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O léxico: lista, rede ou cognição social?

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(Publicado em: Ligia Negri; Maria José Foltran e Roberta Pires de Oliveira (orgs.). 2004. 
Sentido e Significação. Em torno da obra de Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, pp.263-284.) 
 
O Léxico: Lista, Rede ou Cognição Social?1
Luiz Antônio Marcuschi (UFPE / CNPq) 
 
1. A questão referencial e sua tradição 
Uma das questões mais antigas, em Filosofia da Linguagem, Lingüística e 
Psicologia, na análise da relação entre linguagem e mundo, é saber como referimos o 
mundo com a língua. O problema é que talvez a própria expressão “referir o mundo”
careça de um contorno mais preciso ou simplesmente careça de conteúdo empírico. Mas 
isso não significa que o mundo seja produto de nossas atividades cognitivas. Significa 
apenas que não se pode imaginar que a língua seja um simples, acabado e eficiente 
instrumento a priori para representar um mundo que tampouco está aí pronto, discreto e 
mobiliado. Seria difícil aceitar uma tal visão instrumental da linguagem. Trata-se, pois, 
de mudar a forma de contemplar a questão saindo da idéia da relação para a de ação.
Suponho que para um fregeano como Rodolfo Ilari, esta questão seja um desafio 
dos mais nobres e instigantes, particularmente porque se trata de rever um dos temas 
centrais da semântica de origem fregeana. No fundo, o problema da significação não é 
resolver se às palavras corresponde algo no mundo externo e sim o que fazemos do 
ponto de vista semântico quando usamos as palavras para dizer algo. As relações são 
muito mais complexas do que uma correlação biunívoca entre palavra e referente 
mundano. Isto ficou claro quando Frege distinguiu entre sentido e referência, uma 
bipartição que infelicitava uma teoria linear da correspondência. Mas este não será 
nosso tema e sim a questão de saber se simplesmente existe alguma relação entre 
linguagem e mundo ou se ela é muito mais um trabalho sócio-cognitivo. 
Quanto a isso, há um aspecto no qual gostaria de concordar plenamente com 
Borges Neto (2003:9-10), quando ele lembra que o “significado não é uma entidade” e
sim uma “relação” e não propriamente uma relação entre um item lexical e um objeto 
do mundo e sim uma relação entre uma expressão lingüística e algo não-lingüístico. Isto 
vai desde um objeto do mundo, passando por um objeto do discurso, até um ser 
mitológico ou um elemento abstrato ou qualquer coisa. Também não se trata de algo 
extra-mental ou uma representação qualquer e sim algo não-lingüístico. Mas as 
concordâncias provavelmente param aí, e aqui têm início divergências acentuadas a 
respeito da natureza da significação. 
Não nego que temos uma capacidade biológica e cognitiva de organizar e dizer o 
mundo e as nossas experiências a seu respeito. Nem nego que para tanto dispomos de 
um aparato lingüístico-cognitivo que consegue dar conta das operações extremamente 
complexas necessárias para esse entendimento. Mas ainda não há consenso quanto aos 
processos subjacentes a essas atividades. Sabe-se que essas atividades não ficam a cargo 
de sujeitos individuais como seres soberanos e plenamente conscientes. Nem funcionam 
com determinações externas, sejam sociais ou históricas. Embora a cognição seja um 
fenômeno essencialmente social e a língua não seja um sistema descarnado, ela não é 
 
1 Trabalho totalmente reformulado a partir da primeira versão apresentada no V CICLO DE 
SEMINÁRIOS EM PSICOLOGIA COGNITIVA COGNIÇÃO E LINGUAGEM, da Universidade Federal 
de Pernambuco, na Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva, Recife (2 a 4 de dezembro de 2003). Estudo 
produzido no NELFE (Núcleo de Estudos Lingüísticos da Fala e Escrita), Depto. de Letras da UFPE, 
com apoio do CNPq, proc. nº 523612/96-6. 
2
um sistema ontológico que carrega em si o mundo. Ela é, sobretudo, um modo 
epistemológico, um guia do sentido, como diria Fauconnier (1985). 
Se concebermos a linguagem como atividade social, histórica e cognitiva, o 
essencial é acharmos uma forma de analisar as atividades sociais, históricas e cognitivas 
realizadas no ato de dizer. É provável que o segredo da cognição e dos modos de 
dizermos o mundo esteja não na relação linguagem-mundo ou pensamento-linguagem e 
sim nas atividades ou ações praticadas entre os indivíduos que conhecem. Se linguagem 
é atividade, parece razoável admitir a atividade como unidade de análise e foco da 
observação. Entender é sempre entender no contexto de uma relação com o outro 
situado numa cultura e num tempo histórico e esta relação sempre se acha marcada por 
uma ação. Assim, talvez o maior deslocamento metodológico e epistemológico seja o da 
relação para a ação. Creio que o grande defeito de nossas reflexões sobre esses temas é 
sempre pensarmos relações entre uma e outra coisa, como se essas coisas formassem 
sempre uma dicotomia e já estivessem de algum modo prontas, quando elas se 
constituem no processo. Gostaria muito mais de pensar a relação em si mesma e não 
como uma relação entre x e y. Por exemplo, para saber o que alguém disse num dado 
momento como resposta, temos que olhar a ação produzida no conjunto do par 
pergunta-resposta. Portanto, se queremos saber o que foi dito na resposta temos que 
olhá-la no contexto da pergunta. E no caso da linguagem e cognição lidamos 
essencialmente com atividades, o que exige que se olhe para as atividades realizadas. A 
grande questão passa a ser: como se dá a cognição na interação social? E não mais: que 
tipo de relação é a cognição? 
O tema não é novo e vem carregado de história com variadas sugestões, muitas 
delas hoje postas em dúvida. Neste ensaio, tento rever a colocação do problema, 
mostrando que as categorias com as quais operamos nas nossas atividades 
comunicativas não são naturais e que o léxico não é um aparato para dizer o mundo 
como se ele estivesse ali discretizado e etiquetável. Quero voltar o olhar para as 
atividades e os processos. 
Para Platão, a questão se resolvia na medida em que um mundo à parte, o mundo 
das idéias, era referido por uma linguagem feita por um Nomothétes, um tipo de 
legislador dos nomes, uma espécie de Demiúrgos Onómaton. E a cada coisa 
correspondia um nome verdadeiro, tanto assim que nesse momento para Platão não se 
punha o problema de como era possível a verdade e sim como era possível a mentira. 
Mas isto tem sua contraparte em Platão na medida em que ele inverte a tese no diálogo 
Crátilo. 
No início do diálogo, Hermógenes resume as duas teses que serão discutidas. 
Tese 1: o naturalismo semântico: 
- Crátilo afirma que há uma correção (adequação) natural (dada por natureza) 
do nome para tudo o que existe; o nome não é o que certas pessoas utilizam com 
base num contrato (convenção) como denominação do que é, e que eles tomam 
como parte de sua linguagem, mas (ele afirma) que existe uma correção natural 
dos nomes, tanto para os gregos como para os bárbaros, que é a mesma para 
todos. 
Hermógenes diz que esta concepção de Crátilo é um tanto obscura e ele gostaria de 
saber algo mais. Depois disto enuncia sua própria posição do seguinte modo. Tese 2: o
convencionalismo semântico: 
- Eu não posso convencer-me de que a correção do nome possa ser outra coisa 
do que tradição e convenção. Parece-me, pois, que o nome que alguém dá a 
uma coisa é também o correto; e quando posteriormente se fixa outro nome e 
3
não mais o antigo, o posterior não é menos coreto que o antigo, assim como nós 
mudamos o nome de nossos escravos e o novo nome não se torna por isso menos 
correto que o anterior; pois, por natureza nenhum nome é próprio de uma 
coisa; isso é uma questão de uso lingüístico e do costume daqueles que usam os 
nomes. 
Estas são as duas posições básicas até o final da idade moderna e em torno delas 
se desenvolveram outras. Hoje temos mais posições e matizes. Eu mesmo vou 
desenvolver aqui uma via que não passou pela cabeça de Platão. Trata-se da perspectiva 
sócio-cognitiva, que não postula nem uma relaçãonatural nem convencional, mas uma 
relação instável, social, histórica e negociada entre linguagem e mundo: relação como 
ação. O equívoco platônico está em mudar o aspecto da tese e manter a relação de 
estabilidade estabelecida entre palavra e coisa, assumida como natural ou convencional, 
mas sempre fixa para todos (só muda o a priori para o a posteriori).. Com isto a relação 
é sempre necessária e o “ser” deve espelhar-se no nome. 
Contudo, para sermos justos com Platão devemos lembrar que no diálogo Sofista 
ele concluiu que a verdadeira análise da linguagem se dá no enunciado (logos) e não na 
palavra. Mas isto que em Platão foi uma conclusão, será um ponto de partida em 
Aristóteles. Assim, partindo dessa última posição, Aristóteles dá início à sua 
investigação com os seguintes pontos centrais: 
a. transfere a problemática da physis e da nomo da linguagem para o campo da 
estrutura lógica e da finalidade dos nomes; 
b. distingue 3 níveis, na relação entre nomes e coisas: 
1. uma distinção puramente lingüística entre som - significado ou forma 
verbal - conteúdo da palavra;
2. as relações ontológicas: nome - objeto; palavra – realidade; relação 
que surge pela designação dos objetos com as palavras 
3. a relação lógica de sujeito - predicado. Distingue, portanto, a relação 
entre um nome e uma coisa que é representada pelo nome e distingue 
também entre o nome da coisa e o que é dito dessa coisa. 
 
