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Direito Administrativo E Sciencia tia Adm·inistração TYP. DA EMPR. LlTTER. E TYPDGRAPHICA 9./ (Ollicinas movidas a eJectricidade) ~ RUA DA BOA VISTA, 321 • PORTO. 1818 • ·, .. <" ...... ~~ .. ·~'I'; -itll.JeV'i( ,j,' • ;'4" , , •... , ';' .:.;. .~f, '" " . ~.,. ...< ',.;t. " ... 4.,../ i-.i I"u.·~ I"" " .. ... .';. " ( ''''''''I~ . . " '.-........ . ,- " Direito Administrativo E . Sciencia da Administração POR OLIVEIRA SANTOS (Da Academia de Altos Estudos, hoje Faculdade de Phllosophla e Letras) Prefacio do Conde de Affonso Celso, membro da Academia de Letras o ~,\\Ô0 ,~L - -2 ~ r) -- --..:::L -f'-='fr 66, 19F- S,~ - ,\) J EDITOR ,' .. JACINTHO RIBEIROPOS SANTOS 82-RUA DE S. JOSÉ-82 . __ .ro O:~:DRo {jr;I:..;;;.~~_ .. ., ~' " , .' " .\. PREfACIO DIREITO ADMINISTRATIVO Materia ardua e complexa - Excellente livro sobre o assumpto É rudimClltar para os cultores da sciencia juridica que o Direito Politico, ou Direito Publico, no seu sentido mais lato, - JUs quod ad statum rei publicae spectat-, segundo a definição das lnstitutas, divide-se, de ordina- rio, em tres partes' principaes : Direito Constitucional; Direito Publico propria- mente dito, ou organico, e Direito Administrativo. Este ultiino é o que regula a acção' dos grandes po- deres do Estado e abrange o conjundo de medidas ne- cessarias para chegar-se á execução do Direito politico, privado e pCllal. Ha uma relaçao intima, - diz P. Namur, no seu Curso de EncycIopedia de Direito, - entre o Direito Constitucional, o Direito Publico, ou organico, e o Di- reito Administrativo. A Constituição estabelece os principios fundamentaes da o/'ganizaçãosocial,' o Direito Publico os organiza em - 6-- seus pormenores,' o Direito Administrativo procura rea- lizar o Direito na vida pratica Formula-se, principalmente, em decretos, regulamen- tos, posturas, avisos, instrucções, despachos, emanados de diversas auctoridades competentes e determinando as medidas necessarias para assegurar o serviço publico, o jogo regular das instituições do Estado. Innumeros são esses decretos, regulamentos, postu- ras, avisos, instrucções, despachos, o que torna muito dilficil o estudo de Direito Administrativo, sobretudo nos paizes em que esse Direito não foi ainda codificado em seu conjuncto, codificação que alguns auctores julgam quasi impossivel, no actual e.stado da sciencia. Para· comprehender aquella dijJicu lda de, basta con- siderar as subdivisões que se costuma fazer no Direito Administrativo: Direito Administrativo propriamente dito e Direito Administrativo judiciario. Tem por objedo o primeiro a execução das leis con- cernentes ao interesse geral ou collectivo; regulamenta o segundo as leis de interesse privado e tambem as leis penaes. Ora, conforme a citada Encyclopedia, o Direito Administrativo propriamente dito comprehende tres objectos principaes: 1.0 - A organização da administração, isto é, das auctoridades administrativas, encarregadas da execução das leis de interesse geral, assim como as aftribuições das diversas ordens de funccionarios que disso se occupam; 2.0 -0 direito de policia; 3.0-0 direito de finança. 7 o direito de policia abrange o conjuncto das regras que teem por objecto a intervenção do Estado com o fim de proteger os individuos e lhes favorecer o cumprimento do destino: o seu desenvolvimento physico, moral e inteUectua!. O direito de finança regula o que diz respeito ás rendas publicas, ás despezas publicas e. á contabilidade do Estado. Quanto ao Direito Administrativo judiciario, com- prehende tambem tres objectos principaes: 1.0 - A organização judiciaria, isto é, a composição e a hirarchia das côrtes e tribunaes, bem como as attri- buições dos funccionarios respectivos;. 2.0 - A jurisdicção e a competencia das côrtes e tri- bunaes; a determinação dos poderes de cada um delles; 3.° - O processo, isto é, as regras que se devem observar para obter-se justiça, quer em materia civil, quer em materia penal. Como se vê desta rapida e incompleta synthese, o Direito Administrativo é materia ardua, complexa, a exi- gir em quem a estuda, e, sobretudo, em quem a lecciona, especiaes faculdades de applicação, discernimento, expe- riencia, de par com amplo conhecimento de todos os ra- mos de actividade juridica. Essas qualidades revelou-as, de modo cabal e bri- lhante, o Dr. Manuel Porphirio de Oliveira Santos, que, nomeado professor cathedratico da cadeira de Direito Administrativo (3. 0 anil o do curso administrativo e finan- ceiro da Academia de Altos Estudos, hoje Faculdade de Philosophia e Letras), deu ali magnificas liçõe's, publica- das no Diario Official e hoje colligidas em volume. -8- Havendo exercido. com a maior competencia espiri- tual e moral, elevado cargo na magistratura da União; o/ficial de gabinete do Cons~lheiro João Alfredo, no mi- nisterio que realizou a abolição do captiveiro " provecto advogado; profundo conhecedor das questões de ensino; inspector fiscal do Governo junto á Faculdade de Direi- to, ha mais de vinte annos; o Dr. úliveira Santos possuia os melhores elementos, o mais solido preparo, para per- feitamente desempenkar, como desempenhou, a pesada tarefa, em boa hora a elle confiada. A notaveis -dotes intellectuaes, .reune S. Ex.a eximios predicados de cara.ctà e coração: a sisudez, a circum- specção, o zeLo no cumprimento do dever, o escrupulo, a delica~eza de consciencia, o profulldo amor da familia e da Patria, tudo realçado por inexcedivel modestia e rc.- rissimo desprendimento das vanglorias sociaes. Dahi o manifestar-se, em pouco tempo, emerito pro- fessor, desses que ellsinam com o dOidrinamento e o exem- plo, impondo-se á estima e á veneração dos collegas e discipulos. As prelecções do Dr. Oliveira Santos recommen- dam-se por muitos e variados motivos: o methodo, a cla- reza, a sobriedade, a elegancia da exposição, a um tempo substanciaes e attralzentes, leves e ponderosas. Versando multiplos, controvertidos e relevantes pro- blemas, quaes, por exemplo, os atti!lentes ás relações entre o Estado e o individuo, ou entre a União e os Estados; ás responsabilidades do Estádo; á divisão dos poderes; á acção do Estado !lO domlnio economico;á illstrucção publica; ao dominio dos bens publicos; á historiei' da -9- administração brasileira e dos paizes mais cultos, etc., o Dr. Oliveira Santos sempre se manteve em levantado ni- vel, esclarecendo duvidas, discutindo theses, expond6~fa ctos, suggerindo soluções, de evidente acerto. Em certos pontos, procedeu a investigações originaes, fez obra inteiramente nova, porque pouco, ou mesmo nada se havia anteriormente escripto sobre a materia. Mas o maximo valor do trabalho está no tom de inexcedivel probidade e independenâa com que foi conce- bido e executado. Jamais dissimula.o auctor o seu pensamento; expen- de-o constantemente, com a franquezl!, dignidade e isen- ção de um homem de bem, que tem a coragem das suas apreciações, sómellte sabe falar a verdade e· cultivar a justiça. Todo livro belio, bom e util é didactico, afJirmou um . critico. Por mais de um titulo, merece esse nobre qualifica- tivo o do Dr. Oliveira Salltos. AFFONSO CELSO. Rio,' Junho -11- 919. INSTITUTO HISTORICO Academia de Altos Estudos CADEIRA DE DIREITO ADMINISTRATIVO PRIMEIRi LICÃO . Conceito do direito em these. O direito precede á lei, na qual assenta principalmente a organização politica e administra- tiva do Estado. Sciencia da administração. :Meus senhores: Na regencia da cadeira onde me collocou a generosidade da douta Congregação desta Academia, eu me proponho a es- tudar com os meus condiscipulos um dos mais vastose inte- ressantes ramos da sciencia juridica - o direito administra- tivo como complexo de leis e como s~iencia da administração. Ensinando-se tambem se aprende, tanto que alguem já disse que ensinar é aprender duas vezes. N otae, em primeiro logar, que a Academia de Altos Es- tudos, tendo sido instalada em 25 de Março de 1916, só no . 3.° anno da sua existencia podia inaugurar o ensino do di- reito administrativo, ohjecto da 1.'" cadeira do 3.