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569 66 Aspectos Gerais das Micoses Três tipos de doença humana estão associados a ele- mentos fúngicos ou a seus produtos metabólitos: alérgicas, tóxicas e infecciosas. A doença alérgica é causada pela interação de um hospedeiro sensibilizado, com antígenos fúngicos imunolo- gicamente reativos, existentes no ar ou está associada com elementos fúngicos de localização endógena no hospedeiro. Exemplo: aspergilose broncopulmonar alérgica. A doença toxigênica pode ser provocada pela ingestão de alimentos contaminados com fungos microscópicos, produtores de micotoxinas — as micotoxicoses — ou pela ingestão de fungos macroscópicos venenosos — micetismos. A doença infecciosa é aquela em que o agente possui propriedade de agir como patógeno primário ou oportunista, exemplo: paracoccidioidomicose, candidíases. As doenças infecciosas — as micoses — são as mais representativas e constituem o principal objeto da micologia médica. O reservatório habitual dos fungos que infectam o ho- mem pode ser o próprio homem, os animais ou um sítio na natureza, onde o fungo se desenvolve como saprófito. As micoses são classificadas em: 1. Micoses superficiais, de localização na pele e anexos. 2. Micoses subcutâneas encontradas na pele e nos teci- dos subcutâneos. 3. Micoses sistêmicas ou profundas atingindo, prin- cipalmente, órgãos internos e vísceras, podendo abranger muitos tecidos e órgãos diferentes. As micoses superficiais compreendem as micoses su- perficiais estritas, as dermatofitoses, as hialo-hifomicoses e feo-hifomicoses e as micoses mucocutâneas ou leveduroses. As micoses superficiais estritas se localizam nas ca- madas superficiais da pele ou do pelo. Seus agentes têm como hábitat principal o homem (Malassezia spp.) ou são encontrados na natureza (Hortae werneckii, Piedraia hortae e Trichosporon spp.). Micoses Aspectos Gerais, Patogenicidade dos Fungos, Mecanismos de Defesa do Hospedeiro e Diagnóstico Microbiológico Olga Fischman Gompertz Walderez Gambale Benedito Corrêa Claudete Rodrigues Paula As dermatofitoses atingem pele, pelo ou unhas e são causadas por fungos queratinofílicos, os dermatófitos. As dermatofitoses podem ser transmitidas de homem a homem, de animal ao homem ou do solo ao homem. As hialo-hifomicoses e feo-hifomicoses podem se loca- lizar na pele, unha ou mucosas e são produzidas por fungos filamentosos não dermatófitos, respectivamente hialinos e escuros. As leveduroses ou micoses mucocutâneas são produzi- das por leveduras, tendo origem de fonte endógena, quando o agente faz parte da microbiota normal do hospedeiro, ou exógena, quando transmitida por outros indivíduos. As micoses subcutâneas são, em geral, adquiridas por traumatismos com materiais contaminados, como vegetais e madeiras, podendo ser transmitidas também por picadas de inseto e mordedura de animais. Os fungos que ocasionam micoses de tipo subcutâneo são isolados comumente do solo ou de vegetais; os agentes de micoses profundas têm seu hábitat principalmente no solo. As micoses sistêmicas são originadas principalmente pela inalação de propágulos fúngicos levados do solo pelos ventos. Cryptococcus neoformans e Histoplasma capsulatum podem ser, respectivamente, veiculados por fezes de pombos e de morcegos. Além dessas infecções fúngicas que são encontradas, na maioria dos casos, em indivíduos considerados normais, as micoses oportunísticas atingem os pacientes imunocom- prometidos por doença de base, como câncer, diabetes, ou aqueles que são submetidos a tratamentos com uso de corti- coidoterapia, imunossupressores e antibioticoterapia. As formas de transmissão de algumas micoses, como a doença de Jorge Lobo, não foram ainda definitivamente estabelecidas. Em geral, as micoses do tipo subcutâneo são esporádi- cas. Endemias ocorrem em áreas onde o fungo é mais fre- quente no meio ambiente. Microepidemias de histoplasmose têm sido registradas em grupos de indivíduos que visitam cavernas habitadas por morcegos, por exemplo. Epidemias 570 de dermatofitoses do couro cabeludo em alunos de escola, dermatofitoses dos pés entre militares e atletas têm sido descritas. Idade, sexo e raça