Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LITERATURA BRASILEIRA: DO ROMANTISMO AO MODERNISMO Maria Suely de Oliveira Lopes Silvana Maria Pantoja dos Santos UESPI 2010 Licenciatura Plena em Letras Espanhol Modalidade a Distância 2 Literatura Brasileira II 3 UESPI/NEAD Letras Espanhol UAB – UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL UESPI – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LICENCIATURA PLENA EM LETRAS ESPANHOL UESPI 2010 LITERATURA BRASILEIRA: DO ROMANTISMO AO MODERNISMO Maria Suely de Oliveira Lopes Silvana Maria Pantoja dos Santos 4 Literatura Brasileira II Lopes, Maria Suely de Oliveira. Literatura Brasileira: do Romantismo ao Modernismo. Maria Suely de Oliveira Lopes; Silvana Maria Pantoja dos Santos. – Teresina:UAB/UESPI, 2010. 155 p. (Licenciatura em Letras Espanhol) 1. Literatura Brasileira. 2. Romantismo na literatura. 3. Realismo na literatura. 4. Naturalismo na literatura. 5. Parnasianismo na literatura. 6. Simbolismo na literatura. I. Santos, Silvana Maria Pantoja dos. II Título. CDD: B869.09 L864l 5 UESPI/NEAD Letras Espanhol Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Vice-presidente da República José Alencar Gomes da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação à Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação à Distância CAPES/MEC Celso José da Costa Governador do Piauí Wilson Nunes Martins Secretária Estadual de Educação e Cultura do Piauí Maria Pereira da Silva Xavier Reitor da UESPI – Universidade Estadual do Piauí Carlos Alberto Pereira da Silva Vice-reitor da UESPI Nouga Cardoso Batista Pró-reitor de Ensino de Graduação – PREG Manoel Jesus Memória Coordenadora da UAB-UESPI Bárbara Olímpia Ramos de Melo Coordenador Adjunto da UAB-UESPI Raimundo Isídio de Sousa Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação – PROP Isânio Vasconcelos de Mesquita Pró-reitora de Extensão, Assuntos Estudantis e Comunitários – PREX Francisca Lúcia de Lima Pró-reitor de Administração e Recursos Humanos – PRAD Acelino Vieira de Oliveira Pró-reitor de Planejamento e Finanças – PROPLAN Raimundo da Paz Sobrinho Coordenadora do curso de Licenciatura Plena em Letras Espanhol – EAD Margareth Torres de Alencar Costa 6 Literatura Brasileira II Edição UAB - FNDE - CAPES UESPI/NEAD Diretora do NEAD Bárbara Olímpia Ramos de Melo Coordenador Adjunto Raimundo Isídio de Sousa Coordenadora do Curso de Licenciatura Plena em Letras – Espanhol Margareth Torres de Alencar Costa Coordenador de Tutoria Omar Mário Albornoz Coordenação de Produção de Material Didático Marivaldo de Oliveira Mendes Autoras do Livro Maria Suely de Oliveira Lopes Silvana Maria Pantoja dos Santos Revisão Leonildes Pessoa Facundes Raimundo Isídio de Sousa Teresinha de Jesus Ferreira Diagramação Luiz Paulo de Araújo Freitas Capa Luiz Paulo de Araújo Freitas Fonte da imagem: <http://inss.nireblog.com> UAB/UESPI/NEAD Campus Poeta Torquato Neto (Pirajá), NEAD, Rua João Cabral, 2231, bairro Pirajá, Teresina (PI). CEP: 64002-150, Telefones: (86) 3213-5471 / 3213-1182 http://ead.uespi.br E-mails: eaduespi@hotmail.com MATERIAL PARA FINS EDUCACIONAIS DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS CURSISTAS UAB/UESPI 7 UESPI/NEAD Letras Espanhol SUMÁRIO Apresentação .................................................................................................... 9 UNIDADE 1 ROMANTISMO 1.1 A FICÇÃO ROMÂNTICA NO BRASIL: UMA INTRODUÇÃO ....................... 13 1.2 CARACTERÍSTICAS DA PROSA ROMÂNTICA ........................................ 18 1.3 OS ROMANCISTAS ROMÂNTICOS .......................................................... 29 1.3.1 Joaquim Manuel de Macedo ............................................................... 29 1.3.2 Vida e obra de José de Alencar:alma brasileira ................................. 36 1.3.3 Franklin Távora ..................................................................................... 54 1.3.4 Visconde de Taunay ............................................................................. 55 1.3.5 Martins Pena ........................................................................................ 56 1.3.6 O Romance de costumes: Manuel Antonio de Almeida..................... 58 UNIDADE 2 REALISMO-NATURALISMO 2.1 CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL DO REALISMO/NATURALISMO ..... 67 2.2 O ROMANCE REALISTA/NATURALISTA BRASILEIRO ............................. 71 2.2.1 Machado de Assis................................................................................. 72 2.2.2 Aluízio Azevedo .................................................................................... 80 2.2.3 Raul Pompéia ........................................................................................ 86 UNIDADE 3 PARNASIANISMO E SIMBOLISMO NO BRASIL 3.1 PARNASIANISMO ..................................................................................... 93 3.2 SIMBOLISMO ............................................................................................ 96 UNIDADE 4 PRÉ-MODERNISMO 4.1 MODERNISMO NO BRASIL .................................................................... 106 4.2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ........................................................ 108 4.3 CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA MODERNISTA............................ 109 8 Literatura Brasileira II 4.4 A SEMANA DE ARTE MODERNA ........................................................... 115 4.5 A PRIMEIRA FASE MODERNISTA (1922 a 1930) .................................... 117 4.6 SEGUNDA FASE MODERNISTA NO BRASIL (1930-1945) - PROSA ...... 128 4.7 A SEGUNDA FASE MODERNISTA-POESIA (1930 a 1945) ..................... 133 4.8 TERCEIRA FASE MODERNISTA NO BRASIL (1945- +/- 1960) ............... 140 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 149 9 UESPI/NEAD Letras Espanhol APRESENTAÇÃO O presente livro integra o material de apoio pedagógico desenvolvido pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI, correspondente à disciplina Literatura Brasileira II. Compõe a estrutura curricular do Curso de Licenciatura Plena em Língua Espanhola, na modalidade de educação a distância. O material foi organizado com a proposta de contribuir com os seus estudos e reflexões acerca da prosa, estendendo-se do Romantismo às tendências contemporâneas. Vale ressaltar que embora a ênfase seja maior na prosa, teve-se o cuidado de abordar também as estéticas Parnasiana e Simbolista que se destacam na poesia, a fim de não romper com linearidade da periodização literária. Para melhor aplicação dos conteúdos programáticos e eficácia nos estudos, o trabalho foi sistematizado a partir de pressupostos teóricos formadores da história da literatura brasileira que discutem os elementos que constituintes dos fatos literários. Os conteúdos estão distribuídos em quatro unidades, a saber: a primeira unidade denominada: O Romantismo, que aborda o contexto histórico, as características gerais e a prosa romântica brasileira e seus principais representantes; a segunda: O Realismo e o Naturalismo, envolvendo o contexto histórico, as características gerais, bem como a prosa realista-naturalista brasileira e os respectivos representantes; a terceira: Parnasianismo e o Simbolismo que trata da poesia são abordados de modo mais geral, haja vista que os objetivos desta disciplina estão mais voltadas para a prosa. Por fim, a disciplina traz, ainda, breves referências ao Pré-modernismo, dando maior ênfase no Modernismo com destaque ao contexto histórico, característica e principais representantes de cada geração. 10 Literatura Brasileira II Visando colaborar com a metodologia de estudo, sugerem- se alguns passos: observe os objetivos das unidades e faça as atividades propostas no final de cada texto, isto ajudarávocê a aprofundar o assunto; empenhe-se nos trabalhos de grupo tanto quanto nas reflexões individuais; compartilhe ideias; consulte os sites sugeridos; atente para as referências bibliográficas e, se necessitar, recorra a elas para aprofundar seus conhecimentos. Por fim, leia, reflita, analise criticamente cada ideia e/ou teoria aqui apresentada. Suas dúvidas poderão ser colocadas junto ao seu tutor. Aproveite! Bons estudos! 11 UESPI/NEAD Letras Espanhol UNIDADE 1 CONTEÚDOS: • A Ficção romântica brasileira • Contexto Histórico • Características • O Romantismo no Brasil • Autores representativos • Leitura interpretativa de textos OBJETIVO: √ Reconhecer a ficção romântica, destacando suas características essenciais, seu contexto e seus principais representantes na prosa brasileira. 