° anno, na fórma dos seus Estatutos. Por este motivo, sómente agora aqui se inaugura este curso. Grande honra, de certo, para mim, a coincidencia do ini- cio. de minhas lições com eE>ta inauguração. Desajuda-me, entretanto, o receio de não corresponder á -12 - vosea expectativa no desempenho do _ encargo, que tantõ me eleva. Enchem-me, porém, de coragem estas confortantes pala- vras de Picard: ccÉ necessa1'io, de resto, liga?' mais importancia ás idéas juridicas do que aos nomes humanos. Mais 1'ale O pensamento do que a erudição.» Eu não sei se me farei bem comprehender na interpre- tação do pensamento da Academia quanto ao objectivo do seu ensino e ao methodo nelle a seguir. Se bem comprehendo o destino, os nns, a natureza toda especial dos estudos que aqui se professam, penso que não devo restringir. me, em minha lição inaugural (e nas que se lhe seguirem) á simples propedeutica do direito adminis· trativo e da sciencia da administração. Com razão pondera Marnoco C) : «E' um ponto muito melindroso do ensino livre a úrien- tação a dar aos curS08. Digladiam-se (lous methodos sobre cste assumpto) defendendo um a exposição de todo o pro- gramma da cadeira, embora ligei?'amente, e pronunciando-se o outro pela exposição de uma parte só do programma, mas com, todo o desenvolvimento, estudando·se as matel'ias sob todos os seus aspectos.» ••••••••••••••••••••••••••••••••••• li ••••••• ~ •••••• c( O unico melhodo admis5ivel no ensino do direito e das scienciwI 80ciaes é aquelle que,' no estudo dum problema, não deixa na sombra nenhuma das questões que este problema 8ltS- cita. O ensino muito elementar do dir~to não dá resultado algum, corno mostram as tentativas feita8 para ministrar no- çõesjuridicas geraes aos alumnos dos institutos secundarios.» A meu ver, esta Academia, além de ser uma brilhante irradiação do ensino superior e livre no Brasil, é uma escola de especialização de estudos. (1) A Faculd. de Dir., pags. 140 e 14.1. - 13- 'Seu objectivo, portanto, não póde nem deve ser- repe- . tir aqui o que em outros instituto.s superiores se tem ensinado. Outro deve ser, em todos os sentidos, o escopo do seu ensino, o qual, visando a diffusão dá sciencia, da philosophia e das letras, permitta, ao mesmo tempo, as mais altas inves- tigações, no dominio do pensamento, a que possa attingir a capacidade do professor. É bem de ver que não se explicaria c menos se justifi. caria o seu titulo, se aqui se ensinassem, na mesma medida, as mesmas cousas que antes se têm: aprendido noutras Facul- dades officiaes ou equiparadas. Esta Academia não é positivamente uma escola que se possa chamar universitaria; não é um estabelecimento de conferencias didactical.', correspondente, por exemplo, aos se- minarios allemães e aos colloquios italianos; mas, tal como foi organizada, é um mixto dessas instituições, que tanto hão contribuido para a diffusão, preparo e aproveitamento do en- sino nos paizes que hoje, com justa razão, se consideram mais cultos. É, por consequencia, o quo se póde affirmar - uma ins- tituição des~nada a levar á maior culminanciao ensino supe- rior no Brasil. O seu fim deve ser aprofundar o estudo das mais altas questões que possam ser comprehendidas no quadro do seu ensino. É preciso, além disso, não esquecer que a maioria dos que aqui vêm estudar não se compõe sómente de simples as- pirantes ao curso secundario como preparo para estudos mais elevados. São, pelo contrario, homens instruidos e cultivadol'. Muitos delles já são diplomados, e se aqui vêm é para adquirirem, sobre determinado ramo de direito, de philosopbia ou de sciencia, conhecimentos não comprehendidos em estudos anteriores, e, portanto, complementares de sua educação sden- tHica. . - 14- • Preciso é, pois, que, na direcção deste curso, a par de seu. objecto, eu attenda principalmente á conveniencia do me- thodo a seguir em minhas prelecções. Só assim (penso eu) se justificará a fórma, talvez dema- siado complexa, do programma que organizei. A este respeito, devo accrescentar que o desenvolvimento que lhe dei obedece á natureza, toda especial, da organização dada aos Estatutos desta Academia. Contrariei assim, por força das razões que acabo de ex- pender, idéas que antes eu propugnára em favor da simplici- dade dos programmas na Faculdade que tenho a honra de inspeccionar. Não ha, entretanto, contradicção de minha parte entre o que então defendi e o programma que formulei. Indubitavelmente, na regencia desta cadeira, eu ficaria áquem da minha missão se limitasse o ensino áquillo que or- dinariamente se aprende noutras escolas de direito. Tenho, portanto, que tratar das questões no que ellas offereçam de mais interessante ao estudo dos factos sociaes, a cujo respeito doutrina :M:arnoco: ([ O direito é um cOlljullcto de princípios que unica- ment.e adquire vida em face dos factos,» Na exposição de minhas lições, eu as submetterei, por np.cessidade, a uma filiação logica de principios e idéas, sem a qual a explanação dos pontos a discutir não poderá ser facilmente comprehendida, clara e "adequada, como convêm. Questão de metJ!odo, que, em materia de ensino, é a pri- meira . condição da sua proficuidade c efficacia. Sendo esta a orientação a que terei de obedecer na re- 'gencia desta cadeira, devo accrescentar: O professor, especialmente de direito, deve ser mais do que um simples commentador de textos e expositor (por conta dos autores consultados) das suas theorias e doutrinas. - 15 Deve ter em tlJ.do opinião propria o direito de critica. Reservo-me, por isso, o direito de manifestar livremente a minha opinião em todas as questões de que me occupar. Não comprehendo, senhores, o exercicio do magisterio sem esta liberd~de. a. La haute science ne 8' allie bien qu' à la libel'té D; diz Bluntschli (2). Feitas estas cODsiderações, que julguei opportunas ao inaugurar este curso, passarei a occupar-me do conceito do direito em tliese, da precedencia deste em 1'elação á lei, da organização politica e administrativa do Estado, e, por ultimo, da sciencia da administração. I - Para bem se determinar o conceito do direito em these, é preciso primeiro considerai-o subjectivamente; isto é, como direito-faculdade. Será o ponto de partida do nosso estudo, por meio do qual' procuraremos conhecer a genesis desse direito até o mo- mento de objectirar-se e subdividir-se em direito admini8- trati1'o como complexo de leis e como sciencia da adminis- tração. Ides ver que não é uma indagação puramente especu- lativa o objecto do nosso estudo. Ha neHe, de certo, outros pontos de vista, outros aspe- ctos talvez mais curiosos e interessantes a examinar. Esse estudo, visando o conhecimento da origem do ~i reito, só póde ser feito no vasto campo de sua PhiloBophia, modernamente substituida por tres novas I!ciencias, que for- mam, por assim .dizer, uma trilogia dos conhecimentos huma- nos, abrangendo o cosmos; isto é, todo o universo, conside- rado no seu conjuncto o1'ganizado e llarmonico. (S) Bluntschli - Droit Publ., pag, 310. - 16- Mafl, nenhuma dessas scienciafil, que são o positivismo, o evolucionismo e o monismo, nem todas conjunctamente se avantajam á Philosophia do direito no exame do caso de que nos occupamos (2 a). Scienciasextranhas á especialidade do . mesmo, nunca nos poderiam dar o conhecimento exacto e perfeito do que seja o direito DO sentido subjectivo em que aqui o consideramos. Donde provém e como se define o direito-faculdade? Esta questão é, para nós, de importancia capital, mór- ment'3 quando, na Republica, as reformas do ensino superior supprimiram a cadeira de philosopbia do direito nos cursos juridicos, para mais tarde (evidt:Dciado o erro), ser a mesma restaurada pelo decreto n. 11.b30, de 1915, art. 177. (App. n.O 1) Nada menos de quinze definições se encontram em um recente livro de Edmond Picard - (cO Direito Purol), que eu considero uma especie de encyclopedia desta soiencia. (3) Nenhuma deIlas, porém, dá o conceito do direito na accepção que aqui tenho em vista e tal como eu o com- pl'ehendo na sua origem. Entre tantas definições discordantes, e, no gera], pouco intelligiveis, debtacarei a do D. Romano, a quem cabe a pri- mazia, já pelo seu grande valor historico, já pela poderosa influencia por elle exercida na moderna legislação dos povos mais cultos. Vem do Direito Romano a distincção entre o direito po- sitivo, que é o direito tal como se manifesta nos costumes, nas leis e nas decisões judiciarias (') e O direito natural, (2 a) Vide A.ppenso n.O l' nó fim deste volume. (3) Ed. Pical'd, obro cit., pago 30. (4) Lui~ Bridd, Encyc. Jur., pago 35. - 17- que as Institutas de Justiniano definem: «Jus naturali est fjuod natura' omnia animalia docet.". S(', pois, o direito natural é realmente o que a natureza ensina a todos os animaes, como affil'ma a definição, o que se conclue é que não só o homem, mas todos os animaes, são susceptiveis desse direito. Se, antes dOe tudo, o direito subjecti'Co é um poder mo- ral,. sp, no mundo, como bem pondera Bridel (illustre Pro- fessor da Universidade Imperial de Tokio), exceptuando,se a humanidade, não ha moral, fallar do direito dos cães, das formigas ou dllS abelhas é ml~r:t insemmtez (5). °A meu ver, pois, o direito, antes de ser a creação da lei, pela necessidade da coexistencia dos homens em sociedade, é uma condição ingenita á natureza humana. lht>ring, em um dos seus ditos memoraveis, proclamou esta grande verrlade: cada qual, ao nascer, traz o seu di- reito comsigoD (Picard, obro cit., pago 39); e Cicero, antes deUe, com extraordinaria agudeza de entendimento, já' havia dito: fIE' pela natureza do homem que devemos aprender a natureza. do direito». Isto explica o facto de começar o direito desde a conce· pção do nascituro, para se integrar com o nascimento deste com vida (6); nasce, portanto, o direito com a pesl'oa, sendo, por isso, originariamente, a razão das leis impostas pelo po- der publico e o fundamento de toda a justiça. Delle deriva o sentimento do justo e do injusto, que todo o homem possue. . Na accepção em que aqui considero o Direito, ninguem o crê a pela. vontade, pela lei, pela interferencia do Estado, nem de ninguem (7). (~) Luiz Bridel, obro cit., pago 36. (6) Cod. Civ. Brasil., art. 4.0 (Vide ApP(,llso n. O 1.) (7) Pical'd, obr. cit., pago 96. 