O esquema dessas relações, segundo aponta Coseriu (1969), poderia ser o seguinte: 
 
significado 
Som 
coisa 
( c )
é p(d)
(a) 
(b)
s
A relação (d) (palavra-coisa) não aparece em Aristóteles e lhe parece sem 
sentido. Ele assume as relações (a), (b), (c). A relação (a) se dá entre palavra e 
significado e é o nome; a relação (b) se dá entre um nome semanticamente carregado e 
o mundo. Mas é apenas a relação (c) de sujeito (um nome) com o predicado (s é p) que 
produz uma relação lógica e apenas nessa relação lógica surge o problema do 
4
verdadeiro e do falso. A verdade é uma propriedade do enunciado e não da palavra ou 
do mundo. Tarski transformará exatamente isto na sua famosa Convenção T. 
Logo no início do Peri Hermeneías, Aristóteles lembra que as palavras 
“homem” e “branco”, ou outras, quando ditas soltas não são ainda verdadeiras ou 
falsas, mas tão logo se unam essas palavras, pode surgir um logos (discurso) verdadeiro 
ou falso. As relações (a) e (b) precedem a distinção entre verdadeiro e falso. A 
determinação lógica da linguagem começa na relação (c ), que diz S é P. 
Aristóteles colocou as bases que vieram até nossos dias, ou seja: 
(a) deslocou o problema da correção dos nomes para a função;
(b) o nome surge como algo intencional, ou seja, como um signo (sema) e
símbolo (simbolon). Assim se expressa Aristóteles no Peri Hermeneías (16a - 
19b) para definir nome:
“O nome é um som com significado katá sintéke e isto porque nenhum nome é 
physei, mas é nome apenas quando é símbolo. Pois os animais também emitem 
sons, mas estes não são nomes” 
O problema é que para Aristóteles a relação de correspondência entre linguagem 
e mundo pelos nomes como símbolos era transparente e com uma referência categorial 
estável. É deste detalhe que nos ocuparemos no restante desta análise. 
Apresentei este início histórico, porque ainda há quem pense que o século XX 
descobriu o problema da referenciação. Contudo, esta história tem mais de 2500 anos de 
ininterrupta tradição. Portanto, 2500 anos e inúmeras teorias depois, nos encontramos 
hoje em novas águas. O que perpassa todos os tempos e continua sobrando é o próprio 
problema. Retornam hoje com enorme vitalidade as discussões sobre o léxico e sobre a 
questão da referência. Tomo esta reflexão como meu centro em homenagem ao nosso 
exímio semanticista Rodolfo Ilari que certamente achará isso tudo muito esdrúxulo. 
 
