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33 Dilma de Souza Professora de Cardiologia da Universidade Federal do Pará, PA. Brasil Rui Póvoa Professor de Cardiologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil Álcool e Hipertensão Arterial Palavras-chave:Hipertensão arterial; Álcool; Fatores de risco Resumo O consumo de álcool eleva indiscutivel- mente a pressão arterial e é dependente da intensidade do consumo, sendo que doses acima de 3 a 5 drinques aumentam tanto a pressão arterial sistólica quando a diastólica. Este efeito é observado tanto em homens quanto em mulheres, fumantes ou não fu- mantes. Estudos de intervenção têm confir- mado que a redução do consumo está ligada a uma queda significativa da pressão arterial. Geralmente a diminuição da ingestão alcoó- lica é seguida por redução significativa dos níveis pressóricos. O hábito de beber tam- bém está relacionado com o aumento mati- nal da pressão arterial, fato relacionado com outro fator de risco cardiovascular. Os meca- nismos pelo qual o álcool eleva a pressão ainda não são conhecidos, mas a atividade simpática participa de algum modo no com- plexo mecanismo de elevação pressórica. Desde 1915 já se tinha o conceito de que as bebidas alcoólicas elevavam a pressão ar- terial. O médico francês Lian relatou esta re- lação em marinheiros que bebiam vários litros de vinho e apresentavam maior pro- pensão a terem a pressão arterial (PA) ele- vada1. Diversos os trabalhos publicados relatam esta relação entre o consumo de álcool e a PA mais elevada, sendo que a quantidade con- sumida apresenta relação direta e positiva com a elevação pressórica2. Estudos epide- miológicos transversais também mostraram esta relação, e as sociedades onde o nível de consumo é maior apresentam uma prevalên- cia maior de hipertensão arterial (HA)3. As diversas bebidas alcoólicas apresen- tam concentrações de álcool diferentes, de tal forma que consideramos com um drin- que padrão a quantidade de 14g de álcool. Entretanto existem possíveis efeitos indivi- duais relacionadas a esta dosagem padrão de referência. Embora alguns estudos sugiram que o tipo de bebida alcoólica, principalmente a cerveja e o destilado, estejam mais forte- mente associados com os níveis de PA do que os outros tipos de bebidas alcoólicas, pa- rece que a relação entre álcool e níveis de PA depende exclusivamente da quantidade de álcool ingerido4. A partir de dois drinques diários (28g de álcool) quanto maior for o consumo de álcool maior será a PA. Esta ele- vação é independente da idade, peso corpó- reo, tabagismo e ingestão de sódio. Apesar de existir ainda muita controvér- sia, alguns estudos encontraram uma espé- 34 Nº32 Abr-Jun 2014 Pág. 33-39 cie de curva J em relação ao consumo de ál- cool. Indivíduos que apresentam baixo con- sumo apresentam níveis pressóricos mais baixos que os não bebedores e os bebedores de três ou mais drinques5-6. Entretanto os trabalhos só conseguiram evidenciar esta curva J em mulheres. Sesso et al ava- liando 28 848 mulheres e 13 455 ho- mens do estudo Physicians Health Study encontraram que o consumo leve e moderado de álcool dimi- nuía o risco de HA na mulher e aumentava no homem4. Verifi- caram que a partir de quatro drinques na mulher e um drin- que no homem, o álcool era deletério. Estes achados di- vergem da maioria dos estu- dos onde o álcool é mais deletério na mulher, acen- tuando assim mais discussão neste tema tão controverso. Nos estudos Nurse’s Health Study e Nurse’s Health Study II, o nadir de risco correspondia a um drinque por dia no primeiro estudo e meio drinque no segundo7-8. Outros estudos já não mostra- ram esta relação, não encon- trando nenhuma diferença na média da pressão entre abstê- mios e o consumo