11 - 18 E' um poder, uma forçl, que existe latente e brota ex- pontanea em todos os periodos da existencia do homem e e3- tádios da vida facial. Correspondendo a todo o direito uma obrigação, nasce dahi o respeito, que todos lhe devem, bem como (; dever que tem o Estado de proteger o mjeito desse direito, primeiro, antes de vir á luz; depois (se nascido com vida), na sua me- noridade, e d'ahi até depois de sua morte. Em todo homem, poi~, existe o germen, a ·causll, o prin- cipio fundamental do direito; de modo que, considerado sob este ponto de vista, a existencia do direito n!ltllral é um facto, antes do m·ais, attestado pela consciencia humana. E, senão, eu pergunto: Que força mysteriosa é estll, que impõe não EÓ re!'peito, como obrigações quer para comnosco, quer pam com os nos- sos semelhante!', a ponto de ser o homem con~iderado uma causa sag1'ada para. o homem? Depois, é de Kant este pensamento: « O homem é llIn fim em si: não pódc, po1"lanlo, ser tratadú como um meio. Pertence-se a I<i mesmo; é senhor de Si-COMPOS SUl; é, por este titulo, uma peswa, e toda per- sonalidade é inviolareZ" . Quereis a prova di~so? Supponde, diz Paul Janet, dous homens que se encon- trassem num deserto, sem a nada serem obrigados por lei positiva alguma. (8). Teria um o direito de reduzir. á escravidi'i.o o outro? Excusudo, senhores, seria responder negativamente a esta interrogação; ella ebtarin, desde logo, na consciencia de todos, inclusive dos proprios reaccionarios, que negam a exis- tencia do direito natural! Depois, donde provêm ~ egualdade do Direito, que, se (8) Philosoph., voI. 2.0 pag •. 164.. - 19 de facto não existiu em todos os tempo!", apesar disso, hoje todo o mundo a reconhece e a prodama ~ Que denominação se deve dar ao direito de conservação; isto é, o de não ser atacado na vida e no corpo; o de mo- ver-se de um logar para outro; o de ser livre e não escravo; o de pensar como entender; o de trabalhar; o de fruir os bens de sua propriedade; o de constituir família e tantos ou- tros? Essa denominação só póde ser a de direitos naturaes, alguns dcUes impl'escl'iptiveis e inviolaveis, como,_ por exem- plo, os primigenios de vida e de liberdade! IIl\lstremos ainda com outro exemplo esta affirmação. Se eu supponho, diz Paul Janet, que tenho nas mãos um martello e deaDte de mim uma creança adormecida, é indu- bitavcl que, com esse martello, posso quebrar a cabeça dessa creança. Não o farei todavia. E porque? Porque, embora disponha eu de superioridade de força, alguma cousa existe perante mim que me detem; um obstaeulo invisi vel, ideal, mais forte que toda a. minha força; um poder mais poderoso que todo o meu poder, que é bastante pára desarmar o meu braço. Este poder, do qual aquella creança nem siquer tem consciencia, este poder é o direito, que tem toda creatura vi- vente da minha especie de conservar a vida, emquanto não ataca a dos outros; Phil., voI. 2.°, pago 88. D'ahi, affirmar Ahrens que esses direitos são os primi- tivos, natUl'3.es ou absolutos, e que os mesmos se distinguem perfeitamente dos direitos derivados ou secundarios, tambem chamados condicionaes ou hypotheticos. Professando estes principios, não vos devo occultar, que alguns autores combatem a denominação de direitos do ho- mem, dada pela Revolução Franceza aoS direitos naturaes, vendo nisso como que o desconhecimento do muito que o Christillnismo fez em pról dos direitos do homem e em bene- Bcio da humaI,lidade. Francamente, não vejo em" que possa merecer censura * - 20- aquella denominação, ou o facto de ter a Revoluç!ão Frauceza feito derivar a sobredita especie de direitos de wn elitado de natw·eza. Longe de negar e desconhecer a grande, a poderosa in- fluencia do Christianismo, fazendo volver o homem ao Ser Absoluto, como doutrina Ahrem:, 'fendo nelle o membro ","pi- ".itual de uma ordem superior e eterna e ele1 lUlI.do-o arima de todas as formas tariaveis da sociedade civil e politica, eu pemo que exactamente porque, até então, era descul,he- cida essa dignidade do homem, fui que o Chrietianismo com· bateu e reformon os barbaros costumes da antiguidade, abrin io uma nova era de tolerttncia e respeito, de justiça e dc paz para todos os povos. A censura, portanto, cabe ao syr:;tema, qne, esquecendo o principio divino e eterno da personalidade humana, antepõe ao mesmo o da primazia e da omnipoteneia do Etltado! Desse principio, a conseqllencia é a sujeição absoluta, quasi eseravizadorá, do individuo a esse poder absorvcnt"I que, desde a origem, é apenas o meio e não o fim da exis- tencia humana, principio superior ao da existencia do mesmoEstado. Examinae e vereis, que o principio da omnipoteneia do Estado, modernamente erigido em dogma poli'tico por Bodin, Loyseau, Lebret, Domat e outros, não só desvirtua, como tende a anniquilar o direito, que passa a ser substituitlo pelo imperio da força nas sociedades actuaes. Esta questão é uma das mais transcendentaes do Direito Publico, com o qual, como estaes vendo, tem intimas ligações a Philosophia do Direito, e tambem o proprio Direito Adminis- trativo, que, embora autonomo, não deixa de ser um ramo, todo especial, daquelle Direito. Della terei de occupar-,mc opportunamente na explana- ção do 3.° ponto do nosso programma. Por emquanto, bastará dizer-vos que os poderes do Es,. tado, levados ao extremo pretendido pelo~ seus defensore8, 'é - 21 uma das maiores aberrações, que tal doutrina póde pro- duzir. A prova está na pavorosa débacle, que ha quasi quatro annos convulsiona o mundo, na qual se debatem as sociedades actunes, vendo seus direitos cerceados, sendo delles espolia- das, na paz como na guerra, pelo poder sem contraste do Es- tado, que tudo avassala, Elubvertendo principios, tanto de or- dem moral como de ordem social e politica, conflagrando os povos e ameaçando a existencia dessas mesmas sociedades, que já não parecem Nações civilizadas, mas povos dementa- dos pela idéa de dominação, que se obstinam no erro, masca- rando as suas intenções, que só attendem ás suggestões de sua ampição e egoismo, e que assim se engalfinham numa lucta de extermínio, nesse espantoso regresso de todos ao es- tado da barbaria. E deante desta verdade, como teve razão Hobbes, quando affirmou que o homem é o lobo do homem! Deixemos, pois, que os pseudo-defensores do desenvol- vimento social e do seu progresso neguem ao individuo a . posse de direitos inviolaveis. Seus argumentos não convencem. As suas objecções se resumem no seguinte: a diversidade das Zels e dos costumes entre os differentes povos e a difficuldade de determinar esses direitos, 1Jor estarem em constante opposição uns aos outro!!. A primeira dessas objecções responde com extraordina- ria vantagem Fustel de Coulanges, qUe diz: «A família não 1·ecébeu as suas leis da cidade. Se a ci- dade tivesse estabelecido· o direito privado, é pro~·avel que o ~statuisse inteiramente di.1ferente daquelle que temos visto.» .......................... . ", ...................... . fi Quando ella principiou a escrever as su.as leis, já achou o direito estabelecido, vivendo enraizado nos costumes, forte (:omo a adhe.'lão ltniversa. Acceitou-o, não podendo fazer de O1ltro modo, e nãu ousou modifical-o sen(io muito tempo - 22- dep01:s. O antigo direito não é obra de um legislador; pelo contrario, irnpoz-se ao legislador. Nasceu expontaneamente e completamente formado dos anNgos p1'incipios, que o cons- tituiam. Derivou das cre?1ças religiosas, que eram admitti- das univC'rsalmente na edade pn:miti1:a dos poros e que exer- dam imperio sobre as inielligendas e sobre as vontades»; Cid. Ant. tom. 1.0, pag, 142. . Qnanto á 2 .. '" objecção, é simplesmente imaginaria a n~ cessidade de determinação dos direitos, de que ee trata. Sabendo-se que são direitos anteri01'es a qualquer con- 'Cenção social, 1,01' se baseM'em nas leis eternas da 1'ozão e da moral, elles logo se manifestam nas relações de individuo para individuo, no trato da familia e da vida social. Não teem, portanto, que ser prescriptos ou determinados pelo Estado. E se algum delles se encontrasse em opposição a outros direitos, não seria isto razão para que se negasse a sua exis- . . tenCla. Procederia. a objecção se, dada a· supposta opposição de um direito a outro direito, não houvesse meio de conciliaI-os. Além disso, o argumento, podendo ser tambem appli- . «lado ao direito positivo, prova de mais. Chegar·se·ia assim á negação de todo o direito. Mas, si o direito.é o que acabamos de ver, como se ex. plica o facto de não ser elIe o mesmo em toda parte e entr.e todos os povos? Já no seculo XVII, Pascal- o celebre mathematico, physicoe philosopho fran3ez, fazia esta ·profunda observação: cc Quasi nada se encorl;tra de jltstO ou de injusto, que não mude de qualidade, mudando de clima. Tres grá08 de elevação do pólo destroem toda jurisprudencia, Um meri- diano decide da verdade, ou poucos armas de posse. 