2. Da referência ao processo de referenciação 
A idéia central a ser aqui defendida é a de que se nem o mundo nem a linguagem 
tem uma estabilidade a priori e se nenhum dos dois está previamente discretizado de 
modo definitivo, essa estabilização e essa discretização decorrem de um trabalho social 
e histórico. Em outras palavras, ter uma vida mental organizada é ter uma vida social e 
historicamente fundada. Veja-se que do ponto de vista filogenético essa história é muito 
longa e vem depurando-se ontogeneticamente de forma muito variada em cada cultura, 
embora não possamos postular um relativismo radical. 
Em conseqüência dessa instabilidade e variabilidade, o mundo não é um grande 
supermercado com gôndolas universais divinamente mobiliadas, restando aos humanos 
nomearem esse mobiliário para uso coletivo. A contribuição histórica dos humanos para 
a configuração dessas gôndolas é imensa e não desprezível, mas ao mesmo tempo tão 
instável e variada que desnorteia. Ao lado disso, a linguagem também não é um 
instrumento transparente, preciso e claro capaz de etiquetar de forma universalmente 
igual cada elemento desse suposto mobiliário. Portanto, não há uma relação direta entre 
linguagem e mundo e sim um trabalho social designando o mundo por um sistema 
simbólico cuja semântica vai se construindo situadamente. Repetindo: a língua é um 
sistema simbólico e não um sistema ontológico. Daí me parecer que a questão da 
relação entre linguagem e mundo careça de sentido. Talvez seja melhor perguntar pela 
ação entre os indivíduos com a linguagem face ao mundo. 
E aqui se acha mais uma idéia central: a linguagem não tem uma semântica 
imanente, mas ela é um sistema de símbolos indeterminados em vários níveis (sintático, 
semântico, morfológico e pragmático). Com isto, afasto-me de todas as teorias que 
usam a metáfora do espelho e propõem uma relação especular entre linguagem e mundo 
5
para explicar como comunicamos os conhecimentos. Uma tal correspondência especular 
entre a linguagem e o mundo seria uma espécie de representação mental do mundo. Mas 
o léxico não é uma lista do mobiliário do mundo a serviço de uma relação de 
correspondência cujo resultado seria a verdade. A idéia da linguagem como espelho ou 
mapeamento da realidade não se sustenta diante do mais mínimo esforço analítico. É um 
escândalo que tenha durado tanto tempo e ainda perdure em grande parte de nossos 
cientistas sociais. 
Se há um tema que pode unir esforços tanto da agenda cognitiva como da 
lingüística é precisamente a questão da referência. Neste particular, admito a mesma 
posição teórica de Mondada & Dubois (1995/2003:19), quando afirmam que 
“no lugar de partir do pressuposto de uma segmentação a priori do discurso 
em nomes e do mundo em entidades objetivas, e, em seguida, de questionar a 
relação de correspondência entre uma e outra – parece-nos mais produtivo 
questionar os próprios processos de discretização”. 
Isto significa que não há algo assim como uma língua pronta de um lado, podendo ser 
usada para espelhar e representar o mundo; e o mundo já discretizado em todos os seus 
elementos, de outro lado, à espera de que se os nomeie. Por isso, torna-se necessário 
indagar quais os processos usados para a discretização. Adiantando a resposta, essa 
discretização é feita no diálogo e no comum acordo entre os interlocutores e não 
unilateralmente. A referenciação é um fato social, como disse Dummet ([1974]1990). 
Assim, concordamos mais uma vez com Mondada & Dubois quando afirmam 
que não existe “uma estabilidade a priori das entidades no mundo e na língua” 
(1995/2003:19), dado que as categorias lingüísticas e cognitivas são instáveis. A 
nomeação e a referenciação são um processo complexo que precisa ser analisado na 
atividade sócio-interativa. A depender do ponto de vista dos interlocutores, vamos 
construir os seres e objetos do mundo de uma ou outra forma. Para alguns, Tiradentes é
um traidor e, para outros, um herói, a depender do período histórico ou da posiçãoideológica dos enunciadores. O IBGE tem enorme dificuldade de classificar as pessoas 
por suas cores e dizer quem é negro, mulato, mulatinho, marrom, branco, ou seja lá o 
que for. Existem os termos e existem as pessoas, mas não existe uma relação de 
determinação inequívoca e estável. Ao longo dos tempos mudaram e mudarão as 
definições. Se você come um abacate na Alemanha está comendo um legume e se você 
come abacate no Brasil está comendo uma fruta. Se você é um cientista, diz que o 
morcego é um mamífero, mas no nosso dia-a-dia todos admitimos que ele é uma ave.
Em alguns casos esquerda é uma opção política e em outras condições é um dos lados 
de uma relação espacial de esquerda-direita. Somente como sinal de trânsito o 
vermelho é uma proibição e o verde uma permissão. As expressões e seus sentidos, 
conteúdos, referentes, etc. não são dois lados de uma mesma moeda. Essa era uma idéia 
saussuriana que neste período pós-estruturalista está em crise. Não se trata de um 
problema de polissemia, vagueza, imprecisão etc., mas sim do efeito do princípio de 
simbolização, que resulta num sistema categorial fluido. O léxico não pode ser pensado 
à margem da cognição social. 
Estas questões têm um alcance muito amplo e entram no dia-a-dia das pessoas 
que vivem discutindo o quê é o quê, tendo que chegar a consensos na negociação 
interativa. Não nego que construímos uma certa relação entre linguagem e mundo, mas 
nego que seja uma relação transparente, universal, e a mesma para todo sempre. Afirmo 
que conhecer não é um ato de identificação de algo discreto existente no mundo e 
mediado pela linguagem: conhecer é uma atividade sócio-cognitiva e uma construção 
produzida na atividade intersubjetiva e recorrente. Concordo mais uma vez com 
Mondada & Dubois (1995/2003:21), quando lembram a 
6
importância concedida à dimensão intersubjetiva das atividades lingüísticas e 
cognitivas, responsável pela produção da ilusão de um mundo objetivo (da 
objetividade do mundo), ‘pronto’ para ser percebido cognitivamente pelos 
indivíduos racionais. 
Assim, pode dizer que a instabilidade e a mudança são uma “dimensão intrínseca do 
discurso e da cognição” (p. 21) e não uma exceção ou um defeito. Neste caso, a 
ambigüidade e a polissemia são também estados normais da língua. 
Tudo indica que o melhor caminho não é analisar como representamos, o que 
representamos nem como é o mundo ou a língua e sim que processos estão envolvidos 
na atividade de referenciação em que a língua está envolvida. Não vamos analisar se o 
mundo está ou não discretizado nem se a língua é um conjunto de etiquetas ou não. 
Vamos partir da idéia de que o mundo e o nosso discurso são constantemente 
estabilizados num processo dinâmico levado a efeito por sujeitos sócio-cognitivos e não 
sujeitos individuais e isolados diante de um mundo pronto. 
Conhecer um objeto como cadeira, mesa, bicicleta, avião, livro, banana, sapoti 
não é apenas identificar algo que está ali, nem usar um termo que lhes caiba, mas é fazer 
uma experiência de reconhecimento com base num conjunto de condições que foram 
internalizadas numa dada cultura. O mundo de nossos discursos (não sabemos como é o 
outro) é sócio-cognitivamente produzido. O discurso é o lugar privilegiado da 
organização desse mundo. 
 
