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JACKSON, Robert Introdução às RI

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Robert Jackson • Georg Sorensen
Introdução às 
relações internacionais
Teorias e abordagens
2- edição revista e ampliada
Tradução:
B árbara D uarte
Revisão técnica:
A r t h u r It u a s s u
Prof. da PUC-Rio, mestre e doutor em Relações Internacionais 
pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio
ZAHAR
Note
Texto digitado
 realismo: 102-112nullliberalismo: 151-155
Liberalism o
Introdução: premissas
liberais básicas 148
Liberalismo sociológico 151
Liberalismo da
interdependência 155
Liberalismo institucional 161
Liberalismo republicano 165
Críticas neorrealistas contra 
o liberalismo 170
O recuo para o liberalismo 
menos convicto 173
O contra-ataque do
liberalismo mais convicto 175
Liberalismo e ordem mundial 180
Liberalismo: a atual
agenda de pesquisa 184
Pontos-chave 185
Questões 186
Orientação para leitura
complementar 187
Links 188
Resumo
Este capítulo apresenta a tradição liberal de relações internacionais. As premis­
sas liberais básicas são: (1 ) uma visão positiva da natureza humana; (2) uma 
convicção de que as relações internacionais podem ser cooperativas em vez de 
conflituosas; e (3) uma crença no progresso. Ao refletir sobre a cooperação 
internacional, os teóricos liberais enfatizam diferentes características da política 
mundial. Os liberais sociológicos acentuam as ligações não governamentais 
transnacionais entre as sociedades, como a comunicação entre indivíduos e 
grupos. Os liberais da interdependência dão atenção particular às ligações 
econômicas de intercâmbio e dependência mútua entre povos e governos. Os 
liberais institucionais ressaltam a importância da cooperação organizada entre 
os Estados; e, finalmente, os liberais republicanos argumentam que as consti­
tuições liberais democráticas e as formas de governo são de importância vital 
para induzir relações pacíficas e cooperativas 
entre os Estados. O capítulo discute essas 
quatro tendências do pensamento liberal e 
o debate com o neorrealismo. A conclusão 
avalia as perspectivas para a tradição liberal 
como um programa de pesquisa em RI.
148 Introdução às relações internacionais
Introdução: premissas liberais básicas
Por que um capítulo sobre a tradição liberal de RI? Conhecer a tradição liberal é 
necessário para se formar uma opinião sobre uma das questões mais debatidas 
das RI: a visão pessimista do realismo contra a visão otimista do liberalismo. O 
capítulo anterior apresentou a tradição realista, com seu enfoque no poder e no 
conflito. Este capítulo mostra a perspectiva liberal, que é nitidamente oposta. 
Como os liberais podem ser otimistas? Por que acreditam em um mundo mais 
pacífico no futuro? Quais são seus argumentos e crenças?
A tradição liberal das RI está bastante associada ao surgimento do Estado 
liberal moderno. Filósofos liberais, começando com John Locke no século XVII, 
acreditavam em um grande potencial para o progresso humano na sociedade 
civil moderna e na economia capitalista, que poderiam prosperar em Estados que 
garantissem a liberdade individual. A modernidade projeta uma vida nova e me­
lhor, livre do governo autoritário e com um nível mais alto de bem-estar material.
O processo de modernização desencadeado pela revolução científica per­
mitiu o aprimoramento da tecnologia e, consequentemente, a formação de 
meios mais eficientes para a produção de bens e o controle da natureza. Esse 
fenômeno ainda foi reforçado pela revolução intelectual liberal, caracterizada 
pela fé na racionalidade e na razão humana. Essa é a base para a crença liberal 
no progresso: o Estado liberal moderno exige um sistema econômico e políti­
co que trará, segundo a famosa frase de Jeremy Bentham, “mais felicidade ao 
maior número de pessoas” (ver link 4.03).
Q uadro 4.1 M odernização
Entre 178 0 e 1 8 5 0 , em menos de três gerações, uma revolução de longo alcance, 
sem precedentes na história da humanidade, mudou a Inglaterra. Desse momento 
em diante, o mundo não era mais o mesmo. A Revolução Industrial transformou 
o homem de um agricultor-pastor em um manipulador de máquinas que funcio­
navam sem energia animal ... [Isso] tornou acessível um mundo completamente 
diferente de novas e inexploradas fontes de energia com o o carvão, o petróleo, a 
eletricidade e os átomos. Do ponto de vista restrito da tecnologia, a Revolução In­
dustrial pode ser definida como o processo pelo qual a sociedade ganhou controle 
de vastos recursos de energia inanimada; mas tal definição não faz justiça a este 
fenômeno ... quanto a suas implicações econômicas, culturais, sociais e políticas.
Cipolla (1977: 7-8)
Liberalism o 149
Em geral, os liberais apresentam uma visão positiva acerca da natureza hu­
mana. Acreditam na razão humana e estão convencidos de que os princípios 
racionais podem ser aplicados às questões internacionais. Embora reconhe­
çam que os indivíduos são egoístas e competitivos até certo ponto, acreditam 
também que há muitos interesses comuns entre eles e, portanto, podem se 
engajar em ações sociais cooperativas e colaborativas, tanto nacional como 
internacionalmente, resultando em mais benefícios para todos em casa e no 
exterior. Isso significa que o conflito e a guerra podem ser evitados, basta que as 
pessoas utilizem a razão para alcançar uma cooperação benéfica mútua não só 
dentro dos Estados, mas também através das fronteiras internacionais. Sendo 
assim, para os teóricos liberais, a razão humana pode triunfar sobre o medo e a 
cobiça pelo poder. Entre os liberais, no entanto, há uma discordância quanto à 
magnitude dos obstáculos a caminho do progresso humano (Smith 1992: 204). 
Para alguns liberais, esse é um processo de longo prazo com muitos contratem­
pos; para outros, o sucesso é iminente. Mas uma coisa é certa para todos: com 
o tempo, a cooperação com base em interesses mútuos prevalecerá, porque a 
modernização aumenta continuamente o campo de ação e a necessidade de 
cooperação (Zacher e Matthew 1995: 119) (ver Quadro 4.2).
Quadro 4.2 Liberalismo clássico
ENFOQUE
Liberdade, cooperação, paz, progresso
PRIMEIROS PENSADORES
Locke (1632-1704) Bentham (1748-1832) Kant (1 724-1 804)
O estado de direito Estados liberais “Repúblicas
“Rechtsstaat” respeitam o direito estabelecerão a paz
internacional perpétua”
A crença no progresso é uma premissa central do liberalismo, apesar de ser 
também um ponto polêmico entre os teóricos (ver Pollard 1971: 9-13). Quanto 
progresso? Certamente o progresso tecnológico e científico, mas também social 
e político? Quais os limites do progresso? Há limites? Progresso para quem? 
Para um número pequeno de países liberais ou para o mundo todo? Ao longo 
do tempo, o campo de ação e o grau de otimismo liberal com relação ao pro­
gresso variaram bastante. Muitos dos primeiros liberais tendiam a ser bastante
1 50 Introdução às relações internacionais
otimistas; também percebemos uma onda de liberalismo utópico por volta da 
Primeira Guerra Mundial. Após a Segunda Guerra, contudo, o otimismo libe­
ral se enfraqueceu. Robert Keohane, por exemplo, observa com cuidado que 
os liberais, no mínimo, acreditam “na possibilidade de progresso cumulativo” 
(Keohane 1989a: 174). Ainda assim, após o fim da Guerra Fria, surge outra 
onda de otimismo liberal motivada pela ideia do “fim da história”, com base 
na derrota do comunismo e na esperada vitória universal da democracia liberal 
(Fukuyama 1989; 1992). Os ataques terroristas em Nova York e Washington em 
11 de setembro de 2001, seguidos por ataques em Madri, Londres, entre outras 
cidades, no entanto, são um revés para o otimismo liberal.
O progresso para os liberais é sempre para os indivíduos, ou seja, a preocu­
pação central do liberalismo é a felicidade e a satisfação dos seres humanos. 
John Locke (ver link 4.05) argumenta que os Estados existem para garantir 
a liberdadede seus cidadãos e, desta forma, permitir que vivam suas vidas e 
busquem a felicidade sem a interferência indevida de outros. Ao contrário dos 
realistas, que consideram o Estado antes de tudo um centro e um instrumento 
de poder, um Machtstaat, os liberais o veem como uma entidade constitucional, 
um Recbtsstaat, que estabelece e impõe o estado de direito, que respeita os direi­
tos dos cidadãos à vida, à liberdade e à propriedade. De acordo com a mesma 
lógica, os países constitucionais também respeitariam e lidariam uns com os 
outros segundo as normas da tolerância mútua. Esse argumento foi reforçado 
por Jeremy Bentham, filósofo inglês do século XVIII, que cunhou a expres­
são “direito internacional”. Bentham acreditava que fazia parte do interesse 
racional dos Estados constitucionais aderir ao direito internacional em suas 
políticas externas (Rosenblum 1978: 101). O argumento ainda foi mais detalha­
do por Immanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII. Kant argumentou que 
um mundo formado por Estados constitucionais que se respeitem mutuamen­
te — os quais chamou de “repúblicas” — poderia com o tempo alcançar a “paz 
perpétua” (Gallie 1978: 8-36). O Quadro 4.2 resume o enfoque dos principais 
pensadores liberais clássicos.
Em suma, o pensamento liberal está bastante associado ao surgimento do 
Estado constitucional moderno. Os liberais argumentam que a modernização 
é um processo que requer progresso na maioria das áreas da vida e amplia o 
campo de ação através das fronteiras internacionais. O progresso significa uma 
vida melhor para, no mínimo, a maioria dos indivíduos. A medida que eles 
utilizam mais a razão nas questões internacionais, as chances de cooperação 
aumentam (ver Quadro 4.3).
