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12 Setembro 2010 * www.revdesportiva.pt t em a 1 abstract A entorse do tornozelo encontra-se entre as lesões mais comuns no desportista e na popula- ção fisicamente activa. Apesar de frequentemente consideradas triviais, estas lesões podem representar um problema real em termos de saúde pública, face à elevada prevalência de sintomatologia e incapacidade residuais. O principal factor predisponente da entorse do tornozelo é a história de entorses prévias desta articulação. Sendo que a sintomatologia residual destas lesões pode alterar de forma significativa o estado de saúde dos indivíduos que sofrem de instabilidade recorrente, os autores são da opinião que as entorses do tor- nozelo não devem ser consideradas lesões ligeiras. Pelo contrário, devem desenvolver-se abordagens correctas e programas de prevenção adequados. Ankle sprain is among the most common injuries in sports and in the active population. Although often regarded as trivial by athletes and coaches, they can represent a significant public health problem. The primary predisposing factor to suffering an ankle sprain is a history of previous sprains.As residual symptoms of ankle sprains can alter significantly the health of individuals who suffer from recurrent instability, it’s the authors’ opinion that they shouldn’t be considered mild injuries. In contrast, a proper approach to this injury and a prevention programme are required. Introdução A entorse do tornozelo representa a pa- tologia traumática mais frequente da população activa(1,2). Nos Estados Unidos estimam-se cerca de 23000 entorses do tornozelo diárias (1 entorse/10000 indi- víduos/dia)(1). No nosso país, os números atingem particular importância no meio desportivo, com 30% dos atletas apresen- tando pelo menos um traumatismo em inversão do tornozelo durante a carrei- ra(3). Apesar de usualmente consideradas lesões triviais, as entorses do tornozelo representam um problema de saúde pú- blica importante, associado a uma absti- nência desportiva e laboral significativas. Factores de risco no desporto Os desportos com corrida, saltos, mu- danças de direcção e contacto com ou- tros jogadores são aqueles em que se ve- rifica uma maior incidência de entorse tíbio-társica(2,4-7,9,10). Os factores predis- ponentes mais frequentemente asso- ciados são a história prévia de entorse, alterações na proprioceptividade e força dos músculos eversores do tornozelo e índice de massa corporal elevado(7-10). Os autores analisaram num estudo an- terior a incidência, tempo de abstinên- cia desportiva, mecanismo de lesão e sequelas associadas aos traumatismos agudos em inversão da articulação tí- bio-társica numa população desportista portuguesa(11). A entorse do tornozelo obteve uma prevalência de 25.8%, re- velando-se a patologia traumática mais usual entre os futebolistas (29.6%). O mecanismo causal relacionou-se habi- tualmente com deslocamentos laterais e sprints, entrando em jogo o binómio irregularidade do terreno/aderência da chuteira ao relvado. Os terrenos de jogo encharcados e o sapato desportivo com pitões desadequados mostraram-se fac- tores relevantes no desencadeamento de palavras-chave keywords Entorses do Tornozelo da Lesão Aguda à Instabilidade Crónica Entorse do tornozelo; Entorse recidivante; Instabilidade crónica; Desporto; Prevenção; (Ankle sprain; Recidivant sprain; Chronic instability; Sports, Prevention) Marta Massada (1), alexandre pereira (1), ricardo aido (1), ricardo sousa (1), leandro Massada (2) (1) Serviço de Ortopedia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto | (2) Departamento de Traumatologia, Faculdade de Desporto, Universidade do Porto » Rev Medic Desp in forma, 1 (5), pp.12-14, 2010 13revista de Medicina desportiva in forma * Setembro 2010 t em a 1 situações potencialmente instáveis para o apoio plantar. Entre os andebolistas, basquetebolistas e voleibolistas, as entorses do tornozelo surgiram com maior frequência na fase final do salto (apoio plantar anormal sobre o pé do adversário/colega de equipa). Apenas uma entorse? O mecanismo habitualmente associado com a entorse do tor- nozelo é um traumatismo em inversão excessiva, com supi- nação, rotação interna e flexão-plantar do complexo articular tornozelo-pé(5). Neste tipo de traumatismo, as estruturas mais frequentemente lesadas são o ligamento peróneo-astragalino anterior (LPAA), a região ântero-lateral da cápsula articular, o ligamento calcâneo-peroneal (LCP) e o ligamento peróneo- astragalino posterior, o que resulta inevitavelmente em dor, redução do arco de movimento e défice funcional(4,5). Os meios complementares de diagnóstico devem ser utilizados com sen- so, sendo aconselhados quando a clínica o justifique. Segundo as regras de Ottawa (Fig. 1), o estudo radiográfico simples tem indicações precisas podendo ser complementado com o exame em stress dos dois tornozelos ou com ressonância magnética(12). Após o primeiro episódio, o risco de desenvolvimento de ins- tabilidade crónica do tornozelo (ICT) aumenta exponencial- mente(1,4,16). Yeung reportou uma taxa de recorrência em 73% dos indivíduos vítimas de um primeiro episódio de entorse e sintomas residuais e incapacidade que condicionaram inevita- velmente a prática desportiva em 59%(14). Baseados num estudo epidemiológico que conduzimos entre jovens atletas de quatro das principais modalidades em Portugal (voleibol, basque- tebol, futebol e andebol), pudemos verificar que pelo menos 11.3% dos atletas sofreram entorses recidivantes do tornozelo e 3.5% da população total desenvolveu sintomas residuais de instabilidade articular crónica que