3. O papel do léxico no discurso 
Como sabemos, ao lado da sintaxe e da fonologia, o léxico é o terceiro grande 
pilar da língua. Sem léxico não há língua. Mas o léxico é o nível da realização 
lingüística tido como o mais instável, irregular e até certo ponto incontrolável. Podemos 
ver que tanto a sintaxe como a fonologia dispõem de um conjunto fechado de 
possibilidades básicas de realização numa língua, mas o léxico é aberto e todo dia 
presenciamos o surgimento de novos termos e o desaparecimento de antigos. Esta 
volatilidade não se dá por mero capricho dos falantes e das línguas e sim porque o 
léxico recebe usos sempre renovados e as saliências de que fala Giora (2003) não 
podem ser controladas de forma rígida. Assim, embora o léxico seja uma parte muito 
central em nossos discursos, ele é ao mesmo tempo muito vulnerável e incontrolável. É 
uma parte sobre a qual muito se discute no dia-a-dia. 
A questão não é qual o papel do léxico na produção de sentido e sim qual a 
nossa forma de operar com o léxico para produzir sentido. Por exemplo, a atividade 
referencial é muito mais um processo ligado a atividades inferenciais situadas, do que 
uma simples relação linguagem e mundo. Também não é uma operação lógica de 
natureza vericondicional. E isso se estende para a produção metafórica, metonímica, 
associativa e assim por diante. Se o léxico é limitado e recorre com regras que são 
também limitadas, a produção de sentido não pode vir do sistema nem de alguma 
propriedade lingüística apenas. Tome-se o caso de um telegrama extremamente simples 
que diz apenas o seguinte: 
 “Chego amanhã.” 
Em primeiro lugar, para saber que dia é “amanhã” deve-se considerar o dia da 
remessa como indexador temporal. Em seguida, deve-se saber quem o mandou para 
começar a ter alguma pista de sua interpretação; por fim, precisamos saber as relações 
entre remetente e endereçado. A depender disso pode-se ler esse telegrama como uma 
informação; uma ameaça; uma promessa; uma previsão e assim por diante. Em que 
condições cada uma dessas interpretações será feita e quais delas são incompatíveis? 
7
Já se tornou lugar comum, particularmente depois de Wittgenstein e Austin, a 
idéia de que quando falamos ou escrevemos damos a entender mais do que nossas 
palavras expressam, pois muito do que queremos dizer sequer é formulado. Mas nem 
por isso nossos interlocutores deixam de saber o que queremos dizer. A questão central 
é: de onde vem o sentido final do que dizemos? Não se trata de um problema 
simplesmente semântico ou pragmático de interpretação co-textual ou contextual. Isso 
tem a ver com nossas habilidades no uso público da língua em relação a nossas 
experiências e com um investimento muito grande em raciocínios inferenciais que não 
se fundam apenas em condições lingüísticas, mas em fatores muito variados, 
envolvendo coerência, enquadre tópico, conhecimentos partilhados, interação, efeitos de 
sentido, atividades cognitivas e muitos outros. 
Não se trata de discutir a velha questão relativa ao “speaker’s meaning” versus 
“sentence meaning”, isto é, se o sentido do enunciado lhe adviria pela significação 
tipicamente lingüística, ou se pelo trabalho dos falantes, seja pela enunciação, 
intencionalidade ou por fatores de contextualização e operações mentais (tidos como 
psicolingüísticos, pragmáticos, discursivos, interativos, entre outros). Trata-se muito 
mais de observar como o léxico funciona no discurso e se ele é escolhido tendo em vista 
aspectos específicos de acordo com o gênero textual e a modalidade de uso da língua 
(fala ou escrita). Quando usados em situações discursivas reais, os termos ou são 
ambíguos ou podem produzir efeitos diversos, já que a língua é opaca por natureza e as 
palavras não operam em “estado de dicionário”. Quanto a isso basta analisar os 
trabalhos de Sírio Possenti (2002) sobre o sentido. Do mesmo autor (Possenti, 1998), o 
trabalho sobre o humor na língua é em muitos momentos um exemplo contundente de 
como o léxico é manipulado na produção de sentido em piadas, chistes e outros casos. 
As categorias que usamos são históricas e culturalmente situadas. Elas não se 
constituem de modo unilateral tendo o indivíduo como fonte, mas num trabalho social 
nas relações intersubjetivas. Neste ponto podemos concordar com Wittgenstein quando 
em suas Investigações Filosóficas se voltava frontalmente contra a existência de uma 
língua privada, pois o que seria isso e como seria ela entendida pelos demais? Assim, se 
a língua é um fenômeno que se estabiliza nas relações interpessoais e numa cognição 
social, ela dificilmentese presta a um simples papel de codificação. Ela vai além disso, 
sendo constitutiva de boa parte daquilo que se diz. Quando Wittgenstein afirma que a 
língua é uma “forma e vida” (Lebensform), está simplesmente deixando claro que a 
língua é um empreendimento coletivo, uma espécie de vida em coletividade da qual ela 
é a manifestação. Com esta posição, Wittgenstein se voltava contra o racionalismo 
cartesiano e o empirismo lockeano, pois ambos, cada um a seu modo, davam ao 
conhecimento uma origem individualista, seja no interior de um “eu” subjetivista ou de 
um “eu” sensorial, sempre individuais. Wittgenstein, talvez numa visão neokantiana, 
instaura a intersubjetividade como o ponto de partida e assim elimina o subjetivismo. 
Para Wittgenstein, não estamos confinados a falar apenas daquilo que nos chega 
pelos sentidos, mas podemos falar também daquilo que nossa capacidade cognitiva pode 
gerar. Aí está a rica tradição mitológica, a rica literatura que cada povo tem e nela se 
inspira. A compreensão do que dizemos não depende da existência das coisas. Isto 
significa que não há uma relação de necessidade entre a cognição e a ontologia. Não só 
podemos conhecer sobre o que é, mas o que é pode ser também fruto de nosso peculiar 
modo de conhecer. Somos também artífices do mundo e não apenas notários desse 
suposto mobiliário. Nosso discurso não está condenado a ser apenas um ato cartorial. 
Há um terreno que é mais sensível ainda a essas questões categoriais. Trata-se 
do âmbito da ideologia ou das formações discursivas. Tomemos o caso da Senadora 
petista Heloísa Helena. Para alguns ela é execrável e para outros ela é elogiável. Isso 
8
dentro do mesmo partido. Afinal: pode-se dizer o que ela de fato é, ou isso é apenas 
uma indagação retórica, pois a categorização é sempre plural? 
As categorizações e suas denominações lingüísticas com algum item lexical 
podem ser variadas e nunca devem ser analisadas fora de seus contextos etnográficos, 
seus cenários, seus personagens e assim por diante. Veja-se o caso da expressão 
cadeira. Raramente falamos de “cadeira”, mas seguidamente falamos da “minha 
cadeira”, “esta cadeira” e assim por diante. O léxico é apenas um sistema indiciário e 
o cálculo desses indícios para determinação referencial é feito no discurso. 
Falando com Fauconnier (1997), diria que nós “mesclamos” o tempo todo a fim 
de dizermos aquilo que pretendemos e o curioso é que as pessoas entendem o que 
ocorre, ou seja, constroem sentidos, mesmo que aquilo seja pouco usual. Veja-se este 
caso que apanhei fortuitamente na Internet: 
 
Luana crescente 
Entra ano, sai ano e ela continua invejada pelas mulheres e desejada pelos homens. 
Fala o que pensa, faz o que quer, vive intensamente e nunca perde a pose. Esta é a 
miss Piovani 
Por Marina Bessa fotos Valério Trabanco – 
Revista BOA FORMA 
O que nós conhecemos é a expressão “lua crescente” que indica uma das quatro 
fases da lua: nova, crescente, cheia, minguante. Será, portanto, que podemos esperar 
uma ‘Luana cheia” e uma “Luana minguante”? Podemos esperar sucessivos ciclos de 
Luana? Certamente, não era isso que o autor daquele texto queria dar a entender. Ele 
apenas mesclou um termo que morfologicamente cabia com uma expressão que existe e 
deu um sentido que não está nem nas fases da Lua, nem nas propriedades fisiológicas ou 
biológicas da Sra. Piovani. Houve uma mescla do nome Luana. uma personagem em 
ascensão na mídia, com um aspecto do movimento de um astro. É a mescla da 
morfologia com o léxico no discurso. 
Com uma visão de língua como atividade sócio-interativa, tal como sugerido 
inicialmente, e uma hipótese sócio-cognitiva, tentamos superar a noção meramente 
representacionalista e referencialista da língua, para privilegiar as relações 
intersubjetivas instauradas pelos interlocutores mediante os recursos lingüísticos. 
Nossos discursos são versões públicas do mundo (cf. Mondada, 1994), em que a 
adequação se dá em termos de negociação pública, ajustes, acordos, desacordos etc. 
entre os interlocutores e não numa presumida relação objetiva e direta com um mundo 
exterior. Nossos discursos se dão como atividades de enunciação em condições 
9
discursivas históricas e sociais, tornando a interação uma matriz de sentidos. Assim, é 
necessário observar o que os interlocutores fazem e como agem para construir um 
mundo público mediante a co-produção discursiva. 
Quando não se dispõe de um nome para um dado fenômeno que se vê pela 
primeira vez, como ocorreu com os descobridores e desbravadores do Brasil, em geral 
se entende aquele ser por meio de outras categorias existentes. Vejamos aqui um 
exemplo tomado do trabalho de Fiorin (2000:34-35) falando sobre a maneira de os 
descobridores e desbravadores europeus encararem o Brasil de 1500. Veja-se esta 
descrição de Gandavo para uma fruta que ele desconhecia e que tentava configurar: 
 