desempenham papel importante na frequência de certas micoses. Tinha do couro cabeludo por Microsporum canis, frequente na criança, é rara na puber- dade ou na idade adulta. A paracoccidioidomicose e a cro- moblastomicose são comuns em indivíduos adultos do sexo masculino. A paracoccidioidomicose é mais encontrada nos homens do que nas mulheres, por exemplo, (na proporção de 50:1), o que é explicado pela presença de estrógenos protetores na mulher ou maior exposição do homem aos agentes fúngicos. A atividade profissional influi na incidência de certas micoses que são conhecidas como doenças profissionais. Floristas e indivíduos que manipulam madeira são sujeitos a traumatismos, adquirindo esporotricose. Agricultores apresentam cromoblastomicose, micetomas, por fungos que habitam o solo e vegetais, por exemplo. Espeleólogos podem contrair histoplasmose pela inalação de Histoplasma capsu- latum do solo e de fezes de morcegos existentes em grutas. O tamanho da forma infectante do fungo é importante. Partículas maiores do que 10 µm de diâmetro só alcançam as vias aéreas superiores, causando rinite. Partículas de 5 a 10 µm atingem os brônquios e são responsáveis por quadros asmáticos, e as menores de 5 µm podem alcançar alvéolos pulmonares. As formas mínimas do Cryptococcus neofor- mans não encapsuladas, de 1,5 a 3 µm, presentes nas fezes de pombos e na poeira ambiental, depositam-se facilmente nos pulmões. A quantidade do inóculo também é importante, princi- palmente na aquisição das micoses sistêmicas. Medidas preventivas dependem do tipo da micose. Tratamento de animais e pessoas com dermatofitose, ou de portadores sadios, evita a disseminação dos dermatófitos. O emprego de máscaras ao visitar grutas com morcegos pode prevenir a infecção por Histoplasma capsulatum; o uso de sapatos e roupas cobrindo partes descobertas do corpo evita traumatismo e, consequentemente, a aquisição de mi- coses como cromoblastomicose e micetomas, por exemplo. Prevenção da candidíase envolve diferentes princípios, porque o reservatório do fungo pode ser o próprio indivíduo ou outras pessoas, como médico, enfermeiras, atendentes que estão em contato com o paciente. Cateteres também são importantes na introdução de Candida e de outros fungos no organismo. Aparelhos para inalação e outros equipamentos hos- pitalares têm sido descritos como veiculadores de fungos, ocasionando, por exemplo, candidíase e aspergilose. A fim de diminuir infecção fúngica hospitalar, medidas preventivas, como uso de filtros, higiene local e assepsia adequada do pessoal médico e paramédico, são preconi- zadas. Marcadores epidemiológicos, especialmente para Candida albicans, definem com melhor clareza a origem dos surtos de infecções hospitalares. Patogenicidade dos Fungos Os fatores de virulência têm sido pouco estudados entre os fungos. Como possíveis fatores citam-se a variabilidade fenotípica, a aderência nos tecidos do hospedeiro e a produ- ção de toxinas e enzimas. Para C. albicans, o fungo mais estudado com relação aos fatores relacionados à virulência, a sequência seria iniciada pela aderência a células epiteliais, da pele ou mu- cosas, seguida da multiplicação da levedura, com formação posterior de tubo germinativo e filamentação. A quantidade de adesinas seria aumentada pela germinação das leveduras e inibida pela presença da IGA secretora. Logo a seguir, a produção das exoenzimas, proteinase e fosfolipase permitiria a penetração da levedura nas células, ocasionando resposta inflamatória, como ocorre nos tecidos. Alguns estudos têm demonstrado que os fungos patogê-nicos secretam várias enzimas hidrolíticas como proteinases, lipases e fosfolipases, que podem ser encontradas no meio de cultivo. Estas enzimas hidrolíticas extracelulares são importantes na patogenicidade dos fungos, causando danos à célula do hospedeiro. A proteinase ácida é uma aspartil proteinase (Sap) de peso molecular entre 42 e 45 kDa, cuja atividade ideal ocorre em pH ácido e que possui especifi- cidade de substrato bastante ampla, incluindo queratina, colágeno, albumina, hemoglobina, cadeia pesada de imu- noglobulinas e proteínas de matriz extracelular. C. albicans com grande atividade