de dois drin- ques por dia5. A redução do consumo e a re- dução da PA são eventos mais evi- dentes com concordância quase que total. Em estudos prospectivos e ob- servacionais encontrou-se redução da PA com a diminuição do consumo, fato também verificado em clínicas de tratamento do al- coolismo9-10. Os diversos estudos epidemiológicos ob- servacionais relatam esta relação álcool e hi- pertensão, entretanto os fatores confusionais prejudicam a análise, principalmente a dieta, o tabagismo, sedentarismo e aspectos socioe- conômicos, frequentemente associados. Chen et al, realizaram uma metanálise dos estudos que envolveram o genótipo do ALDH2 (álcool desidrogenase) que é uma enzima que meta- boliza o acetaldeido11. Verificaram a relação dos polimorfismos da ALDH2 como mar- cador do consumo e a relação com a PA. Os indivíduos homozigotos apresenta- vam limitações para metabolizar os acetaldeídos e, com isso, sintomas desagradáveis como náuseas, enxa- quecas e rubores faciais, predis- pondo-os a um menor uso de álcool. Em análise de 7658 indi- víduos verificaram que os homo- zigotos tipo ALDH1*1* (boa capacidade de metabolizar o acetaldeído) tinham uma chance maior de hipertensão quando comparado como os homozi gotos ALDH2*2*, os quais não metabolizam o ace- taldeido e apresentam sinto- mas desagradáveis com o uso do álcool. A razão de chance com intervalo de confiança de 95% foi: OR= 2,42 (95%; 1,66- 3,55), p<0,000). Concluíram que o álcool tem uma marcante relação com a pressão arterial e o risco de HA. Em 2012, a metanálise de Bria- soulis et al avaliando 16 estudos prospectivos (33 904 homens e 19 372 mulheres) comparam os abstê- mios com os bebedores segundo a in- tensidade de consumo alcoólico12. Na mulher com uso inferior a 10g/álcool/dia, ocorreu um efeito protetivo tendendo a re- duzir a pressão com significância estatística. No homem o risco de aumento da PA foi maior em qualquer dosagem, porém só com significância estatística acima de 31g/dia de álcool (Quadro 1). Em relação à duração da ação hiperten- 35 siva do álcool tem se verificado que é de pouca duração quando avaliado em dias. Este efeito hipertensivo do álcool geralmente persiste por pouco mais de 24 horas, tanto que os bebedores de final de semana apre- sentam os níveis pressóricos mais elevados na segunda-feira do que na quinta-feira1,3. Geralmente os efeitos desaparecem após al- guns dias de cessação da bebida. Preocupados com o comportamento da pressão nas 24 horas, Ohira et al, avaliaram bebedores por meio da monitorização ambu- latorial da pressão arterial (MAPA) e fizeram a dosagem de cortisol14. Em uma amostra de 539 homens verificaram que o uso habitual de álcool estava associado com o aumento mati- nal da pressão arterial. Ocorreram aumentos da frequência cardíaca tanto na vigília quanto no sono e aumento da atividade simpática no sono, explicando alguns mecanismos da asso- ciação do álcool com as doenças cardiovascu- lares. Outro aspecto importante se refere ao tra- tamento da hipertensão. Pacientes que fazem Quadro 1 de acordo com a dose ingerida. modificado de Briasoulis et al . Dose g/dia (homens) OR IC p <10 1,03 0,94-1,13 0,51 11-20 1,15 0,99-1,33 0,06 21-30 1,07 0,86-1,34 0,54 31-40 1,77 1,39-2,26 p<0,001 41-50 1,17 0,84-1,05 0,34 >50 1,61 1,38-1,87 p<0,001 Dose g/dia (mulheres) OR IC p <10 0,87 0,82-0,92 p<0,001 11-20 0,90 0,87-1,04 p<0,17 21-30 1,16 0,90-1,46 p<0,23 31-40 1,19 1,07-1,32 p<0,002 12 Odds Ratio (OR) e Intervalo de Confiança (IC) para desenvolver HA em homens e mulheres O efeito hipertensivo do álcool geralmente persiste por pouco mais de 24 horas, tanto que os bebedores de final de semana apresentam os níveis pressóricos mais elevados na segunda-feira do que na quinta-feira 36 Nº32 