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Liberalismo 1
Quadro 4.3 Prem issas liberais básicas
Progresso humano 4----------------► Razão humana 4----------------► Cooperação
1 1 I
O processo de modernização: desenvolvimento do Estado moderno
No Capítulo 2, apresentamos o liberalismo idealista ou utópico caracte­
rístico dos anos 1920. Já este capítulo enfoca a teoria liberal após a Segunda 
Guerra Mundial. Vale dividir o liberalismo do pós-guerra em quatro principais 
tendências de pensamento: liberalismo sociológico', liberalismo da interdependência; 
liberalismo institucional; e liberalismo republicano (Nye 1988: 246; Keohane 1989a: 
11; Zacher e Matthew 1995: 121). As seguintes seções deste capítulo se concen­
trarão em cada uma das linhas de pensamento. Não será possível abordar todos 
os trabalhos acadêmicos relevantes ou detalhar como o pensamento liberal 
contemporâneo foi construído a partir do pensamento liberal clássico, por 
isso focaremos importantes contribuições, que representam cada uma dessas 
tendências. Escolhemos dividir as quatro principais tendências para enfatizar 
os aspectos mais relevantes das ideias liberais contemporâneas sobre as relações 
internacionais.
Liberalismo sociológico
Para os realistas, RI é o estudo das relações entre governos de Estados sobera­
nos. O liberalismo sociológico rejeita essa visão por ter um enfoque restrito e 
unilateral, e argumentam que não se trata somente de relações estatais, mas 
também de relações transnacionais, isto é, relações entre pessoas, grupos e or­
ganizações pertencentes a diversos países. Devemos observar que essa ênfase 
na sociedade, assim como no Estado, em muitos tipos diferentes de atores e 
não apenas nos governos nacionais, fez o pensamento liberal ser identificado 
pelo termo “pluralismo”.
As relações transnacionais são consideradas pelos liberais sociológicos um 
importante aspecto das relações internacionais (ver links 4.09 e 4.10). James 
Rosenau define o transnacionalismo como: “o processo de substituição das
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152 In tro d u çã o às relações in te rnac iona is
relações internacionais conduzidas pelos governos por interações entre socie­
dades, grupos e indivíduos particulares, com importantes consequências para 
o curso dos eventos” (Rosenau 1980: 1). Ao enfocar as relações transnacionais, 
os liberais sociológicos retomam um antigo tema do pensamento liberal — a 
ideia de que as relações entre as pessoas são mais cooperativas e favoráveis à 
paz do que o relacionamento entre governos nacionais. Richard Cobden, um 
pensador liberal do século XIX, explica a ideia: “Quanto menos intercâmbio 
entre os governos, maior é a ligação entre as nações do mundo” (Cobden 1903: 
216; Taylor 1957: 49). Por “nações”, Cobden se referiu às sociedades e à par­
ticipação social.
Karl Deutsch teve grande importância no estudo das relações transnacio­
nais durante os anos 1950. Junto com seus assistentes, tentou medir o grau 
da comunicação e transações entre sociedades, para concluir que um alto grau 
de ligações transnacionais estimula relações pacíficas, as quais correspondem 
a algo mais do que a simples ausência de guerra (Deutsch et al, 1957). Tal 
raciocínio resulta em uma comunidade de segurança, ou seja, “um grupo de 
pessoas que se tornaram ‘integradas’.” Nesse caso, a integração significa que 
uma “noção de comunidade” foi alcançada; as pessoas passam a concordar 
que seus conflitos e problemas podem ser solucionados “sem precisar recor­
rer à força física em grande escala” (Deutsch et al. 1957: 5). De acordo com 
Deutsch, essa comunidade de segurança surgiu entre os países ocidentais na 
área do Atlântico Norte. Para o teórico, há uma série de condições que condu­
zem à formação de tais grupos: mais comunicação social; mais mobilidade de 
pessoas; laços econômicos mais fortes; e um alcance mais amplo de transações 
humanas mútuas.
Muitos liberais sociológicos defendem a ideia de que as relações transa­
cionais entre pessoas de diferentes países ajudam a criar novas formas de 
sociedade humana, que podem existir em união ou em competição com o 
Estado-nação. No livro World Soáety [Sociedade mundial], John Burton (1972) 
propõe um “modelo de teia de aranha” de relações transnacionais, com o 
propósito de demonstrar como qualquer Estado-nação é composto de vários 
grupos diferentes de pessoas com diversos tipos de ligações externas e variados 
interesses: grupos religiosos, empresariais, trabalhistas, entre outros. Em um 
contraste acentuado, o modelo realista do mundo descreve, muitas vezes, o sis­
tema de Estados como um conjunto de bolas de bilhar: uma série de unidades 
independentes e autossuficientes (ver Quadro 4.4). De acordo com os liberais 
sociológicos, como Burton, se traçarmos os padrões de comunicação e de tran­
sações entre os vários grupos conseguiremos uma representação mais precisa 
do mundo, já que será possível simbolizar padrões reais do comportamento 
humano em vez de fronteiras artificiais de Estados (ver link 4.14).
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L ibe ra lism o 153
Quadro 4.4 O modelo da bola de bilhar e o modelo da teia de aranha
Bolas de bilhar se chocam Teia de grupos: conflitos leves
Burton sugere que o modelo de ceia de aranha indica um mundo motivado 
mais pela cooperação benéfica mútua do que pelo conflito antagônico. Nes­
se sentido, o modelo é construído a partir de antigas ideias liberais sobre os 
efeitos benéficos da afiliação a grupos. Como os indivíduos são membros de 
muitos grupos diferentes,o conflito será reduzido, se não eliminado; participa­
ções sobrepostas minimizam o risco de conflito sério entre qualquer dos dois 
grupos (Nicholls 1974: 22; Little 1996: 72).
Posteriormente, James Rosenau desenvolveu mais a abordagem liberal so­
ciológica das relações transnacionais (Rosenau 1990; 1992), atentando para as 
relações transnacionais no nível macro das populações além daquelas de nível 
micro dos indivíduos (ver Quadro 4.5). Rosenau argumenta que as transações 
individuais geram efeitos e consequências importantes para as questões glo­
bais. Em primeiro lugar, os indivíduos incrementaram bastante suas atividades 
devido a um melhor acesso à educação e aos meios eletrônicos de comunicação, 
bem como às viagens ao exterior. Em segundo lugar, a capacidade dos Esta­
dos de controlar e regulamentar tem diminuído em um planeta cada vez mais 
complexo, levando a um mundo de indivíduos mais bem-informados e menos 
ligados aos “seus” Estados. Para Rosenau, isso significa o desenvolvimento de 
uma profunda transformação do sistema internacional. Não se trata do desapa­
recimento do ambiente estadocêntrico e anárquico, mas da emergência de um 
“novo mundo com múltiplos centros e composto de várias coletividades ‘livres 
de soberania’, independentes e em competição com aquele focado no Estado 
e formado por atores ‘vinculados à soberania’” (Rosenau 1992: 282). Nesse
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1 54 Introdução às relações internacionais
sentido, Rosenau apoia a ideia liberal de que um ambiente mais pluralista, ca­
racterizado por redes transnacionais de indivíduos e grupos, será mais pacífico. 
Certamente, em alguns aspectos, esse será um mundo mais instável, porque 
a antiga ordem com base no poder estatal se dissolveu; mas dificilmente os 
conflitos culminarão no uso da força, uma vez que inúmeros novos indivíduos 
cosmopolitas, membros de muitos grupos comuns, não se tornarão inimigos, 
divididos em campos opostos.
Quadro 4.5 A im portância dos indivíduos na política global
Os cidadãos se tornaram variáveis importantes ... da política global ... [devido a] 
pelo menos cinco razões:
1. A erosão e a dispersão do Estado e do poder governamental.
2. O surgimento da televisão global, a ampliação do uso de computadores em 
ambientes de trabalho, o crescimento de viagens ao exterior, a multiplicação da 
migração de pessoas e a difusão de instituições educacionais ... [que] realçam as 
qualificações analíticas dos indivíduos.
3. O tumulto na agenda global provocado pelas novas questões da interdepen­
dência (como a poluição ambiental, as crises monetárias, o tráfico de drogas, a 
Aids e o terrorismo) enfatizou os processos pelos quais a dinâmica global afeta o 
bem-estar e os níveis de renda dos indivíduos.
4. A revolução das tecnologias de informação permitiu que cidadãos e políticos 
literalmente “enxergassem” a transformação de microações em macrorresultados. 
Atualmente, as pessoas podem ver manifestações de massa como comícios de rua, 
bem como os pronunciamentos das autoridades, as respostas dos adversários, 
os comentários dos manifestantes ... e uma variedade de outros eventos que são 
retratados e interpretados nas telas de televisão por todo o mundo.
5. A recém-descoberta capacidade dos cidadãos de “ver” seu papel na dinâmica 
de transformação alterou de forma profunda ... possivelmente até diminuiu, o 
grau de influência da organização e da liderança na mobilização do público ... Os 
líderes cada vez mais se tornam seguidores, porque os indivíduos estão cada vez 
mais conscientes de que suas ações podem produzir consequências.
Rosenau (1992: 274-6)
Liberalismo 155
Podemos resumir o liberalismo sociológico da seguinte forma: RI não se 
trata somente do estudo das relações entre os governos nacionais; os acadêmi­
cos de RI também estudam as relações entre sociedades, grupos e indivíduos 
particulares. Relações sobrepostas e interdependentes entre as pessoas são mais 
propícias a serem mais cooperativas do que as relações entre os Estados, porque 
estes são restritivos e, de acordo com o liberalismo sociológico, seus interesses 
não combinam. Portanto, mais pacífico será um mundo quanto maior for o 
seu número de redes transnacionais.