12 Literatura Brasileira II 13 UESPI/NEAD Letras Espanhol 1.1 A FICÇÃO ROMÂNTICA NO BRASIL - UMA INTRODUÇÃO O Romantismo no que se refere à poesia foi estudado no livro anterior. Para dar continuidade ao estudo desse movimento, iremos fazer uma abordagem sobre a ficção com seus principais representantes. Antes é necessário fazermos uma introdução sobre o movimento em destaque. Foi observado que o Romantismo, de acordo com Coutinho (2002), tendo inovado, completa e sistematicamente, a poesia e o drama, substituindo por um ideal novo superado dos clássicos, não se configurando assim a ficção, principalmente desenvolvida na França, Inglaterra, e Alemanha onde a existência de importante tradição levaria o romance romântico à condição de mero prolongamento do romance dos séculos precedentes e, em especial, das obras mais significativas dos pré- românticos. A única exceção, como acentua Paul Van Tieghen, viria a ser o romance histórico. Entretanto, foi no romance que o Romantismo encontrou o melhor veículo para a divulgação de suas idéias. O Romance, forma definitiva moderna, surgiu como resposta a necessidades de expressão, da parte do escritor, e como resposta a determinadas aspirações, da parte do leitor. A partir dessas necessidades, o Romantismo, proflifera-se. Os movimentos revolucionários dessa época fizeram ruir a velha estrutura social, emergindo em consequência elementos novos das camadas inferiores da estratificação sócioeconômica. www.infomenews.com. Acesso em 20.02.2010 14 Literatura Brasileira II O industrialismo, com o progresso da técnica, pôs em vigor novas formas de trabalho, baseadas na especialização. Uma nova atitude em face da vida, os valores novos, novos anseios surgiram, ao mesmo tempo, para o homem atordoado do início do século XIX. O frio equilíbrio racional das idéias, dos sentimentos neoclássicos e uma linguagem estranha a esses novos valores a se debaterem na maré revolta de anseios por justiça e por aspirações reivindicatórias. Todos esses acontecimentos nos permitem compreender o que tem sido apontado como característica fundamental do Romantismo, ou seja, a sua atitude de permanente oposição, de luta contra o que até então vigorava e, ao mesmo tempo, de protesto contra as novas formas de existência. Ao ideal renascentista de uma cultura integral, o liberalismo burguês respondia com o processo de individualização derivado dos novos métodos de trabalho, o que, em última análise, desligava o homem da sociedade. Daí o sentimento de solidão que domina o Romantismo. Ao destruir as bases da sociedade, o liberalismo burguês impedia a estruturação da atmosfera necessária à arte de expressão extensa. O Romantismo sempre permaneceu atento às lutas políticas, não obstante sua tendência à embriaguez metafísica, e fez dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, sua inspiração e seu motivo. Surgia, dessa forma, uma nova temática para a literatura: as camadas que os movimentos revolucionários haviam trazido para a realidade social emergiriam, também, para as páginas dos romances e para os versos do poema. Seriam nas primeiras que elas encontrariam sua melhor expressão. O romance mais do que a poesia e o teatro era o meio adequado à difusão das 15 UESPI/NEAD Letras Espanhol ideias românticas, pelo menos daquelas tendências mais profundas e, por isso mesmo, universais. O romance romântico europeu, conforme Coutinho (2002, p. 233), apresenta uma série de características gerais que pouco variam nas diversas literaturas nacionais, sendo mais importantes aquelas já indicadas por Van Tieghen: a) o predominante papel que exerce a personalidade do autor, e cujas origens residem na nouvelle Héloíse, de Rousseau; b) a importância conferida à paixão, que já agora não só proclama seu valor intrínseco, como reclama seus direitos e sua liberdade em face de restrições ou preconceitos de ordem moral e social; c) o amor ao exotismo, ao maravilhoso, à aventura; d) a evocação do passado, de regra o nacional; e) o sentimento da natureza e a pintura de paisagens nas quais se desenvolve a ação, o que confere às emoções das personagens ressonâncias mais profundas; g) certo realismo na adaptação e fixação de aspectos do mundo objetivo, de detalhes da vida familiar; h) ao lado da narrativa impessoal, a narrativa pessoal, em forma de romance epistolar e autobiográfico, técnica que apresenta certas vantagens para a expressão direta das grandes paixões; i) quanto ao estilo, geralmente este era mais concreto e mais colorido do que os dos romancistas do século XVIII e, com frequência, apaixonado, impetuoso, brilhante e sonoro, declamatório para o gosto atual, abundante no uso de hipérboles, exclamações e imagens. A maja desnuda, Goya, Museu do Fonte: <www.historiadaarte.com.br>. Acesso 16 Literatura Brasileira II O ROMANCE ROMÂNTICO Destaque especial teve, no movimento romântico, a narrativa romanesca. Foi por meio dos romances que a Europa marcou seu reencontro com o mundo medieval em que repousavam as raízes das modernas nações europeias. Ali floresceram os ideais cavalheirescos que resgatavam, na origem heróica, a dignidade da pátria e se expressaram nos romances históricos. Encontram- se também as narrativas apoiadas no embate entre o bem e o mal, com a vitória do primeiro. No Brasil, o romance histórico se fez indianista na busca das raízes da nacionalidade (não esqueçamos que a independência, há pouco tempo alcançada, legou aos intelectuais românticos o compromisso de construir a identidade nacional). O primeiro romance bem-sucedido, na história da literatura brasileira foi A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844. Seu reconhecimento se deve ao fato de ter sido a primeira narrativa centrada em personagens brasileiros, com ambiência local. Vale lembrar que, na Europa e nas traduções brasileiras as narrativas românticas eram editadas sob a forma de capítulos, aumentando extraordinariamente a tiragem dos periódicos. Os leitores se entusiasmavam pelo desenvolvimento das histórias, eram seduzidos pela riqueza de acontecimentos bombásticos, pelas emoções desenfreadas, pela linguagem acessível, pela ausência de qualquer abstração, que suscitava expectativa e ansiedade pelo penúltimo quando tudo se ajustava e se explicava. Tais romances, na concepção de Gonzaga (2002, p. 64), receberam o nome de folhetins. Ao escrever um folhetim, o artista submetia-se às exigências do público burguês e dos diretores de jornais. Sue, romancista francês, ressuscitou um personagem 17 UESPI/NEAD Letras Espanhol porque os leitores não se conformavam com sua morte, e isso ameaçava a venda do periódico no qual a narrativa era publicada. Além disso, os folhetins não podiam criticar os valores da época, reivindicar o verdadeiro humanismo, pois obrigatoriamente tinha de se sujeitar aos valores ideológicos do público, constituindo-se assim numa arte de evasão e de alienação da realidade. Quase todo romance romântico assume a estrutura de folhetim, que é a seguinte :(HARMONIA) -> (DESARMONIA) -> (HARMONIA FINAL) O sucesso do folhetim europeu possibilitou o surgimento de vulgares adaptações, feitas por escritores de segunda categoria, até que vão surgindo autores do nível de Joaquim Manuel de Macedo. Surgia o romance brasileiro. E o nosso romance começava sob a dimensão do Romantismo. Os romances do período romântico foram construídos em torno de quatro grandes núcleos: · O romance histórico, voltado para as relações que fizeram o Brasil colônia; · O romance indianista, com a intenção de estabelecer nossas raízes históricas, construiu-se em torno da idealização da figura do índio, transformado em herói nacional; · O romance urbano, com ênfase nas relações amorosas, foram o espaço de revelação das preocupações burguesas, sua noção de honra e o significado do dinheiro nas relações estabelecidas; · O romance sertanista ou regionalista, voltado para o mundo rural, veio configurou a abertura para uma das temáticas mais significativas a desenvolver-se na literatura brasileira nos movimentos literários que se seguiram ao Romantismo. Embora encontrados em muitos dos escritores do período, os romances 18 Literatura Brasileira II assim caracterizados foram preocupação especial de José de Alencar, que se propôs, através de sua obra, representar o Brasil em todas as suas facetas. 1.2 CARACTERÍSTICAS DA PROSA ROMÂNTICA Grande é o número de características que marcaram o movimento romântico, características essas que, centradas sempre na valorização do eu e da liberdade, vão-se entrelaçando, umas conjugadas às outras, umas desencadeando outras e formando um amplo painel de traços reveladores. Para aqui discuti-las, vamos seguir os aspectos considerados os mais significativos por Proença Filho (1985) em sua análise dos Estilos de Época na Literatura. Contraste entre os ideais divulgados e a limitação imposta pela realidade vivida O universo conhecido se alarga, o Século das Luzes deixa um rastro de anseios libertários, desloca-se o centro do poder; a Fonte: <www.portalartes.com.br>. Acesso em 21.02.2010 19 UESPI/NEAD Letras Espanhol dependência social e econômica, a inconsciência, o desconhecimento estabelecem para a imensa maioria, no entanto, uma existência marcada por limitações de toda ordem. Imaginação criadora Num movimento de escapismo, o artista romântico evade- se para os universos criados em sua imaginação, ambientados no passado ou idealizados no futuro idealizados, em terras distantes envoltas na magia e no exotismo, nos ideais libertários alimentados nas figuras dos heróis. A fantasia leva os românticos a criar em tanto mundos de beleza que fascinam a sensibilidade, como universos em que a emoção se realiza no belo associado ao terrificante vejam-se, as figuras do Drácula, do Frankstein e a ambiência que os rodeia. Subjetivismo Retrata o mundo pessoal, interior, os sentimentos do autor que se ou são o espaço central da criação. Com plena liberdade Fonte: <www.pipocabloq.pop.com.br> Fonte: <Antigravidade.wordpress.com> 20 Literatura Brasileira II de criar, o artista romântico não se acanha em expor suas emoções pessoais, em fazer delas a temática sempre retomada em sua obra, conforme trecho abaixo, extraído. (...) O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face. Fez-se no semblante da virgem um ninho de castros rubores e lânguidos sorrisos: os lábios abriram como as asas purpúrea de um beijo saltando vôo (GONZAGA, 2002, p. 72). O artista romântico, com plena liberdade de criar, não se nvergonha de expor suas emoções pessoais, em fazer delas a temática sempre retomada em sua obra. Evasão O escapismo romântico manifesta-se tanto nos