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filosofia da educação AntropologiA e educAção ii marcos antônio lorieri filosofia da educação AntropologiA e educAção ii 8 ConsequênCias de ConCepções filosófiCas sobre o ser humano para a eduCação Vimos que, para a visão racionalista sobre o ser humano o que distingue o homem dos demais animais é o fato de que ele é um ser racional. Quando se pensa assim sobre o ser humano, como deve ser sua educação? Se a principal característica do ser humano é a racio- nalidade (dizemos que somos “animais racionais”), esta característica deve merecer uma atenção especial na formação (educação) de crianças e jovens. E isso ocorre, pois, como foi afirmado na aula anterior, esta concep- ção que vem desde os gregos, esteve presente na época medieval, continua na época moderna e está presente muito fortemente até nossos dias, impacta fortemente a educação escolar. Pensemos, por exemplo, quais as principais atividades educacionais que são oferecidas nas escolas. Elas se re- portam ao cognitivo, ao desenvolvimento intelectual, à aprendizagem de conhecimentos. Tudo relacionado à ra- cionalidade. Errado? Por certo que não! Mas, insuficiente. Essa insuficiência tem sido percebida e provoca algu- mas modificações nas propostas educacionais escolares. Apesar de a ênfase ainda ser grande na racionalidade, ou- tros aspectos do humano têm sido objeto de preocupação Filosofia da Educação / Aula 08 Antropologia e Educação II 3 dos educadores escolares de alguns anos para cá. Aspectos como os corpo- rais (veja-se a presença da Educação Física e de componentes relativos aos cuidados com a saúde), como os da afetividade (já existem indicações para uma atenção especial neste campo), como os da vida social ou da sociabili- dade e como os estéticos, estes últimos levando à introdução da Educação Artística nas escolas, têm merecido, também, alguma atenção. Quando a concepção de ser humano reduz o humano predominante- mente a um de seus aspectos, diz-se que esta concepção é reducionista e, uma proposta educacional nela baseada, torna-se também reducionista. Isto é, atende apenas a uma parte reduzida da formação humana. A segunda concepção de ser humano apresentada na aula passada foi a denominada concepção cientificista. Ela sustenta que ele e suas ativi- dades são determinadas pelas leis da Física, da Química, da Biologia, ou seja, por características estudadas por estas ciências nos seres da nature- za, incluindo aí os seres humanos. Uma boa educação, segundo propos- tas educacionais baseadas nesta concepção, é aquela que privilegia os aspectos denominados “naturais” do humano entendidos como aqueles que dizem respeito ao bom “funcionamento” de seus aspectos bio-físico- -químicos. Estas propostas tomam como referência para as ações edu- cativas apenas os conhecimentos científicos e, muitas vezes, apenas os conhecimentos das denominadas ciências da natureza. Não deixam de ser, também, posições educacionais reducionistas. Uma educação pensada apenas a partir destas referências cientificistas é denominada de educação naturalista. Não contam muito, aí, os aspec- tos emocionais, estéticos e os do “espírito” seja qual for a concepção que se tenha de espírito. E, muitas vezes, nem mesmo os da sociabilidade. Menos ainda aspectos relacionados a uma educação para valores morais. Na sexta aula desta disciplina foi afirmado existir uma concepção es- sencialista do ser humano segundo a qual ele possui uma essência já dada (ou uma natureza) que o define com suas características básicas. Essas características devem ser desenvolvidas ao longo da existência de cada pessoa que deve receber ajuda educacional com vistas a este desen- volvimento. Parte-se de uma ideia de essência humana ou de um modelo de ser humano. Educar, nesta visão é auxiliar no desenvolvimento das características básicas presentes neste modelo idealizado de ser huma- no. Diz-se “modelo idealizado” porque ele não toma por base a existência humana concreta tal como acontece historicamente e sim, toma por base uma ideia, uma imagem pensada de ser humano a qual deve ser tomada como modelo a ser alcançado através da educação. Uma pessoa será tanto melhor educada quanto mais se aproximar des- te modelo ou essência humana. Quanto melhor cada um realizar, em si Filosofia da Educação / Aula 08 Antropologia e Educação II 4 mesmo, a essência humana, ou a natureza humana, tanto melhor ser humano ele será. Há um complicador nesta visão: épocas, sociedades, grupos de pes- soas, têm ideias diferentes de qual é a essência ou a natureza humana. Além disso, a ideia dominante em alguma época ou sociedade a respei- to de como deve ser um ser humano, acaba servindo como instrumento de dominação: todos devem ser daquela forma, ou... “fôrma”. Quem não for assim, será visto como um “diferente”, não normal, desajustado, a ser evitado, excluído ou marginalizado. As diferenças, as originalidades, são banidas ou combatidas. Quando se tem em vista uma única forma de ser gente (uma essência ou uma natureza) a diversidade é negada. Daí são originados muitos preconceitos e, com base neles, muitas atrocidades são cometidas. In- clusive nas escolas. Há, também, concepções materialistas sobre o ser humano. Ter uma concepção materialista significa afirmar que tudo o que existe é matéria ou decorrência dela. E isso vale, também, para o ser humano. Foi afirmado, na aula anterior, que há dois tipos de materialismos. 