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TGPp7_Natureza Jurídica do processo

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR - UCSAL
FACULDADE DE DIREITO
TEORIA GERAL DO PROCESSO 
 Tema 07 -	Natureza jurídica do processo. Da legitimidade das normas processuais. Princípios informativos do processo.
NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO
Como bem salienta Eduardo Conture, em sua marcante obra Fundamentos do Direito Processual Civil, “ o estudo da natureza jurídica do processo civil consiste, antes de tudo, em determinar se esse fenômeno faz parte de alguma das figuras conhecidas do direito, ou se, ao contrário, constitui por si só uma categoria especial. Assim, por exemplo, trata-se de saber se o vínculo que une as partes e o Juiz constitui um contrato, um quase-contrato, ou alguma figura jurídica semelhante”. E adiante aponta que, em sendo esta busca negativa, tornar-se-ia imperativo encontrar o enquadramento do processo como fenômeno particular, isto é, com características próprias, específicas, distintas das demais figuras jurídicas conhecidas. 
A exemplo dessa colocação, os estudiosos examinaram o processo como um contrato ou quase-contrato, uma vez que não se poderia cogitar de examiná-lo como delito ou quase-delito, ou mesmo como uma imposição puramente legislativa.
Com esse mesmo pensamento investigativo, os mestres que plantaram os fundamentos do direito processual moderno como ciência jurídica autônoma, se alargaram em divergências doutrinárias sobre a natureza do processo apontando-o, os primeiros, como de natureza contratual, ou de quase-contrato, no enquadramento nitidamente privatista, evoluindo os estudos na negação desta conceituação para enquadrá-lo como uma relação jurídica que se efetiva entre as partes litigantes e o juiz, este no exercício da função jurisdicional do Estado. Isto porque, esta relação, de direito público, não se confunde com a relação jurídica de direito material que qualifica o conflito de interesses, cuja composição é buscada por via de processo.
Cabe ainda acrescentar teorias outras, elaborações secundárias, quais sejam a que concebe o processo como uma situação jurídica, que tem como meta alcançar a certeza sobre a existência ou inexistência do direito material questionado; e a do processo como uma instituição criada pela lei, envolvendo complexas relações sistematizadas por princípios e normas próprias.
E não se admita tais estudos científicos como perquirições sem qualquer sentido relevante, uma vez que, admitido o processo como componente de qualquer das figuras jurídicas conhecidas, tendo como fonte o direito das obrigações, resultaria que, no silêncio da lei processual, o intérprete recorreria aos princípios e normas reguladoras da figura admitida como de sua essência e natureza.
E, ao contrário disso, admitido o processo como uma figura nova, como ciência jurídica, de categoria especial, criação dos seus próprios princípios e leis, e como fonte que é, também, de direitos e obrigações, as regras e figuras processuais são submetidas, unicamente, às normas e princípios das leis do processo, como disciplina autônoma de direito público.
Assim, a sua natureza encerra uma relação jurídica de direito público processual.
CRÍTICA ÀS TEORIAS CONTRATUALISTA E AO QUASE-CONTRATO
Vale de logo reafirmar, como bem aponta Conture na obra já mencionada, que dando-se o processo como contrato judicial “ ter-se-ia de, necessariamente, admitir que, no silêncio da lei processual, os dispositivos e normas de direito civil em matéria de contratos seriam aplicáveis ” o que, sem dúvida, o anterior Código Civil nosso deixara transparecer. Esse entendimento, reduziria o processo a um conjunto de normas de direito adjetivo, sem substância própria, atuando o juiz como simples árbitro impassível. A função jurisdicional se desfiguraria deixando de ser um atributo da soberania do Estado para apoiar-se na livre manifestação de sujeição às partes, implícita na litiscontestação. A realidade entretanto é outra diante da evolução do processo como instrumento legítimo de composição das lides, pelo Estado que, na sentença, diz a vontade concreta da lei que ele próprio edita.
Mestres como Savigny elaboraram a teoria do quase-contrato judicial, aduzindo que o processo, embora não fosse um contrato, apresentava alguns dos seus elementos constitutivos. Não sendo um delito ou um quase-delito e contendo figuras constitutivas de direitos e obrigações, seria com plena propriedade, por exclusão, um quase-contrato.
Mas, às fontes das obrigações, ainda no limiar da doutrina clássica, acrescentou-se a lei, na medida das conveniências e necessidades coletivas, regulando as relações jurídicas entre as partes e o juiz, no processo, estabelecendo distintos poderes, ônus e deveres.
Então surgiu a teoria da relação jurídica processual, como ciência de direito público processual e autônomo, tendo como objeto maior atender a um dever fundamental do Estado, o de administrar justiça, tutelando os direitos das pessoas, garantindo a soberania das leis e a paz social com o mínimo de limitação aos direitos individuais das partes.