proteolítica aderem mais rapidamente às células epiteliais. Com relação à fosfolipase, a maior ati- vidade lipolítica encontra-se nas extremidades das formas filamentosas, exercendo papel importante no crescimento do fungo, facilitando assim a adesão tecidual. Em C. albicans, têm sido descritas fosfolipases A, B e C, e o pH ótimo de atividade está ao redor de 4,0. Entretanto, pouco se conhece sobre outras enzimas como condroitin-sulfatase e hialuro- nidase nas demais espécies do gênero Candida e em outros fungos patogênicos. Com relação à Cryptococcus neoformans, sabe-se que a cápsula exerce ação protetora deste contra a fagocitose. O fungo tem a capacidade de produzir a enzima urease, que hidrolisa a ureia, levando à produção de amônia, que inativa o complemento facilitando a sua proliferação. Esta levedura produz também a enzima fenol-oxidase, relacionada com a sua patogenicidade. A existência de alfa-1,3-glucana na parede celular da fase leveduriforme de Paracoccidioides brasiliensis foi considerada fator importante na virulência do fungo. No entanto, estudos recentes demonstraram que cepas altamente virulentas possuíam baixo teor desse polissacáride na parede celular e vice-versa. Nos dermatófitos, as atividades das queratinases, elas- tases e sulfitase são importantes na implantação da micose. Alguns lipídeos contendo de 10 a 12 átomos de carbono, presentes no fungo, são capazes de estimular respostas alér- gicas. Acredita-se que lipases auxiliam esses fungos a supe- rarem a ação dos ácidos graxos da pele, os quais possuem atividade fungicida, como é o caso do ácido undecilênico. 571 Mecanismos de Defesa do Hospedeiro Os mecanismos de defesa do hospedeiro contra a infec- ção por fungos podem ser inespecíficos e específicos. Inespecíficos Os mecanismos que defendem o hospedeiro contra as infecções fúngicas podem compreender as defesas locais, como a pele e as membranas das mucosas e o sistema infla- matório não específico. A pele é considerada como um grande órgão imunológi- co que contribui significativamente para o movimento celu- lar imune. Quase todos os elementos celulares da imunidade, com exceção das células B, residem ou passam através da pele e acumulam-se nos sítios de reação inflamatória. A pele normal é, na verdade, uma barreira efetiva contra a colonização da maioria dos fungos, por ser uma barreira física e por secretar ácidos graxos saturados com proprieda- des antifúngicas. A temperatura da pele normal é bastante elevada para restringir a localização de certos fungos às partes mais frias do corpo ou impedir o desenvolvimento de outros. A integridade da pele e seu baixo teor de umidade são responsáveis pela resistência natural a muitas infecções. A candidíase cutânea, por exemplo, é facilitada pela umida- de ou por lesões da pele. Como a aderência é o estágio inicial no processo invasi- vo dos fungos, a pele resiste a esta por vários mecanismos, como produção de muco, competição com outros micro-or- ganismos e descamação das células epiteliais. A microbiota bacteriana normal controla a proliferação de fungos como Candida albicans. Pacientes que são submetidos à antibio- ticoterapia prolongada, pela destruição de sua microbiota normal, estão mais sujeitos a desenvolver candidíase oral, vaginal ou intestinal. A função das células T é importante na fagocitose das superfícies contra certas infecções. Pacientes neutropênicos ou com neutrófilos alterados são mais sensíveis a certas infecções como candidíase mucocutânea crônica, mucormi- cose, aspergilose, criptococose. Os componentes do sistema imune não específico consistem principalmente em proteínas humorais — as opsoninas. Específicos O sistema imune específico consiste em macrófagos, linfócitos, células do plasma e seus produtos, como as linfocinas e anticorpos. O sistema imune responde especifi- camente aos sítios antigênicos. A resposta imune se carac- teriza pela produção de anticorpos específicos que reagem contra os antígenos do fungo invasivo. No entanto, o papel desempenhado pelos anticorpos na defesa orgânica contra as infecções fúngicas é especulativo e contraditório. Em certas doenças como a histoplasmose, um aumento do