23- As lcis fundamcntacs mudam,' o direito tem as más épocas, Singular justiça, que um 1'io ou uma montanha limi- tam / Verdade aquem do,~ Pyrineu,'?, erro além /» Ainda agora, para muitos dos mais abalizados juristas, que vêem as cousas sem ph:lnta~ias e devaneios, <', portanto, é como na realidade devem ser vistas, a verdadeira concepção do direito continúa ainda um etp.rno problema. Discutindo este ponto, um delles chegou a dizer: «O direito não passa de um problema de simples meta- physica, em que o numero das incognUas é 'f!I,uito superior ao das equaç'ões, Não sei si, em absoluto, é verdadeira essa proposição. Sei apenas (e isso affirmo com pleno conhecimento de causa) que o direito, na pratica, não é o mesmo que o direito em theoria. Theoricamente, elle tem, com effeito, caracteres, que lhes sendo peculiares, servem para o di8tinguir do nüo di1'cito.' Na pratica, porém, falham quasi sempre esses' cara- cteres. Cada cflbeça, cada sentençfl i de modo que aquillo que a Pedro parece ser o direito, é tido por Paulo como o contrario. Não ha, portanto, até hoje, um criterio ~cguro, infalível, para bem aferir, se o direito. Ides vê;", no curso desta lrção. que se dá em relação aI) direito exactamente o mesmo que acontece a respeito do bem e do mal, do justo e do injusto. N em todos os distinguem pelo mesmo modo. Variam as faculdades de cada juiz, e, por i8,0, não po- dem ser uniformes os seus juizos e raciocinio". Para outros juristas, o direito é uma creação bizarra do poder Eoeial. Não creio que s<'ja assim, porque, COIDU já fiz sentir, o direito, antes de fler uma creação desse poder, é uma facul- dade inherente á natureza humana. - 24- Como quer que seja, Fustel de Cou1anges,' tratando do ·direito, refere um facto caracterizante, contado por C+aio : cc Era um homem, a quem o vizinho tinhf1, cortado videi- "as.; elle pronunciou a lei,' ma,ç a lei dizia an'Q?'es, . e e lIe pronunciou videiras; perdeu o pl'oce.'IIw.» A Cid. Ant., tom. 1.0, pago 338, Já aqui estaes vendo: 1.0) o erro do Juiz na interpre- tação da lei, em contravcnção desta e em prejuizo do direito; 2.°) A consequente injustiça do julgamento; 3,°) A letra da lei sobrepondo. se ao seu pensamento contra o principio Bcire leges non est verba ea1'ltm te'l'fere, sed vim ac potestatem; 4.°), finalmente, o erro de interprctação, ou o sophisma, dando ganbo de causa a quem não tinha por si o direito. Por factos desta natureza, parece ter razão quem diõse : (C Nas sociedades actuaes o direito é apenas Um termo denominativo, » Sem esposar nenhuma dessas opiniões, devo comtudo dizer, que não conheço regra ou preceito mais arbitrario e fal- livel, mais incerto, variavel e inconstante do que o direito. Em comparação deste asserto, além dos factos da vida quotidiana, abundam' os exemplos na historia. . É bem conhecido o facto de dous homens disputarem.sc uma herança, allegando cada um delles uma lei em seu fa- vor; as duas lei.s são absolutamente contrarias e igualmente sagradas. Em Rhodesa lei prohibia fazer a bar La; cm Bysancio punia-se com uma multa quem possuisse uma navalha de barba. Em Sparta, pelo contrario, eXigia-se que se rapasse o bigode; Foust. de Coul., obro cit., pago 39f1. Na Grecia a creaçlo e a educação dos filhos não era encargo pesado, porque os paes os expunham com a maior facilidade e impudencia. Sparta tinha no Taygetes um abysmo em quese lança- vam as creanças, 'que nasciam aleijadas. Thebas vendia os engeitados em beneficio do Estado; Ces. Canto Hist. Univ., vol. 4.°, pago 216. Explica o que acabo de expôr a di\Tersidade do modo de entender e de praticar o direito pntre os differentes povos nas tres edades antiga, média e mOderI,l8. V Il.ria,com effeito, o direito positivo, como varia a lei de cada paiz; mas é immutavel o direito natural, attributo do 'homem. E se, apezar disso, nem sempre é ) espeitado esse dirtito, a razão é porque o homem ainda não attingin a tal estado . de perfeição, qne, a seu resppito, se possa dizer: O homem, na convi vencia com seus semelhantes, tendo conseguido dominar os instinctos máos e abrandar seus cos- turnos, não é mai!! o rude ambicioso, egoista e hypocrita, dos tempos da barbaria. Venceu todas as suas más inclinações o nperfeiçoamento por ellealcançado; graças ao polimento de sua natureza pelos beneficios da civilização. De feroz e brutal, que elle era, tornotl·se o re!'opeitânor consciente do direito de seu semelhante; o cnmpridor rigoro- so dos mandamentos da lei, o dominador, emBm, dos' inte- resses subalternos em todas as condições e relaçõ ~s de sua vida em sociedade. Até que esta aspiração se converta em realidade, não nos admiramos de ver postergados os direitos natUl'aes do homem. Foi sempre assim ~odos os tempos; mas a verdade é que os mesmos continuam immutaveis como um attributo, romo um poder immanente do homem. O mesmo, porém, não se dá em relação aos direitos de- rivados ou. positivos. Estes variam sempre; e, nesta accepção, eu os considero um producto cultural do espirito humano, concretizado em preceitos estabelecidos 'pela lei no interesse da collectividade social. Relativamente a esta ultima especie de direitos,. eu vos 26 - darei, em um enthymema, a idéa que se me afigura exacta na pratica dos mesmos. O direito não tem um fÓ criterÍo para todas as intelli· gencias; lo~o é vário. Nunca é entendido do mesmo modo; logo é sempre variayel e controvertido. , E' sempre incerto na, sua applicação; logo nem sempre garante ao seu sujeito. Devemos por isso dl'spsperar do direito? Seria um erro! 1\ O mundo, diz um grande philosopho, não é bom, mas póde ser melhorado pelo esforço dos homens. E' perfectivel, e isto basta, para dar á vida a sua ra- zão de ser: o esforço para o melhor. 11 Alonguei-me talvez de mais, na explanação desta pri- meira parte do· nosso programma, pela necessidade de dar áquelles dos meus condiscipulos, não formados em sciencias juridicas, pelo menos uma noção, fiel e exacta, quanto possi- V('J, do direito em these, assento principal do direito adminis- trativo, que temos de estudar. * II - Reza a 2.& parte do nosso ponto, que - o direito precede á lei, na qual assenta principalmente a organixação política e administrativa do Estado. E, com effeíto, assim se deve entender, como procurarei demonstrar. Na propria exposição que vos fiz, para estabelecer o CO[1. ceito do direito em these, tendes a prova de que o direito precede á lei. A lei, como regra de aeção, vem depois, e assenta, prin- cipalmente, sobre esse direit9. A lei, portanto, que aqui consideramos é a escripta, em contraposição á não escripta, ou lei natural. A primeira, ,tambem conhecida por lei positiva, é obra 27 - do homem, variando, por isso, de accôrdo com os usos, ha- bitas, costumes e tradições dos diversos povos. A segunda, porém, é uma e a m e~ma em toda a parte; não é dijJerente hoje do qUA será amanhã; é immutavel, uni- versal, inflexivel e sempre a mesma, abrangendo o mundo, todas as nações e todos Os seculos. Feita, dest'arte, a necessaria distincção entre a lei natu- ral e a lei escripta, resta llccrescentar que Montesquieu aflir- mau que todos os seres teem suas leis. Não devendo, por isso, viver o homem sinão em socie- dade, preciso é que o mE'smo se submetta. ao irnperio natural das leis a que está sujeito. . Está na consciencia de cada povo a origem das suas institlliçõt's sociaell. Da crença deriva a religião, na qual, por sua vez, se inspiram todos os seus usos e costumes. Eis, em synthese, a genesis de todas as sociedades actuJ.es. Vale a pena demonstrar com a historia a verdade deste asserto. Falle por nós Fustel de Coulanges: ~<O laço social não é facil de estabelece1' entre seres ht~ manos, que Eão tão diversos, tão livres, tão inconstantes. Para dar-lhes. ,'egl'as communs, para instituir o com- mando e fazer acceitar a obediencia; para fa~er ceder a paixão á 1'azão e a 1"azão individual á ,'azão publica, é preciso com certeza alguma cousa mais forte'do que a força material, mais respeitavel do que o interesse, 1Wf, I S segUl'a do que uma theoria philosophica, mais immutavel do que uma convenção: alguma cousa que esteja egualmentc no fundo de todos os corações e que nelles se firme com impe· rio, Essa cousa é uma crença, Nada ha mais pode1'oso sobre a alma. Uma crença é a obra do nosso espírito; mas nós não te,r/.Os liberdade para modifical-a á nossa ·vontade. E' creação nos.Ya; mas nós não o sabemos. E' humana e julgamoZ.a Deus. E' o etfeito. do nosso poder e é mais 28 forte do que nós. Está em nós; não nos del:xa;· a todo o momento nos faUa. Si nos manda obedecel', obedecemos; si nos indica deveres, submettemo-nos. » Dahi, a principio, as regras da organização domestica; ou, noutros termos, da organização dos varios agrupamentos humanos, por ~nde sempre começaram as organizações 50-' ciaes, taes como a familia, a gens, a tribu, etc. Mas notae bem que, sendo esta exactamente a origem de todos os povos, nem por isso deixa de caber á lei a tarefa. de estabelecer regras e preceitos (sempre de accôrdo com a crença de cada povo) para serem seguidos e observados pelo homem na vida em sociedade. NeUa, portanto, assenta principalmentE", como refere a segunda parte do nosso ponto, a organizaçi'1o politica e admi- nistrativa do Estado. Della resulta a formação do Estado, que se torna, desde logo, uma creação necessaria á coexistencia dos homens em sociedade. Do Estado deriva o principio fundamental da autoridade, sem a qual não haveria ordem jurídica, sob cuja protecção precisam viver o homem; a fdmilia, a sociedade, a Nação e o proprio Estado. A ordem juridica, portanto, é a base de toda a existen- cia social. Pur sua vez, o Estado é uma entidade essencialmehte política, que, para attingir aos fins que lhe ~ão destinados, p,recisa de uma organização, que deve ter principalmente como fundamento a lei. Aqui temos, pois, a lei como acto posterior ao direito, nascendo delle, por