1. Materialismo mecanicista: afirma que toda a realidade material, inclusive o ser humano, está constituída de tal forma que nela não há mudanças. Tudo funciona de acordo com leis fixas e perenes que nunca se modificam. Tudo funciona como um grande mecanismo. Educar, neste caso, é adaptar os educandos a um mundo já dado. É adaptá-los às leis naturais, ao funcionamento mecânico da natureza e da sociedade. Não se educa para a transformação. Educa-se ape- nas para a conservação e, muitas vezes, em nome desta visão, para a simples adaptação. 2. Materialismo histórico-dialético: para este tipo de materialismo, a realidade e, nela, o ser humano, estão em processo de contínua cons- trução e reconstrução. Tudo está em devir. Isso significa afirmar que há uma história que ocorre numa luta contínua de contrários: daí a de- nominação materialismo-histórico-dialético. Este devir é um movimen- to de intensas e múltiplas relações no interior das quais tudo resulta. Os seres humanos formam-se (educam-se) relacionando-se uns com os ou- tros e com a natureza. Nessas relações (relações de transformação) os seres humanos se produzem de uma forma ou de outra (dependendo da quali- dade delas) e produzem ao mesmo tempo, o seu modo de vida, a própria sociedade. Não só: eles interferem no próprio funcionamento da natureza, Filosofia da Educação / Aula 08 Antropologia e Educação II 5 modificando-a. Assim como no funcionamento da sociedade. Produzem cultura no interior da qual se cultivam ou se formam como humanos. Quando se pensa assim, é possível afirmar que os seres humanos não são dotados de uma essência já dada, ou de uma natureza já dada e, sim, que eles tornam-se humanos no interior das relações que estabele- cem e nas quais estão envolvidos. Não que estas relações os determinem de maneira absoluta, pois cada ser humano tem espaços de autonomia para criar novas perspectivas e novas maneiras de ser que entram no jogo das relações já presentes no seu cultural. No embate entre o já feito e as novas contribuições dos novos atores, o mudo humano caminha no seu constituir-se histórico. Esta maneira de pensar o ser humano indica que à educação não cabe ajudar os educandos a desenvolverem uma essência ou uma natureza já dada e sim cabe-lhe tomar ciência das relações nas quais eles estão envol- vidos, propor-lhes análises críticas das mesmas e, se for o caso, propor--lhes novas relações que os ajudem a realizar-se. Como se vê, do exposto acima, há sempre uma visão ou perspectiva antropológica presente nas propostas educacionais. Cabe ao educador, no mínimo, tomar ciência dela, proceder à sua análise crítica e tomar de- cisão quanto a querer ou não trabalhar na direção por ela apontada. Mas, para isso, precisa compreender essas concepções para poder rea- lizar esta análise crítica indicada como necessária. Esta compreensão mais alargada pode ser obtida com estudos que ampliem as noções até aqui apresentadas. Para isso é importante verificar as indicações de leituras de apoio que constam no Ambiente Virtual de Aprendizagem deste curso. Convido-os a verificarem as indicações sobre estas concepções de ser hu- mano que lá estão. No texto base da próxima aula serão apresentadas ideias de um pen- sador filósofo brasileiro sobre três tipos de relações nas quais as pessoas sempre estão envolvidas e o que a educação pode fazer no âmbito de cada uma delas. Observação: Neste texto e no anterior não há indicação de referên- cias bibliográficas. As ideias expostas nos dois textos são uma elaboração minha, mas eu as estudei em alguns livros e artigos. Infelizmente há mui- to poucos textos relacionando concepções a respeito do ser humano e a educação. Os textos a seguir indicados podem ajudar para ampliar esta compreensão: Filosofia da Educação / Aula 08 Antropologia e Educação II 6 BiBlioGraFia ARANHA, Maria Lúcia de Arruda.� Filosofia da Educação. 3 ed.� São Paulo: Moderna, 2006.� GADOTTI, M.� Concepção dialética da educa- ção: um estudo introdutório. São Paulo.� Cortez: Autores Associados, 1983.� LORIERI, Marcos Antônio e RIOS, Terezinha Aze- rêdo.� Filosofia na escola: o prazer da re- flexão. São Paulo: Moderna, 2008.� MANACORDA, M.� Marx e a pedagogia moder- na. 2a ed.� São Paulo.� Cortez, 1996.� NOSELLA, Paolo.� A escola de Gramsci. 3ª.� ed.� revista e atualizada.� São Paulo:Cortez, 2004.� NUNES, César.� As origens da articulação en- tre filosofia e educação: matrizes con- ceituais e notas críticas sobre a Paidéia antiga. In: LOMBARDI, José Claudinei (org.�).� Pesquisa em educação: história, filo- sofia e temas transversais.� Campinas: Au- tores Associados: HISTEDBR; Caçador, SC: UnC, 1999.� SAVIANI, Dermeval.� Tendências e correntes da educação brasileira. In: SAVIANI, Der- meval et al.� Filosofia da educação brasileira.� Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p.� 19-44.� SEVERINO, Antônio Joaquim.� Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d’Água, 2001.� SEVERINO, Antônio Joaquim.� Filosofia da Edu- cação: construindo a cidadania. São Pau- lo: FTD, 1994.�
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