processos de idealização da realidade circundante como na fuga para mundos imaginários. Quando acompanhado de desesperança, sucumbe ao chamado da morte, companheira desejada por muitos e tema recorrente em grande número de poetas. (...) Cecília abriu os olhos e, vendo seu amigo junto dela, ouvindo ainda suas palavras, sentiu o enlevo que deve ser o gozo da vida eterna (GONZAGA, 2002, p. 72). No fragmento acima a evasão se manifesta por meio da expressão gozo da vida eterna conduzindo a personagem Cecília a sonhar mesmo estando de olhos abertos. Senso de mistério A valorização do mistério, do mágico e do maravilhoso acompanha a criação romântica. É também esse senso de mistério que leva grande número de autores românticos a buscar o 21 UESPI/NEAD Letras Espanhol sobrenatural e o terror. Vejamos o excerto abaixo, retirado da obra Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo. (...) Uma noite, e após uma orgia, eu deixara dormida no leito dela a condessa Bárbara. Dei um último olhar àquela forma nua e adormecida com a febre nas faces e a lascívia nos lábios úmidos, gemendo ainda nos sonhos como na agonia voluptuosa do amor. Saí. Não sei se a noite era límpida ou negra; sei apenas que a cabeça me escaldava de embriaguez. As taças tinham ficado vazias na mesa: aos lábios daquela criatura eu bebera até a última gota o vinho do deleite… (www.passeiweb.com.Acesso em 21.02.2010) O senso de mistério é identificado neste trecho principalmente através das expressões noite, orgia, lábios úmidos, negra, embriaguez utilizadas pelo autor no sentido de criar uma sensação quase sobrenatural. Consciência da solidão A consciência da solidão é consequência do exacerbado subjetivismo, que dá ao autor romântico um sentimento de inadequação e o leva a sentir-se deslocado no mundo real e, muitas vezes, a buscar refúgio no próprio eu. (...) Na fronte calma e lisa como mármore polido, a luz do ocaso esbatia um róseo e suave reflexo; di-la-eis misteriosa lâmpada de alabastro guardando no seio diáfano o fogo celeste da inspiração. Tinha a face voltada para as janelas, e o olhar vago pairava-lhe pelo espaço (MOISÉS, 1971, p.177). O romântico abre espaço para a individualidade, definidas por várias emoções e sentimentos. Podemos notar pelos termos que denotam solidão, como por exemplo, o olhar vago. 22 Literatura Brasileira II Reformismo Esta característica manifesta-se na participação de autores românticos em movimentos contestadores e libertários, com grande influência em sua produção, como foi a campanha abolicionista abraçada por Castro Alves e o movimento republicano assumido por Sílvio Romero. Observe o fragmento abaixo da obra A Escrava Isaura, que aborda o tema da liberdade: (...) - Deixe-se disso, senhora; eu não penso em amores e muito menos em liberdade; às vezes fico triste à toa, sem motivo nenhum... - Não importa. Sou eu quem quero que sejas livre, e hás de sê-lo. (MOISÉS, 1971, p.179). A ânsia pela liberdade é uma das tônicas que acentuamos neste item. O artista romântico idealiza a liberdade tanto no plano sentimental quanto no plano social. Sonho O sonho revela-se na idealização do mundo, na busca por verdades diferentes daquelas conhecidas, na revelação de anseios. Leiamos o exemplo a seguir para focalizar essa característica. (...) As notas sentidas e maviosas daquele cantar escapando pela janela abertas e escoando ao longe em derredor, dão vontade de conhecer a sereia, que tão lindamente canta. Se não é sereia, somente um anjo pode cantar assim (MOISÉS, 1971, p.177). No sonho, o artista cria um mundo segundo os seus sentimentos e interesses pessoais que podem ser atestados nas expressões ao longe e em derredor. 23 UESPI/NEAD Letras Espanhol Fé É a fé que conduz o movimento romântico crença na própria verdade, crença na justiça procurada, crença nos sentimentos revelados, crença nos ideais perseguidos, crença que se revela ainda em diferentes manifestações de religiosidade cristã – fé. Não podemos esquecer a profunda influência do medievalismo na construção do mundo romântico, dele fazendo parte a religiosidade cristã. A título de exemplo, vejamos o trecho abaixo:(...) Bem sabes, quanto minha sogra antes de expirar te recomendava a mim e ao meu marido.Hei de respeitar sempre as recomendações daquela santa mulher, e tu bem vês, sou mais tua amiga que tua senhora. (MOISÉS, 1971, p. 179) Ilogismo O ilogismo conduz o artista romântico para uma instabilidade emocional traduzida em atitudes antiéticas ou paradoxais: alegria e tristeza, entusiasmo e depressão. (...) Não quero que cantes mais, ouvistes Isaura?...Se não, fecho-te o meu piano. - Mas senhora, apesar de tudo isso, que sou eu mais que uma simples escrava? Essa educação que me deram, e essa beleza, que tanto me gabam, de que me servem? (MOISÉS, 1971, p. 179). Aqui, neste trecho, a personagem Isaura tendo aprendido a tocar piano é impedida, às vezes de tal atividade pela condição de se sentir escrava. As idéias são de ordem contraditória. 24 Literatura Brasileira II Culto à natureza A natureza adquire especial significado no mundo romântico. Testemunha e companheira das almas sensíveis é, também, refúgio, proteção, mãe acolhedora. Costumamos afirmar que, para os românticos, a natureza foi também personagem, com papel ativo na trama. Podemos perceber o culto à natureza através do fragmento abaixo: (...) Era por uma linda e calmosa tarde de outubro. O sol não era posto, e parecia boiar no horizonte suspensos sobre rolos de espumas de cores cambiantes orlados de efênvera de ouro. (MOISÉS, 1971, p.178) O fragmento acima aponta para os elementos da natureza,como o sol, horizonte confirmando dessa forma o envolvimento do artista ao cantá-la. Retorno ao passado Tal retorno deu origem a diversas manifestações: a) saudosismo voltado para a infância, o passado individual; b) medievalismo e indianismo, na busca pelas raízes históricas, as origens que dignificam a pátria. Observemos o trecho retirado da obra Inocência de Taunay. (...) Ia com o coração cheio de apreensões e olhos se lhe arrasavam de lágrimas, de cada vez que contemplava o melancólico buriti (MOISÉS, 1997, p. 198) O buriti é o termo poético que transpõem o artista para um mundo distante, mas presente em seu seio. 25 UESPI/NEAD Letras Espanhol Gosto do pitoresco, do exótico (...) Ainda a procura de novas situações conduz o romântico às terras distantes, às florestas virgens, às paisagens orientais ainda não exploradas. Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro, estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco da areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem- lhe o corpo (GONZAGA, 2002, p. 72). Exagero É presente, recorrente o exagero nas emoções, nos sentimentos, nas figuras do herói e do vilão, na visão maniqueísta ao dividir o bem e o mal, exagero que se manifesta nas características já listadas. (...) Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela. Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disparou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões. Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade. Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores que se refletem , como raio de sol no prisma do diamante. Quem não se recorda de Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da Corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzia o seu fulgor? (MOISÉS, 1997, p. 133) 26 Literatura Brasileira II A característica acima é percebida quando o artista utiliza expressões que remetem exagero. A título de exemplo, destacamos o enunciado a seguir: raiou no céu fluminense uma nova estrela. Liberdade criadora Contra todas as regras dos clássicos, o romântico proclama a independência pessoal para julgar o que era belo ou verdadeiro, valoriza o gênio criador e renovador do artista. A regra das regras é a inspiração. (...) A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexem o uru de palha matizado, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão (GONZAGA, 2002, p. 72). No romantismo o autor tem liberdade para criar de acordo com sua imaginação, ainda que tenha que infringir algumas regras da norma culta. Sentimentalismo A poesia do eu, do amor e da paixão. O amor, mais que qualquer outro sentimento, é o estado de fruição estética que se manifesta em extremos de exaltação ou de cinismo e libertinagem, mas sempre o amor. (...) O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado (GONZAGA, 2002, p. 72) . 27 UESPI/NEAD Letras Espanhol O romântico é um eterno confessor de seus sentimentos. Sabe combinar as palavras para expressar suas emoções. Ânsia por glória Outra característica marca o escritor romântico é seu desejo manifesto de ser o centro da sociedade em que vive. O artista quer ver-se reconhecido e admirado. (...) - Mas, senhora, apesar de tudo isso, que sou eu mais do que uma simples escrava? Essa educação, que me deram e essa beleza, que tanto me gabam, de que me servem?...São trastes de luxo colocados na senzala do africano. A senzala nem por isso deixa de ser o que é: uma senzala (MOISÉS, 1997, p. 133). As palavras de Isaura, a seguir, remetem á característica citada anteriormente: Essa educação, que me deram e essa beleza, que tanto me gabam, de que me servem?... Importância da paisagem A paisagem é tecida de acordo com as emoções dos personagens e a temática das obras literárias. (...) A cúpula da palmeira, embalançando-se graciosamente, resvalou pela flor d’água como um ninho de garças ou alguma ilha flutuante,formadas pelas vegetações aquáticas (GONZAGA apud ALENCAR, 2002, p. 72). No Romantismo, a natureza interage com o eu-lírico e funciona quase como a expressão mais pura do estado de espírito do poeta. 