‘Huma planta se dá também nesta província, que foi da ilha de Sam Thomé, com 
a fruita da qual se ajudam muitas pessoas a sustentar na terra. Esta planta he mui 
tenra e nam muito alta, nam tem ramos senam humas folhas que serão seis ou 
sete palmos de comprido. A fruita della se chama bananas: Parecem-se na feição 
com pepinos, e crião-se em cachos [...] Esta fruita he mui saborosa, e das boas, 
que há na terra: tem huma pello como de figo (ainda que mais dura) a quel lhe 
lanção fora quando a querem comer.” (p. 34-35) 
 
Note-se que a categorização da fruta banana se dá por comparações para criar a 
categoria da banana com outras frutas similares. O que alguém, ao ouvir ou ler aquela 
descrição poderia afigurar-se em relação à banana não era um objeto do mundo com o 
qual todos nós estamos familiarizados. 
Mas mais interessante ainda é esta descrição do tatu, animal desconhecido dos 
europeus: 
 
“Chamam-lhes Tatús, e são quasi tamanhos como Leitões: tem hum casco como 
de Cágado, o qual é repartido em muitas juntas como laminas e proporcionados 
de maneira, que parece totalmente um cavalo armado. Tem hum rabo comprido 
todo coberto do mesmo casco: o focinho he como leitam, ainda que mais 
delgado algum tanto, e nam bota mais fora do casco que a cabeça. Tem as pernas 
baixas, crião-se em covas como coelhos. A carne destes animaes he a melhor, e 
mais estimada que há nesta terra, e tem o sabor quasi como de galinha.” (p. 35) 
 
