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As reformas jurídicas do Marquês de Pombal no Estado de Direito Português

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As reformas jurídicas do Marquês de Pombal no Estado de Direito Português
O Marquês de Pombal foi um nobre, diplomata e estadista português. Trabalhou como secretário de Estado do Reino (uma espécie de primeiro-ministro) durante o reinado de D. José I, já que esse não gostava muito das atribuições administrativas do soberano. Esse rei português não desejava administrar as colônias e o império, preferia a vida de regalias, caçando raposas e comendo faisão. De modo que, essas atividades gerenciais e administrativas do Estado recaiam sobre seu homem de confiança: Pombal.
O marquês decidiu então empregar a sua vitalidade racionalista, objetivista e organizacional, ao Estado Português. Ele foi, por exemplo, o grande responsável pela reconstrução da cidade de Lisboa, após o grande terremoto de 1531 que colocou 50% da cidade em chamas (o sismo ocorreu durante a noite e havia muitas velas e candelabros acessos), pois naquele tempo não havia um corpo de bombeiros organizado em Lisboa. 
Além disso, reorganizou a administração e a fiscalização das colônias; foi um dos responsáveis por aumentar o fluxo de tributos advindos das minas gerais para Portugal; construiu prédios, palácios e obras públicas na metrópole.
No campo do direito Pombal foi um grande responsável por duas reformas jurídicas que afetaram intensamente a história do direito luso-brasileiro. São elas: o advento da Lei da Boa Razão (Lei de 18 de Agosto de 1709) e a Reforma Educacional de 1772. 
Lei da Boa Razão
Lei (emanava da coroa)
Estilos (emana dos tribunais)
Costumes (emanava do povo)
Direito Canônico (emanava da Igreja) 
 
Direito Romano (emanava dos professores 
 
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e das obras clássicas) 
 