28 Literatura Brasileira II Gosto pelo noturno O gosto pelo noturno encontra-se em harmonia com a atmosfera de mistério, tão próxima do gosto de todos os românticos. Leiamos o trecho de Alexandre Herculano. (...) Porque te havia eu de amar, ó sol, se tu és o inimigo dos sonhos do imaginar; se tu nos chamas á realidade, e a realidade é tão triste? Pela escuridão da noite, nos lugares ermos e às horas mortas do silêncio a fantasia do homem é mais ardente e robusta (PROENÇA, 1985, p. 185). Idealização da mulher Anjo ou prostituta, a figura da mulher para o romântico é sempre capaz de mudar a vida do próprio homem. ‘’ (...) Eu o escrevi logo depois do nosso casamento; pensei que morresse naquela noite, disse Aurélia com gesto sublime. Seixa contemplava-a com os olhos rasos de lágrimas. - Esta riqueza causa-te horror? Pois faz-me viver, meu Fernando. É o meio de a repelires. Se não for bastante, eu a dissiparei’’ (ALENCAR, José. Senhora In:http:// www.lotecultural.com/26/12/2007/200. Aurélia, com seu gesto de amor transforma a vida de Fernando e consequentemente a sua também. Função sacralizadora da arte O poeta sente-se como guia da humanidade e vê na arte uma função redentora. 29 UESPI/NEAD Letras Espanhol Acrescentemos a essas características os novos elementos estilísticos introduzidos na arte literária: a valorização do romance em suas muitas variantes; a liberdade no uso do ritmo e da métrica; a confusão dos gêneros, dando lugar à criação de novas formas poéticas; a renovação do teatro. Agora passaremos a identificar os principais romancistas do romantismo com suas obras e a caracterização dentro da proposta da literatura nacional. 1.3 OS ROMANCISTAS ROMÂNTICOS 1.3.1Joaquim Manuel de Macedo Nasceu em Itaboraí, 1820, e faleceu no Rio de Janeiro, 1882. Formou-se em Medicinapela Faculdade do Rio de Janeiro, mas não chegou a exercer a profissão. Autor do primeiro romance urbano do Brasil, A Moreninha (1844) [ver Antologia], que obteve um estrondoso sucesso entre os leitores da classe média, dedicou parte de seu tempo escrevendo outros romances que seguiam os moldes do primeiro, além de peças de teatro e outros gêneros literários, acabando por consolidar sua popularidade como escritor. Também foi jornalista, deputado eleito várias vezes pelo Partido Liberal. Exerceu também o magistério, sendo professor de História do Brasil no Colégio D. Pedro II, além de preceptor dos netos do http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/ macedo.html 30 Literatura Brasileira II imperador. Nos últimos anos de sua vida, veio a sofrer de alguns problemas mentais, vindo a falecer na capital. Foi jornalista, político militante e professor de História e Coreografia do Brasil no Colégio Pedro II, foi Sócio-fundador, secretário e orador do Instituto Histórico e Geográfico. Brasileiro, desde 1845. Deputado à Assembléia Provincial do Rio de Janeiro e deputado geral (legislatura 1864-68 e 1878-81) como representante do partido liberal. Ligou-se por laços de amizade à família Imperial, tanto que foi professor dos filhos da Princesa Isabel. Romancista, poeta, autor dramático, é fecunda a sua obra. Abusou do derramamento sentimental do gosto popular, daí seu enorme sucesso. É reputado bom cronista do Rio antigo, sendo um dos patronos da Academia Brasileira de Letras. Joaquim Manuel Macedo é um dos fundadores do romance no Brasil e um dos criadores do teatro brasileiro. Descreveu com senso de - observação à vida familiar e os usos e costumes da sociedade carioca de seu tempo: as cenas triviais da rua os preconceitos da sociedade, as festas, - os saraus familiares, as conversas de comadre, as pequenas Intrigas, os ingênuos ciúmes, os namoros piegas de estudantes os quais sempre acabavam em feliz casamento. Fonte: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/romantismo/imagens/ romantismo> 31 UESPI/NEAD Letras Espanhol Características Literárias da prosa de Joaquim Manuel de Macedo Autor do primeiro romance urbano do Romantismo brasileiro, Joaquim Manuel de Macedo teve também o mérito de popularizar esse novo gênero entre os leitores, principalmente da classe média, além de contribuir para propagar de forma considerável a circulação dos folhetins, verdadeiros veículos literários do século XIX. Mais do que isso, a fidelidade com que o romancista descreve os ambientes e costumes serve como um verdadeiro documentário sobre a vida urbana na capital do Império. No entanto, Macedo pecou, ao ter como único objetivo, escrever seus romances para agradar a classe média brasileira, principal consumidora dos folhetins. Suas publicações seguem sempre a mesma fórmula empregada em A Moreninha, que o consagrou como um dos escritores mais lidos do Romantismo. Suas narrações e descrições, apesar de possuírem uma linguagem muitas vezes bem elaborada, perdem em muito para o lirismo encontrado nas obras de José de Alencar. Suas personagens são sempre superficiais, com diálogos construídos numa linguagem simples. Não possuem uma penetração psicológica. O enredo sempre gira em torno dos mesmos temas: amores impossíveis, dúvidas e segredos, namoricos, festas, brincadeiras estudantis, entre outros. Tudo é recheado por um tom doméstico, convergindo todas as tramas sempre para um final feliz. O crítico Antonio Cândido diz que ele parece ceder a uma irresistível tagarelice que pode podendo ser comprovada pela quantidade de sua produção: em pouco mais de trinta anos de carreira, escreveu dezoito romances, quinze peças de teatro, dois livros de poemas e ainda sete volumes de variedades. 32 Literatura Brasileira II Ainda que tenha sido dessa forma, ele forneceu as bases para a criação do romance brasileiro. Podemos visualizar, nas suas obras, certos traços singulares - presentes na vida social -, como é o caso do patriarcalismo. Ideologia estreita e moralista, o patriarcalismo abranda a passionalidade do romantismo europeu. Embora o tema predileto de Macedo fosse o amor, as aventuras sentimentais que imaginava nunca tiveram a violência e o amoralismo dos folhetins estrangeiros. Macedo, em sua narrativa, faz o possível, para não ferir os leitores com o trágico e o desmedido. Nada de vulcões ou desobediências. Até os vilões adaptam-se às conveniências. Só praticam a vilania quando o enredo exige. No final, as donzelas casadoiras enfrentam problemas, como a falta de dinheiro, ausência de identidade etc., mas que tudo se resolve satisfatoriamente. A felicidade volta a reinar através do conveniente casamento. Vejamos um fragmento da obra A Moreninha, retirada do capítulo XVI, intitulado O Sarau. Apresentado em Literatura através dos textos para ser lido. Logo em seguida, faremos uma atividade. Capítulo XVI Neste momento a orquestra assinalou o começo do sarau. E preciso antecipar que nos não vamos dar ao trabalho de descrever este; é um sarau como todos os outros, basta dizer o seguinte: Os velhos lembraram-se do passado, os moços aproveitaram o presente, ninguém cuidou do futuro. Os solteiros fizeram por lembrar-se do casamento, os casados trabalharam por esquecer- se dele. Os homens jogaram, falaram em política e requestaram as moças; as senhoras ouviram finezas, trataram de modas e criticaram desapiedadamente umas às outras. As filhas deram 33 UESPI/NEAD Letras Espanhol carreirinhas ao som da música, as mães, já idosas, receberam cumprimentos por amor daquelas e as avós, por não terem que fazer nem que ouvir, levaram todo o tempo a endireitar as toucas e a comer doces. Tudo esteve debaixo destas regras gerais; só basta dar conta das seguintes particularidades: D. Carolina sempre dançou a terceira contradança com Augusto, mas, para isso, foi preciso que a sra. d. Ana empenhasse todo o seu valimento; a tirana princesinha da festa esteve realmente desapiedada. e não quis passear com o estudante. A interessante d. Violante fez o diabo a quatro: tomou doze sorvetes, comeu pão-de-ló como nenhuma, tocou em todos os doces, obrigou alguns moços a tomá-la por par, e até dançou uma valsa corrupio. Augusto apaixonou-se por seis senhoras com quem dançou; o rapaz é incorrigível. E assim tudo mais. Agora são quatro horas da manhã; o sarau está terminado, os convidados vão retirando-se e nós, entrando no toilette, vamos ouvir quatro belas conhecidas nossas, que conversam com ardor e fogo. — É possível?!... exclamou d. Quinquina, dirigindo-se à sua mana; pois é verdade que esse sr. Augusto lhe fez uma declaração de amor?... — Como quer que lhe diga, maninha!... Asseverou que meus olhos pretos davam à sua alma mais luz do que aos seus olhos todos os candelabros da sala nesta noite, e mesmo do que o sol nos dias mais brilhantes... palavras dele. — Que insolente!... tornou d. Quinquina, ele mesmo, que me jurou ser a mais bela a seus olhos e a mais cara ao seu coração, porque meus cabelos eram fios de ouro e a cor das minhas faces o rubor de um belo amanhecer!... Palavras dele. — Que atrevido!... bradou d. Clementina; o próprio que afirmou ser-lhe impossível viver sem alentar-se com a esperança de possuir- 34 Literatura Brasileira II me, porque eu sabia ferir corações com minhas vistas e curar profundas mágoas com meus sorrisos!... Palavras dele. — Oh! Que moço abominável, disse, por sua vez, d. Gabriela; e ousou dizer-me que me amava com tão subida paixão que, se fora por mim amado e pudesse desejar e pedir algum extremo, não me pediria como a outras, para beijar-me a face, porque das virgens do céu somente se beijam os pés, e de joelho! Palavras dele. — Mas isto é um insulto feito a todas nós! — Como se estará ele rindo! — Qual! Se ele está apaixonado... Apaixonado?... E por quem?... — Por nós quatro... talvez por outras mais: ele pensa assim.