Liberalismo da interdependência
A interdependência significa uma dependência mútua: as pessoas e os gover­
nos sofrem o impacto do que acontece em todos os lugares, das ações de seus 
semelhantes em outros países. Dessa forma, um grau mais elevado de relações 
transnacionais entre os Estados proporciona uma interdependência maior. Isso 
também expressa o processo de modernização, que intensifica a interdepen­
dência entre países. O século XX, em especial a partir de 1950, acompanhou 
a ascensão de um grande número de nações altamente industrializadas. Com 
base nisso, Richard Rosecrance (1986, 1995, 1999) analisou os efeitos desse 
desenvolvimento sobre as políticas estatais. Durante toda a história, os países 
buscaram o poder por meio da força militar e da expansão territorial. Para paí­
ses altamente industrializados, no entanto, o desenvolvimento econômico e o 
comércio exterior são meios mais adequados e menos custosos de se conseguir 
proeminência e prosperidade, uma vez que aumentaram os gastos com o uso 
da força e diminuíram os benefícios. Por que a força é menos vantajosa para os 
Estados e o comércio é cada vez mais importante? A principal razão, segundo 
Rosecrance, é a transformação do caráter e da base da produção econômica, 
associada à modernização. Em um período anterior, a posse de território e am­
plos recursos naturais eram fundamentais para a grandiosidade. Atualmente, 
não é mais o caso e os ingredientes essenciais para o sucesso são uma força de 
trabalho altamente qualificada, o acesso à informação e o capital financeiro 
(ver link 4.18).
Os países com as economias mais bem-sucedidas no período pós-guerra 
são os “Estados comerciantes”, como o Japão e a Alemanha, que se abstiveram 
da opção político-militar tradicional de alto gasto militar e autossuficiência 
econômica e optaram pela divisão de trabalho internacional intensificada e
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156 Introdução às relações internacionais
pela interdependência elevada. Vale lembrar que muitos países pequenos tam­
bém são “Estados comerciantes”. Durante um longo tempo, os próprios países 
grandes, como a União Soviética e os Estados Unidos, seguiram a tradicional 
opção político-militar, sobrecarregando-se assim com altos gastos militares, 
mas isso mudou nas últimas décadas. Segundo Rosecrance, o final da Guerra 
Fria tornou essa opção tradicional menos urgente e atrativa. Consequentemen­
te, a opção do Estado comerciante é cada vez mais adotada, inclusive pelos países 
maiores (ver links 4.15 e 4.16).
Basicamente, os liberais da interdependência argumentam que a alta di­
visão de trabalho na economia internacional intensifica a interdependência, 
desestimulando e reduzindo os conflitos violentos entre os Estados. Apesar 
de permanecer o risco de os Estados modernos retomarem a opção militar 
e iniciarem mais uma vez corridas armamentistas e confrontos violentos, a 
probabilidade de isso ocorrer é baixa. Hoje, a guerra ocorre nos países menos 
desenvolvidos, onde, de acordo com Rosecrance, os níveis mais baixos de desen­
volvimento econômico mantêm a terra como um fator dominante na produção 
e a modernização e a interdependência são bem mais fracas.
Durante a Segunda Guerra Mundial, David Mitrany (1966) apresentou uma 
teoria funcionalista da integração, argumentandoque uma interdependên­
cia mais elevada na forma de ligações transnacionais entre os países poderia 
proporcionar a paz. Mitrany acreditava, talvez de certo modo ingenuamente, 
que a cooperação deveria ser organizada por especialistas técnicos e não por 
políticos. Os especialistas idealizariam soluções para problemas comuns em 
várias áreas funcionais, como transporte, comunicação, financiamento etc. A 
colaboração técnica e econômica aumentaria quando os participantes desco­
brissem os benefícios mútuos que poderiam ser então obtidos. Quando os 
cidadãos se dessem conta das melhorias do bem-estar resultantes da colabo­
ração eficiente nas organizações internacionais, transfeririam sua lealdade do 
Estado para essas organizações. Assim, a interdependência econômica levaria 
à integração política e à paz (ver link 4.20).
Ernst Haas desenvolveu a chamada teoria neofuncionalista da integração 
internacional inspirada pela cooperação intensificada entre os países da Europa 
ocidental a partir dos anos 1950. Haas se baseou em Mitrany, porém rejeitou a 
ideia de separar questões “técnicas” da política. A integração busca intensificar 
a cooperação entre elites políticas egoístas, ou seja: é um processo pelo qual 
“atores políticos são persuadidos a mudar suas lealdades ... em direção a um 
novo centro, cujas instituições possuem ou exigem jurisdição sobre Estados 
nacionais preexistentes” (Haas 1958: 16). Esse procedimento “funcional” de 
integração depende da noção de “transbordamento”, isto é: uma cooperação 
mais intensa em uma área específica estimula o aumento da mesma em outras
Liberalismo 157
áreas. O transbordamento incentivaria as elites políticas a promover a integra­
ção. Haas testemunhou esse fenômeno, no período inicial da cooperação na 
Europa ocidental, na década de 1950 e no início dos anos 1960.
A partir da metade dos anos 1960, contudo, a cooperação na Europa ociden­
tal encrou em uma longa fase de estagnação e até mesmo de retrocesso. Isso se 
deveu, principalmente, à oposição do presidente francês De Gaulle às limitações 
à soberania francesa resultantes da interdependência. As teorias funcional e 
neofuncional não permitiam a possibilidade de retrocessos na cooperação, logo 
os estudiosos da integração precisaram repensar suas teorias. Haas concluiu 
que a integração regional deve ser analisada em um contexto maior: “a teoria da 
integração regional deveria ser subordinada à teoria geral da interdependência” 
(Haas 1976: 179) (ver Quadro 4.6).
Na fase seguinte do pensamento liberal, investiu-se novamente nessa teoria 
geral da interdependência, mas vale ressaltar que teorias de integração foram 
revitalizadas nos anos 1980 e 90 em função de um novo impulso de cooperação 
na Europa ocidental (Moravcsik 1991; Tranholm-Mikkelsen 1991; Keohane e 
Hoffmann 1991). Nesses estudos mais recentes, uma questão central é: a in­
tegração é mais bem explicada por meio de uma abordagem neofuncionalista 
liberal ou de uma realista com ênfase no interesse nacional? Vamos retornar 
ao debate entre liberais e realistas a seguir.
Uma tentativa ambiciosa de apresentar uma teoria geral acerca do que cha­
mam de “interdependência complexa” foi feita no final dos anos 1970 no livro, 
Power and Interdependence [Poder e interdependência] (1977; 2001), de Robert 
Keohane e Joseph Nye. De acordo com os autores, a “interdependência com ­
plexa” do pós-guerra é qualitativamente diferente dos tipos anteriores e mais 
simples de interdependência. Antes disso, as relações internacionais eram co­
ordenadas pelos líderes de Estado, que lidavam com outros líderes, e o uso da 
força militar sempre foi uma opção no caso do conflito entre eles. A “política 
superior” da segurança e da sobrevivência tinha prioridade sobre a “política 
inferior” da economia e das questões sociais (Keohane e Nye 1977: 23). Sob 
condições de interdependência complexa, contudo, a situação não é mais a 
mesma por duas razões: primeiro, as relações atuais entre os Estados não são 
somente ou basicamente interações entre líderes de Estados; há relações em ní­
veis muito variados por meio de múltiplos atores e de diversos departamentos 
de governo; segundo, há um grande número de relações transnacionais entre 
indivíduos e grupos externos ao Estado; e, além disso, a força militar é um ins­
trumento de política menos útil sob condições de interdependência complexa 
(ver links 4.24 e 4.25).
Consequentemente, as relações internacionais assim se tornam mais pare­
cidas com a política nacional: “Questões diferentes geram coalizões diferentes,
1 58 In tro d u çã o às relações in te rnac iona is
Q uadro 4 .6 Principais instituições da UE
ambas dentro de governos e entre governos, e envolvem diversos graus de con­
flito. A política transcende fronteiras” (Keohane e Nye 1977: 25). Na maioria 
desses conflitos, a força militar é irrelevante. Portanto, recursos de poder além 
das armas, como habilidade de negociação, passam a ter suma importância. 
Por fim, sob uma interdependência complexa, os Estados se preocupam mais 
com a “política inferior” do bem-estar e menos com a “política superior” da 
segurança nacional (Nye 1993: 169; Keohane e Nye 1977: 24-6).
Representamos o antigo e retrógrado mundo realista e o novo e avançado 
mundo da interdependência complexa no Quadro 4.7.
Não há dúvida de que a interdependência complexa gera uma relação mais 
amigável e cooperativa entre Estados. De acordo com Keohane e Nye (1977:
L ibe ra lism o 159
29-38), isso traz várias consequências. Em primeiro lugar, os Esrados busca­
rão diferentes objetivos e atores transnacionais, como ONGs e corporações 
transnacionais, investirão, ao mesmo tempo, em suas próprias metas, distin­
tas e livres do controle estatal. Outro efeito é a especialização dos recursos de 
poder em relação às áreas temáticas. Por exemplo: apesar de pequenas em ta­
manho, Dinamarca e Noruega dominarão a navegação internacional por causa 
de suas grandes frotas mercantis e de seus navios-tanques, mas esse poder de 
influência não transita com facilidade para outras questões. O terceiro ponto 
é a valorização das organizações internacionais, que funcionam como arenas 
para as ações políticas dos Estados fracos, estimulam a formação de coalizões 
e supervisionam o estabelecimento de agendas internacionais.