força da necessidade de sua observancia e manutenção. Essa organização comp'ete ao governo do Estado, que, pela multiplicidade de suas funcções, reconhece, desde logo, a necessidade de confiar a div61'SOS funccionarios ou agentes, distribuídos em diversos pontos do territol'io do paiz, a exe- - 29- cução das leis votadas pelo poder competente, o governo e a dil'ecção dos negocios publiros. Exercendo essa fnneção, o Esta80 age como orgão, que tem por funcção exprimir e applical' a idéa do direito, para o bem da collectividade. Exerce, por isso, uma funcção especialmente regulada pelo Direito Constituci~nal e Publico, do qual, pela necessi- dade da separação de funcções, se destaca como subdivisão ou ramo do seu tronco -- o Direito Administrativo. Assim que, o poder administrativo, assim instituido, en- trando logo em funcção, ?'ecebe o cidadão desde que começa a viver, dá,lI/e um estado civil; p,'oporciona,lhe instrllcção adequada á sua existencia. socidl; não pe?'mWe que seja perseguido P01' motivo de 1'eligião, umavex que respeite a dos out1'OS cidadãos e não offenda á moral publica .. assegu- ra-lheo livre exe"cicio dos Sel/R di1'eitos políticos: impõe·lhe o cumprimento de deveres pam com o Estado, e, depoii5 que {aUece, ainda lhe presta as ultimas honras,. V. Cab., Dir. Adm. Bras" pago 28. Evidencia o exposto que, em tudo, se differenciam as funcções propriamente politicas do Estado das qUe compe- tem á Administração. Poderes distinctos e 'independentes são, comtudo, intima e substancialmente ligados entre si, a ponto de se considera- rem - orgãos componentes de um se?' unico e vivo; Rib., Dir. Adm., pago 53. III - Passemos !i terceira e ultima parte do noss(l ponto - a Bciencia da administração. Oomo dev~ ser a mesma entendida? Antes de tudo~ convêm não confundir o .direito adminis- trativo com essa sciencia. O direito administrativo, objecto do curso desta cadeira, assenta, em todos sentidos, sobre o~ princípios basicos dos di- - 30 ~ reitos oríginario~,attribtltos do homem e de toda a sociedade politicamente organizada. . E', portanto, um complexo de leis, destinadas a regular as relaçües dos direitos e deve1'es reciprocas da administra- çflo e dos administrados. Esse direito, assim definido, é principalmente conside- rado em sua accepção objectiva. A sciencia da administração é, pois, como se vae ver, cousa diversa. Sciencia (ensinam os mestres) é tudo o que se póde re- duzir a regras e preceitos; é sempre o fructo do raciocinio e da observação. Noutros termos: asciencia é um conJuncto de conheci- mentos coordenado.'!, 1'elativo8 a um objecto determinado. E' al:!sim que se consideram as sciencias não só physicas como moraes e· políticas, . em cujo numero figura a sciencia da admi nistração. E' exactartlente esta a sciencia que miniôtra aos diri- gentes do Estado os conhecimentos necessarios para b~m go- vernai-o. E' ,de accôrdo com ella, que se estabelecem as fórmas de que se devem revestir os actos dos executores da lei e dos investidos de qualquer parcella de autoridade na publica administração. E' ainda de accôrdo com <ls ensinamentos dessa scien- cia que se decretam as leis administrativas; que se esta- belecem as fórmas dos actos e as condições dos seus pro- cessos; que se organizam as repartições publicas de natu- reza administrativa; que se determinam as funções dos orgãos administrativos do Estado; que se regulam, emfim; os serviços confiados á sua direcção no interesse da com- munidade social. E', portanto, uma sciencia qtHl tem, além de um córpo de principios e doutrinas, baseados no conhecimento exacto e raciocinado dos fa\}tos sociaes e no estudo das· leis e phe- - 31- nomenos que regem esses factos, a' sua pa~te regulamentar e technica. Depois disso, é desnecessario encarecer ,aqui a utilidade e a importancía desta sciencia. O regimen administl'ativo, pelo que acabo de expender (logo o estaca vendo), é uma necessidade de toda sociedade politicamente constituída e organizada, qualquer que seja o systema de scu goV'crno. Escrcvendo a respeito deste regimen, diz Houriout: «Todos os paizes da Europa continental estão comple- tamente nesse 1'egimen, ai/Ida que em gráos desegltaes. A França parece ser o paiz onde a administração tem mais força, 7/laior repercussão Nobre a vida geral, e onde, ao 11le.~mo tempo, a organixação do regimen é a mais aper- feiçoada; Précis du Droit Adm., pago 2. Francamente, não Vf'jo que tenha razão o eminente Pro- fessor da Univ~rsidade de 'l'oulouse, para presumir tanto da excellencia do regimen administrativo do seu paiz. O regimen administrativo francez, além de resentir-se de grandes defeitos, pelos quacs tem soffrido justas e mere· ddas censuras, .é um regimen muito complicado, não podendo, por isso, ser adoptado como modelo a seguir. Por tal modo se multiplicaram os vi<.:ios desse f-ystema e as exig~ncias dos seus prOCeS50E', que chegm'am a ser aban·' danados 08 cursos de direito administratil'o pela grande massa dos estudantes, que consideravam tal disciplin'J. como a materia mais indigesta e insupportavel dos programmas; Marn., obro cit., pago 36. 4.Não era á França (accrescenta Marnoco, citando Clovis Bevilaqua), mas á. AUemanha que estava reservada a gloria ~e reno,ar completamente· os estudos da administração pu- ' lllica.» «Effectivamente, a sciencia da administração por Stein, e desenvolvida principalmente pelos alcunhados cathedren so- <JÍalisten Wagner, Engel, Bretano, Cohn, etc., e, na Italia, - 32- por :Missadaglia, JIorpllrgo, Ferraris e outros, é muito diffe- rente dos estudos administrativos dos professores e autores francezesl. que deixaram em obras informes bem assignado o . seu critpl;io e~treito e empyrico» ; Clov., Dir. e Econ. Polit. pago 127 e segs: Guardemo-nos, pois, em o nosso estudo, de imbuir-nos das idéas de Houriout e de outros publicistas francezes, que ainda agora doutrinam e sustentam principias, que não me parecem verdadeiros, como no correr de minhas prelecções terei occasião de demonstrar. Occupando-se da enorme extensão, vasta e complexa, do direito adminisirativo em suas relações com o Direito Cons- titucional e Publico, com a EconolJlia Politica, com o Di .. reito Privado, e ainda com eutras sciencias que lhe são au· xiliart:>s, pondera Bride!: São tantas as materias, de que o direito administrativo se occupa, que o mesmo se me afigura um extranho caphar- naúm! E então illquire Bridel: não haverá um meio de selec- cionar, deste cOlljuncto heteroclito, certas partes 8ufficiente- mente independentes, para constituirem ramos distinctos do Direito Publico? Penso que sim! Mas, ao meu vêr, o grande inconveniente, que o illustre Professor procura remediar com o alvitre que propõe, po- deria ser mais facilmente removido por outro meio. Seria o de abster- se o Estado de opprimir o povo com tantas reformas superfluas e infructuosas. Jean Cruet tem, a este respeito, uma phrase digna da meditação de todos os governos. EVe diz: V ê- se todos os dias a sociedade reformar a. lei; nunca se viu a lei reformar a sociedade. E Gustave Le Bon, taÍnbem se occupando das illusões legislativas na França, muito acertadamente pondera: «O dogma sagrado do poder das leis é talvez o um·co· - 33- que subsiste de pé e que os theoricos veneram. Si o ?'deal de um partido politico pcrmittisse definira, poder-8e-ia dixe}' que não existe em França sentia um partido. Todos possuem, com ejJeifo, um mesmo ideal: refo/'mar a sociedade a golpr::s de decl'cto,ç, e pedir ao Eçtado sua constante intervenção na vida social· dos cidadãos», La Psych. Polit" pag .. , Sendo este tambem o mal do Brasil, cada anno que passa augmenta consideravelmente, em proporções extraordinarias, o numero de leis, que hoje se contam aos milhares, formando montões de duras obrigaçõ~R para o povo, e constituindo o tormento dos que, pelos deveres da profissão, não ·podem dei- ~~U~~~ . A consequencia, meus senhores, é que todos sentem ó incommodo, a pressão, o vexamE', o poder aspbyxiante de tantas rebrmas imponderadas, hoje feitas, para amanhã se- rem logo desfeitas, ou substituidas por outras ainda peores, sem coII;1 isso melhorarem as condições de liberdade, deinde- pendencia e de bem-estar do povo, apesar das intenções pa- trioticaa, com que nos procuram felicitar os nossos legisla- dores! •. DIREITO ADMINISTRATIVO . 3 SEGUNDA LIÇAO 1. Fundamento dos poderes poli ticos do Estado. -lI. Como se dividem esses poderes. - I lI. Logar que compete, enlre os mesmos, ao poder administrativo. - IV. Deveres . primor- diaes do Estado extensivos á Administração Publica. Meus senhores: O ponto que constitue ohjecto da lição de hoje é mate- ria nwis de direito pu\)lico e constitucional do que de direito administrativo, propriamente dito. A pesar disw, logo se comprehende, pelas intimasligações deste com aquelles outros raUlOS de direito, ou antes, pela connex?b que existe entre os mesmos, a consequente necessi- dade de aqui estudarmos o fund(tmento dos poderes politicos elo E .. dado, dos quaes o poder administrativo faz parte. E' uma questão sobre a qual, não nos sendo possiyel erear causa alguma, apenas nos é dado explanal-a no terreno de theorias conhecidas, fazendo um trabalho de simples con- densBçZio. Mas, antes de indicar com exactidào os fundamentos po- liticm; do Estado, cumpre dizer o que pelo mesmo se deve· entender, Que é o Estado? Onde reside o fundamento do poder, que eIle exerce? São multi pias, como S'dbeis, as accepções da palavra Es- tado. EUa deriva do latim - status, e litteralmente significa situação das cousas. E' neste sentido que se diz - uma nação em estado de ---.:.. 