Estes aspectos são interessantes porque mostram que o mundo não está 
mobiliado com humanos, fauna, flora, minerais, ou outras entidades desde sempre 
agrupadas e categorizadas. O que se observa é que em boa parte das descrições dos 
viajantes europeus pelo Brasil de então, as categorias e mesmo as designações ou 
descrições das coisas da terra eram feitas com base em posições e crenças eurocêntricas. 
Descreve-se o tatu a partir de um bocado de outros animais mesclados até com seres 
humanos. Estava-se construindo uma noção de tatu.
Trabalho curioso a este respeito é o de Dias (1996) sobre os Nomes de Pero Vaz 
de Caminha para as coisas do Brasil. Foi assim que o cocar indígena foi descrito por 
Caminha como “Sombreiro de penas de aves”. O colar de contas foi nomeado como 
“ramal grande de continhas miúdas”, descrevendo o objeto que estava no pescoço e no 
“coco” dos índios. 
Sob este aspecto seria interessante analisar como os alunos constroem seus 
mundos nas redações escolares. Em geral, são mundos surgidos de um acordo tácito 
embutido no “contrato pedagógico” como lhe chama Elizabeth Marcuschi (2003) e 
suposto pelos alunos na sua relação com a escola e seus valores. 
10
Entre as diversas coisas que aqui se podem observar estão, por exemplo, as 
maneiras de se lidar com objetos, fatos, eventos etc. e as formas de construí-los, seja no 
dia-a-dia, no ambiente escolar ou em qualquer contexto. O momento histórico do 
fatídico 11 de setembro de 2001 nos EUA, vem redefinindo noções categoriais,por 
exemplo, terror, terrorismo, guerra, justiça, tolerância, vingança e assim por diante. 
De acordo com as tresloucadas posturas político-ideológicas de George W. Bush, que 
segue uma linha demarcatória definida por uma postura maniqueísta que opõe o “eixo 
do bem” (os norte-americanos, o ocidente) ao “eixo do mal” (os terroristas orientais, o 
oriente). Isto determina um conjunto de posições categorialmente construídas e 
modeladas. O bem contra o mal. 
Trata-se, no geral, de objetos de discurso e não de objetos do mundo. Não são 
fantasmas do Sr W. Bush, mas são fenômenos discursivos. Seguramente, não é o caso 
de negar o valor referencial da língua e dizer que tudo é discurso, mas sim de rever a 
maneira como se dá o processo de referenciação, já que nem tudo aquilo sobre o que 
falamos está no mundo extra-mental, mas não se esgota como um fenômeno meramente 
psicológico. E aí começa a questão da cognição distribuída, ou seja, o trabalho de uma 
cognição social. 
Mesmo a designação de fenômenos com existência real como as vacas, os 
cachorros, as mesas, os sapatos e as lâmpadas, não se dá como designação de entidades 
absolutamente idênticas para todos nós e sim como entidades mediadas por uma 
complexa conceituação e pela mediação da língua. As vacas na Índia não são vistas 
como fontes de alimentação como as vacas no Rio Grande do Sul. E isso não é um 
desvio de comportamento dos gaúchos. Na realidade, pode-se dizer que na atividade 
discursiva não estamos tanto centrados nas expressões referenciais como tal e sim 
naquilo que com elas fazemos, isto, é nos objetos de discurso que são as entidades 
referenciais “permitidas” ou inferidas numa atividade interativa e no conjunto dos 
demais elementos do discurso. 
O sujeito não é apenas enunciativo e sim também criativo e social nas suas ações 
cognitivas. Assim, na ação social situada, ele instaura e diz o mundo. Numa expressão 
um tanto ousada, poderíamos dizer que o ato de referir é um ato criativo no contexto de 
ações lingüísticas sócio-historicamente situadas. Reflexivamente, a própria descrição 
faz parte do mundo que descreve. As produções discursivas são um contexto relevante 
para novas produções discursivas e assim sucessivamente. 
De uma maneira geral, podemos afirmar que “a indeterminação da descrição é 
indispensável para o seu funcionamento em contexto” (Mondada 1994, p.135). Assim, 
as categorias não podem ser tidas como cartografias cognitivas (nem como 
mapeamentos do mundo). Não são uma espécie de repertório de etiquetas para dizer o 
mundo. As categorias possuem muito mais uma identidade cognitiva do que uma 
identidade ontológica. Daí a dificuldade de entender língua, pois essa sua condição de 
não-representação lhe dá um caráter intrinsecamente opaco e indeterminado. É por esse 
motivo que o contexto sócio-cognitivo é exigido como essencial na determinação da 
significação. E a significação não se confunde com a informação nem com o conteúdo. 
As categorias pretendem algo impossível, ou seja, mapear as estruturas do real 
num conjunto limitado e econômico de índices. Por isso, as categorias não podem ser 
tomadas como estruturas invariantes capazes de realisticamente agruparem a realidade 
extra-mente de modo culturalmente insensível, sem uma nítida inserção sócio-cultural e 
histórica. Categorias não são entidades lingüísticas naturais e realistas. Basta 
tomarmos aqui alguns exemplos bem característicos e atuais como: 
 - apagão 
 - terrorismo 
11
- minoria 
 - menino de rua 
 - menor de idade. 
No Recife, diante a falta d’água, falava-se em “apagão de água” e já se cunhou 
a noção de “arquitetura do apagão”; um artigo de capa da revista Istoé falava em 
“apagão sexual” para denominar a impotência masculina. De fato, apagão não é apenas 
uma categoria que expressa a ausência de luz elétrica como conseqüência da falta de 
energia, mas é uma espécie de “espaço mental” para enquadrar um conjunto de 
fenômenos explicitáveis a partir desse enquadre geral. O apagão tornou-se um enquadre 
para qualquer tipo de falta, ausência, perda. Com Fauconnier (1997), poderíamos mais 
uma vez dizer que se trata de uma ‘mescla’ de domínios, ou uma fusão conceitual. Com 
efeito, categorizar é uma maneira de pensar simbolicamente e não de nomear coisas, 
fatos, dados e assim por diante. 
De certo modo, as esquematizações nos processos discursivos são co-
construções, o que nos faz crer que as compreensões nunca são atividades unilaterais e 
sim colaborativas. Esta é a posição de Filliettaz (1996:41) ao sugerir que a melhor 
forma de tratar a referenciação no discurso é a interacionista em que o processo 
cognitivo tem uma dimensão social considerável. E a mente não fica circunscrita a uma 
espécie de depósito de representações mentais retratadas num léxico em que as palavras 
operam como simples rótulos. 
A guinada teórica se dá aqui rumo a uma noção de construção social da 
realidade em que o sujeito e os processos interativos se tornam centrais. Com isto surge, 
como frisa Mondada (1997:297), o “reconhecimento da natureza discursiva das 
categorias”. Por outro lado, já que as categorias são discursivamente construídas, elas 
se dão tipicamente como objetos de discurso e não como fenômenos do mundo ou 
referentes externos e pré-existentes. As categorias são objetos de discurso para atuar 
sobre o mundo. 
Não obstante essas posições, não devemos ser ingênuos a ponto de ignorar que 
as representações de um grupo social têm uma estabilidade bastante grande e que nem 
tudo é construído a cada momento a partir de um zero cognitivo. Existe um 
condicionamento sócio-cultural, ideológico e comportamental das comunidades em 
relação à atividade lingüística. Qualquer estudo etnográfico pode revelar isso. É assim 
que sabemos com razoável segurança o que alguém nos solicita quando pede um livro 
ou uma caneta, um sapato, ou quando nos fala de ações terroristas e de roubalheira ou 
de coisas bem complicadas como conivência policial com o crime. Quanto a esta última, 
sabemos que quem diz “A convivência policial com o crime está merecendo um 
tratamento mais rigoroso de nossos governantes” fala de algo, mas não de algo que se 
vê ou ouve ou apalpa como um sapato ou um livro. 
Se hoje ouvirmos um início de discurso com este enunciado: “O problema da 
Previdência Social é hoje...” a expectativa de continuidade será bem diversa se se trata 
do pronunciamento de um membro do Governo, um funcionário público ou um dono de 
Seguradora, pois a noção de Previdência Social está longe de ser referencialmente clara. 
Contudo, se eu entrar numa papelaria e disser ao vendedor: 
- Gostaria de comprar um livro 
Ele saberá que não desejo uma resma de papel nem um cartão postal ou uma agenda do 
ano que vem, mas não sabe ao certo que livro quero comprar. Se eu disser um autor, 
ainda não será suficiente, se houver vários livros desse autor. Preciso dizer um título ou 
um volume, se há vários volumes com o mesmo título e assim por diante. Livro não é 
uma entidade que todos identificamos naturalmente, nem é uma entidade para operar 
naturalmente. 
12
O mesmo ocorreria com alguém que me dissesse o seguinte, ao me ver com um 
livro na mão: 
 - Eu já li esse livro. 
Certamente esse alguém não estaria querendo dizer que leu o livro que eu tinha na mão 
naquele momento e sim o conteúdo daquele livro. Portanto, ele estaria se referindo ao 
conteúdo e não ao objeto físico. O mesmo ocorre com um enunciado como: 
 - Este livro é pesado. 
Trata-se do livro enquanto a entidade física ou do seu conteúdo? E a expressão pesado 
estabelece um enquadre de relações de peso ou de gravidade do conteúdo? 
A significação pretendida se determina discursivamente de maneira progressiva 
até a identificação. Mas é claro que a noção de livro não é construída no momento da 
interação. É nesse processo que dois indivíduos, ao interagirem lingüisticamente,chegam a saber do que estão falando e como estão construindo seus referentes. Estão 
emaranhados numa rede de significações tecida pelo léxico e não numa lista cartorial de 
entidades designadas pelo léxico. Os referentes interativamente co-construídos são 
objetos de discurso. E os textos são construídos com estes tipos de objetos e não com as 
coisas do mundo empírico. Vejamos mais uma vez uma das descrições do viajante Pero 
de Magalhães Gândavo em sua obra História da Província de Santa Cruz, que a certa 
altura, tal como cita Fiorin (2000:35), traz a famosa frase que nega às línguas indígenas 
as qualidades européias: 
(a língua indígena) [...] carece de três letras, a saber, nam se acha nella F, nem 
L, nem R, cousa digna despanto porque assi nam têm Fé, nem Lei, nem Rei, e 
desta maneira vivem desordenadamente sem terem, além disso, nem peso nem 
medida. (Gândavo, 1964:54). 
Como lembra Fiorin, “as negações incidem principalmente sobre crenças, 
costumes, modos de ser, enfim, sobre a cultura” (p. 35). Mas para nós é importante 
perceber a naturalização da língua como um valor em si mesmo e medida das demais. 
Creio que neste ponto podemos nos utilizar da posição de Donald Davidson 
[1974] ao analisar a relação entre “esquemas conceituais” e “conteúdos” considerando a 
mediação da linguagem (como sistema de tradução) sem fornecer garantia para 
verdades objetivas, fugindo tanto do relativismo lingüístico como da invariância do 
significado. O autor postula que o conhecimento é uma prática social e histórica e não 
uma apropriação de “dados” ou “fatos” da natureza. 
Não se pense que estas posições são consensuais na comunidade dos lingüistas.2
Na sua penúltima obra, Chomsky (2000:41) provocativamente radicaliza suas posições 
mentalistas ao criticar a idéia de H. Putnam (1988), de que o uso da língua se deve à 
“cooperação social” e “divisão do trabalho lingüístico” para a determinação de 
referentes de itens lexicais. Mas a crítica de Chomsky (p. 48-9) fica ainda mais 
contundente e azeda quando se volta contra M. Dummett (1974), dizendo que o fato de 
se tomar a língua fundamentalmente como “prática social” na qual as “pessoas se 
engajam” para produzir sentidos consensuais é uma idéia no mínimo equivocada. Isto 
porque, segundo Chomsky, 
O conceito de língua que Dummett assume como essencial envolve elementos 
sócio-políticos, históricos, culturais e teleológico-normativos complexos e 
obscuros. Esses elementos podem ser de algum interesse para a sociologia de 
identificação dentro das várias comunidades sociais e políticas e para o estudo 
do poder da estrutura, mas eles se situam claramente fora de qualquer 
 