Q uadro 4 .7 Tipos de relações internacionais
REALISM O
• Estados como atores dominantes 
e unidades coesas
Força utilizável e efetiva
• Segurança militar domina agenda
Com base em Keohane e Nye (1977)
IN TERD EPEN D EN C IA CO M PLEXA
• Atores transnacionais cada vez mais 
importantes. Estados não são uni­
dades coesas
• Força militar menos útil. Instrumen­
tos econômicos e institucionais mais 
úteis
• Segurança militar menos importan­
te. Questões de bem-estar cada vez 
mais relevantes
Onde fica a interdependência complexa no tempo e no espaço? Na dimen­
são do tempo, parece estar associada à modernização social ou ao que Keohane 
e Nye (1977: 227) chamam de “desenvolvimento de longo prazo do Estado 
de bem-estar”, que avançou mais rapidamente após 1950. No espaço, a inter­
dependência complexa é mais evidente na Europa ocidental, na América do 
Norte, no Japão, na Austrália e na Nova Zelândia: países industrializados plu­
ralistas (1977: 27). A relevância da interdependência complexa cresce à medida 
que a modernização se desenvolve e é aplicada, em especial, nas relações entre 
os países ocidentais avançados.
Keohane e Nye se esforçam para enfatizar que o realismo não é irrelevante 
nem obsoleto:
160 Introdução às relações internacionais
Não é impossível imaginar um conflito dramático, ou uma mudança revolucio­
nária, em que o uso da ameaça da força militar sobre uma questão econômica 
ou entre países industriais avançados se torne real. As premissas realistas ga­
nhariam uma orientação confiável para oseventos. (Keohane e Nye 1977: 28)
Ou seja, até mesmo entre os países mais industrializados do Ocidente, um 
assunto pode se tornar “uma questão de vida e morte” (p.29), porque mesmo 
este mundo ainda é, em alguns aspectos básicos, um mundo de Estados. Nesse 
caso, o realismo seria a abordagem mais apropriada aos eventos.
Os realistas afirmam que qualquer assunto pode se tom ar uma questão de 
vida e morte em um mundo anárquico, já os liberais da interdependência res­
ponderão que este raciocínio é simplificado e que muitas questões da agenda 
internacional são elementos práticos importantes e em linha com as suposi­
ções da interdependência complexa. Portanto, os liberais da interdependência 
sugerem um compromisso:
A resposta apropriada às mudanças ocorridas na política mundial contem­
porânea não é desacreditar o conhecimento tradicional do realismo e suas 
preocupações com relação à balança de poder militar, mas compreender suas 
limitações e complementá-las com perspectivas da abordagem liberal. (Nye 
1990: 177)
Fica claro, então, que os liberais da interdependência apresentam uma abor­
dagem mais moderada do que outros liberais, que acreditam que tudo mudou 
para melhor e que o antigo mundo de conflito violento, do poder estatal de­
senfreado e da ditadura do interesse nacional acabaram definitivamente. No 
entanto, ao adotar essa posição intermediária, os liberais da interdependência 
enfrentam o problema de decidir exatamente quanto mudou, quanto permanece 
o mesmo e quais as consequências precisas para as RI. Voltaremos a esse debate 
no final do capítulo.
Enquanto isso, o liberalismo da interdependência pode ser resumido da 
seguinte forma: a modernização aumenta o nível e o campo de ação da in­
terdependência entre os Estados. Sob a interdependência complexa, atores 
transnacionais são cada vez mais relevantes, a força militar é um instrumento 
menos útil e o bem-estar — não a segurança — se torna o objetivo e a principal 
preocupação dos Estados. Assim, o mundo se torna o cenário de relações in­
ternacionais mais cooperativas.
Liberalismo
Liberalismo institucional
Esta tendência do liberalismo retoma o antigo pensamento liberal sobre os 
efeitos benéficos das instituições internacionais. No Capítulo 2, mostramos 
a proposta de Woodrow Wilson de transformar as relações internacionais de 
uma “selva” caótica de política de poder em um “zoológico” de intercâmbio 
pacífico e regulamentado. Essa mudança seria alcançada por meio da cons­
trução das organizações internacionais, principalmente a Liga das Nações (ver 
link 4.27). Os liberais institucionais contemporâneos são menos otimistas do 
que seus antecessores idealistas — eles concordam que as instituições interna­
cionais podem tornar a cooperação mais fácil e provável, mas não acreditam 
que tais organizações podem sozinhas garantir uma transformação das rela­
ções internacionais, da “selva” para o “zoológico”. Apesar de estarem cientes 
de que os Estados poderosos não serão completamente coagidos, os liberais 
institucionais não concordam com o argumento realista de que as institui­
ções internacionais são apenas “pedaços de papel” à mercê total dos Estados 
poderosos. As instituições internacionais são mais do que simples subalternas 
dos Estados fortes; elas possuem uma importância autônoma e são capazes 
de promover a cooperação entre os países (Keohane 1989a; Young 1989; R itt­
berger 1993; Levy et al. 1995).
O que é uma instituição internacional? De acordo com os liberais institu­
cionais, é uma organização internacional, como a Otan ou a União Europeia 
(ver Quadro 4.8), ou um conjunto de regras que governam a ação estatal em 
áreas particulares, como a aviação ou a navegação. Esses conjuntos de regras 
são também chamados de “regimes”. Muitas vezes ambos ocorrem em paralelo: 
o regime de comércio, por exemplo, é configurado principalmente pela Orga­
nização Mundial do Comércio (OMC). Os regimes também podem existir sem 
organizações formais: como as conferências da Lei dos Mares, realizadas com 
o aval das Nações Unidas e que não possuem uma organização internacional 
formal. Finalmente, devemos observar que há um outro tipo de instituição 
internacional ainda mais fundamental, como a soberania estatal ou a balan­
ça de poder. Os liberais institucionais não se concentram nessas instituições 
fundamentais, mas elas são os principais objetos de estudo dos teóricos da 
sociedade internacional, como veremos no Capítulo 5.
1 62 In tro d u çã o às relações in te rnac iona is
Q uadro 4 .8 Um a tipologia das organizações transnacionais e interna­
cionais
META DA ORGANIZAÇÃO
Intergovemamental
3 Supranacional
Utu
2
Transnacional
Intergovemamental
□ Supranacional 
Transnacional
ESPECIFICA
Otan
Nafta
Ceca (Comunidade 
Europeia do Carvão 
e do Aço)
GERAL 
UA (União Africana)
União Europeia
Rede europeia contra Movimento Europeu 
a pobreza
O M S (Organização 
Mundial da Saúde) 
IAEA (Agência de 
Energia Atômica 
Internacional)
Anistia Internacional
ONU
Associação Federa- 
lísta internacional
Adaptado de Heurlin (1996)
Os liberais institucionais argumentam que as instituições internacionais 
ajudam a promover a cooperação entre os Estados e, para avaliar essa afirma­
ção, eles adotam uma abordagem bebaviorista e científica. A fim de analisar o 
nível de colaboração, os teóricos criam uma medida empírica da extensão da 
institucionalização entre os Estados. A institucionalização pode ser quantifi­
cada em duas dimensões, no campo de ação e na profundidade. O “campo de 
ação” se refere ao número de áreas temáticas que apresentam instituições. Será 
que as instituições estão somente em algumas áreas econômicas cruciais, como 
no comércio e no investimento, ou também em outros ramos da economia? 
Ou mesmo em questões de natureza militar e sociopolítica? Para analisar a 
“profundidade” da institucionalização, três caminhos foram sugeridos:
L ibe ra lism o 163
• O da semelhança: o grau em que as expectativas sobre o comportamento 
apropriado e acerca do entendimento sobre como interpretar a ação é co­
mum aos participantes no sistema.
• O da especificidade: o grau em que essas expectativas são claramente es­
pecificadas na forma de regras.
• O da autonom ia: a extensão em que a instituição pode modificar suas 
próprias regras em vez de depender de agentes externos (Estados) para fazer 
isso. (Keohane 1989a: 4)
As pesquisas contemporâneas sobre instituições internacionais possuem 
duas finalidades principais. Em primeiro lugar, há um esforço para reunir mais 
dados sobre regimes em várias áreas temáticas das relações internacionais. 
Além disso, o outro objetivo diz respeito a uma série de questões teóricas que 
exigem um estudo mais amplo, como demonstrado em uma pesquisa recente 
(Levyetal. 1995:268):
• Sob que condições e por meio de quais mecanismos os regimes internacio­
nais passam a existir?
• Os regimes permanecem mesmo após a mudança das circunstâncias que 
os originou?
• Quais consequências dos regimes para o comportamento estatal e para a 
resolução de problemas são passíveis de observação?
• Quais os efeitos de longo prazo que os regimes provocam nos sistemas po­
líticos nacionais e na estrutura da política mundial?
Fica claro que uma análise completa do campo de ação e da profundidade 
da institucionalização presente entre um grupo de Estados é uma tarefa de 
pesquisa importante. Uma completa ausência de institucionalização é bastante 
improvável, uma vez que algumas regras de coordenação sempre existirão. A 
dificuldade é determinar o nível exato de institucionalização e, nesse sentido, 
vários estudos abordaram a questão que diz respeito ao quanto as instituições 
ajudaram na promoção da cooperação (Krasner 1983; Keohane 1984; 1989a; 
Rittberger 1993; Underdal 1992; Young 1989; Oye 1986; Haftendornet al. 
1999; Lake 2001; Botcheva e Martin 2001). Uma forma de fazer isso é observar 
um grupo de Estados no qual acreditamos, de imediato, que o campo de ação 
e a profundidade da institucionalização são altos, para então avaliar os meios 
pelos quais as instituições se tornam importantes.
Um desses grupos de países é a Europa, em especial a União Europeia (UE) 
(ver link 4.30). A cooperação entre os países da UE é tão intensa a ponto de 
algumas funções de governo serem comuns, como as políticas industriais e
1 64 In tro d u çã o às relações in te rnac iona is
de agricultura; foi estabelecida também uma estrutura reguladora para um 
único mercado no setor econômico e a interação em outras áreas também au­
mentou. Portanto, a UE é um bom caso para se analisar a importância das 
instituições. De acordo com os liberais institucionais, as organizações fizeram 
uma diferença significativa na Europa ocidental após o fim da Guerra Fria 
(Keohane et al. 1993). As instituições agem como “amortecedores” que ajudam 
a absorver os “impactos” na Europa ocidental com o fim da Guerra Fria e o 
processo de reunificação da Alemanha (ver link 4.29).