título de anticorpos fixadores do complemento indica disseminação da doença. Elevados títulos de anticorpos podem impedir o desenvolvimento da imunidade celular. No entanto, em certas infecções, os anticorpos são protetores. Indivíduos com elevados títulos de anticorpos contra Cryptococcus neoformans se recuperam mais facilmente à criptococose do que os pacientes que não desenvolvem anticorpos. A imunidade mediada por células desempenha papel im- portante na resistência do organismo às infecções fúngicas. Pacientes com doenças imunodeficientes e aqueles tratados com drogas imunossupressoras que interferem na sua imu- nidade celular são mais sensíveis às micoses do que aqueles com sistemas imunes intactos. Diagnóstico Laboratorial das Micoses O diagnóstico microbiológico das micoses é feito pela verificação do fungo no material clínico, em preparações microscópicas, em exame histopatológico e em cultivos complementados por provas indiretas, como testes intra- dérmicos, pesquisa de anticorpos séricos e de antígenos circulantes. Na grande maioria dos casos clínicos, o método mais empregado é o da microscopia direta. O material clínico para exame microscópico depende do tipo da micose. Nas micoses superficiais e cutâneas, são co- letados principalmente pelos e escamas de pele ou de unha. Nas micoses subcutâneas, o material inclui secreções, pus sangue, enquanto nas micoses profundas são examinados, por exemplo, escarro, fezes, urina e líquido cefalorraquidia- no. A biópsia também é bastante útil para elucidar o diagnós- tico, principalmente das micoses subcutâneas e sistêmicas. Exame microscópico direto Em termos gerais, o exame microscópico direto é o mé- todo mais usado no diagnóstico de rotina das micoses. Além de ser rápido e sensível, permite a visualização do fungo e, em muitas ocasiões, sua identificação. De modo geral, o material a ser examinado é submetido à clarificação por solução de hidróxido de potássio a 10% a 20%, acrescido ou não de tinta Parker 51 permanente, na proporção de 2:1 e aquecimento discreto. Para tanto, basta colocar o material clínico sobre a superfície de uma lâmina de vidro, adicionar uma gota de hidróxido de potássio com tinta, cobrir com lamínula, aquecer suavemente à chama do bico de Bunsen e examinar ao microscópio. Quando houver suspeita de infecção por Cryptococcus neoformans, deve-se misturar ao material clínico, geralmente escarro ou liquor, uma gota de tinta Nankin, pois esta técnica permite a visualização da célula fúngica corada e da cápsula sem coloração. Em alguns casos, as técnicas de coloração são bastante úteis, como a de Giemsa, na identificação do Histoplasma capsulatum. O exame microscópico direto do material clínico é téc- nica de baixo custo, eficaz e reprodutível, exigindo, porém, profissional técnico bem treinado. As preparações, nesses casos, não são duradouras. Na Tabela 66.1 é apresentado um resumo das principais estruturas visualizadas ao exame microscópico direto nosdiferentes espécimes clínicos. 572 Tabela 66.1 Diagnóstico Laboratorial das Micoses mais Comuns por Exame Microscópico Direto e Cultura Micoses Amostra Clínica Exame Microscópico Direto Meios de Cultura Agentes Etiológicos Temperatura e Tempo de Incubação Pitiríase versicolor Escamas de pele Células leveduriformes, globosas ou elipsoides, isoladas ou agrupadas, com ou sem brotamento unipolar, filamentos curtos e septados Ágar bile de boi adicionado de azeite de oliva + Co, meio de Dixon (modificado) Malassezia spp. 32°C, sete dias Tinha negra Escamas de pele Hifas escuras septadas, irregulares, células leveduriformes SDA + Co Lac + Co Hortae werneckii 25°C, 20 dias Piedra negra Cabelo com nódulos Nódulos escuros, formados por hifas artoconidiadas, contendo ascos com dois a oito ascósporos com filamentos em ambas as extremidades SDA + Co Piedraia hortae 25°C, 30 dias Piedra branca Pelos com nódulos região genital, axilar etc. Nódulos claros, formados por hifas artroconidiadas e blastoconídios SDA + Co Lac + Co Trichosporon spp. 25°C, sete dias Dermatofitose da pele, unhas, pelo Escamas de pele ou unhas e pelos com raiz Hifas hialinas, septadas e artroconidiadas na pele e unhas. Artroconídio