Abr-Jun 2014 Pág. 33-39 uso constante de álcool apresentam maior di- ficuldade do controle pressórico. Esta resis- tência a terapia pode estar relacionada a uma possível interação com os fármacos ou até a uma adesãoprejudicada pelo alcoolismo, além de um excesso de consumo de sal15. A influência do consumo de álcool e a pre- valência da HA variam de acordo com a pre- valência de grandes bebedores na população estudada. De maneira geral o consumo de três ou mais drinques dobra a chance de ser hipertenso. Estima-se que o álcool contribui de 5-20% para a prevalência de hipertensão na população16. Apesar dos estudos randomizados que avaliam o efeito de redução da ingesta, serem de pouca duração com um número pequeno de indivíduos, os re- sultados são bem consisten- tes em revelar a relação epidemiológica do álcool e a hipertensão. O estudo PATHS (Pre- vention and Treatment of Hypertension Study) onde o objetivo primário foi deter- minar se em bebedores moderados a pesados cuja pressão diastólica estava entre 80-99 mm Hg, se a redução do álcool em seis meses reduzia os níveis pressóricos. Em segui- mento de 3-24 meses a redução de 1,3 drinques por dia resultou em redução de 0,9/0,6 mmHg na pressão arterial.17 Em outros estudos as reduções pressóri- cas foram mais expressivas. Nos estudos aus- tralianos de Perth onde os bebedores faziam uso de grande quantidade de álcool (um a 5,7 drinques por dia), a diminuição da bebida resultou em significante redução da pressão arterial, de 3,8-5,4 mm Hg para a pressão sistólica e de 1,4-3,3 mm Hg para a diastólica. Isto ocorreu mesmo para os indivíduos normotensos, hipertensos e hiper tensos em terapia18-19. Mecanismos O efeito imediato do álcool é a vasodilatação em diversos leitos vasculares, pro- piciando uma redução dis- creta da PA. O uso continu- ado eleva os níveis pressóricos Quadro 2 Principais mecanismos de elevação da PA com o uso do álcool Estimulação simpática Estimulação do Sistema Renina Angiotensina Aldosterona Resistência a insulina Redução da liberação de óxido nítrico Alterações no cálcio e no magnésio Aumento do cálcio intracelular da musculatura lisa Aumento de acetaldeídos As maiores evidências são do papel da atividade simpática e do aumento do cálcio intracelular da musculatura lisa como mecanismos que levam o uso de álcool a tornar o indivíduo hipertenso 37 não por alterações estruturais e sim por uma série de modificações neuro-hormonais. No Quadro 2 podemos observar as prin- cipais mecanismos induzidos pelo álcool re- lacionados com a elevação pressórica20-21. As maiores evidências são do papel da ati- vidade simpática e do aumento do cálcio in- tracelular da musculatura lisa, como mecanismos mais importantes que levam o uso do álcool a tornar o indivíduo hipertenso. Álcool e Risco Cardiovascular O uso leve a moderado do álcool pode ele- var o HDL-colesterol, as apo proteínas A1 e A2, melhorar os efeitos antioxidantes e re- duzir a agregação plaquetária. Estas quali- dades talvez justifiquem a pequena redução de eventos cardiovasculares decorrentes da aterosclerose, tais como o infarto do miocár- dio e o acidente vascular cerebral22. Além das ações na PA, o uso de álcool pode levar a outros distúrbios cardiocerebrovascu- lares. A miocardiopatia alcoólica é um risco em indivíduos que apresentam ingestão acen- tuada. O risco de acidente vascular cerebral hemorrágico é muito maior que o isquêmico e o aparecimento de arritmias é mais fre- quente, principalmente a fibrilação atrial23. Aparentemente somente a doença arterial co- ronária não pertence a esta extensa lista de complicações do alcoolismo24. O uso de altas doses, além de estar associado a um risco car- diovascular maior por aumento da pressão, predispõe a uma série de