Uma forma de avaliar a visão liberal institucional é contrapô-la à análise 
realista. Os neorrealistas argumentam que o fim da Guerra Fria tende mais a 
promover a instabilidade na Europa ocidental, provocando uma situação ca­
paz de levar a uma grande guerra, semelhante à da primeira metade do século 
XX. A paz na Europa durante a Guerra Fria se fundamentou em dois pilares 
que constituíam a balança de poder entre os Estados Unidos e a União Sovié­
tica. Os pilares eram, primeiro, a bipolaridade com sua estável distribuição 
de poder militar e, segundo, os enormes arsenais de armas nucleares quase 
que inteiramente monopolizados pelas superpotências. Com a revitalização 
da multipolaridade, contudo, a instabilidade e a insegurança aumentaram 
gravemente. No âmago de tudo isso está a estrutura anárquica do sistema in­
ternacional. De acordo com o neorrealista John Mearsheimer, “a anarquia tem 
duas consequências principais: primeiro, há pouco espaço para a confiança 
entre os Estados ... e, segundo, cada Estado deve garantir sua própria sobrevi­
vência, já que nenhum outro ator a proporcionará” (Mearsheimer 1993: 148).
Para os liberais institucionais (Keohane 1989a: 2; Nye 1993: 38; Keohane 
et al. 1993), um alto nível de institucionalização reduz de forma significativa 
os efeitos desestabilizadores da anarquia multipolar identificada por Mear­
sheimer. As instituições compensam a falta de confiança entre os Estados, 
permitindo um fluxo de informação entre os membros, que, consequente­
mente, gera mais transparência às ações dos países e aos seus motivos. Dessa 
forma, as instituições ajudam a reduzir o medo mútuo entre os Estados- 
membros. Além disso, são um foro para a negociação entre os Estados - por 
exemplo, a União Europeia tem uma série de foros com ampla experiência em 
negociação e compromisso, incluindo o Conselho dos Ministros, a Comissão 
Europeia e o Parlamento Europeu. As instituições promovem a cooperação 
entre Estados visando a vantagens mútuas. Os Estados europeus, por exem­
plo, podem usar a estrutura da UE para garantir que outras partes respeitem 
os compromissos assumidos. As instituições ajudam a “criar um ambiente 
para o desenvolvimento de uma paz estável” (Nye 1993: 39). O papel cons­
trutivo das instituições defendido pelos liberais institucionais está resumido 
no Quadro 4.9.
L ibe ra lism o 165
O liberalismo institucional pode ser resumido da seguinte forma: institui­
ções internacionais contribuem para a promoção da cooperação entre os Esta­
dos e, assim, para aliviar a falta de confiança entre eles e o sentimento de medo 
mútuo presente no ambiente, todos considerados problemas tradicionais da 
anarquia internacional. O papel positivo das instituições internacionais para o 
aumento da cooperação entre os países, no entanto, continua a ser questionado 
pelos realistas. Retomaremos esse debate a seguir.
Q uadro 4 .9 O liberalismo institucional: o papel das instituições
Possibilitam um fluxo de informação e oportunidades para a negociação.
Realçam a capacidade dos governos de monitorar a aquiescência dos outros e de 
implementar os seus próprios compromissos — por conseguinte: a habilidade de 
firmar acordos confiáveis em primeiro lugar.
Fortalecem expectativas anteriores sobre a solidez dos acordos internacionais. 
Com base em Keohane (1989a: 2)
Liberalismo republicano
O liberalismo republicano se baseia na afirmação de que as democracias libe­
rais são mais pacíficas e cumpridoras da lei do que outros sistemas políticos. 
O argumento não sugere a ausência de guerra; democracias já entraram em 
guerra tanto quanto as não democracias, mas a diferença é que não lutam 
umas contra as outras. Essa observação foi articulada, primeiro, por Immanuel 
Kant (1992), no final do século XVIII, em referência aos Estados republicanos 
no lugar das democracias. Kant foi retomado por Dean Babst, em 1964, e tem 
sido apresentado em inúmeros estudos desde então. Um acadêmico liberal 
reivindica até mesmo que a afirmação de que as democracias não lutam umas 
contra as outras é “uma das declarações não triviais ou não tautológicas mais 
fortes que se pode fazer sobre as relações internacionais” (Russett 1989: 245). 
Essa descoberta, portanto, é a origem do atual otimismo entre muitos estudio­
sos e formuladores de políticas liberais sobre a probabilidade da paz mundial
Note
Realce
Note
Realce
1 66 In tro d u çã o às relações in te rnac iona is
de longo prazo (ver link 4.35). O raciocínio é o seguinte: como, nos últimos 
anos, o número de democracias no sistema global aumentou rapidamente (ver 
Quadro 4.10), podemos esperar um mundo mais pacífico formado por relações 
internacionais caracterizadas pela cooperação em detrimento do conflito (par­
tes desta seção são aproveitadas de Sorensen 1993a).
Por que as democracias mantêm a paz entre si? Michael Doyle (1983; 1986) 
aborda de forma sistemática a resposta (ver links 4.36 e 4.37), com base no 
tratamento liberal clássico do assunto feito por Kant. Há três elementos essen­
ciais inseridos na afirmação de que as democracias, com outras democracias, 
conduzem à paz. A primeira é a existência de culturas políticas nacionais fun­
damentadas na resolução pacífica de conflitos. A democracia encoraja relações 
internacionais pacíficas porque governos democráticos são controlados pelos 
seus próprios cidadãos, que não vão defender ou apoiar guerras contra outras 
democracias.
O segundo elemento é que as democracias possuem valores morais comuns 
que levam à formação do que Kant chamou de “união pacífica”. A união não é 
um tratado de paz formal, mas uma zona de paz com base em fundações mo­
rais comuns de todas as democracias. Formas pacíficas de resolver o conflito 
nacional são vistas como superiores ao comportamento violento e essa atitude 
é transferida para as relações internacionais entre a.s democracias. A liberdade 
de expressão e a livre comunicação promovem um entendimento mútuo inter­
nacionalmente e ajudam a garantir a ação de representantes políticos de acordo 
com os pontos de vista dos cidadãos.
Finalmente, a paz entre as democracias é fortalecida por meio da interdepen­
dência e da cooperação econômica. Na união pacífica, é possível encorajar o que 
Kant chamou de “o espírito do comércio”: ganho mútuo e recíproco para os en­
volvidos no intercâmbio e na cooperação econômica internacional.
Entre as diferentes tendências de liberalismo apresentadas neste capítulo, 
o liberalismo republicano tem o elemento normativo mais forte. Para a maio­
ria dos republicanos liberais não há só confiança, mas também esperança de 
que a política mundial se desenvolva e avance além da rivalidade, d.o confli­
to e da guerra entre Estados independentes.Com o perfil bastante otimista, 
acreditam que a paz e a cooperação predominarão, com o tempo, nas relações 
internacionais, com base no progresso voltado para um mundo mais democrá­
tico. Não é só isso (e aqui os elementos normativos se mostram claramente): 
eles veem como sua responsabilidade a promoção da democracia no mundo, 
e, cumprindo essa tarefa, conseguem alcançar a paz, um dos valores políticos 
mais fundamentais.
Liberalismo
Q uadro 4.1 0 O progresso da dem ocracia
Indice de classificação de países independentes da organização Freedom House 
(com mais de um milhão de habitantes), 2 0 0 8 (2 0 0 7 ) .
(1 = CLASSIFICAÇÃO MAIS ALTA)
Classificação média: 1
Alemanha
Andorra
Austrália
Áustria
Bahamas
Barbados
Bélgica
Canadá
Cabo Verde
Chile
Costa Rica 
Chipre 
Dinamarca 
Dominica
Eslováquia
Eslovênia
Classificação média: 1 .5
Belize 
Bulgária 
Coreia do Sul 
Gana
Classificação média: 2
África do Sul
Antígua e Barbuda
Argentina
Benin
Brasil
Croácia
Classificação média: 2.5
El Salvador 
Guiana 
India 
Indonésia
Espanha
Estados Unidos
Estônia
Finlândia
França
Hungria
Holanda
Islândia
Irlanda
Itália
Kiribati
Lituânia
Luxemburgo
Malta
Ilhas Marshall 
Micronésia
Granada
Grécia
Israel
Japão
Botsuana
Mauritânia
Mongólia
Namíbia
República Dominicana 
Romênia
Jamaica
Lesoto
Mali
México
Nauru
Nova Zelândia
Noruega
Palau
Polônia
Portugal
Principado de Liechtenstein
São Cristóvão e Nevis 
San Marino 
Suécia 
Suíça
Reino Unido 
República Tcheca 
Tuvalu 
Uruguai
Letônia
Mônaco
Parana
São Vicente e Granadinas 
Taiwan
Samoa
São Tomé e Príncipe 
Suriname 
Trinidad e Tobago 
Vanuatu
Peru
Senegal
Sérvia
Ucrânia
Com base em dados da www.freedomhouse.org. O índice emprega uma dimensão para os direitos 
políticos e outra para as liberdades civis. Uma escala de sete pontos é usada para cada d im en­
são. Assim, os países com classificação mais alta (com o grau mais a lto de democracia) são 
um-um (1 -1) e a classificação mais baixa é sete-sete (7-7). Países com uma classificação média 
entre 1 e 2.5 são considerados livres.