— Que maldito brasileiro com alma de mouro!... — E havemos de ficar assim?... — Não, acudiu d. Joaninha: vamos ter com ele, desmascaremo-lo. — Isto é nada para quem não tem vergonha!... — Pois troquemos os papéis: finjamos que estávamos tratadas para desafiar-lhe os requebros, e... ridicularizemo-lo como for possível. — Sim... obriguemo-lo a dizer qual de nós é a mais bonita; cada uma lhe pedirá um anel de seus cabelos... uma prenda... uma lembrança... ponhamo-lo doido. — Muito bem pensado! Vamos! — Deus nos livre!... A vista de tanta gente!... — Então, quando e aonde? — Uma idéia... seja a zombaria completa: escreva-se uma carta anônima, convidando-o para estar ao romper do dia na gruta. — Bravo! Então escreva... — Eu, não, escreva você... — Deus me defenda! ... escreva d. Gabriela, que tem boa letra... — Então, nenhuma escreve? Pois tiremos por sorte. 35 UESPI/NEAD Letras Espanhol A idéia foi recebida com aprovação e a sorte destinou para secretária d. Clementina, que tirando de seu álbum um lápis uma tira de papel, escreveu sem hesitar: “Senhor: — Uma jovem que vos ama e que de vós escutou palavras de ternura tem um segredo a confiar-vos: ao ralar da aurora a encontrareis no banco de relva da gruta; sede circunspecto e vereis a quem, por meia hora ainda, quer ser apenas — Uma incógnita”. — Bem, disse d. Quinquina, eu me encarrego de fazer-lhe receber a carta. Saiamos. As quatro moças iam sair, quando um suspiro as suspendeu; mais alguém estava no toilette. D. Joaninha, medrosa de que uma testemunha tivesse presenciado a cena que se acabava de passar, voltou-se para o fundo do gabinete e o susto logo se dissipou. — Vejam como ela dorme! ... disse. Com efeito, recostada em uma cadeira de braços, d. Carolina estava profundamente adormecida. A Moreninha se mostrava, na verdade, encantadora no mole descuido de seu dormir, e à mercê de um doce resfolegar, os desejos se agitavam entre seus seios; seu pezinho bem à mostra, suas tranças dobradas no colo, seus lábios entreabertos e como por costume amoldados àquele sorrir cheio de malícia e de encanto que já lhe conhecemos e, finalmente, suas pálpebras cerradas e coroadas por bastos e negros supercílios, a tornavam mais feiticeira que nunca. D. Clementina não pôde resistir a tantas graças: correu para ela... dois rostos angélicos se aproximaram... quatro lábios cor-de-rosa se tocaram e este toque fez acordar D. Carolina.Um beijo tinha despertado um anjo, se é que o anjo realmente dormia. Fonte: <http://pt.wikisource.org/wiki/A_Moreninha/XVI>. 36 Literatura Brasileira II Tendo lido e respondido as questões, passaremos a apresentar a prosa de José de Alencar. A Propósito do autor 1.3.2 Vida e Obra de José de Alencar – Alma brasileira José de Alencar nasceu em Mecejana, no Ceará em 1829, apenas sete anos depois da Independência do Brasil, em Mecejana, ATIVIDADE Agora que você já leu o fragmento sobre obra A moreninha, discuta com os colegas e responda as seguintes perguntas: 1 - Identifique características da prosa românticas. 2 - Contextualize o período romântico sob a perspectiva histórica. 3 - Que tipo de narrativa essa obra apresenta? http://www.portalsaofrancisco.com.br/ alfa/jose-de-alencar 37 UESPI/NEAD Letras Espanhol no Ceará. Filho de um ex-padre, que se tornou presidente da Província do Ceará e Senador do Império, o jovem Alencar é transferido, com a família, aos nove anos de idade para a cidade do Rio de Janeiro. Em 1844, aos quinze anos, matricula-se nos cursos preparatórios ao ingresso na Faculdade de Direito de São Paulo. Em São Paulo, Alencar cursa os primeiros anos da Faculdade de Direito e começa a publicar seus primeiros textos em algumas revistas estudantis. Transfere-se, em 1848, para a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco. Em Olinda, na velha biblioteca do Mosteiro de São Bento, encontra a literatura dos antigos cronistas coloniais, Anos mais tarde, Alencar ainda se recorda da emoção que foi a descoberta desses autores do século XVI, que nos dão as primeiras impressões dos europeus ao encontrarem a natureza e o índio do Brasil: “Uma coisa vaga e indecisa, que devia parecer-se com o primeiro broto do Guarani ou de Iracema, flutuava-me na fantasia. Devorando as páginas dos alfarrábios de notícias coloniais, buscava com sofreguidão um tema para o meu romance; ou pelo menos um protagonista, uma cena e uma época.” (GONZAGA, 2001, p.68). Voltando a São Paulo, após contrair tuberculose, forma- se em Direito no final de 1850. No ano seguinte, retorna à capital do país e lá começa a advogar. Não se esquece, porém, da literatura. Em 1854, começa a escrever uma seção diária no Correio Mercantil, intitulada Ao Correr da Pena, em que comenta os mais variados assuntos da vida do Rio de Janeiro e do país. Esses textos leves de temática cotidiana podem ser considerados os precursores da crônica moderna, em que se haveriam de destacar, no século seguinte, escritores, como Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade. 38 Literatura Brasileira II Em 1855, Alencar é um dos fundadores do jornal O Diário do Rio de Janeiro, do qual é editor-chefe. É através desse jornal que vai publicar os textos que, logo, o tornarão conhecido em todo o país. No final de 1856, Alencar decide publicar um folhetim como “brinde” aos leitores do jornal. Inicia, assim, sua carreira de romancista. Publica o curto romance Cinco Minutos, que é recebido por seus leitores com grande simpatia. Estimulado pelo sucesso do primeiro, logo começa a publicar um segundo romance, A Viuvinha, cuja publicação interrompe quando, por engano, um companheiro seu publica o final da história na Revista de Domingo. Inicia, a seguir, a publicação de O Guarani. Eis que surge, com essa obra, a figura do índio como uma nova estrela colorida e brilhante, como lembra Caetano Veloso na canção Um índio quando diz que uma estrela que há de escrever, “numa velocidade estonteante”, os capítulos do romance do qual descerá um índio “mais avançado que a mais avançada das mais avançada as tecnologias” - o apaixonado Peri. Entre 1857 e 1870, além de publicar diversos romances, como Lucíola (1862) e Iracema (1865), Alencar foi eleito várias vezes deputado estadual no Ceará, Ministro da Justiça entre 1868 e 1870, e dedicou-se também ao teatro, escrevendo O Demônio Familiar (1857), As Asas de um Anjo (1858) e A Mãe (1860), entre outras peças. Em 1870, abandona a política. Inicia, então, uma fase de recolhimento: poucos amigos e nenhum sorriso. Sua produção novelística é intensificada, agora norteada pelo projeto de descrição do Brasil, anunciado no prefácio do livro Sonhos d’Ouro (1872). Em 1875, publica Senhora, um de seus romances mais complexos. Ao morrer, em 1877, Alencar era considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos, principalmente por Machado 39 UESPI/NEAD Letras Espanhol de Assis, seu amigo e mais fiel admirador, e que logo o destronaria. O próprio Alencar aponta que seus romances se encaixam em um projeto de descrição global do Brasil. Divide-os em quatro tipos: · Romance urbano, como Lucíola e Senhora; · Romance regionalista, como O Gaúcho e O Sertanejo; · Romance indianista, como Iracema e Ubirajara; · Romance histórico, como O Guarani e As Minas de Prata. A crítica posterior haveria de relativizar esta classificação. Tanto Iracema quanto O Guarani são considerados, ao mesmo tempo, romance histórico e indianista. http://pt.wikipedia.org/wiki/ Jos%C3%A9_deAlencar. Acesso em 22.02.2010. Importância da obra de José de Alencar A obra de Alencar, conforme Gonzaga (2002, p. 67), se insere na linha nacionalista do romantismo, procurou construir uma obra romanesca que abrangesse todo o Brasil, principalmente em sua totalidade física e, por isso, escreveu O Gaúcho sem conhecer o Rio Grande do Sul. Mas o seu projeto atingia também as coordenadashistóricas do país, através de relatos históricos e indianistas, situados na era colonial. Buscou também a vida cotidiana do Rio de Janeiro, em seus romances urbanos. Cogitou fazer aqui o que Balzac fizera na França: um painel gigantesco dos múltiplos aspectos da realidade nacional. Mas entre o seu projeto e a realização do mesmo há no vácuo, do que resultam vários equívocos. Equívocos nascidos de suas ligações com os modelos literários europeus que, juntamente com suas próprias ideias a 40 Literatura Brasileira II respeito da sociedade, acabaram por anular parte da eficácia e da vitalidade das narrativas. Ainda de acordo com Gonzaga (2002, p. 68), a estrutura do folhetim, o nacionalismo ufanista, a visão ideal da existência já não nos fascinam. E Alencar é a junção desses elementos, insustentáveis diante da realidade em que vivemos. Não obstante, o autor cearense continua tendo a importância histórica extraordinária. Ele consolidou o romance brasileiro ao escrever movido por um sentimento de missão patriótica. Questionou os problemas de autonomia de nossa literatura, procurando separá-la definitivamente das influências portuguesas. Problematizou a questão da língua brasileira e, durante toda sua carreira, quis descobrir a essência da nacionalidade. Enfim, abriu caminhos para escritores que se seguiriam. Foi o primeiro ficcionista a perceber a vastidão e a diversidade do país, intuiu algumas especificidades regionais e se preocupou em realizar um painel, o mais abrangente possível, da realidade brasileira. Seu esforço de totalização fracassou, porém a ideia de um romance ou de um conjunto de romances capazes de representar a nação e o povo