35 ......;, guer'ra; uma casa em máo estado; um homem em estado de demencia; o estado de ,mude, etc. l\fas, não é neste sentido que aqui consideramos q Es- tado. Por uma verdadeira homonymia, aliás muito commum na língua portugueza, a palavra estado tem" muitas outras 81- gnificações. No sentido do nosso ponto, eIla deve ser tomada na accepção política, e, como tal, significa - o poder gove1'-, 'na mental. lUas, além disso, ainda em politica, a palavra Estado exprime tambem - todo um paiz representado pelo seu go- ve1·no. e) No 1.0 caso, o Estado, assim constituido, é considerado uma entidade moral, investida dos necessarios poderes, para o governo ele uma Nação. No 2.°, o vulgo, estabelecendo verdadeira synonymia en- tre os dous vocabulos de significações differentes, confunde Paiz com Estado, a ponto de, por vezes, indistinctamente em- pregar uma expresssão pela outra, como succede no segundo exemplo citado. Ainda em relação ao primeiro caso, vê'se bem que o Es- tado, como simples entidClde moml e tambem politica, não poderia por si exercer o governo. A~sim, entretanto, se considera por uma ficção de direito. Na realidade, só nas pessoas naturaes, escolhidas para exercerem a autoridade e dirigirem os publieos negocios, por força dos poderes, que, para isso, a Nação lhes outorga, é que se encarna o principio rep1'fscntativo do Estado, em cujo nome elIas agem. 'remos, portanto, que o Er,tado, tal como eu aqui o con- sidero, é o que se póde dizer - a Nação soberana, constitu- (I) Diel. de la Convers.,v. État. * - 36 --:- cionalmente governada por fórma e poderes pela mesma esta- belecidos, em territorio por ella occupado. Estabelecida, por este modo, a noção do Estado, e conhe- cidos a origem e o fundamento dos seus poderes, resta saber como se limitam esses poderes. Modernamenta, nos paizes constitucionaes, t'ldos os poderes do Estado são limitados pelos direitos q'~e· as Constituições asseguram a todos os cidadãos. No Brasil, por exemplo, a sua Constituição tem uma se- cção especialmente consagrada á declaração desses direitos; arts. 72 a 78. (Vide Appenso lI). . Além desses limites, os· poderes do Estado só. podem ser exercidos na circumscripção territorial do paiz. Fóra dahi, só por excepção se admitte, de accôrdo com os principios do Direito Internacional, a exterritorialidade das leis brasileiras noutro paiz. Tem sido sempre este o conceito do Estado? Pelo contrario. No tempo da dominação romana cabia ao imperante a personificação do Estado. Nelle se resumiam, por effeito da lex 1·egia, os podere!>, que então se denominavam - imperium e pote.'Jtas, signHi- cando, no primeiro caso, o poder do mando, o exercicio· da autoridade, e no segundo - a força de que devia dispôr essa autoridade pora mandar e ser obedecida. (2) O imperador era o unico titular desse direito. Anteriormente á Revolução Franceza, Luiz XIV chegou a dizer: « L' État c' est m.oi! Conscio do poder, de que se achava investido, o seu go- verno, todo pessoal, a exemplo dos imperadores romanos, tor- nara-se, em pouco tempo, despotico e absoluto. E, dahi, o seu dito meIP,.oravel, que a historia registra '(2) Duguit, - Les Transf. du Dl'. Pub., pago 3. - 37- Só elIe dictava a lei; tanto que, pelo vigor do seu espi- rito, como pelo brilho de sua gloria, foi appellidado o Rei-Sol. Sobrepujou a tudo o 'poder sem contraste de sua vontade: deante deHa, de nada valeu a influencia dos homens de genio, que então possui a a, França, e que tanto illustraram o reinado daquelle Rei nas letras, nas artes e nas sciencias. A sua ambição desmedida exgotou os recursos da Nação e augmentou a mis~ria do povo. Luiz XIV, tomando a si a direcção suprema do governo, só teve, depois disso" uma preoccupação: banir do reino toda a seita reformadora, inimiga de todo o poder absoluto. (3) E assim, dominado por essa idéa, não via que, governando sem peias, preparava a revolução, com que o povo francez, cansado do jugo, em luta de vida e de morte pela reivindi- cação de seus direitos, devia mais tarde levar ao cadafalso Luiz XVI, e, com eEse tragico successo, apressar a queda da monarchia em França. Variou, depois disso, o conceito do Estado por efIeito das idéas de Locke, Mably, Rousseau, Montesquieu e da Consti- tuição votada em 1787 pelo Congresso de Philadelphia, na America do Norte. Por essa Constituição a Nação passou a ser une per- 80nne titula ire du droit sltbjectif de puissance publique, du pou?;oir de commandement ou 8oltveraineté. (') Apenas decorrera um seculo, e já arguciosas theorias e· doutrinas de innovadores reaccionarios subvertiam os princi·. pios fundamentaes do Direito Publico, que ainda agora re- presentam a mais bella conquista da razão esclarecida pelos eminamentos da philoE:ophia christam sobre o obscurantismo dos povos barbaros da edade de ferro e medievaes. Dahi, a profunda divergencia dospublicistas, na actua- (3) Dict. cit., voI. 12, pago 451. (4) Dug., obro cit., pago 13. - 38- li,jade, ~í.cerca dos podet'es do Estado e do papel, que .lhe compete no governo do mesmo. l\[uitos deHes (felizmente ainda em minoria) são acerri- mos defensores do Estado senhorio, "do Edtado omnipotente, do Estado patrimonial. Esta concepção, baseada na mais abstrusa de todas as theorias, é h~ie principalmente positivista. Duguit dá-nos da mesma uma idéa exacta e perfeita nos seguintes termos: ( As dltas idéas que lhe se?'vem de apoio (diz Dll.rJlliT), (t soberania do Estado e o direito natural do individuo, desappareceram. Uma e outra são conceitos meta- physicos, que não podem servi?' de fundamento ao s,1j$tema iuridico de uma sociedade toda penetrada de positivismo, E assim conclue esse publicista, affirmando que a dele- gação nacional é uma ficção; ob. cit., pags. XIV e XVI. Deixemos Duguit, meus senhores, com o seu erro de apreciação a respeito das cousas metaphysicas, com as suas preferencias pelas idéas positivistas, e não esqueçamos que tudo isso se reduz a nada ante as pl'oprias contradicções da escola a que elle é filiado. Não soil eu quem o diz; foi Littré quem sustentou que as duas partes da doutrina de Comte - uma politica e outra religiosa -esta!'am em contradicçao. E assim é, realmente. Comte rejeita as idéas universaes até hoje Receitas como _principios fundamentaes dos nossos conhecimentos, por serem .cousas metaphysicas; considera ficção o principio universal- . mente admittido da delegação nacional, sobre que assenta o direito publico moderno, e não vê que muitos dos principios, em que se baseia a sua doutrina, sendo, por igual, a fonte d~ seus conhecimentos, ou de sua sciencia, tllmbem são metaphy- sicos. No rigorismo dos seus principios, Ri não chega a negar em absoluto a existencia de uma causa primaria, declara, com- tudo, que a mesma não constitue objecto de suas cogitações. 39 - E, sem embargo disso, em todo o longodesenvolvimento dado á sua doutrina, Comte não só allude aos principios abs- tractos, que condemna, como repetidamente o;; invcca como fundamento da organização positiva da sociedade, a ponto de avançar esta affirmação contradictl)ria: « E' preciso crear um poder espiritual (nota e bem!) distincto do poder politico, que assegure a superioridade do direito sobre a força (5). Como vêdes, Comt", além de contradictorio, é pretenci080, desde que se arroga o poder de crear aquillo que nega e que nunca lhe fOl dado conseguir - o intitulado poder espiritual, com que sonhara, a ponto de divinizar o homem, fazendo delle objecto de um culto - o da Humanidade! Mug, que é esse poder espiritual, senão o reconhecimento formal de uma ver- dade assente principalmente na metaphysica, que Com te com- batia como um erro da orthodoxia christà? Que necessidade tem o positivismo desse poder, se elle encara a vida unica- mente pelo lado pratico, pelo lado uta, pelo lado do interesse, sendo este o principio utilitario e basic:o de sua doutrina?· Tenhamos, portanto, como certo, o que eu já tive occa- sião de vos affirmar : No Brasil, como nos paizes mais cultos, como na propria França, onde se deu ao positivismo a fórma de um I'ystema, os poderes do Estado provüm do povo, const.ituido em Nação. Conforme o nosso regimen instituido pelo movimento de 15 de Novembro de 1889 e consolidado pdo Pacto Federal de 24 de Fevereiro de 1891, a Nação Brasileira, que antes vi.via sob um regimen inteiramente diverso (il monarchico) adaptou, como iórma de [!overno, sob ° regimen representativo, a Re- publica federàtiva, proclamada na primeira das referidas datas (15 de Novembro de 1889); e assim se constituiu, pOI" união perpetua e indis80luvel das antigas pl"ovincias, em Estados Unidos do Brasil; Consto Fed., art. 1.0 (Appenso n.o II). ri) Encycl. Port., vol. 8, pago 842. - 40- Como estaes vendo, neste artigo da nossa Constituição te- mos nós o conceito scientifzco do Estado Federal j assim como a ex&cta discriminação de sua fórma politica. (6). Segundo ella, o povo brasileiro, no uso de sua soberania~ organizou o seu regimen politico actnal, dividindo o antel'iOl' Estado unittJ.rio do Brasil em Estados particulares, dando ás antigas p1'ovincias eS8e novo caracter. (1). Vem a proposito dizer-vos, que Duguit, filiado á escola positivista, sustenta que o dogma da soberania nacional está em contradicção com 08 transflJl"rnaçues 80ciaes e politicas, por que teem passado 08 E8tados, nlém de que tem pel'dido sua effzcacia, e, p01'vezes, a 8ua acção é nociva (8). Não cabe aqui a refutação de tão extranha theoria <', por isso, aguardando opportnnidade de voltar a esta questão, proseguirei 110 desenvolvimento do ponto, objecto de nossa lição. Por -força do regimen instituido a 15 de novembro de 1889, e consoante a natureza do mesmo, temos o Brasil unido por uma liga, alliança ou federaçãf) de E8tados em um 8Ó Estado, formando uma União perpetua e indissoluvel, como positivamt>nte o aflirma o citado art. 1.0 da Consto da !tepn- blica. . Dahi decorrem os seguintes corollarios: V') Como l'egimen repl'esentativo, o governo do Brasil é exercido por mandalari08 escolhidos pelo povo (institucional- mente soberano) para ag.ir em seu nome; 2.