168 Introdução às relações internacionais
O término da Guerra Fria ajudou a incentivar uma nova onda de demo­
cratização, que motivou um otimismo liberal crescente em relação ao futuro 
da democracia. Mesmo assim, a maioria dos liberais está bem ciente da fra­
gilidade do progresso democrático. Quando os liberais republicanos avaliam 
as condições para a paz democrática sob a ótica das recentes transformações 
democráticas no Leste europeu, na América Latina e na África, as evidências 
não são muito positivas. Com relação à primeira condição (ver Quadro 4.11), é 
certo que uma cultura democrática com normas pacíficas de resolução de con­
flitos ainda não se enraizou nas novas democracias. As leis democráticas devem 
estar arraigadas antes de a base nacional para a paz democrática ser assegurada, 
mas tal desenvolvimento da cultura política, em geral, leva tempo. Pode haver 
retrocessos e alguns países retornarão às formas de governo não democráticas. 
Por exemplo, a Rússia deu um passo atrás em 2004 e agora é classificada pela 
Freedom House como um país “Não Livre” (ver links 4.43 e 4.46).
Q uadro 4 .11 Liberalismo republicano: três condições p ara a paz entre 
dem ocracias liberais
1. Normas democráticas para resolução pacífica de conflito.
2. Relações pacíficas entre Estados democráticos com base em uma fundação 
moral comum.
3. Cooperação econômica entre democracias: laços de interdependência.
A respeito da segunda condição, as relações pacíficas têm de fato se desen­
volvido entre as democracias consolidadas do Ocidente. E, caso os processos de 
democratização no Leste europeu não retrocedam, há chances de esses Estados 
serem incluídos no grupo. Já as democracias do Sul são mais problemáticas nes­
se aspecto, uma vez que os fundamentos entre o Norte e o Sul não são fortes. 
Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos eram hostis e até mesmo agressivos 
com relação às democracias do Sul, como com a República Dominicana no 
início dos anos 1960 ou com o Chile no começo da década de 1970. Isso refle­
tia a determinação norte-americana de defender seus interesses de segurança 
e econômicos na competição com a União Soviética (para uma análise mais 
detalhada, ver Sorensen 1993a: 101-12). Ainda não é possível saber se o final 
da Guerra Fria também acabará com tais divisões e desconfianças entre antigas 
e novas democracias.
Liberalismo 169
Voltando à condição final, a interdependência e a cooperação econômica 
são bastante desenvolvidas entre as democracias consolidadas do Ocidente. 
Pelo menos algumas das novas democracias do Leste europeu estão integradas 
às redes econômicas por meio da participação na União Europeia, como a Po­
lônia, a Hungria e a República Tcheca. Mesmo assim, complexas negociações 
sobre a ampliação da UE demonstram as consideráveis dificuldades inerentes 
a uma cooperação econômica entre países com níveis de desenvolvimento tão 
diferentes. Para as democracias do Sul, a constante dependência econômica do 
Norte em vez da interdependência é a questão prioritária, mesmo depois do 
fim da Guerra Fria. Essa relação básica de desigualdade não propicia o desen­
volvimento de intercâmbios pacíficos, apesar de ambas as partes apresentarem 
governos democráticos.
Sendo assim, o estabelecimento da união pacífica global constituída por 
todas as novas e antigas democracias não é garantido. Na verdade, a maioria 
das novas democracias não consegue corresponder a pelo menos duas das três 
condições para a paz democrática identificadas anteriormente e, em vez de 
demonstrarem mais progresso, estas podem retroceder para um governo auto­
ritário. A maioria dos liberais republicanos é, portanto, menos otimista do que 
Francis Fukuyama, ao prever o “fim da história: o ponto final da evolução ideo­
lógica dos seres humanos e a universalização da democracia liberal ocidental 
como a forma derradeira de governo humano” (1989: 4) (ver link 4.47). Grande 
parte dos liberais concorda que existe uma “zona de paz” democrática entre as 
democracias liberais consolidadas, incluindo a Europa ocidental, a América do 
Norte e o Japão. A expansão dessa área, no entanto, está longe de estar assegu­
rada (Russett 1993: 138).
Em sua maioria os liberais republicanos enfatizam que a paz democrática é um 
processo dinâmico e não uma condição fixa, e que a união pacífica só pode crescer 
entre países que alcancem um nível mínimo de democracia. Somente depois de 
um longo período, a paz é construída sobre os três fundamentos mencionados 
anteriormente (ver Quadro 4.11), mas é possível ocorrer um contratempo e até 
mesmo retrocessos a formas de governo não democráticas. Esse argumento libe­
ral republicano ainda apresenta uma fraqueza. Os teóricos precisam especificar 
os meios exatos pelos quais a democracia proporciona a paz e classificá-los em 
termos mais precisos sobre quando e por que há uma paz democrática entre um 
grupo de democracias. Nesse contexto, é necessária uma avaliação mais completa 
dos atuais processos de democratização, e já existe uma série de contribuições 
sobre essas questões (Thompson 1996; Sorensen 1992; Adler e Barnett 1996; 
Schweller 1992; Russett 1993; Lipson 2003; Rosato 2003; Souva e Prins 2006).
O argumento do liberalismo republicano resumido é que as democracias não 
fazem guerras umas contra as outras devido às culturas nacionais de resolução
1 70 In trodução às relações internacionais
pacífica de conflitos, aos valores morais comuns e às ligações mutuamente be­
néficas de interdependência e de cooperação econômica. Essas são as bases sobre 
as quais as relações internacionais pacíficas estão construídas. Por essas razões, 
todo um mundo de democracias liberais consolidadas poderia ser pacífico.
Jáapresentamos uma série de pontos específicos do liberalismo criticados 
pelos realistas, que também são céticos quanto a esta versão do liberalismo. Por 
trás dessa descrença há um debate mais amplo entre o liberalismo e o realismo 
em RI. A principal questão é: um mundo liberal pode escapar dos perigos da 
anarquia? Um mundo mais liberal, formado por mais democracias, por um 
nível mais alto de interdependência e por mais instituições internacionais mini­
miza a anarquia? Um mundo mais liberal consegue acabar definitivamente com 
a guerra? As duas próximas seções se dedicam aos debates mais importantes 
entre liberais e neorrealistas.
Críticas neorrealistas contra o liberalismo
O liberalismo é o principal antagonista do realismo. Vimos no Capítulo 2 que 
o primeiro grande debate das RI, entre o liberalismo idealista e o realismo pes­
simista, permanece até hoje. Podemos perceber que esse debate criou divisões 
no campo liberal: há um grupo “menos convicto” entre eles que se aproximou 
do campo realista e um grupo “mais convicto” que continua a apoiar uma visão 
liberal mais distintiva da política mundial.
O principal ponto de disputa em debates anteriores entre liberais e realistas 
por volta da Segunda Guerra Mundial envolvia a “natureza humana”. Já vimos 
que os liberais, em geral, apresentam um discurso mais otimista, enquanto 
que os realistas tendem a manter a visão pessimista, vendo os seres humanos 
como capazes de fazer o mal. Essa questão era central na crítica realista de 
Morgenthau aos liberais. Podemos definir o conteúdo real dessa crítica com 
a afirmação: “Vocês compreenderam mal a política, porque avaliaram mal a 
natureza humana” (Waltz 1959: 40).
Essas visões divergentes da natureza humana continuam a separar os rea­
listas dos liberais. A “natureza humana”, no entanto, deixou de ser um ponto 
importante do debate por duas razões. Primeiro, tanto os neorrealistas quanto 
os liberais perceberam que a “natureza humana” é extremamente complexa, 
ou seja, vai além do “bem” e do “mal”, da paz e da guerra, da filantropia e do 
roubo, das escolas religiosas e dos bordéis. O novo foco deve ser, portanto,
Liberalismo
o contexto social e político, que é capaz de nos ajudar a explicar quando os 
indivíduos (com o potencial de serem bons e maus) se comportarão de um jei­
to ou de outro (Waltz 1959: 16-41). O outro motivo é a presença da influência 
do movimento behaviorista na ciência política, que distanciou os acadêmicos 
do estudo das ações humanas, de suas qualidades morais “internas” e das capa­
cidades com relação à análise de fatos observáveis e dados avaliáveis no mundo 
“externo”, evidência visível dos padrões do comportamento humano. Como os 
acadêmicos devem conceber o mundo externo? Como devemos ver a história?
Demonstramos anteriormente que os realistas clássicos têm uma visão não 
progressiva da história. Os Estados permanecem Estados, apesar da mudança 
histórica, e continuam residindo em um sistema anárquico inalterável, que in­
centiva o egoísmo: os Estados precisam cuidar de si mesmos, uma vez que nin­
guém fará isso por eles. Dessa forma, para estarem seguros, armam-se contra 
inimigos potenciais; a segurança de um significa a insegurança de outro. Um 
possível resultado é uma corrida armamentista que, no final, desencadeia uma 
guerra. Essa era a situação há 2 mil anos e, de acordo com os neorrealistas, que 
ainda prevalece hoje, porque a estrutura básica do sistema de Estados continua a 
mesma. Na história, “as mesmas pragas se repetem várias vezes” (Layne 1994: 10).
Para os liberais, contudo, a história tem, no mínimo, um potencial progres­
sivo. Identificamos e resumimos as principais condições desse progresso em 
quatro importantes tendências do pensamento liberal, mas os neorrealistas não 
se deixam impressionar. Para eles, tais condições “liberais” existem há muito 
tempo sem serem capazes de impedir o conflito violento entre os Estados — 
a interdependência econômica, por exemplo, não é um aspecto novo. Como 
uma porcentagem do Produto Nacional Bruto (PNB) mundial, as exportações 
totais do globo em 1970 estavam abaixo do nível do período entre 1880 e 1910 
(ver Quadro 4.12). Posto de forma diferente, o rápido aumento do comércio 
mundial entre 1950 e 1975, considerado pelos liberais como a grande era da in­
terdependência, não foi mais que uma recuperação dos níveis baixos anormais 
causados por duas guerras mundiais e pela Grande Depressão, na primeira 
metade do século XX.