2 Retomo aqui e abaixo uma série de observações com a transcrição de alguns parágrafos de trabalho 
anterior (Marcuschi, 2000) em que tratei da referência e inferência nas atividades lingüísticas. 
13
investigação útil sobre a natureza da linguagem ou da psicologia dos usuários da 
língua. (p. 49) 
Esta assertiva chomskiana é sem dúvida forte e descarta toda e qualquer 
possibilidade de se postular a língua como um fenômeno social e também não admite, 
em hipótese alguma, que aspectos sociais tenham alguma relevância no estudo científico 
da linguagem. Noções como “abuso da língua”, “normas da comunidade”, “prática 
social” e “seguir uma regra”, usadas por Dummett (1974), são tidas por Chomsky 
(2000:31, 49, 71) como “inúteis e obscuras” até mesmo nos estudos sobre aquisição da 
língua, pois isto equivaleria ao estudo de “qualquer coisa”, algo inadmissível numa 
“investigação racional no contexto das ciências naturais”. Ou seja, para Chomsky, a 
linguagem deve ser estudada no contexto das ciências naturais e seguir seu padrão de 
controlabilidade e explicatividade, sem se preocupar com os aspectos sociais e culturais. 
Enfim, a linguagem, uma vez ‘naturalizada’, não passaria de um fenômeno 
essencialmente neurobiológico. 
Após afirmar que uma “teoria de qualquer coisa” não chega a nada, Chomsky 
(2000:70) diz que: 
A conclusão mais adequada não é a de que de devamos abandonar conceitos de 
linguagem que podem ser produtivamente estudados, mas que o tópico da 
comunicação bem-sucedida no mundo real das experiências é tão complexo e 
obscuro para merecer atenção na investigação empírica, a não ser como guia de 
intuições de como procedemos na pesquisa destinada a alguma compreensão do 
mundo real, incluindo-se ali a comunicação. 
O argumento de Chomsky é o de que “as comunidades são formadas por todo 
tipo de entrelaçamentos e o estudo de comunidades e suas normas rapidamente degenera 
para o estudo de qualquer coisa”. 
Não obstante a autoridade do autor desses enunciados, eles são estranhos no 
contexto de nossa argumentação. Sobretudo quando se considera a distribuição social do 
conhecimento, ou seja, a cognição distribuída, hoje um capítulo de grande interesse nos 
estudos cognitivos dentro da linguagem e cognição. 
A questão da cognição distribuída3 é hoje um capítulo interessante e 
fundamental em muitos autores, especialmente quando se trata de esclarecer como uma 
cultura organiza seu saber. Nem os indivíduos nem as atividades e os artefatos 
produzidos são isolados. Isso se reflete de maneira central no modo como atuamos 
lingüisticamente. Não é aqui possível dar uma visão geral dessa questão, mas é 
imprescindível que se tenha pelo menos uma idéia do que ocorre neste caso, pois essa 
postura representa uma mudança na orientação da observação dos fenômenos 
cognitivos. Se até há pouco tempo a cognição era um aspecto individual que ocorria na 
cabeça das pessoas, agora se torna um aspecto observável na relação intersubjetiva e no 
trabalho conjunto. Esse deslocamento de foco não anula o individual, mas frisa que ele 
se situa no contexto de uma cultura partilhada. 
Embora Putnam não tenha precisamente essa idéia nem tenha falado em 
cognição distribuída, parece-me que ele serve para ilustrar do que se trata, pelo menos 
em relação ao “trabalho lingüístico”. Para Putnam (1988), o uso da língua, no que tange 
à referência, é muito mais uma questão da “divisão do trabalho lingüístico”, de modo 
que “a referência é um fenômeno social.” (p.53-55). As pessoas não precisam conhecer 
 
3 Sobre o tema, pode-se ver a coletânea editada por Gavriel Salomon (1993) contendo as diversas 
posições a respeito da questão. Para os autores trata-se de cognições distribuídas, no plural, já que a 
cognição não é algo singular. O conceito é complexo, controverso em alguns casos, mas tem grande 
utilidade para se pensar em especial atividades conjuntas e permite tomar a noção de ‘atividade’ como 
unidade de análise. 
14
tudo a respeito dos itens lexicais, por exemplo, eu não preciso saber o que é o 
“molibdênio”, pois eu posso confiar num especialista que me diz que o “molibdênio é 
um “Elemento de número atômico 42, metálico, branco, mole, resistente, utilizado em 
ligas”4. É a este tipo de atividade que Putnam chama de “divisão do trabalho 
lingüístico”, observando que “a língua é uma forma de atividade cooperativa e não uma 
atividade essencialmente individualista” (p. 57-8). É este aspecto que falta na posição 
aristotélica e em todas as posições de caráter mentalista estrito e representacionalistas. 
Assim se expressa Putnam (1988:103) a este respeito: “A dimensão social da 
significação – a divisão do trabalho lingüístico – continua a ser completamente 
silenciada pelas teorias mentalistas.” 
Em suma, Putnam (1988:68) observa que “a referência é parcialmente fixada 
pelo próprio contexto”, ou seja, a “contribuição do contexto” é essencial para que 
cheguemos a utilizar nossos itens lexicais de acordo com o que os demais fazem em 
nosso grupo social. Para Putnam (p. 68), “conhecer a significação de uma palavra”, isto 
é, usá-la referencialmente de modo adequado, é “ter um conhecimento tácito de sua 
significação no sentido de saber usar apalavra num discurso”, e não “saber traduzi-la” 
ou “saber o que ela designa ou denota”. Em outros termos, pode-se dizer que “‘conhecer 
a significação de uma palavra’(...) não é rigorosamente conhecer um fato” (p. 69). Pois 
o conhecimento que se tinha na química de 1750 não dava a mesma noção química para 
a água tal como o fazemos hoje, sabendo que se trata de H2O, mas todos designamos a 
mesma coisa ao usarmos o termo num discurso, tanto então como hoje. O conhecimento 
da língua é um conhecimento que deve ser público, no sentido de que deve circular 
socialmente, mas os fatos em si são outra questão. Putnam (1988:74) conclui suas 
observações afirmando que “[...] a significação é interacional. O entorno em si mesmo 
exerce um papel na determinação do que designam as palavras de um locutor ou de 
uma comunidade.” (grifo do autor) 
A sugestão de Putnam permite dizer que a cultura, os artefatos e os instrumentos 
produzidos por uma comunidade formam um todo que se expressa no discurso e tem no 
sistema simbólico uma contraparte importante. 
Retornando agora ao problema da cognição distribuída, parece importante frisar 
que o conhecimento lexical se dá não na forma de uma lista de itens e sim na forma de 
uma rede de relações. E no interior dessa rede não há isolamento e sim distribuição do 
conhecimento, pois o léxico é um todo em que os elementos se integram com a cultura e 
as ações ali praticadas. Essa distribuição do conhecimento é fundamental e essencial, 
pois sem isso, não haveria entendimento intersubjetivo. Portanto, pode-se defender que 
o léxico em funcionamento na língua é uma questão de conhecimento distribuído. 
 Uma das conseqüências mais importantes disto está no tratamento que se deveria 
dar à ambigüidade, polissemia, antonímia, hiperonímia, meronímia e assim por diante. 
São relações e não entidades. Não podem ser vistas em listagens e sim em redes de 
significações. 
 