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professores)
 Precedente do Rei (emanava da coroa)Modificou o sistema de fontes do direito em Portugal (anteriormente era regulado e estabelecido pelo título 64, livro III das Ordenações Filipinas). Pombal não estava satisfeito com as antigas regras, porque acreditava que elas eram desfavoráveis aos interesses da coroa, na medida em que estabelecia várias fontes do direito, concorrentes com a lei, as quais não eram de competência da coroa.
Dessa forma, a coroa não possuía um protagonismo na criação do direito, já que a lei não possuía uma predominância (pré-estabelecida nas Ordenações Filipinas) em relação aos etilos ou as costumes. Resultando em muitas queixas reais quando um juiz ordinário (municipal) ignorava completamente uma lei e decidia com base em um costume local, fazendo com que fossem enviados juízes de fora para tentar resolver a situação.
Pombal tentou mudar esse esquema para que a lei passe a ser a fonte predominante a partir da Lei da Boa Razão, criando uma restrição ao uso das demais fontes.
Para isso, proibiu a utilização dos estilos, pois como havia vários tribunais (Casa da Suplicação, Tribunais Regionais, Relações da Bahia, Relações do Rio de Janeiro, Relações de Goa) isso permitia que houvesse jurisprudências locais. O Marquês de Pombal não queria permitir regionalismos jurídicos, por isso, proibiu a utilização da jurisprudência (estilos).
Os costumes também tiveram sua aplicabilidade limitada, pois havia muitas queixas de que os juízes alegavam falsos costumes com o objetivo de afastar a aplicação da lei e obter benefícios. Para coibir essa prática, foi estipulado que os costumes precisariam estar sendo praticados a mais de 100 anos (evitando costumes jovens demais e pouco conhecidos) e conformes a Lei da Boa Razão. 
Outra mudança foi a restrição do uso do direito romano (DR). O marquês acreditava que esse causava mais males do que benefícios ao direito português, já que seu uso era difícil devido ao Corpus Juris Civilis (CJC) ter sido escrito há séculos atrás e sua utilização dependia, em grande parte, dos professores os quais estudavam, interpretavam e atualizavam as normas desse código. Esses professores muitas vezes discordavam sobre como o CJC deveria ser interpretado e aplicado, causando grande insegurança jurídica. 
Para eliminar esses problemas Pombal extinguiu o privilégio de Bártolo e Acúrcio (a nova lei somente homologou esse fato, pois na prática suas opiniões já não eram mais consultadas). O marquês determinou também que as normas do DR só poderiam ser aplicadas se elas fossem adequadas a Lei da Boa Razão, ou seja, se passassem num teste de compatibilidade com o direito natural europeu.
A Lei da Boa Razão funcionava como um filtro de jusnaturalismo (Teoria do Direito segundo a qual haveria uma ordem jurídica superior a dos homens, sendo eterna, imutável, imanente a natureza das coisas. Para alguns jusnaturalistas, essa ordem jurídica suprema seria jurídico-religiosa proveniente dos ordenamentos divinos, enquanto que, para outros jusnaturalistas, ela emanaria da razão pura, da natureza das coisas, modo de ser do homem, e não de Deus). Esse princípio jusnaturalista se baseia na crença de que existem valores comuns a todos os povos, culturas e homens. E na maior medida possível, as leis humanas deveriam refletir essas regras supremas, esse código moral absoluto.
As únicas fontes não afetadas por nenhuma restrição foram as leis, o precedente e o Direito Canônico (aplicação naturalmente restrita aos pecados).
Apesar desses esforços para centralizar a criação do direito de modo mais eficaz, a insegurança jurídica não foi resolvida, pois as divergências e as dúvidas das normas somente se transferiram do DR para o Direito Natural. 
Sobre o jusnaturalismo
Atualmente já se sabe que essa ideia era infundada, porque o Direito não advém de um jusnaturalismo, e sim de um convencionalismo, ou seja, fruto de decisões políticas baseadas em um contexto histórico-cultural. Ou seja, não existem direitos universais (patriarcado, capitalismo, proibição de matar), pois eles são, na verdade, preceitos das sociedades européias da Idade Moderna e não de todo o mundo.
Reforma Educacional
Tinha como objetivo mudar o modelo de educação jurídica da Universidade de Coimbra para que as novas gerações de bacharéis de lá saíssem habilitadas para aplicar as novas fontes do direito (Lei da Boa Razão). Já que era muito mais difícil para os operadores de direito que foram educados no modelo antigo de fontes se adaptarem aos novos parâmetros. 
Como era o ensino antes das mudanças de Pombal
Existia um grande elitismo no processo de entrada dos alunos na Faculdade de Direito que começava no ponto de vista econômico, pois não era barato estudar em Coimbra. Primeiro pela distância da residência dos alunos à faculdade (diferente da Espanha, por exemplo, que possuía dezenas de faculdades, tanto na metrópole quanto nas colônias, Portugal tinha, por propósito estratégico, um modelo de centralização da universidade para ter uma espécie de controle fino da frequência). Dessa forma, o corpo estudantil, que geralmente não era natural da cidade, tinha que possuir recursos para se sustentar durante o período de estudos. 
Coimbra era uma cidade pequena e sua economia girava em torno da universidade (pensionato, costureiras, livrarias). Os custos dos alunos se expandiam para além das questões residenciais e alimentícias, pois tinham que utilizar as vestes talares (aquelas vestes pretas usadas pelos ministros do STF) que eram muito caras, adquirir os livros (a imprensa de Gutenberg chega ao século XV e muitas obras eram manuscritas) que também eram dispendiosos e pagar as propinas (taxas acadêmicas).
Além da barreira econômica, existia o exame de admissão, o qual exigia aos candidatos conhecimentos erudito cuja maior parte da populaçãonão dispunha (a não ser que a pessoa tivesse frequentado colégios preparatórios ou internatos), como retórica, dialética, grego, latim, aritmética, cálculo, trigonometria, poesia. Esses exames eram feitos em salões muito compridos com pé direito alto chamados de vestíbulos, por isso os exames se denominavam de vestibulares. 
Uma vez aprovados na prova de seleção, os alunos adentravam numa rotina de estudos bastante exigente, as aulas duravam cinco horas por dia (três pela manhã e duas pela tarde) e durante o resto do tempo eles tinham que se dedicar as atividades honestas (estudar, passear, conversar com os amigos).
Havia exames diários, semanais, mensais e anuais. Os diários tratavam de perguntas orais feitas pelo professor a alguns alunos sobre o conteúdo da aula anterior; os semanais eram realizados aos sábados (por isso, ficaram conhecidos como sabatinas) e também eram orais; os mensais eram escritos, longos e difíceis, feitos sempre no final do mês e sua reprovados resultava em multas aos professores para indenizá-los pelo retrabalho de ter que explicar aos alunos o que eles não aprenderam. Por sua vez, quem fosse reprovado nas provas anuais era expulso da faculdade. 
As aulas não eram expositivas, sequênciais e racionais, o professor ia conduzindo o assunto por meio de casos, sempre problematizando o direito, a participação dos alunos era importantíssima nessas aulas, pois o professor fequentemente fazia disputationes (debates orais feitos pelos alunos sobre pontos do direito): eram chamados ao tablado dois alunos, se analisava uma situação hipotética e eles apresentavam argumentos opostos pra ver quem conseguia prevalecer à argumentação. 
As lições começavam através da leitura, pelo professor, do CJC ou do cânone, que seria examinado naquela aula, sendo o objeto das discussões. Essa leitura tinha como objetivo conferir se os livros dos discentes estavam em conformidade com o do educador, porque o dele era uma cópia conferida, integral, mas os dos alunos muitas vezes continham defeitos, e assim precisavam inserir eventuais correções.
Após as reformas pombalinas
O principal objetivo de Pombal era transformar a faculdade de direito romano em direito nacional, onde se estudaria o direito português. Isso significou que as cadeiras (matérias) da faculdade tiveram de ser organizadas e criadas novas como direito penal, administrativo, fiscal, tributário, natural e história do direito. O direito romano que antes era o objeto do curso inteiro passou a ser uma somente uma cadeira do sistema educacional. 
O marquês mudou o estilo de aulas agora elas deveriam se concentrar na exposição e análise racional sequencial do direito legislado, de modo que os assuntos seguissem uma ordem lógica (preferencialmente na ordem que estão organizados na própria lei). Abandonou assim, o modelo escolástico pelo racionalista, fazendo com que os alunos perdessem o papel de construção conjunta das aulas e o professor passasse a ser o único protagonista. Pombal proibiu até as postilas (apostilas) dos alunos (era um costume de Coimbra que os novatos comprassem as postilas dos formados) e as substitui pelos livros dos próprios professores (que agora deveriam escrever obras que resumissem e organizassem os conteúdos das aulas) para que os alunos tivessem esses materiais para as aulas (os manuais das disciplinas). 
 O Vade Mecum (vem comigo) já existia, correspondia ao conjunto das leis encardenadas, contudo era mais utilizado pelos praticantes e não pelos alunos. 
As aulas contemporâneas seguem o modelo pombalino.

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