Fluxos financeiros revelam uma história semelhante. Medidos como uma 
porcentagem do PNB, o total de investimentos estrangeiros dos países desen­
volvidos ocidentais foi bem mais alto durante todo o período de 1814 a 1938 
do que ao longo dos anos 1960 e 70. As atividades bancárias internacionais 
são relevantes há mais de dois séculos (Thompson e Krasner 1989). Ou seja, a 
interdependência econômica não é nova e, no passado, contribuiu pouco para 
evitar guerras entre os Estados, como a Segunda Guerra Mundial.
Os neorrealistas também criticam o papel atribuído pelos liberais às insti­
tuições internacionais, uma vez que acreditam que os Estados cooperam por
172 In trodução às relações internacionais
meio das organizações, mas em função de suas decisões e do próprio interesse. 
Sendo assim, os fortes prevalecem nas relações internacionais e, por isso, as 
instituições não são mais do que simples palcos, onde a disputa pelo poder 
se desdobra entre os principais atores: os Estados. Tais instituições não al­
cançaram importância sozinhas (Mearsheimer 1995b: 340). Finalmente, como 
demonstramos, os neorrealistas criticam o liberalismo republicano (Gowa 
1999), enfatizando que sempre há a possibilidade de um Estado liberal ou 
democrático retornar ao autoritarismo ou a outra forma de governo não de­
mocrática. Ademais, o aliado de hoje pode tranquilamente se tornar o inimigo 
de amanhã, seja democrático ou não.
Q u ad ro 4 .1 2 O com ércio com o p o rcen tag em do PNB m undial, an o s 
variados
AN O EXPORTAÇOES M UNI
1 8 3 0 4 ,6
18 4 0 5 ,7
1 8 5 0 6 ,8
1 8 6 0 9 ,3
18 7 0 9 ,8
1 8 8 0 1 1 ,4
1 8 9 0 11,1
1 9 0 0 1 0 ,4
1 9 1 0 1 0 ,4
1 9 1 3 1 1 ,4
1 9 5 0 8,1
1 9 6 0 9 ,2
1 9 7 0 1 0 ,0
1 9 8 0 1 6 ,9
Com base em tabelas de Thompson & Krasner (1989: 199, 201 )
Há, portanto, uma linha de discussão comum entre a crítica realista em 
relação às várias tendências do liberalismo: a persistência e a permanência da 
anarquia e sua consequente insegurança. Segundo os neorrealistas, é impossível 
colocar a anarquia em segundo plano, porque até mesmo os Estados liberais 
devem contemplar a possibilidade de que seus aliados podem se voltar contra 
eles. “Lamentavelmente, nem mesmo as democracias liberais são capazes de 
transcender a anarquia” (Mearsheimer 1993: 123). Nenhuma das tendências do
Liberalismo 173
liberalismo pode realizar esse artifício. E, enquanto a anarquia prevalecer, não 
há como escapar do egoísmo e do dilema de segurança, consequentemente, o 
otimismo liberal não é justificado.
O recuo para o liberalismo menos convicto
Os liberais reagiram às objeções neorrealistas de duas formas diferentes. Um 
grupo, um tanto defensivo, chamado de “liberais menos convictos”, aceitou 
várias reivindicações realistas, incluindo o argumento sobre a persistência da 
anarquia. Já o grupo dos “liberais mais convictos” mantém sua opinião mais 
firme e argumenta que o mundo muda de formas significativas em sincronia 
com as expectativas liberais. Vale observar que as classificações “mais convicto” 
e “menos convicto” não se referem à consistência dos argumentos. São classifi­
cações simplesmente descritivas, com o objetivo de indicar os diferentes graus 
de desacordo com o realismo.
A trajetória de Robert Keohane, um dos principais participantes do debate 
entre liberais e neorrealistas, ilustra aadaptação liberal às críticas realistas. 
Como já foi mencionado, seu trabalho mais antigo com Joseph Nye (Keohane 
e Nye 1971) é característico do liberalismo sociológico. Nessa obra, os autores 
definem uma importante distinção entre um paradigma “estadocêntrico” e outro 
da “política mundial”, em que o primeiro enfatiza as “interações entre Estados”, 
enquanto o segundo se concentra nas “relações transnacionais”, com destaque 
para o papel significativo dos atores não governamentais (1971: XII, 380). A im­
plicação desse raciocínio é a de que a política mundial está se transformando, 
de forma dramática, de um sistema de Estados para um político-transnacional. 
Esse argumento é um exemplo do liberalismo forte.
Essa visão sociológica liberal era popular no início dos anos 1960, quando 
os realistas estavam na defensiva, mas tal tendência parecia presa à história e às 
circunstâncias da época. O alvoroço causado pelas relações transnacionais, ob­
jeto do argumento liberal sociológico, só se desenvolveu facilmente dentro da 
estrutura criada pelo poder norte-americano dominante (Little 1996: 78), em 
especial no período após a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, o poder 
norte-americano pareceu se enfraquecer e os Estados Unidos estavam presos ao 
difícil e impopular conflito no Vietnã. Além disso, no plano económico tam ­
bém havia problemas. Em 1971, o presidente Nixon deu fim à convertibilidade 
do dólar ao ouro. As dificuldades políticas e econômicas dos Estados Unidos 
atingiram todo o sistema internacional, e o realismo pôde voltar à ofensiva: se 
o liberalismo sociológico só funcionava dentro de uma estrutura realista de 
poder, o progresso não tinha ido muito longe.
174 In trodução às relações internacionais
Keohane acabou se afastando das relações transnacionais e mudou seu foco 
novamente para os Estados. O resultado foi a teoria da interdependência com­
plexa, descrita anteriormente. Essa análise foi produto de um movimento em 
direção ao realismo e a importância fundamental dos Estados foi reconhecida. 
Não estava claro, no entanto, como o realismo deveria ser complementado pe­
las perspectivas liberais. Keohane passou a enfocar ainda mais as instituições 
internacionais em sua análise realista, o que o aproximou do neorrealismo. 
Dessa forma, o ponto de partida analítico se tornou claramente realista, tendo 
os Estados como os principais atores, o sistema internacional como anárquico 
e o poder estatal como altamente significativo. O mais forte pode prevalecer 
sobre o mais fraco. Apesar disso, o núcleo liberal se manteve, ou seja, a ideia de 
que as instituições internacionais podem facilitar a cooperação permaneceu.
Embora esse tipo de liberalismo esteja bastante próximo da posição neorrea- 
lista, a maioria dos realistas permaneceu insatisfeita com a tese liberal revisada 
e enfraquecida. De acordo com os críticos, Keohane, assim como vários outros 
liberais institucionalistas, ignoraram um ponto crucial: os ganhos relativos. 
“Ganhos” são benefícios acumulados pelos participantes que cooperam (ver 
Quadro 4.13). Os liberais institucionalistas argumentam que as instituições fa­
cilitam a cooperação e dificultam que um Estado trapaceie prejudicando outros. 
Isso porque as instituições internacionais são transparentes. Proveem informa­
ções a todos os Estados-membros e propiciam um ambiente mais fácil para 
os Estados estabelecerem compromissos seguros. Os neorrealistas, no entanto, 
afirmam que a trapaça não é o principal problema na negociação entre os países, 
mas os ganhos relativos. Os Estados devem se preocupar com a possibilidade 
de outros Estados lucrarem mais com a cooperação. Segundo os neorrealistas, 
os liberais institucionais não levam em consideração esse problema; “ignoram a 
questão dos ganhos relativos ... e, ao fazer isso, não conseguem identificar uma 
importante fonte das restrições aos Estados no que diz respeito à cooperação 
internacional” (Grieco 1993: 118) (ver link 4.48).
Essa crítica neorrealista motivou Keohane a enfatizar uma qualificação, 
que amenizou ainda mais sua posição liberal. O teórico passou a defender 
que, dentre as condições necessárias para a cooperação entre Estados, a mais 
importante é a existência de interesses comuns entre os envolvidos (Keohane 
1989a: 3; 1993: 277). Se os Estados têm interesses em comum, logo não se 
preocuparão com os ganhos relativos e, assim, as instituições podem ajudar a 
promover a cooperação. Porém, na ausência de interesses comuns, os Estados 
serão competitivos, apreensivos e até mesmo temerosos. Nessas circunstâncias, 
as organizações não são capazes de colaborar muito.
Essa forma de reagir à crítica neorrealista torna a posição liberal menos 
vulnerável aos ataques realistas e nos ajuda a entender como é possível haver
Liberalismo 1
cooperação sob a anarquia. Por outro lado, o liberalismo está cada vez mais 
próximo do neorrealismo: cada vez menos permanece de uma distinta e ge­
nuína teoria liberal. Dessa forma, o institucionalismo liberal fica propenso às 
críticas de que é apenas um neorrealismo “com outro nome” (Mearsheimer 
1995a: 85). Se considerarmos os liberais menos convictos aqueles que assumem 
as suposições básicas neorrealistas como ponto de partida para a análise, in­
cluiremos outros membros a este grupo, como Axelrod (1984), Lipson (1984) 
e Stein (1990). No entanto, o fim da Guerra Fria deu um forte impulso a uma 
postura liberal mais bem-articulada.
Quadro 4.13 Ganhos relativos e absolutos
Ganhos absolutos Enquanto o nosso resultado for bom, não importa que
o do outro seja melhor.
Exemplo: a economia dos Estados Unidos cresce 25% na 
próxima década; a da China, 75%.
Ganhos relativos Faremos o melhor, mas a prioridade número um é que
os outros não passem a nossa frente.
Exemplo: a economia dos Estados Unidos cresce 10% na 
próxima década; a da China, 10,3%.
O norte-americano que escolhe a segunda situação em vez da primeira se preocupa com 
os ganhos relativos.