ainda perturbou escritores do século XX. Romances urbanos Romances ambientados no Rio de Janeiro, protagonizados por personagens femininos, mostravam o luxo e a pompa das atividades sociais burguesas; no entanto, apresentavam uma critica sutil aos hábitos hipócritas da burguesia e ao seu caráter capitalista. São exemplos de romances urbanos de José de Alencar: 41 UESPI/NEAD Letras Espanhol Senhora - faz crítica ao casamento por interesse, à hipocrisia, à cobiça e à soberba burguesa; Lucíola - critica o fato de a burguesia, que financia a prostituição durante a noite, ter aversão a esta durante o dia. Diva - ressalta a beleza das jovens e ricas burguesas, o virtuosismo e a pureza e, em contrapartida, critica o casamento por interesse financeiro. Para exemplificar esse tipo de narrativa, utilizamos aqui um fragmento retirado da obra Senhora de José de Alencar. ‘’ (...) Tinha ela dezoito anos quando apareceu pela primeira vez na sociedade. Não a conheciam; e logo buscaram todos com avidez informações acerca da novidade do dia. Dizia-se muita coisa que não repetirei agora, pois a seu tempo saberemos a verdade, sem os comentos malévolos de que usam vesti-la os noveleiros. Aurélia era órfã; tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D.Firmina Mascarenhas, que sempre acompanhava na sociedade. Mas essa parenta não passava de mãe de encomenda para condescender com os escrúspulos da sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admitido ainda certa emancipação feminina’’ (ALENCAR, 1968, p. 23). Romances Regionalistas Os chamados romances regionalistas são também construídos a partir daquele nacionalismo que constitui uma das ideias-chaves do autor. Alencar vê as regiões de fora, mesmo quando escreve O Sertanejo, cuja realidade desencadeia o cerne de um mundo diferenciado do litoral. Pelo contrário, quer integrar 42 Literatura Brasileira II as regiões ao corpo de uma nação centralizada, sob o comando das elites imperiais. Alencar torna-se porta-voz artístico da unificação nacional, e o resultado é uma literatura mítica, celebratória dos elementos regionais, porém insuficiente para descrever as peculiaridades e o atraso das províncias periféricas do país. Os romances que se enquadram nessa classificação são: O Gaúcho, O Sertanejo e O Tronco do Ipê. Esses romances aproximam-se da experiência dos leitores urbanos, ao mostrarem a vida em fazendas cuja ligação orgânica com a capital federal era mais nítida. Mesmo assim, o escritor não nos dá um quadro realista da ambientação rural, sacrificando os costumes dos fazendeiros ao convencionalismo de histórias folhetinescas. Observemos agora um fragmento da obra O Gaúcho. I O PAMPA Como são melancólicas e solenes, ao pino do sol, as vastas campinas que cingem as margens do Uruguai e seus afluentes! A savana se desfralda a perder de vista, ondulando pelas sangas e coxilhas que figuram as flutuações das vagas nesse verde oceano. Mais profunda parece aqui a solidão, e mais pavorosa, do que na imensidade dos mares. É o mesmo ermo, porém selado pela imobilidade, e como que estupefato ante a majestade do firmamento. Raro corta o espaço, cheio de luz, um pássaro erradio, demandando a sombra, longe na restinga de mato que borda as orlas de algum arroio. A trecho passa o poldro bravio, desgarrado do magote; ei-lo que se vai retouçando alegremente babujar a grama do próximo banhado. 43 UESPI/NEAD Letras Espanhol No seio das ondas o nauta sente-se isolado; é o átomo envolto numa dobra do infinito. A âmbula imensa tem só duas faces convexas, o mar e o céu. Mas em ambas a cena é vivaz e palpitante. As ondas se agitam em constante flutuação; têm uma voz, murmuram. No firmamento as nuvens cambiam a cada instante ao sopro do vento; há nelas uma fisionomia, um gesto. A tela oceânica, sempre majestosa e esplêndida, ressumbra possante vitalidade. O mesmo pego insondável abismo, exubera de força criadora; miríades de animais o povoam, que surgem à flor d’água. O pampa ao contrário é o pasmo, o torpor da natureza. O viandante perdido na imensa planície fica mais que isolado, fica opresso. Em torno dele faz-se o vácuo: súbita paralisia invade o espaço, que pesa sobre o homem como lívida mortalha. Lavor de jaspe, embutido na lâmina azul do céu, é a nuvem. O chão semelha a vasta lápida musgosa de extenso pavimento. Por toda a parte a imutabilidade. Nem um bafo para que essa natureza palpite; nem um rumor que simule o balbuciar do deserto. Pasmosa inanição da vida no seio de um alúvio de luz! O pampa é a pátria do tufão. Aí, nas estepes nuas, impera o rei dos ventos. Para a fúria dos elementos inventou o Criador as rijezas cadavéricas da natureza. Diante da vaga impetuosa colocou o rochedo; como leito de furacão estendeu pela terra as infindas savanas da América e os ardentes areais da África. Arroja-se o furacão pelas vastas planícies; espoja-se nelas como o potro indômito; convole a terra e o céu em espesso turbilhão. Afinal a natureza entra em repouso; serena a tempestade; queda-se o deserto, como dantes plácido e inalterável. Fonte: <http://www.sacocheio.com/livros-gratis/jose-de-alencar-o- gaucho.pdf.> 44 Literatura Brasileira II Os Romances Históricos e Indianistas O romance histórico se inicia com a temática limitada do indianismo, na concepção de Coutinho (2002), e evolui no sentido de ampliar o seu mundo no tempo e no espaço. Ao criticar A confederação dos tamoios, de Magalhães, Alencar já acreditava que a vida primitiva dos nossos indígenas fosse excelente material para o romance histórico brasileiro. Dir-se-á que tal como criou Goethe o Romantismo europeu, o romance histórico pretendia fixar caracteres e sentimentos verossímeis num ambiente histórico exato, ou tido como exato pelo autor e pelo leitor. E continua a afirmar “que se atentarmos paro o sucesso de Scot, sobretudo em Waverley Novels, veremos que o que aí se encontra é uma intriga ATIVIDADE 1 - Faça a leitura do fragmento retirado de O Gaúcho e aproveite para caracterizar a prosa regionalista de José de Alencar. 2 - Qual é a proposta da prosa regionalista de José de Alencar. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Iracema>45 UESPI/NEAD Letras Espanhol sentimental situada em quadro histórico e local bem estudado, dando lugar à descrição de costumes, às cenas de um pitoresco realista e frequentemente familiar, reconstituição de paisagens exatas, à evocação de figuras lendárias ou históricas com maior precisão psicológica possível, todos esses elementos combinados por mão de mestre e de modo a alcançar o objetivo precípuo do romance histórico, que é o de afirmar e exaltar o processo nacional. Enquanto isso, o indianismo de Alencar pouco ou nada teria de historicamente exato, a não ser o local, os fatos, as personagens de modo geral, e os índios, de modo particular, sendo mais fantasia de sua imaginação do que tentativa de autêntico levantamento de nossas raízes mais profundas. Ainda que esses comentários fossem uma certeza, e não é o caso, o romance indianista de Alencar não deixaria de ser, como é, legítimo romance histórico brasileiro. É possível que a vida dos selvagens esteja demasiadamente poetizada, que os costumes indígenas tenham sido algo deturpados pela fértil imaginação do romancista e que as personagens históricas não confiram muito com os comprovantes reais, acaso existam. Mas isso nada altera o sentido e a significação do romance alencariano e coloca em destaque a intuição do autor. Isso se explica porque a tendência universal do romantismo visa rebuscar o passado nacional por meios dos escombros medievais, o que de melhor aí ficara da alma e da tradição de cada nação. Encontraria no Brasil a melhor receptividade, pois um dos nossos problemas era o de afirmar diante de a Portugal o espírito nacional, brasileiro, graças ao qual queríamos ser independentes, não só do ponto político, mas também do ponto de vista cultural. A nossa idade média, o mais recôndito e autêntico do nosso passado teria de ser, pelo poeticamente, a civilização primitiva, pré-cabralina. Seria, através da valorização 46 Literatura Brasileira II poética das raças primitivas no cenário grandioso da natureza americana, é que nós alcançaríamos, conforme Coutinho (2002), aquele nível mínimo de orgulho nacional de que carecíamos para uma classificação em face do europeu. Era o europeu quem afirmava que essas raças representavam a decadência dos primitivos troncos, que eram preguiçosos e pouco inteligentes, sendo raros os cronistas que se manifestavam em sentido contrário. E havia sido o europeu, o descobridor e o invasor, quem massacrava grande parte dessas raças, suas lendas e tradições não podendo sobreviver nem mesmo, por meio dos catecúmenos, pelos repetidos exorcismos que estes sofriam até a completa descaracterização. Outro argumento que percebemos é que, por outro lado, o negro, no caso, não se prestava ao papel de valorizador da nacionalidade; não só porque representava o trabalho, numa sociedade em que o trabalho era motivo de desclassificação social, mas porque não era filho da terra, para aqui tinha vindo escravizado e aviltado. O índio, ao contrário do negro, era a escravidão e a invasão, não era escravo nem representava o trabalho; era americano e queria ser livre. Tudo isso era o que convinha, sob medida, ao idealismo romântico. Era o que convinha a Alencar, que criou o romance indianista, tendo estudado os velhos cronistas, ver a vida dos nossos selvagens só iria aproveitar o que se fosse favorável ao índio ou conviesse aos seus propósitos de romancista e de não historiador e de romancista romântico,que elevou o indianismo a uma posição