DA LEGITIMIDADE DAS NORMAS PROCESSUAIS E DOS PRINCIPIOS 
Da legitimação
Ensina Ihering que o fim último do direito é a paz. A luta, porém, é o meio de atingí-la. Por isso mesmo, é na força que o direito vai encontrar as suas origens. E, para reforço de suas idéias, disse que a ordem jurídica sem força não faz direito “ porque o direito é a força que matou a própria força ”.
De fato. A paz jurídica se afirma, comprimindo e represando os conflitos de interesses subjacentes, pela autoridade que o Estado se atribui, como poder soberano, instituindo o ordenamento jurídico, com as leis que promulga e edita, e garantindo a sua eficácia, tutelando os direitos individuais e administrando justiça (prestação jurisdicional). Assim, pelos seus juizes, que são órgãos de um dos Poderes do Estado, o Poder Judiciário, faz justiça, compondo, com a força de sua autoridade, os conflitos de interesses manifestados e trazidos a seus julgamentos.
Por isso, as decisões judiciais são essencialmente conclusivas e definidoras das situações jurídicas questionadas entre as partes autora e ré, envolvidas na relação jurídica processual. A sentença definitiva prolatada pelo juiz competente, diz a vontade concreta da lei, isto é, individualiza a vontade abstrata da lei que incidiu sobre os fatos relevantes da causa. Reveste-se de força soberana, depois de transitada em julgado, porque o juiz que a prolata exerce poder de império, em face da função jurisdicional que emana da Soberania do Estado, como também, e por consequência, diante da força cogente da lei aplicada aos fatos.
E assim acontece hoje, sob o estado de direito, como semelhantemente acontecia nos estágios primários da autodefesa, ou seja, da justiça privada, quando se manifestam os primeiros impulsos objetivos do direito e mais especificamente quando a justiça passou a ser atribuição da autoridade governante (autoridade que representa poder-força), seja esta o sacerdote, o pater família, o chefe tribal ou o rei.
Cabia aí, mesmo nesses estágios primários, ao governante, defender a paz social, fazer justiça, impondo pela força o cumprimento da decisão ditada pela sua vontade.
Entretanto, hoje, para que a força soberana do estado possa atuar e ter eficácia plena, se faz necessário colocar entre o Estado-Juiz e as partes litigantes (autor e réu), um instrumento legal a que denominamos PROCESSO. Isto é, para que o Estado-Juiz possa impor ao vencido a vontade da sua sentença, subordinando o interesse deste ao interesse da parte vencedora, deve comportar-se de modo a não violentar direitos das partes, no processo, que são os direitos subjetivos públicos, diversos e autônomos dos direitos agitados no conflito objeto da decisão, que são direitos subjetivos privados.
Compreende-se assim que, sendo o processo um instrumento restritivo da liberdadedas partes confrontadas na relação jurídica processual (autor, juiz, réu), deve necessariamente regular-se por princípios que possam legitimá-lo, porque, como ensina o mestre Eduardo Conture é, o processo, o meio assegurador da vida, da liberdade, da propriedade e da própria dignidade da pessoa humana, etc., inclusive porque são sujeitos de direitos e obrigações os mencionados atores do processo
Dos princípios
O processo legal deve disciplinar-se segundo princípios que lhe atestem legitimidade. Nesse sentido, ensina o mestre João Monteiro que “as leis e formas constitutivas do direito judiciário, naturalmente consideradas, importam numa restrição da liberdade individual. Por isso, precisa legitimar-se em razões e princípios relevantes, em benefício do próprio indivíduo e da comunidade”.
Assim sendo, forçoso é reconhecer que as normas processuais se legitimam pelos seus próprios princípios: princípios informativos e princípios gerais. 
Os mestres do direito processual moderno, haurindo lições no procedimentalismo do direito francês que, naquela época, encontrava-se o processo civil na fase praxista, advinda das Ordenações Filipinas, em que se exauria em formalismos solenes e costumes, e usos cartoriais, predominante na Europa Continental, buscaram para o processo razões e princípios informativos que o coloca muitos passos além da sua visão pragmatista de simples meio para a realização do direito material privado.
Assim, encontra-se em Manfredini, in Programa del Corso di Diritto Giudiziario Civili, os princípios que informam e também legitimam as leis do processo, como seguem:
1 - 	Princípio lógico, que consiste na escolha dos atos e formas mais aptos para descobrir a verdade e evitar o erro.
2 -	Princípio jurídico, que consiste em proporcionar aos litigantes igualdade na demanda e justiça na decisão.
3 -	Princípio político, que consiste em prover os direitos privados de máxima garantia social com mínimo sacrifício da liberdade individual.
4 - 	Princípio econômico, que consiste em fazer com que as lides não sejam tão dispendiosas a ponto de se poder dizer que a justiça civil é feita apenas para os ricos. Mas que o processo seja acessível a todos (custo e duração).