O contra-ataque do liberalismo mais convicto
O ataque neorrealista contra a teoria liberal parece forte. A teoria simples e 
parcimoniosa neorrealista se baseia em duas premissas básicas: na história, “as 
mesmas pragas se repetem várias vezes”; e a anarquia leva à insegurança e ao risco 
de guerra. Um ponto de partida corajoso e conciso contribui para declarações 
contundentes, mas a parcimônia também pode ser uma fraqueza, já que não leva 
muitos aspectos em consideração. Podemos realmente acreditar que nada mu­
dou nas relações internacionais durante os últimos cem anos? O neorrealismo, 
como um experiente observador comentou, “deixa a maior parte do conteúdo 
do campo [de RI] do lado de fora da camisa de força” (Hoffmann 1990). Para 
defender uma tese tão simplória, é preciso fechar os olhos para muita coisa.
É nesse momento que começa o contra-ataque dos “liberais mais convic­
tos” contra o neorrealismo, ao defender que a mudança qualitativa de fato
1 76 In trodução às relações internacionais
ocorreu. Atualmente, a interdependência econômica une mais fortemente 
os países; as economias estão globalizadas (ver Quadro 4.14); a produção e o 
consumo são mundiais. Em termos de bem-estar, seria extremamente custo­
so para os países não pertencer a esse sistema (Holm e Sorensen 1995; Cerny 
1993). Além disso, há um grupo de democracias liberais consolidadas que ja ­
mais voltariam ao autoritarismo, porque todos os grupos importantes nessas 
sociedades apoiam a democracia. Esses países conduzem suas relações interna­
cionais mútuas de maneira nova e mais cooperativa. Para eles, não há volta; a 
mudança histórica é irreversível. Entre os “liberais mais convictos” estão Rose- 
nau (1990), Doyle (1983), Deutsch (1957), Burton (1972), Rosecrance (1986), 
Zürn (1995), Russett (1993), Deudneye Ikenberry (1999) e Slaughter (2004).
Os neorrealistas não argumentam que nenhuma mudançaocorreu, mas 
afirmam que qualquer mudança que tenha ocorrido não acabou com a anar­
quia. Nesse sentido, o sistema de Estados focado no egoísmo permanece e, 
nesse aspecto fundamental, a análise realista continua a ser aplicada. Desse 
ponto, os neorrealistas concluem que há uma grande diferença entre a política 
internacional e a nacional. Nas questões nacionais, a “autoridade, o governo 
e o direito” estão presentes, enquanto a política internacional é o “terreno do 
poder, da luta e dos acordos conciliadores” (Waltz 1979: 113). Os liberais mais 
convictos, contudo, contestam a premissa crucial de que a anarquia, segundo 
o conceito realista, continua a existir. Não argumentam que a anarquia foi 
substituída pela hierarquia, que um governo mundial foi criado ou está em 
formação. Em vez disso, afirmam que a anarquia é uma característica interna­
cional bem mais complexa do que a reconhecida pelos neorrealistas e, por isso, 
questionam as conclusões que estes tiram da estrutura do sistema de Estados.
O que significa a anarquia no sistema internacional? A estrutura indica 
que não há um governo único e universal, mas não sugere a ausência de um 
governo. A questão é que a distinção entre a política nacional e a internacional 
não é tão clara como os neorrealistas afirmam. De fato, há alguns Estados que 
não têm um sistema de governo legítimo e efetivo, entre eles Camarões, Chade, 
Zimbábue, Somália. Há outros grupos de países que estão adquirindo um siste­
ma governamental, como a UE. A política transcende as fronteiras. A anarquia 
não significa necessariamente a ausência total de uma autoridade legítima e 
efetiva na política internacional.
Com base nisso, os liberais mais convictos alegam que a política internacional 
não precisa ser uma “anarquia incontrolável”, em que o medo e a insegurança 
estão por toda parte. E possível haver elementos significativos de autorida­
de internacional efetiva e legítima. Liberais mais convictos veem exemplos, 
nas relações internacionais, de democracias liberais firmes e consolidadas, e 
assim associam elementos centrais do liberalismo sociológico, da interdepen-
Liberalismo 177
Em primeiro lugar, a informação está atualmente disponível de modo universal 
em tempo real e simultaneamente, em todos os centros financeiros do mundo. 
Em segundo lugar, a tecnologia juntou todos os principais países e centros fi­
nanceiros e bancários em uma única rede integrada. Poucos países ou regiões 
do mundo podem ficar isolados dos impactos e das mudanças financeiras, onde 
quer que ocorram. Em terceiro lugar, a tecnologia possibilitou o estabelecimento 
de um novo sistema e um mercado mundial altamente eficiente para credores e 
devedores, capazes de reunir recursos e de compartilhar riscos em uma escala 
internacional que não se importa com as fronteiras.
Blumenthal (1988)
Quadro 4.14 A globalização na prática
dência, do liberalismo institucional e republicano. Uma forma de caracterizar 
esse entroncamento é por meio do termo “comunidades de segurança”, de Karl 
Deutsch. As democracias liberais consolidadas da Europa ocidental, da América 
do Norte e do Japão, por exemplo, constituem uma comunidade de segurança 
(Singer e Wildavsky 1993). É extremamente improvável — de fato, impensável
— que haja, no futuro, qualquer conflito violento entre esses países.
Com isso, os liberais mais convictos enfatizam a necessidade de uma visão 
acerca da paz e da guerra com mais nuances. A paz não é somente a ausência 
da guerra, como a maioria dos realistas acredita, mas apresenta tipos e graus 
diferenciados. A “paz cordial” entre os países da comunidade de segurança de 
democracias liberais é bem mais segura do que a “paz fria” entre os Estados 
Unidos e a União Soviética durante o auge da Guerra Fria (Boulding 1979; 
Adler e Barnett 1996). Também é necessária uma percepção mais variada da 
guerra em função das mudanças sofridas ao longo da história — incitada pelo 
desenvolvimento tecnológico e industrial, a guerra tornou-se cada vez mais des­
trutiva, culminando nas duas guerras mundiais do século XX. Ademais, há hoje 
o risco de destruição ilimitada por meio da guerra nuclear. Os liberais mais 
convictos argumentam que esses desenvolvimentos incentivam ainda mais a 
cooperação entre os Estados (Mueller 1990; 1995). Os neorrealistas não negam 
que as armas nucleares contribuam para a redução do risco da guerra (Waltz 
1993), mas os liberais mais convictos vão além e argumentam que a guerra 
de grande escala cairá “em descrédito ao ser percebida como repulsiva e fútil” 
(Mueller 1990: 5) (ver Quadro 4.15).
Os liberais mais convictos, portanto, argumentam que, em importantes par­
tes do mundo, a anarquia não produz a insegurança apontada pelos realistas
178 Introdução às relações internacionais
e que a paz é assegurada de forma justa em vários locais. Hoje, há dois tipos de 
paz no mundo. O primeiro está entre os Estados fortemente armados, em espe­
cial as potências nucleares, em que a guerra total ameaça levar à autodestruição. 
Nesse contexto, a paz é menos segura e se fundamenta (mas não somente) no 
equilíbrio criado pelo poder militar. O segundo tipo está entre as democracias 
consolidadas da OCDE — esta é uma paz “liberal” mais segura, com base em 
valores democráticos liberais, em um alto nível de interdependência econômica 
e em uma rede densa de instituições que facilitam a cooperação (Cooper 1996; 
Russett 1993; Maoz e Russett 1993; Sorensen 1992; 1997; Lipson 2003).
Q uadro 4.1 5 A obsolescência d a grande gu erra
Os duelos e a escravidão não existem mais como instituições efetivas e desapa­
receram da vivência humana, com a exceção dos livros ... Há sinais de que, pelo 
menos, no mundo desenvolvido ... [a guerra] ... começou a sucumbir à obsoles­
cência. Assim como os duelos e a escravidão, não parece ser uma necessidade 
vital — não é um fato desagradável da existência, desejado de certo modo pela 
natureza humana ou por algo maior. Pode-se viver sem a guerra, muito bem de 
fato. A guerra pode ser uma aflição social, mas em aspectos importantes também 
é uma aflição social à qual se pode ficar indiferente.
John Mueller (1990: 13)
Por essas razões, os liberais mais convictos permanecem otimistas quanto 
ao futuro. Eles argumentam que um progresso verdadeiro é possível e que este 
já é realidade em áreas importantes do mundo. Com certeza, não há um go­
verno mundial, mas muitas regiões ultrapassaram a condição neorrealista da 
anarquia incontrolável com todas as suas consequências negativas para as rela­
ções internacionais. Os liberais parecem assim ter argumentos melhores do que 
a maioria dos realistas quando se trata do estudo da mudança como progresso. 
Enquanto muitos realistas consideram tudo sempre igual nas relações inter­
nacionais, em especial a anarquia e a política de poder, a maioria dos liberais 
possui uma ideia de modernização e progresso fundamentada teoricamente, 
tornando-os mais receptivos ao estudo da mudança social, econômica, insti­
tucional e política (ver Quadro 4.16). O término da Guerra Fria impulsionou a 
posição liberal; o mundo parece seguir essa direção. Por outro lado, os liberais 
estão bem menos preparados para a falta de progresso ou retrocesso — por 
exemplo, percebemos como as teorias liberais de integração não conceberam
L ibe ra lism o 179
contratempos no processo de cooperação na Europa. No Terceiro Mundo, uma 
série de países muito pobres não se desenvolveu e, em alguns casos, o Estado 
colapsou. A teoria liberal tem dificuldade de lidar com tais casos por se basear, 
fundamentalmente, em uma concepção de modernização irreversível (Zacher 
e Matthew 1995: 138). As consequências benéficas desse processo são o tema 
central do pensamento liberal. No entanto, quando esse processo não ocorre 
por alguma razão, ou quando falha, a análise liberal fracassa.
Os liberais também não

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