consequente e significativa, anteriormente ainda não alcançada. Dessa forma, Alencar criou, com base mais lendária do que histórica, o mundo poético e heróico de nossas origens, para afirmar a nossa nacionalidade, para provar a existência de nossas raízes 47 UESPI/NEAD Letras Espanhol legitimamente americanas. E, nascia, assim, a nova tendência revolucionária do romantismo, já identificada como de tons cepusculares, cândidos e pastorais, qual a de projetar um mundo de sentimentos e virtudes ideais. Por todos esses argumentos, é certo incluir sua obra indianista nos limites do romance histórico. E não apenas O guarani, por ele próprio assim, também Iracema e Ubirajara, que dele não mereceram senão a rotulação de lendas. Pertencem todos eles, ao domínio do romance histórico, não da forma como realizaram os europeus, mas como o idealizou e praticou o nosso Romantismo. O conceito alencariano emprestou a vários romances um caráter mítico e poético, que procurou, que encontrou perfeito ajustamento com a estética de Chateaubriand por ele assimilada, resultando disso o tipo de romance poemático. Afirma Coutinho (2002, p. 260) que muitas das criações desses romances participam da natureza do mito e do símbolo, nos quais pretendeu integrar aspirações e ideais da alma brasileira. Em alguns desses, se é falha por vezes a realização técnica, avultam justamente o valor do símbolo e o conceito poético. Tanto As minas de prata, como Iracema, como O guarani encerram mitos de significação nacional. No primeiro, o mito do tesouro escondido, que arrastou para os sertões brasileiros a onda de aventureiros e bandeirantes a que se deve o seu povoamento. Nos outros dois, o mito do bom selvagem, da pureza do americano, em contraste com a rude e ambição desenfreada sem escrúpulos do branco europeu. São o próprio conceito de indianismo e sua visão de índio que têm para ele o valor mítico. Além dos romances citados anteriormente, pertencem ao grupo dos romances históricos: O garatuja, O ermitão da glória e 48 Literatura Brasileira II A guerra dos mascastes. Veja o excerto do romance Indianista O guarani de Alencar. I I O Guarani ‘’ (...) A habitação que descrevemos, pertencia a D. Antônio de Mariz, fidalgo português de cota d’armas e um dos fundadores da cidade do Rio de Janeiro. Era dos cavalheiros que mais se haviam distinguido nas guerras da conquista, contra a invasão dos franceses e os ataques dos selvagens. Em 1567 acompanhou Mem de Sá ao Rio de Janeiro, e depois da vitória alcançada pelos portugueses, auxiliou o governador nos trabalhos da fundação da cidade e consolidação do domínio de Portugal nessa capitania. Fez parte em 1578 da célebre expedição do Dr. Antônio de Salema contra os franceses, que haviam estabelecido uma feitoria em Cabo Frio para fazerem o contrabando de pau-brasil. Serviu por este mesmo tempo de provedor da real fazenda, e depois da alfândega do Rio de Janeiro; mostrou sempre nesses empregos o seu zelo pela república e a sua dedicação ao rei. Homem de valor, experimentado na guerra, ativo, afeito a combater os índios, prestou grandes serviços nas descobertas e explorações do interior de Minas e Espírito Santo. Em recompensa do seu merecimento, o governador Mem de Sá lhe havia dado uma sesmaria de uma légua com fundo sobre o sertão, a qual depois de haver explorado, deixou por muito tempo devoluta. A derrota de Alcácer-Quibir, e o domínio espanhol que se lhe seguiu, vieram modificar a vida de D. Antônio de Mariz. 49 UESPI/NEAD Letras Espanhol Português de antiga têmpera, fidalgo leal, entendia que estava preso ao rei de Portugal pelo juramento da nobreza, e que só a ele devia preito e menagem. Quando pois, em 1582, foi aclamado no Brasil D. Felipe 11 como o sucessor da monarquia portuguesa, o velho fidalgo embainhou a espada e retirou-se do serviço. Por algum tempo esperou a projetada expedição de D. Pedro da Cunha, que pretendeu transportarão Brasil a coroa portuguesa, colocada então sobre a cabeça do seu legitimo herdeiro, D. Antônio, prior do Crato. Depois, vendo que esta expedição não se realizava, e que seu braço e sua coragem de nada valiam ao rei de Portugal, jurou que ao menos lhe guardaria fidelidade até a morte. Tomou os seus penates, o seu brasão, as suas armas, a sua família, e foi estabelecer-se naquela sesmaria que lhe concedera Mem de Sá. Aí, de pé sobrea eminência em que ia assentar o seu novo solar, D. Antônio de Mariz, erguendo o vulto direito, e lançando um olhar sobranceiro pelos vastos horizontes que abriam em torno, exclamou: - Aqui sou português! Aqui pode respirar à vontade um coração leal, que nunca desmentiu a fé do juramento. Nesta terra que me foi dada pelo meu rei, e conquistada pelo meu braço, nesta terra livre, tu reinarás, Portugal, como viverás n’alma de teus filhos. Eu o juro! Descobrindo-se, curvou o joelho em terra, e estendeu a mão direita sobre o abismo, cujos ecos adormecidos repetiram ao longe a última frase do juramento prestado sobre o altar da natureza, em face do sol que transmontava. Isto se passara em abril de 1593; no dia seguinte, começaram os trabalhos da edificação de uma pequena habitação 50 Literatura Brasileira II que serviu de residência provisória, até que os artesãos vindos do reino construíram decoraram a casa que já conhecemos. D. Antônio tinha ajuntado fortuna durante os primeiros anos de sua vida aventureira; e não só por capricho de fidalguia, mas em atenção à sua família, procurava dar a essa habitação construída no meio de um sertão, todo o luxo e comodidades possíveis. Além das expedições que fazia periodicamente à cidade do Rio de Janeiro, para comprar fazendas e gêneros de Portugal, que trocava pelos produtos da terra, mandara vir do reino alguns oficiais mecânicos e hortelãos, que aproveitavam os recursos dessa natureza tão rica, para proverem os seus habitantes de todo o necessário. Assim, a casa era um verdadeiro solar de fidalgo português, menos as ameias e a barbacã, as quais haviam sido substituídas por essa muralha de rochedos inacessíveis, que ofereciam uma defesa natural e uma resistência inexpugnável. Na posição em que se achava isto era necessário por causa das tribos selvagens, que, embora se retirassem sempre das vizinhanças dos lugares habitados pelos colonos, e se entranhassem pelas florestas, costumavam, contudo fazer correrias e atacar os brancos à traição. Em um circulo de uma légua da casa, não havia senão algumas cabanas em que moravam aventureiros S pobres, desejosos de fazer fortuna rápida, e que se tinham animado a se estabelecer neste lugar, em parcerias de dez e vinte, para mais facilmente praticarem o contrabando do ouro e pedras preciosas, que iam vender na costa. Estes, apesar das precauções que tomavam contra os ataques dos índios, fazendo paliçadas e reunindo-se uns aos outros 51 UESPI/NEAD Letras Espanhol para defesa comum, em ocasião de perigo vinham sempre abrigar- se na casa de D. Antônio de Mariz, a qual fazia as vezes de um castelo feudal na idade Média . Fonte: <http://www.fuvest.br/download/livros/guarani.pdf.> De posse das informações sobre os romances históricos e indianistas, faremos uma pausa para refletir sobre algumas indagações sobre a obra em estudo. ATIVIDADE 1 - Leia o trecho, retirado de O guarani, em seguida discuta com seus colegas sobre as características dentro de uma perspectiva histórica e indianista. 2 - Qual é a contribuição dessa obra para a formação da Literatura Brasileira? 3 - Acesse o site www.youtube.com.br para assistir ao filme O guarani e, em seguida, faça uma discussão com seus colegas destacando as passagens interessantes. ATIVIDADE - O guarani Em que se fundamenta o Projeto Nacionalista de José de Alencar? Quais os autores que influenciaram a estrutura romântica? Por que o Romantismo tende ao estilo poético? Justifique sua resposta. 52 Literatura Brasileira II Vamos fazer, a partir de agora, uma abordagem sobre a prosa sertanista apresentando seus principais autores. Os sertanistas românticos O romance regionalista de Alencar, de acordo com o pensamento de Gonzaga (2002), abriu uma viés para o surgimento de escritores menores, todos eles sertanistas, ou seja, preocupados em revelar o Brasil não-litorâneo, não europeu, o Brasil rural. O ponto de partida dessa literatura é o ufanismo e, nesse sentido, as manifestações sertanistas dificilmente adquirem maior autenticidade poética e documental. Há uma intenção realista inclusive, mas é um realismo que se detém em descrição da natureza, acento linguístico particular da região, os costumes. Todavia, essa débil busca de realismo é prejudicada na construção dos personagens, que bedecem aos esquemas românticos do folhetim. Bernardo Guimarães Nasceu em Ouro Preto, onde passou a infância e os primórdios da adolescência, indo depois para São Paulo estudar 53 UESPI/NEAD Letras Espanhol Direito. Foi colega de Álvares de Azevedo e, na faculdade, tinha fama de boêmio e satírico, tendo inclusive praticado uma poesia (Cantos Da solidão) identificada com o satanismo byroniano e com o humorismo. Retirou-se para o interior de Minas, exercendo a função de juiz e professor secundário, e de lá não mais se afastaria até a morte. Obras principais: - O ermitão de muquém (1864) - O garimpeiro (1872) - O seminarista (1872) - A escrava Isaura (1875) Nenhum autor expressou, na visão de Gonzaga (2002, p. 73-74), tão bem a tendência sertanista como Bernardo Guimarães. Suas obras oscilam entre este modesto realismo e o melodrama pouco convincente, exceção feita a O seminarista. Em O seminarista, vemos narrado o drama de Eugênio e Margarida, que, na infância, passada no sertão mineiro, estabelecem uma amizade que logo se transforma em paixão. O pai de Eugênio o obriga a ir para um seminário, e ele vai, oscilante entre o amor e a religiosidade. Mesmo sofrendo pela perda, Eugênio ordena-se sacerdote. O destino é a favor que ele volte a sua à aldeia natal e encontre Margarida à beira da morte. Os dois não resistem e mantêm relações, mas a jovem morre e o padre enlouquece de dor sentimental e moral: o desaparecimento da amada e a quebra do voto de castidade. A obra revela uma forte crítica ao patriarcalismo. Em a Escrava Isaura, a ideologia abolicionista teve de pretexto para o desenvolvimento de um melodrama passional, envolvendo a escrava Isaura e qual nossa surpresa ao verificar que Isaura é moça branca”e para nossa surpresa Isaura é uma moça branca, que vive presa numa fazenda de café a Baixada 54 Literatura Brasileira II Fluminense. O fazendeiro pérfido, Leôncio, tem as piores intenções com a moça, e o herói, Álvaro, salva Isaura das garras do vilão. 