Finalmente 
Como já dissemos, a língua não tem uma semântica interna definida e estável, tal 
como postulava Granger (1973). As palavras têm uma significação dita “literal”, mas 
que serve apenas como uma base mínima (v. Ariel, 2002) em três perspectivas 
(lingüística, psicológica e interacional) e no geral aquela significação é apenas uma 
parte do que se entende com os itens lexicais. O importante é perceber que é 
precisamente essa instabilidade sistemática que possibilita dizer tudo, pois apesar de ser 
 
4 Definição dada pelo Dicionário Aurélio Século XXI. 
15
a língua um sistema relativamente delimitado sob o ponto de vista formal, podemos usá-
lo de forma generosa. Há um número limitado de regras, fonemas e formas lingüísticas, 
no entanto sua produtividade é infinita. Isto é o efeito da plasticidade e indeterminação. 
Caso fosse tudo determinado como pensava o jovem Platão, só poderíamos dizer 
algumas coisas e não tudo. 
Neste contexto afigura-se aparentemente interessante indagar: qual seria nossa 
visão do mundo se não tivéssemos o corpo que temos? Se nosso aparato cognitivo fosse 
outro e nossas formas de simbolização fossem outras, como veríamos o mundo? Não 
obstante seu aparente apelo, essa indagação tem sido pouco instigante porque o 
conhecimento não depende diretamente de nossas sensações e sim da elaboração 
simbólica dessas sensações. A condição de possibilidade de conhecimento, para falar 
kantianamente, não é um determinado aparato biológico e sim nossas operações com 
esse aparato. Para conhecer a onda ou o átomo eu não preciso sentir ou ver um ou outro 
com meus sentidos. Eu preciso de categorias que os elaborem. Se a conceituação 
dependesse da exclusiva sensação ou percepção do fenômeno a ser conceituado, jamais 
construiríamos qualquer tipo de arcabouço teórico razoável. Sequer pesaríamos as 
formas nem construiríamos sistemas formais, pois nada disso é objeto dos sentidos. 
Hoje existem estudos sobre a forma de comportamento de alguns animais que 
ouvem a quilômetros de distância em função de um aparelho auditivo que capta ondas 
que nós humanos não captamos. Também animais que podem perceber cheiros e segui-
los a quilômetros. E muitas formas de percepção feromônicas. A pergunta é: o que há 
nesse mundo para perceber que nosso corpo, no formato que tem, está deixando de 
captar? Conhecemos cores, sons, extensão, consistência, etc. e se captássemos ondas, 
que porção léxica seria acrescida ao nosso repertório existente? Creio que na falta 
desses outros aparatos perceptivo-cognitivos temos um que supre todos e pode dar a 
sentir e dizer aquilo que sequer vemos e sentimos diretamente: o sistema simbólico, que
além do mais é constitutivo. Por ele podemos comunicar intenções, manter tradições, 
cultivar culturas milenares mesmo sem a tradição escrita. Não dizemos apenas o que 
sentimos, nem dizemos apenas como indivíduos voluntaristas, pois a condição humana 
é uma condição essencialmente sócio-cognitiva.
Tudo indica que fomos feitos muito mais para entender simbolicamente do que 
para sentir e perceber sensorialmente. Portanto, não parece uma desvantagem não 
possuir determinadas habilidades olfativas dos cachorros ou auditivas das baleias. 
Temos um aparato que supera tudo isso. É o aparato capaz de criar mundo: o aparato 
cognitivo que mais do que conhecer serve para gerar. E esse aparato está aí operado 
sócio-interativamente. Na verdade, a questão mais interessante neste contexto é a que 
Mondada (1994) lança, aproximadamente nestes termos: como se dá a cognição na 
interação social? Com isto assume-se que a cognição é um fenômeno social e pensar a 
relação sociedade e cognição é supérfluo. Fundamental é pensar as ações aqui realizadas 
particularmente nas atividades coletivas. 
Neste ensaio, que caminhou por várias águas e direções, tentei sugerir algumas 
idéias para eliminar a posição de que o mundo está naturalmente mobiliado e só nos 
resta usufruir dessa mobília. Afirmei que todo conhecimento é categorial, mas as 
categorias que entram em questão são fruto de uma atividade sócio-histórica. Por fim, 
sugeri que essa atividade não é do indivíduo isolado, mas numa rede social com a 
“divisão social do trabalho”, tal como sugerido por Durkheim (1999) e da “divisão do 
trabalho lingüístico”, como lembra Putnam (1988). Contudo, é interessante a 
observação de Possenti (2002:242), lembrando Granger de que “a linguagem é condição 
transcendental para o conhecimento, o que significa que, sem linguagem não há 
conhecimento, de tipo algum”. Mas isso é também um tanto paradoxal, lembra Possenti, 
16
apoiado em Bakhtin, já que na mesma medida em que a linguagem é possibilitadora é 
também delimitadora das possibilidades. Pois “o ‘signo’ não reflete a realidade real, 
mas a refrata” (p.243),5 isto é, recorta-a. E isso significa que mesmo sendo uma 
condição necessária do conhecimento, a linguagem é sua fronteira, como já lembrava 
Wittgenstein. Enfim, não conhecemos a não ser pela linguagem enquanto sistema 
simbólico e por isso mesmo todo o conhecimento é delimitado pelos caminhos abertos 
por esse guia que construímos na medida em que o pomos em funcionamento. A idéia 
parece bastante wittgensteineana, tendo em vista o aforismo que dizia: “os limites da 
linguagem são os limites do mundo”. Mas o problema dessa fórmula é que até hoje 
ninguém conseguiu ainda determinar os limites da atividade discursiva que excede em 
muito os limites da linguagem. 
 
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5 Tomo esta idéia de Sírio Possenti (2002), no artigo “Sobre linguagem científica e linguagem 
comum”. Ali o autor, ao se pronunciar sobre a linguagem científica, diz o seguinte: “tanto na linguagem 
comum quanto na científica, o "signo" não reflete a realidade, mas a refrata (Bakhtin/Voloshinov 1929). 
A eliminação do "individual" na linguagem da ciência não implica principalmente na objetividade 
absoluta, mas na estruturação, isto é, na eliminação do vivido.” (p. 243) 
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