fora, dentro ou ambos: endo, ecto ou ectoendotrix, respectivamente SDA + Co + Ci SDA + Co Lac + Co E. floccosum, Microsporum spp., Trichophyton spp. etc. 25°C, 15 a 20 dias Cromoblasto- micose Crostas, secreção ou pus Células arredondadas com duplo contorno, isoladas ou agrupadas de cor marrom, com divisão por cissipari- dade em dois planos = corpo muriforme SDA + Co Lac + Co Fonsecaea pedrosoi Phialophora verrucosa Cladosporium carrionii Rhinocladiella aquaspersa Cladophialophora 25°C, 20 dias Esporotricose Secreção ou pus Células leveduriformes, esféricas ou alongadas em forma de charuto, raramente visualizadas SDA + Co + Ci Lac + Co + Ci Sporothrix schenckii 25°C e 37 °C, 20 dias Micetoma eumicótico ou eumicetoma Secreção ou pus Grânulos formados por aglomerados de hifas claras (grãos claros — fungos hialinos) ou escuras (grãos escuros — fungos demácios) SDA + Co Lac + Co + Ci Madurella grisea e M. mycetomatis Pseudallescheria boydii Acremonium recifei Pyrenochaeta romeroi 25°C, 21 dias Lobomicose Nódulos queloidianos Células leveduriformes com parede de duplo contorno, tamanho uniforme catenula- das unidas por pontes ou tubos conectantes (biópsia) Fungo não- cultivável Lacazia loboi Feo-hifomicose Secreção ou pus Hifas escuras septadas, elementos leveduriformes, sem corpos muriformes SDA + Co Lac + Co Exophiala jeanselmei Phialophora parasitica Cladosporium elatum Wangiella dermatitidis 25°C, 21 dias Zigomicose subcutânea Nódulos subcutâneos Hifas largas não septadas com reação eosinofílica (corte) SDA + Co Conidiobolus coronatus, Basidiobolus haptosporus SDA = Ágar Sabouraud dextrose; Cicloheximida = Ci; Cloranfenicol = Co e ágar BHI = Ágar infuso de cérebro e coração; LCR = líquido cefalorraquidiano. 573 Imunofluorescência Embora de uso limitado, a técnica de imunofluorescên- cia direta pode ser recomendada para a demonstração de alguns fungos em cortes de tecidos e secreções. É técnica sofisticada exigindo aparelhagem e material especializado. É usada, por exemplo, na diferenciação das formas pequenas de Paracoccidioides brasiliensis e Histoplasma capsulatum, através de soros hiperimunes específicos, preparados em coelhos, marcados com fluorocromos. Podem ser identi- ficados também pela imunofluorescência Cryptococcus neoformans, Sporothrix scheckii, Coccidioides immitis e Candida albicans. Corantes vitais A avaliação da viabilidade de células fúngicas em ma- teriais clínicos tem sido baseada, até o presente momento, no emprego de corantes vitais ou, mais frequentemente, no cultivo em meios apropriados. A utilização de corantes vitais com finalidade diagnós- tica, apesar de perfeitamente exequível, não substitui a pes- quisa direta dos agentes pelos métodos clássicos rotineiros, cujo valor é indiscutível, principalmente, pela rapidez, pela praticidade de execução e pelo baixo custo. Entretanto, os corantes apresentam boa sensibilidade e a possibilidade de diferenciação entre células fúngicas vivas e mortas. Por isso, Tabela 66.1 (continuação) Diagnóstico Laboratorial das Micoses mais Comuns por Exame Microscópico Direto e Cultura Micoses Amostra Clínica Exame Microscópico Direto Meios de Cultura Agentes Etiológicos Temperatura e Tempo de Incubação Paracoccidioi- domicose Escarro, pus, raspado de mucosa etc. Células arredondadas com dupla membrana, isoladas ou agrupadas com múltiplo brotamento unidas à célula- mãe com base estreita células isoladas, ou catenuladas SDA + Co Lac +Co + Ci Paracoccidioides brasiliensis 25°C e 35°C, 30 dias Histoplasmose Escarro, raspado das lesões, pele, mucosa etc. Células leveduriformes pequenas 2-3 mm, esféricas ou ovaladas no interior de macrófagos ou mononucleares (coloração com Giemsa) SDA + Co Ágar BHI + sangue Histoplasma capsulatum 25°C e 37°C, 30 dias Blastomicose Amostra clínica, escarro, pus, tecido, pele Células redondas ou ovais, duplo contorno, brotamento único unido por base larga à célula-mãe SDA + Co Blastomyces dermatitidis 25ºC, 30 dias Coccidiodo- micose Escarro, pus, exsudato Elementos esféricos de 10 a 60 mm (esférulas) com endósporos grandes SDA + Co Coccidioides immitis 25ºC, 30 dias Criptococose LCR, escarro, pus etc. Células leveduriformes