1.3.3 Franklin Távora Nasceu no interior do Ceará. Formou-se em Direito, em Pernambuco, mudando-se depois para o Rio de Janeiro, onde ingressou na vida burocrática. Obras Principais: - O cabeleira (1876) - O matuto (1878) - Lourenço (1881) Em Franklin Távora, o regionalismo mais do que assunto é polêmica: As letras têm, como a política, um certo caráter geográfico; mais no Norte porém, do que no Sul, abundam os elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o Norte ainda não foi invadido como está sendo o Sul de dia em dia pelo estrangeiro (GONZAGA, 2002, p. 74). E arrematava no prefácio de O Cabeleira: “Temos o dever de levantar ainda com luta e esforço os nobres foros dessa região, exumar seus tipos legendários, fazer conhecidos seus costumes, suas lendas, sua poesia máscula, nova, vívida e louçã...’’ (GONZAGA, 2002, p. 74). Os projetos de Távora não no entanto se realizaram,( no entanto). Suas intenções naturalistas satisfazem a reconstituição do ambiente e a escolha do tema: um caso de cangaço no século XVIII. Mas nem o motivo nem a distância histórica garantem realismo à narrativa, perturbada pela contradição permanente dos 55 UESPI/NEAD Letras Espanhol sertanistas românticos: observações realistas dentro de um arcabouço de folhetim. 1.3.4 Visconde de Taunay Nasceu no Rio de Janeiro e cursou a Escola Militar. Participouda Guerra do Paraguai. Dedicou-se à política, chegou a ser senador.Com a queda da monarquia, afastou-se do senado. Obras Principais: - A retirada da laguna (1871) - Inocência (1872) A obra Inocência talvez seja a menos enfática entre as obras do romantismo regionalistas. A cor local surge com os desvios do exotismo ou do estilo. O autor concentra seu olhar parado e frio em torno dos mesmos detalhes. Por isso mesmo, o romance de observador quase preciosista é o menos idealizado do período. Não que a trama central não pertença ao folhetim; ao contrário, trata-se de um melodrama típico: a jovem sertaneja Inocência, por imposição paterna, não pode desposar o seu destino amor, o falso médico Cirino. E ambos sucumbem à adversidade, numa espécie de Romeu e Julieta. Ressaltamos a crítica que o romance faz ao patriarcalismo, a exemplo do que ocorre em O seminarista, de Bernardo Guimarães. A retirada da laguna é um documento dramático sobre o episódio ocorrido na guerra do Paraguai. O Romantismo não se destacou somente na prosa e poesia, mas também no teatro. Por isso, faremos uma significativa abordagem. O teatro Romântico do século XIX está comprometido com a dependência cultural de nossas elites. Os textos procediam, em quase totalidade, da Europa; as companhias vinham de Portugal; 56 Literatura Brasileira II respirava-se uma atmosfera dissociada da realidade local. A questão da dramaturgia não foi verdadeiramente problematizada, ao contrário do que aconteceu no romance e na poesia. Gonçalves Dias (Leonor de Mendonça), José de Alencar (O demônio familiar), Castro Alves (Gonzaga) e outros criaram obras esparsas e inspiradas em modelos europeus. Caberia a Martins Pena a elaboração de um conjunto de peças capazes de refletir a realidade nacional. 1.3.5 Martins Pena Nasceu no Rio de Janeiro, numa família sem posses. Estudou comércio e ingressou na vida diplomática, a princípio como amanuense e depois como adido, viajando para Londres, em 1847. Atacado pela tuberculose, morreu no estrangeiro. Obras Principais: - O juiz de paz na roça (1842) - O judas em sábado de aleluia (1846) - Quem casa quer casa (1847) - O noviço (1853) - Os dois ou o inglês maquinista (1871) Martins Pena optou pelo único teatral que poderia se adaptar às circunstâncias históricas sobre o Brasil, na primeira metade do século XIX: a comédia de costumes. Como o faria Manuel Antonio de Almeida mais tarde, o jovem teatrólogo intuiu que o drama não se adaptaria ao universo que propunha retratar. Tudo isso porque os grupos burgueses urbanos careciam de tragédia humana, e suas contradições eram limitadas ou inexistentes. Apenas o riso poderia dar-lhe interesse (o drama real era o dos escravos, mas os negros quando surgiam nos palcos, faziam parte de uma mitologia racista: o pai João, a mãe Joana o moleque endiabrado). 57 UESPI/NEAD Letras Espanhol Martins Pena iniciou a carreira satirizando os costumes rurais, os costumes na roça. A novidade de suas peças deve-se ao jeito caboclo, aos hábitos curiosos, da fala simples e de extrema candura que envolve os seres da roça. Já as comédias urbanas efetivam uma leitura da vida cotidiana do Rio de Janeiro, em especial do mundo da classe média. Vejamos um fragmento da peça Juiz de paz na roça, para leitura e análise. ‘’(...) Sala com uma porta no fundo. No meio uma mesa, junto à qual estarão cosendo MARIA ROSA e ANINHA. MARIA ROSA - Teu pai tarda muito. ANINHA - Ele disse que tinha hoje muito que fazer. MARIA ROSA - Pobre homem! Mata-se com tanto trabalho! É quase meio-dia e ainda não voltou. Desde as quatro horas da manhã que saiu; está só com uma xícara de café. ANINHA - Meu pai quando principia um trabalho não gosta de o largar, e minha mãe sabe bem que ele tem só a Agostinho. MARIA ROSA - É verdade. Os meias-caras agora estão tão caros! Quando havia valongo eram mais baratos. ANINHA - Meu pai disse que quando desmanchar o mandiocal grande há-de comprar uma negrinha para mim. MARIA ROSA - Também já me disse. ANINHA - Minha mãe, já preparou a jacuba para meu pai? MARIA ROSA - É verdade! De que me ia esquecendo! Vai aí fora e traz dous limões. (ANINHA sai.) Se o MANUEL JOÃO viesse e não achasse a jacuba pronta, tínhamos campanha velha. Do que me tinha esquecido! (Entra ANINHA.) ANINHA - Aqui estão os limões. MARIA ROSA - Fica tomando conta aqui, enquanto eu vou lá dentro. (Sai.) 58 Literatura Brasileira II ANINHA, só - Minha mãe já se ia demorando muito. Pensava que já não poderia falar com o senhor José, que está esperando-me debaixo dos cafezeiros. Mas como minha mãe está lá dentro, e meu pai não entra nesta meia hora, posso fazê-lo entrar aqui’’. (PENA, Martins. Juiz de Paz na Roça.In:http://biblio.com.br/ defaultz.asp?link=http://biblio.com.br/conteudo/MartinsPena/ ojuisdepaznaroca.htm.Acesso em 22.02.2010. Partiremos, agora, para o romance de costumes. 1.3.6 O Romance de Costumes: Manuel Antonio de Almeida No Romance de costumes, destacamos o autor Manuel Antonio de Almeida. Nascido no Rio de Janeiro, de família pobre, frequentou curso de Medicina, o qual não concluiu por ter se dedicado exaustivamente ao jornalismo. Redator e revisor do Correio Mercantil, lá publicou em livros o seu único romance, escrito aos vinte e três anos de idade. Nomeado diretor da Tipografia Nacional, tornou-se amigo e protetor de um jovem funcionário chamado Machado de Assis. Obra - Memórias de um sargento de milícias (1853) Fonte: <www.chapadadosguimaraes.com.br/> 59 UESPI/NEAD Letras Espanhol Memória de um sargento de milícias O público leitor, ainda acostumado ao sentimentalismo piegas, não poderia aceitar um romance que rompia com o tipo de narrativa praticado na época, antecipando formas realistas no momento em que a literatura padrão era a de a Joaquim Manuel de Macedo. Por isso mesmo, Gonzaga afirma que Memórias de um sargento de milícia foi a obra mais adulta e envolvente da época. A critica que fazemos ao Romantismo é evidência da ironia direta do narrador que se diverte não apenas com os personagens, recurso comum aos românticos em geral. Obras: • Romance Memórias de um Sargento de Milícias • Outros Gêneros Tese de doutoramento em Medicina Libreto da ópera Dois Amores (“imitação do italiano de Piave”), com música da Condessa Rosawadowska, representada sem êxito após a morte do autor. • Os Costumes O início da história é proposto como uma narrativa de costumes. Observe: ‘’(...) Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo - O canto dos meirinhos-; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da 60 Literatura Brasileira II formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes, tocando-se, fechavam o círculo dentro do qual se passavam os terríveis combates das citações, provarás, razões principais e finais, e todos esses trejeitos judiciais que se chamava o processo. Daí sua influência moral.” (ALMEIDA, Manuel Antonio de Memórias de um Sargento de Milícias. In: http:// www.culturatura.com.br/obras/Memorias.Acesso em.22.02.2010.) O livro começa por deflagrar um processo de realismo exato e minucioso dos usos dos hábitos sociais e das figuras típicas, do Brasil no tempo do rei, isto é, O Brasil de D. João VI. Trata-se de um realismo tão minucioso, tão detalhado, tão corriqueiro que, às vezes, os personagens parecem
Compartilhar