°) O meio pelo qual, entre nó:!, se confere esse mandato é o da eleição directa; 3.°) O governo, não podendo e nem devendo ser directa- mente exercido pela universalidade dos cidadãos, pelos grandes inconvenientes que disso resultariam para a marcha regular (6) J. Barh., Com. á Const. pago 8. (7) J. Barb., Com. ti Const., pago 8. (8) Duguit, obro cit., pago XV. - 41- dos negocios do Estado, só póde ser legitimamente exercido por via de delegação pelai:! poderetõ publicas c0115tituidos pela Nação; (9) 4.°) E' um poder inherente. ao povo, por meio do qual elle determina não FÓ o modo por que qner ser governado, como o meio pel"Ô qual se devem regular as fórmas, condições e ga- rantias com' que deve ser exercido o poder publico; J. Barb. obro cit., pago 8. E tão legitimo é esse poder que, apesar das objecções que lhé são oppostas, a verdade é a 8eguinte, dou- trinada por um escriptor emineLte: «A pri meira condição de 11 ma N arão é uma idéa pratica commum: um fim de activida,de commuln» « Todo o POt'O que se tem feito G instrumento de uma rpa· lização social (como o Brasil, por exemplo, em 15 de no- vembro de 18.SS); que tem contribuído para a manutençno da independencia nacional na ubra do progresso geral e que assim tem occlll'ado o SClt pusto na historia, tem o direito de c(mscrvar este posto, e do mesmo só podel'ia ser expulso pela violenda e pela iniquidade.D 5.°) Ma!', a delegação (de que ha pouco fallavamotl) não póde ser :-.bsoluta e incondicional. Sómente dada para o exer- cicio de poderes soberanos, o povo com isso não demitte de 81, não abdica nos representantes a soberania. (9) E se não, eis a prova: Supponhamos que os delegados do povo, abusando ou exorbitando, no exercicio do mandato, dos poderes que lhes foram conferidos, t!'ahem a causa do povo em assumpto tão grave, ~ ponto de comprometterem não EÓ a integridade, como até apropria existencia do phiz. A hypothese não é inverotõimil e nem irrealizavel; é digna, portanto, de ponderação. Haverá, em tal caso, quem possa negar ao mandante o (9) J. Ba~b., obro cit., pago 8. 42 - direito, o p01er (le ca"sar o mandato por elIe conferido aos seus mandatarios? O que logo se vê, meus f'enhores~ e facilmente se com- prehende é que, no caso, o povo teria niio flÓ o direito de reti- rar a delegação, como de punir leg'l.lmente o crime dos seus delegados. • ?\ão podendo ser outro o princi pio regulador da hypothese, responde triumphalmente o 'mesmo principio a esta affirmação de DUg"nit: « Roj~ não mais se explica uma delegnção nacional, que nã') é senão uma ficção. Na realidade ella não existe; e, quando assim não fosse, mesmo que exprimisse uma vontade unanime, não seria senão a vontade de uma S'lmma deindivid'llos; isto é, uma vontade indl:vidual, que não terig, o direito de impôl'-se áquelle que contra ella se insurgisse.)) Admiro, senhores, o talento de Duguit, cuja autoridade, como publicista, reconheço e proclamo; mas não sei si se encon- trará no seu livl'o-Les T'ransfol'mations du Droit Publique (l0) argumento mais destituido de fundamento, ou, por outra, mais dissonante com as suas proprias razões do que este! Não vê Duguit, que, nomeando o povo seus delegados, sem demittir de si os poderes que lhes confere, e isto Sll; conditz'one, não lhes faz cessão ou doação de um siquer dos seus poderes! Não vos passe despercebida a contràdicção de Duguit, considerando unaninie a somma de vontades individuaes, da qual se destaca uma vontade divergente! Conforme dizia, o povo confia aos seus mandatarios, ape- nas para proveito commum, as funcçõe,; e faculdades necessa- rias á boa gedão da causa publica (l'epublica); mas não se despoja do poder supremo, por força .do qual os commissionou para o governo ('1). (10i Dug., obro cit., pago XV e XVI. (") J. l3arb., oh, cit., pago 8. - 43- Conseguintemente: a) a delegação não é e nem póde ser perpetua; b) deve, por isso, ser revogada periodicamente, a prazos curtos ; c) distribuida por differentes orgãoR, tendo cada um deIles funcçàes definidas e limitadas; d) finalmente, sendo responsaveis no exercicio deIlas todos os agentes do poder publico e~). Sem a observancia dessas condições, accrescenta o illustre commentador da nossa Constituição, não haveria systema re- presentativo, que então se tornaria uma burla, degenerando a representação em despotismo disfarçado com as formulas da li- berdade - a peior das tyrannias ! Tem-se, por consequencia, qu e, tal como aqui euconsidero o Estado, de accôrdo com a melhor doutrina, os poderes pro- ,eem originariamente do povo ou da Naçuo, que temporaria- mente os outorga, e se acham expressos e definidos, em syn- these, na Constituição da Republica. Póde, portanto, affirmar-se, que o fundamento dos poderes politicos do Estado está primeiro na lJropria m'Aão delenni- nante da sua organização; depois, na escolha de seus dil'i- gentes pelo povo ou Nação. n. Vejamos agora como se dividem os poderes do Estado. Logicamente, logo se percebe, que, para se estabelecer a divisão dos poderes referidos, faz-se mister conhecer primeira- mente quaes sejam esses poderes. _ No Brasil, e na fórma da sua Constituição politica. o go- verno geral do paiz é confiado á União, que, como sabeis, é formada dos Estados da Republica, constituindo um governo commllm 011 gernl, conhecido por esta denominação (12). Esse governo coexiste com o dos Estados, com o qual se não confunde, e é assim que, conforme este systema, existem duas qualidades de govl'rno no mesmo tel'1"itOl'io, ou em cada Estado: governo nacional e governo estadual e3). (12) J. Bal'b., obr.cit , pago 8. (13) J. Barb., obro cit., pago 8. 44 Apezar, porém, dessa dualidade de governo, é no povo, de -que se compõe a Nação, que reside a soberania; de modo que sómente a esta cabe o poder de constituir, emendar e re- ,formar seu systema de governo como lhe aprouver (14). Todo o Estado, pois, politicamente organizado, presuppõe Governo, e este é o poder a quem incumbe gerir e administrar superiormente os negocios da Nação em tudo o que interessa á existencia da mesma, ou do proprio Estado. Esse poder, considerado no mais alto ponto do seu cara· cter institucional, ou é exercido por uma só pessoa, ou por um conjuncto de pessoas. No 1.0 caso, elle só póde existir nos paizes sujeitos ao re- gimen do absolutismo ou da dictadura, que é, como sabeis,o Governo, em que o dictador ou o Rei, no exercicio do supremo poder do paiz, absorve todos os demais poderes, em que se di- vide o Governo do Estado nos regimens constitucionaes. Sómente ao Rei ou ao dictador, como unico representante da autoridade constituida,' compete o poder supremo do mando, inherente á dignidade ou cargo por elle exercido, Não quer isso dizer,que não tenha auxiliares qualquer desses governos; matl o facto é que todos os actos, por e11es praticado!:', o são em nome e por força unicamente do poder do dictador ou do Rei. No 2.° caso está precisamente o governo do Brasil, que é constiuido por tres poderes, que Be~jamin Constant, membro do Instituto de França, e illustre autor do classico livro - «Curso de Politica ConstitucionabJ, deno~ina-poderes cons- titucionaes, os 'quaes s.