esféricas circundadas por cápsula não-corada (em observação com tinta da China) SDA + Co Cryptococcus neoformans Cryptococcus gattii 35°C, 15 dias Candidíase Raspadomucosa, biópsia, escarro etc. Células leveduriformes, hifas e/ou pseudo-hifas SDA + Co Candida albicans, Candida spp. 37°C, sete dias Zigomicose Pus, tecido Hifas cenocíticas, largas paredes, contornos irregulares lembrando galhos de árvores SDA Absídia corymbifera, Rhizopus oryzae, Mucor ramosissimus etc. Tricosporonose Pus, tecido, escarro Células leveduriformes, artroconídios SDA + Co Trichosporon spp. Temperatura ambiente e a 37°C Malasseziose Pus, tecido Células leveduriformes Ágar bile de boi adicionado de azeite de oliva, meio de Dixon (modificado) Malassezia spp. 32°C, sete dias SDA = Ágar Sabouraud dextrose; Cicloheximida = Ci; Cloranfenicol = Co e ágar BHI = Ágar infuso de cérebro e coração; LCR = líquido cefalorraquidiano. 574 é um método alternativo e/ou confirmatório perfeitamente aplicável. Comparativamente ao cultivo, os corantes vitais de- monstram maior rapidez, revelando-se importante indicador da viabilidade fúngica. Entre os corantes vitais, podemos citar o diacetato de fluoresceína e o brometo de etídio. Biópsia O exame de amostras de tecidos, colhidas por biópsia e coradas pelos processos habituais e específicos como Gomori, Grocott e PAS, é bastante usado para o diagnós- tico das micoses subcutâneas e sistêmicas. A coloração de Mucicarmim de Meyer é indicada na identificação do Cryptococcus neoformans. A biópsia é imprescindível no diagnóstico de certas micoses, como por exemplo, a lobo- micose, em que o agente etiológico não foi ainda cultivado. Cultura e identificação A cultura dos fungos é, em geral, imprescindível para o diagnóstico específico da maior parte dos fungos. As dificul- dades desta técnica residem no crescimento lento de muitos agentes, na contaminação por outros micro-organismos e na dificuldade de identificação de algumas amostras. O meio de cultura mais empregadopara o isolamento dos fungos é o meio de ágar Sabouraud dextrose. As carac- terísticas principais deste meio são o seu pH ácido (5,8) e seu elevado teor em glicose que o torna mais seletivo para fungos. Entretanto, o meio não é totalmente impeditivo para bactérias; por essa razão, deve ser acrescido de antibióticos que inibem o crescimento desses micro-organismos. O cloranfenicol é um dos antibióticos mais utilizados devido à comodidade de seu uso, pois pode ser esterilizado na auto- clave com o meio e por seu largo espectro de ação. Quando se deseja impedir o desenvolvimento de fungos não patogê- nicos, costuma-se incorporar cicloheximida (actidione) ao meio ágar Sabouraud glicose. A identificação dos fungos é feita por suas caracterís- ticas morfológicas, pelo seu comportamento bioquímico e eventualmente, por sua estrutura antigênica. Como os órgãos de reprodução dos fungos, muito úteis na sua iden- tificação, são muito delicados, frequentemente é necessário recorrer a técnicas especiais de cultura para que eles possam desenvolver-se e manter-se satisfatoriamente. A técnica mais usada para fungos filamentosos é a da cultura em lâmina, que consiste em semear o fungo, previamente isolado, na superfície de um bloco fino de ágar colocado sobre uma lâmina de microscopia, mantida em condições adequadas de umidade, para evitar o dessecamento do ágar. A atividade bioquímica dos fungos é geralmente estuda- da para identificação de espécies de leveduras, pelo método de auxanograma, que permite verificar a capacidade de o micro-organismo utilizar açúcares e outros nutrientes. Certas enzimas podem ser pesquisadas em meios de cultura específicos e caracterizam espécies de fungos, como a presença de urease e fenoloxidase em Cryptococcus neoformans. A detecção de antígenos importantes para a identificação dos fungos é feita por imunofluorescência e por meio de reação de precipitação. Pesquisa de antígenos circulantes Recentemente, tem sido estudada a possibilidade de detecção de antígenos fúngicos como mais um recurso diagnóstico. Resultados satisfatórios têm sido obtidos no estudo das meningites por Cryptococcus neoformans e certas infecções por