seus planos estratégicos traçados pela Resolução nº 70 e implantando novos concei- tos com a Estratégia Judiciário 2020, em que ficou definido como um dos Macrodesafios o de impor efetividade na jurisdição, a qual ocupa as cinco primeiras posições para o cenário desejado no ano de 2020, sendo estas respectivamente: justiça mais acessível; desjudicialização; desconges- tionamento do Poder Judiciário; probidade pública; e justiça tempestiva (CNJ, 2014, p. 2). Aqui, percebe-se que o ajustamento por parte do CNJ agiu sob uma perspectiva de requestionamento que desliga as promessas de futuro insti- tuídas por ele mesmo no momento em que determina que o prazo razoável seja o somatório dos prazos processuais, restabelecendo a concepção de tempo das invariantes jurídicas (OST, 1999, p. 18; 55). Ainda nisto, põe-se clara a intenção do CNJ, através da criação do “in- dicador sintético de resultado, denominado Índice de Efetividade da Justi- ça - IEJus, que permitirá ao Poder judiciário aferir a sua efetividade a partir dos dados relativos às dimensões: Acesso à Justiça, Duração do Processo e Custo” (CNJ, 2014, p. 3), de trazer a quantidade na efetividade da prestação jurisdicional pela via da qualidade desta prestação. No entanto, adequando-se ao pensamento de que para se obter uma jurisdição qualitativamente adequada devem também ser desenvol- vidos mecanismos que prestem tratamentos aos litígios desta mesma forma (SPENGLER, 2008, p. 50), o CNJ concretiza este posicionamento com a adoção de políticas públicas que visam garantir a razoável dura- ção dos processos ao mesmo tempo em que tratem de forma adequada os conflitos. Sendo assim, esta é a temática central do debate que segue. 36 37 Políticas Públicas para Composição no Código de Processo Civil Brasileiro 2.2 REFLEXOS QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS DA POLÍTICA PÚBLICA DE AUTOCOMPOSIÇÃO Conforme abordado no tópico anterior, a falta de estrutura combinada com a precária mão de obra, numericamente falando, faz com que a morosi- dade processual seja enfrentada pelo Judiciário não somente como uma crise de eficácia, mas também como uma crise na qualidade da prestação jurisdi- cional. Por meio disso, evidencia-se a necessidade de um maior fomento aos mecanismos alternativos resolução dos conflitos, com a intenção de obter-se por meio destes uma harmonia entre os aspectos quantitativo e qualitativo da Jurisdição (SPENGLER; GHISLENI, 2011, p. 110). Nesses termos, entende-se que o clássico modelo de solução de confli- tos monopolizado pelo Estado, não abarca mais os anseios que a sociedade contemporânea a submeteu, não oferece mais respostas as complexas con- flituosidades produzidas pela sociedade (SPENGLER, 2012, p. 23). Sendo assim, surge à percepção de que “[...] a autocomposiçãoé o meio mais autêntico e genuíno de solução de conflitos, pois emana da própria natureza humana o querer-viver-em-paz” (CALMON, 2008, p. 06). Atualmente, mecanismos que possibilitem a busca por consenso são indispensáveis, em nossa legislação e nos órgãos que atuam no judiciário, pois se as partes conseguem buscar a superação do conflito, o ato se torna extremamente vantajoso (TARTUCE, 2008, p. 47). Isto se dá, pois os mecanismos consensuais de tratamento dos confli- tos, a mediação especialmente, além de trazer celeridade processual, abar- cam a informalidade, a diminuição de custos, retoma a proximidade entre a justiça e o cidadão, quebrando as barreiras do tradicional modelo triádico de Jurisdição (SPENGLER; GHISLENI, 2011, p. 110). Tem-se claro “que o processo, sozinho, jamais será instrumento
Compartilhar