 - vide Ada Pellegrini, obr. cit., pag. 50 e 51 -
Nas lides judiciárias o que se alcança é, certamente, a verdade contida no processo. Embora seja a verdade real a meta desejável, o juiz julga pelas provas dos autos e não pela verdade que esteja fora do processo. Entretanto, como o ideal da justiça pressupõe a busca da verdade real, precisa o processo munir-se de meios mais eficazes para a investigação e comprovação dos fatos controvertidos na lide, evitando erros, dentro das limitações que lhe são inevitáveis (princípio lógico).
Além disso, é mister dar-se, às partes, no processo, a mais perfeita igualdade de tratamento, uma vez que, com o direito do demandante, de pedir tutela judicial a uma pretensão legítima, concorre o direito do réu de não ser compelido a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, proporcionando igualdade na demanda e justiça na decisão (princípio jurídico).
Saliente-se ainda que a liberdade das partes, de defender os seus direitos, deve sofrer o mínimo de limitações sem embargo do propósito respeitável da justiça, de dar a cada um o que lhe pertence ou é devido, e isto resulta em garantia social, buscando-se prover o direito privado, conforme o direito objetivo (princípio político). 
Ainda cabe, aqui, consignar que ao Estado cumpre elevar a justiça à categoria de um bem comum a todas as pessoas, um bem que esteja à disposição de todos. Por isso, é imperativo a celeridade do processo e o seu custo precisa ser barato, acessível a todos e até mesmo gratuito àqueles que não tenham recursos suficientes para pagamento das despesas judiciárias, evitando sacrifício para o seu próprio sustento e de sua família (princípio econômico).
Aliás, a gratuidade seria o ideal para administração da justiça. Mas, se as circunstâncias não nos levam a isso, resta recorrermos a outras vias mais condizentes com o sistema capitalista, seja a socialização da assistência jurídica, seja institucionalização de seguro correspondente, ou seja a assistência judiciária prestada pelo Estado. Ademais, deve o Estado zelar pelo equilíbrio das taxas judiciárias.
Oportuno é conhecer o pensamento de Pellegrini, e seus Pares, no particular:
“A doutrina distingue os princípios gerais do direito processual daquelas normas ideais que representam uma aspiração de melhoria do aparelhamento processual; por este ângulo, quatro regras foram apontadas, sob o nome de ‘princípios informativos’ do processo: a) o princípio lógico (seleção dos meios mais eficazes e rápidos de procurar e descobrir a verdade e de evitar o erro); b) o princípio jurídico (igualdade no processo e justiça na decisão); c) o princípio político ( o máximo de garantia social, com o mínimo de sacrifício individual da liberdade); d) o princípio econômico (processo acessível a todos, com vista ao seu custo e à sua duração).
Apesar de distintas dos princípios gerais, contudo, tais normas ideais os influenciam, embora indiretamente – de modo que os princípios gerais, apesar do forte conteúdo ético de que dotados, não se limitam ao campo da deontologia (parte da filosofia que estuda princípios e fundamentos, etc.) e perpassam toda a dogmática jurídica, apresentando-se ao estudioso do direito nas suas projeções sobre o espírito e a conformação do direito positivo.
	
O estudo comparado das tendências evolutivas do processo tem apontado uma orientação comum que inspira todos os ordenamentos do mundo ocidental, mostrando uma tendência centrípeta de unificação que parece ser o reflexo daquelas normas ideais, a imprimirem uma comum ideologia mesmo a sistemas processuais de diferente matriz (v.g. os países do common law e os ligados à tradição jurídica romano-germânica).
Alguns princípios gerais têm aplicação diversa no campo do processo civil e do processo penal, apresentando às vezes, feições ambivalentes. Assim, p. ex., vige no sistema processual penal a regra da indisponibilidade, ao passo que a maioria dos ordenamentos processuais civis impera a disponibilidade; a verdade formal prevalece no processo civil, enquanto a verdade real domina o processo penal. Outros princípios, pelo contrário, têm aplicação idêntica em ambos os ramos do direito processual (princípio da imparcialidade do juiz, do contraditório, da livre convicção etc.)
	Aliás, é sobretudo nos princípios constitucionais que se embasam todas as disciplinas processuais, encontrando na Lei Maior a plataforma comum que permite a elaboração de uma teoria geral do processo.” 
 - “in” obr. cit., pags. 50/51 -
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APOSTILA DE RESPONSABILIDADE DO PROFº. LUIZ SOUZA CUNHA.
COMPOSIÇÂO DA APOSTILA (Apontamento dos Professores)
Antonio Carlos de A. Cintra	Teoria Geral do Processo
Ada Pellegrini Grinover	 14ª Edição
Cândido R. Dinamarco
Atenção:	A apostila é, tão somente, um resumo da matéria que pode ser aprendida pelo aluno. Ela deve servir de guia do ensino-aprendizado, sob orientação pedagógica.
Esta apostila se destina, pois, exclusivamente ao estudo e discussão do texto em sala de aula, como diretriz do assunto, podendo substituir os apontamentos de sala de aula, a critério do aluno.
Consulte a bibliografia anteriormente indicada além de outros autores.
Atualizada em novembro/2009
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