Candida albicans. Neste particular, deve-se mencionar a pesquisa de ácidos orgânicos por cromatografia gasosa que se tem mostrado viável como método diagnóstico nas candidíases sistêmicas. Testes intradérmicos Os testes intradérmicos são usados para pesquisar o grau de sensibilização dos indivíduos aos antígenos fúngi- cos. São geralmente realizados pela injeção intradérmica do antígeno na face anterior do antebraço e servem para pesquisar reações do tipo I (imediato) e do tipo IV (tardio). As primeiras são úteis no diagnóstico de estados alérgicos, como, por exemplo, na broncopneumonia alérgica causada por Aspergillus sp. e nas alergias por fungos em geral; as úl- timas são empregadas para a delimitação de áreas endêmicas de certas micoses, mas têm pouco valor diagnóstico, porque não distinguem entre infecções passadas e presentes. Pesquisa de anticorpos séricos A pesquisa de anticorpos séricos pode ser feita por vá- rias técnicas, e muito difundidas são as técnicas de fixação do complemento e de imunodifusão. Embora o seu valor diagnóstico seja limitado, a pesquisa de anticorpos séricos está indicada principalmente quando o exame microscópico direto e a cultura não revelam o fungo. A técnica da imunodifusão em gel de ágar é prática sensível e específica para o diagnóstico das micoses sistê- micas, e também é útil no acompanhamento da evolução de determinadas micoses e na avaliação da conduta terapêutica. Outras técnicas com ELISA e Western-blot têm sido empregadas por sua sensibilidade. Técnicas moleculares aplicadas à micologia médica Técnicas moleculares desenvolvidas a partir da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) como o sequenciamento de DNA, têm sido ferramentas úteis na identificação, após o isolamento em cultivo, de vários fungos agentes de micoses. Entre os marcadores moleculares utilizados para este pro- pósito destaca-se o sequenciamento da região ITS (Internal Transcribed Spacer), que separa os genes 18S e 28S do rDNA e que pode ser amplificada com primers específicos ancorados nessas duas regiões. Essa região é altamente con- servada intraespecificamente, mas variável entre diferentes espécies, o que possibilita a distinção ao nível específico. Visando aumentar a confiabilidade dos resultados, além da região ITS, o sequenciamento dos genes β tubulina, fator de elongação, calmodulina, também tem sido utilizados. 575 A tecnologia MALDI-TOF MS (Matrix Assisted Laser Desorption Ionization-Time of Flight Mass Spectrometry), surgiu recentemente como uma das ferramentas mais rápidas na identificação, diferenciação e classificação de microrganismos, constituindo-se uma técnica complemen- tar em relação aos métodos morfológicos e moleculares. A técnica baseia-se na obtenção de um perfil proteico e sua comparação com o espectro de proteínas incluído em banco de dados. Estudos realizados nos últimos anos atestaram a confiabilidade, rapidez e simplicidade da técnica na identifi- cação de bactérias, principalmente patogênicas. Em relação aos fungos, há poucos descritos em literatura, porém, apon- tam que o emprego desta tecnologia trará uma importante contribuição para esta área. Os trabalhos restringem-se a isolados de amostras clínicas e ambientais de espécies per- tencentes aos gêneros Aspergillus, Penicillium, Fusarium, Trichoderma, Candida, Cryptococcus e Trichophyton. A técnica também tem sido utilizada na análise da composição proteica de fluidos biológicos, tecidos, células microbianas ou componentes celulares, e no perfil de susceptibilidade aos antifúngicos. A grande dificuldade na aplicação das técnicas molecu- lares é a extração do DNA fúngico diretamente das amostras clínicas para diagnóstico rápido das micoses. Alguns estudos têm sido realizados com resultados promissores, e eventual- mente, num futuro próximo serão utilizados como alternativa mais rápida de diagnóstico micológico. Bibliografia 1. Anaissie E, McGinnis MR, Pfaller MA. Clinical mycology. 1a ed. Philadelfia: Churchill Livingstone; 2003. 2. Chalupová J, Raus M, Sedlarova M, Sebela M. Identification of fungal microorganisms by MALDI-TOF mass spectrom- etry. 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