doenças tais como certos tipos de neoplasias, cirrose hepática, pancreatites, gastrites, distúrbios psiquiátri- cos, acidentes, e etc. Por isso, não devemos en- corajar ninguém a usar baixas doses de álcool. Em alcoólatras que consomem mais de 200g /álcool/dia, a abstinência melhora di- versos aspectos clínicos e laboratoriais. Por volta do terceiro dia a PA se normaliza em boa parcela dos pacientes e após 30 dias a maioria normaliza a PA (Figura 1). Entre os parâmetros bioquímicos houve redução dos níveis de aldosterona e cortisol plasmáticos sem afetar a atividade de renina e das cate- colaminas urinárias25. Devido esta associação entre o uso elevado de álcool e a hipertensão, a recomendação para os alcoólatras é de não exceder dois drin- ques no homem e um drinque na mulher por dia. A mulher em geral apresenta menor massa corpórea e tem menos desidrogenase alcoólica no suco gástrico, ocorrendo uma ab- sorção maior pelo tubo digestivo26.Porém, al- gumas pessoas não devem nem sequer ingerir Figura 1 Comportamento da PA sistólica e diastólica em bebedores pesados com a manutenção do álcool e com a suspensão. Modificado de Soardo G et al25. Todos os hipertensos devem ser questionados sobre o consumo de álcool na quantidade e na frequência 38 Nº32 Abr-Jun 2014 Pág. 33-39 sorção maior pelo tubo digestivo26.Porém, al- gumas pessoas não devem nem sequer ingerir estas dosagens permitidas, e são principal- mente as grávidas, os miocardiopatas e aque- las onde o álcool oferece algum outro tipo de risco a saúde. Os indivíduos onde o álcool não oferece risco e que bebem até 30 g/dia, no homem e 15g/dia na mulher, não há um risco aumentado de ele- var os níveis pressóricos, podendo haver até algum efeito benéfico. Mas em hipótese alguma devemos encorajar os pacientes ao uso de pequenas quanti- dades diárias de bebidas alcoólicas. Aqueles que bebem dois ou mais drinques por dia devem ser en- corajados a diminuir a quantidade, não só para reduzir os níveis pressóricos, mas tam- bém para evitar os di- versos problemas rela- cionados com o álcool. A maioria das pessoas que bebem em torno de um ou dois drinques por dia não apresentam indícios de dependência, o que torna mais fácil levá-los a uma redução da quantidade. Isto também é válido para al- guns bebedores mais pesados. Isto ficou evidente no estudo PATHS onde os indiví- duos que faziam uso de uma dosagem média de seis drinques/dia, conseguiram reduzir para 1,5 drinques/dia em média em seis meses antes da randomização27. Todos os hipertensos devem ser questio- nados sobre o consumo de álcool na quanti- dade e na frequência, e principalmente rastrear uma possível dependência alcoólica, para uma orientação terapêutica mais ade- quada. Em muitos pacientes será necessário o encaminhamento para especialistas em tratamento de dependência al- coólica. A redução pressó- rica com o abandono do álcool é signifi- cante e comparável as outras intervenções na mudança de estilo de vida28. No estudo TOHP-I (Trials of Hy- pertension Prevention, Phase I), que foi rando- mizado e controlado, para intervenção no es- tilo de vida e suplementa- ção nutricional, a redução do peso corpóreo e do sódio foram eficazes em redução da pressão arterial, compará- veis com a redução da PA no es- tudo PATHS com a diminuição da ingesta alcoólica29. Por isso, é muito importante estimular o abandono do álcool nos pacientes hiperten- sos, tanto do ponto de vista de redução da PA quanto para uma melhor ação dos fármacos anti-hipertensivos, além da prevenção de um alcoolismo mais pesado com todos os trans- tornos orgânicos e psiquiátricos que podem ocorrer. 39 Referências 1. Lian C. L’alcoholisme, cause d’hypertension arterielle. 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