condicionaram seriamente a prática desportiva(11). De referir, ainda, que em cada 100 en- torses passam despercebidas 15 lesões ligamentares externas graves(3). Anandacoomarasamy et al demonstraram a persis- tência de pelo menos um sintoma em 74% dos atletas 1.5 a 4 anos após a lesão(15). Os sintomas residuais são responsáveis por alterações na qualidade de saúde dos indivíduos que so- frem de instabilidade, podendo persistir até pelo menos 2 anos após a lesão(10), causando a longo prazo alterações degenerati- vas determinadas pela alteração da concentração dos esforços mecânicos articulares(11,15,19). Tratamento: conservador ou cirúrgico? Não existe um tratamento “óptimo” consensual para as entor- ses do tornozelo. No atleta jovem com evidência diagnóstica de rotura aguda do LPAA e/ou LCP o tratamento cirúrgico imediato é uma opção válida, com resultados demonstrados(16). A exigência da alta competição e a necessidade de um retorno rápido à actividade, minimizando a sintomatologia residual e/ ou a instabilidade sequelar podem ser alguns dos factores pro- postos na “defesa” desta abordagem. No entanto, são vários os autores que referem não existir diferença significativa entre os dois tipos de tratamento. Povacz et al numa população não- atleta, mostraram resultados funcionais semelhantes entre os dois tipos de tratamento e um período de recuperação mais rápido no grupo tratado conservadoramente(17). Pijnenburg ve- rificou que uma estratégia de “não-tratamento” conduz a mais sintomatologia residual e que o tratamento cirúrgico apresen- ta melhores resultados que o tratamento funcional e que este tem melhores resultados que a imobilização gessada por 6 se- manas(18). Na abordagem inicial da lesão ligamentar aguda, os autores defendem a análise individual de cada caso, ponderan- do, para além da gravidade da lesão, os níveis de actividade e a exigência competitiva do atleta em questão. Na instabilidade crónica, incapacitante tanto no desportista como no indivíduo activo, os autores defendem a reparação cirúrgica como única forma de restaurar a biomecânica do tornozelo. Num estudo de Hintermannet al, a artroscopia do tornozelo permitiu vi- sualizar lesões da cartilagem articular em 66% dos tornozelos com alterações ligamentares externas e em 98% das lesões do deltóide(19), o que enfatiza a necessidade de correcção desta anomalia mecânica, potenciadora de lesão adicional. A prevenção A prevenção, amplamente discutida, não se acompanha de evidência científica que suporte os benef ícios da aplicação dos métodos aconselhados. O treino proprioceptivo, referido insis- tentemente como uma medida profiláctica eficaz, parece dimi- nuir a recorrência de lesão nos atletas com história prévia, mas não naqueles que nunca sofreram uma entorse do tornozelo(27- 29). O taping ou bracing do tornozelo é de utilização endémica nos desportistas. Acredita-se que associado a mecanismos neu- romusculares reflexos(28,29), o suporte externo pode potenciar a estabilidade, protegendo as estruturas ligamentares através da Figura 1 - Regras de decisão para realização de Rx nas lesões agu- das do tornozelo (segundo regras de Ottawa). 14 Setembro 2010 * www.revdesportiva.pt t em a 1 restrição dos movimentos de inversão severos(30,31). Não existe, no entanto, evidência comprovando inequivocamente o efeito protector das ortóteses ou do taping do tornozelo. A escolha do calçado desportivo, por vezes limitado pelos ditames da moda ou influência publicitária, pode igualmente influir na história natural da entorse. A única certeza dos autores é que, não obs- tante os meios de prevenção adoptados, a entorse do tornozelo continuará a ser uma lesão frequente no sistema esquelético do Homem, com impacto real na saúde do atleta (Fig. 2). Discussão A entorse do tornozelo é uma das lesões mais frequentes no des- porto, revelando uma prevalência elevada não só de entorses reci- divantes, como de instabilidade articular crónica. O não reconheci- mento da real gravidade da entorse do tornozelo, pode condicionar o tratamento e o prognóstico destas lesões. Assim sendo, o conceito de trivialidade associado à entorse do tornozelo deve ser modifi- cado na prática médico-desportiva, aconselhando-se um exame clínico cuidadoso, determinando o mecanismo causal com pesqui- sa sistemática de sinais de instabilidade (sinais de gaveta anterior e posterior positivos e/ou báscula externa do astrágalo nas manobras em stress). Torna-se, ainda, fulcral enfatizar a criação de estratégias preventivas efectivas, como a criação de perfis pré-lesionais de esta- bilidade ligamentar, protocolos de reabilitação e treino e condicio- namento pré-época de força, agilidade e flexibilidade, permitindo o aperfeiçoamento das capacidades motoras em situações de altera- ção súbita e acidental das fases que constituem o gesto desportivo. Bibliografia 1. McKeon PO, Mattacol, CG. Interventions for the Prevention of First Time and Recurrent Ankle Sprains. Clin Sports Med 2008; 27: 371–382. 2. Woods C, Hawkins R, Hulse M, Hodson A. The Football Association Medical Research Programme: an audit of injuries in professional football: an analysis of ankle sprains. Br J Sports Med 2003; 37: 233-238. 3. Massada L. Lesões no desporto. Perfil traumatológico do jovem atleta português. 1 ed. Lisboa: Ed. Caminho, 2003. 4. Hertel J, Denegar CR, Monroe MM, Stokes WL. Talocrural and subtalar joint instability after lateral ankle sprain. 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B- Imagem intra-operatória demonstrando a rotura completa das estruturas capsulo-ligamen- tares externas do tornozelo.
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