ão: legi.Qlativo, executivo e juridicQ. Esses poderes são os mais altos representantes do governo da Nação, na fórma das. disposições precitadas. de nossa Carta Constitucional. O 1.0 desses poderes, .na ordem estabelecida pela CODsti- ('4) J. Bal'b. obro eit. pago 8. - 45- tuição, é o legislativo, exercido pelo CongresEO Nacional, COm a sancção do Presidente da Republica (Constituição citada, art. 16). Appenso n.O n. Por sua vez, o Congresso Nacional se compõe de dous ramos: a Camara dos Deputados e o Senado Depois, er:ttre os investidos das attribuições do Poder Executivo, figura em primeiro logar o Presidente da Republil:a como Chefe electivo da Nação (Constituição citada, art. 41). Appenso n.O n. Finalmente, o terceiro poder é o J udiciario da U nirto, tendo por orgão um supremo Tribunal Federal, com séde na capital da Republica, e tantos juizeEl e Tribunaes fede~aeB, dis- tribuidos pelo paiz, quantos o Congresso crear (Constituição citada, art. 55). Não cabe aqui a explanação theorica e nem doutrinaria de cada uma das di"posiçCies, que [Icabo de citar da Constituição da R epublica em relação a esses poderes. Não posso, por eguaI, pela estreiteza do tcmpo, e pelo circulo, asslts limitado do nosso ponto, aqui enumerar as attri- buições desses mesmos poderes. Tudo isto pertence mais particularmente ao domini.o do Direito Publico e Constitucional, e, assim passarei a tratar da 3.a parte do nosso ponto, que tem por fim saber qual o loga?' que compete, entre os tres poderes referidos, ao pode)' admi- nistrativo. III. Este podcr, conforme eu tive occasião de dizer em minha lição inaugural,' deriva instituc~onalmente do Direito Constitllcional e Publico, do qual, pela necessidade da separa- ção de funcçõel'l, se destaca como subdivisão ou ramo do seu tronco, e é, comtudo, autonomo. Faz parte, por consequencia, do poder politico em geral, a quem, no dizer de Ribas" incumbe realizar a missão do Es- tado. Particularmente, pois, em relação ao poder administrativo, pode-se dizer, que tem por fim regular a acção e a compe- - 4G- tencia da administração central, das administrações locaes e dos Tribunaes administrativos em suas relaçõ~s de direitos e interesses tanto dos administrados com o Estado como desto.s com aqnelles. Não é outra a noção, que nos dá Cabantous, dos diversos ramos do Direito Publico, quando, estabelecendo a distincção entre este e o direito privado, diz que - o dil'eito pri'vado comprehmde essencialmente o direito civil, o processo civil, o direito commcrcial, e, accessoriamente, o direito criminal, como sancção e ga1'antirt do direito civil,. ao pas150 que o Direito Pu- blico, no seu mais lato sentido, abrange o Direito Internacional, o Direito Constitucional e o Dirúto Administratiro. IV. Temos, depois disso, senhores, de tratar dos deveres pn:mordiaes do E:stado extensivos á Administraçi'io Publica. Não é, comO vêdes, materia estranha ao o~jecto desta ca- deira. Si esses deveres constituem, de facto, materia de direito publico, nem por isso deixam de interessar igualmente á administração publica, pela inteira ligação desta cum o Estado. Partindo do principio (que eu convictamente defendo) de que o Estado não é senão nm meio ao ser viço da collectiri- da de social, que o mesmo 7'epresenta (o que significa que não acceito sem restricções este mesmo p:incipio estabelecido como absoluto, pdos autores inglezcs e americanos, que o erigiram em systema; (Bluntschli, Théor. Géner. de l' ~~tat, pago 2õü) é bem de ver que todo o Estado, como personalidade ele natu- reza moral e politica, como poder dirigente da Nação, logil'a- mente deve ter um fim, todo especial, ,o~jecto de sua missão. Esse fim varia conforme as tendencias das várias escolas, em que se hão dividido os tratadistas de direito Publico. Mas, a discussão desse thema, que envolve, antes de tudo, uma these de superior importancia, já pelas controversias que suscita, já pelo seu grand,~ alcance social e politico, não cabe aqUI. Opportunamente, elle terá logar mais apropriado para ser discutido, e aBsim passo a mostrar-vos quaes são, no meu - 47 -- entender, os deveres primerdiaes do E~;fado extellsil'os á admillz'stração publica. A respeito desses deveres, cumpre, desde lugo, chamar a vossa attenção para a antiga maxima de Direito Publico- Salus populi sup1'ema lex est. Não preciso aqui traduzir esta maxima, porque logo estaes vendo qual a sua significação. A verdade é que, desne Roma, onde foi formulada, a mesma tem sido sempre invertida e sophismada ao talante de todos os governos. A interpretação que se lhe tem àado na pratica é profunda e !;ubstaneialmente contraria não só á letra, como ao s~u pm- samento. De"ido a isso, o que sempre se tem visto nas proprias condições communs e ordinarias da ,ida das Nações, é os go- vernos confundirem as noções de Povo e de E~tado, para, por este modo, darem um caracter de legitimidade a todos os seus actos, contrarios não só ao principio estabelecido por essa ma- xima, como ao direito e ás leissobre que, sobretudo, assentam todas as sociedades politicamente organizadas. Salus populi, diz expressa e positi ,amente a maxima: A salvação, portanto, de que a lDesma cogita, é do' povo, e não do Estado, cujo conceito, como sabeis, é, em tudo, di- verso daquillo, que se entende por Nação e Povo. Por consequencia, entendida a maxima romana, tal COIDO eu a comprehendo, não tenho duvida em acceital-a como a expressão mais synthetica dos deveres primol'diaes do Es- tado. De aceôrdo com ella, eu dividirei esses deveres em tres <lrdens distinctas: deveres de ordem juridica; deveres de or- dem moral ou inteHeclual e deveres de ordem politica. A' L'" ordem pertence indiscutivelmente o da protecção devida pe'ro Estado aos dirpitos individuaes. Não se comprehende, senhores, que, tendo o Elltado sido creado exactamente para assegurar a effectividade desses di- - 48 reitos, possa antepôr a esse dever o direito de agir de modl) contrario ao fim para que foi creado. Queiram ou não os partidarioR da omnipotencia do Estado, a verdade é que o principio fundamental de toda associação política é a conservação dos direitos naturaes e imprescri. ptiveis do homem, primeiro como indtm:duo, depois como- cidadão. Antes de mim, já o fim. do Estado; na opinião de dous notabilissimos escriptores allemães (IÇant e Fichte) era, como- o é ainda agora, a segurança do direito. Defendendo esta these, sinto-me bem, principalmente em companhia de Krause, que demonstra, á luz de toda a evi· dencia, que o homem é o resumo da creação; é o microcosmo- onde se reflecte, em ponto pequeno, todo o universo; é, fi- nalmente, um ser synthetico e harmoníco, essencialmente dis- tincto, na escala animal, de todos os outros animaes, de que se differencia. C5).· . Vem, depois disso, em 2.0 logar, os deveres primordiaes de ord,~m moral e intellectual. De ordem moral considero eu, por exemplo, o dever que tem o Estado de prestar o concurso valioso e efficaz de sua assistencia e do seu auxilio ao povo, ou á Nação, em todos os casos de calamidade nacional. E quanto aos de ordem intellectual, bastará referir, que seria um crime do Estado o esquecimento, o desinteresse de sua parte em tudo o que diz respeito não só ao desenvolvi. mento da sciencia, das letras e das artes, como principal- mente da instrucção publica. Finalmente, eu considero dever primordial do Estado, ne ordem política, o que diz respeito á defesa da Nação e dI) proprio Estado, á manutenção da ordem social e a sua pro- pria conservação. (l5) Ahrens, Cours de Drait, vai 1.0 pago 109. - 49- Desses deveres, que não deixam tambem de ser juridicos, decorrem outras muitas obrigações para o Estado; devere!:', que, pelo adeantado da hora, nem si quer me é dado aqui mencionar. Todos os deveres, que allt,·s enumerei como primordiaes do Estado, são, por tal modo, tão essenciaes ao EStado á vida oa Nação q~e ou eIles são ob~ervados, ou é expo~ta. a pl'ri- gos a existencia !óocial; ou o Estado os cumpre fiel e rigoro- sament!', ou trahe crimino~amente a sua mili~ã()! Notae, depois disso, que todos eIleli entendem com o o~jecto degta cadeil'.l - o direito administrativo e a sciencia da administração. De todos ellcli se occupa igualmente a Constituição da Republica, e, portanto, o DiréÍto Constitucional, de modo que nella. encontrareis, entre outl'llS, a enumeração dos seguintes dever.:~ ; 1.°) o ue velar na guarda da Constituição e das lei~, e providenciar sobre as necessidades de caracter federal; Consto cit., art. 35, § 1.0; (Appenso 11.° II) 2.°) o de assegurar a bra~ileiros e a estrangeiros resi- ',dentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á scgurança individaal e.á propriedade • . De onde logicamente eu concluo: A missão do Estado deve scr cumprida de modo que a Nação ntlo considere um jugo o seu poder, ~ómente suppor-. tavel pelo temor, peliz intimidação, pela violencia ou pelo terror, porl~eJltltra por elle empregado. A acção, portanto, do Estado deve ser em tudo prote- ctora, amparadora, benefica e bemfazeja, salvo os casos de . precisar reprimir ddictos e abusos, manter o respeito á lei e ao principio de autoridade. E', por outras palavras, o que doutrina Bluntschli quando affirma, que o fim directo e verdadeiro (lo El'tado é o desen- volvimento da.~ tilf~ltlI(de.<; daNação, o ape1leiçoamento de .~;ta vida, por uma marcha progressiva, que não 1'mplique contradicçrio com. 08 deveres de humanidade. Dlln:JTO AD~IlNIB'rIlATlVO TERCEIRA LIÇÃO o Estado e o individuo. ThE'orias antagonicas da primazia dos direitos do Estado sobre os do individuo e vice-versa. Cri- tica ao principio exclusivista de cada uma dessas theorias. Formula conciliatoria de ambas, a bem da communidade social. Direitos e deveres do Estado limitados pelos direi- tos c deveres dos administrados, e reciprocamente. l\Ieus senhores: Já sabei!', pelo q'le tellllO dito nas dltas precedentes l~ çõcs, qual é, nu entender da cadeira, o verdadeiro conceito do Estado e do individuo, politicamente falIando. O ponto de hoje leva-nos á indagação: 1.0) das 1'elaçues do Estado e do indü;idllo; 2.°) das thcorias antlJgonicas da 7!)"ima~;ia dos dinituo'; do ,E.~tad,) sobre 08 dI) illdiDl~],UO, tj vice-ve7'sa; c01n[J/'el,e1/dendo eSse fxalll8 a c/"itiea ao prineipio exclllsivi8ta de wda uma dessas t/teorias; 3.°) da ról'/l/lda conciliat07'ia de ambas, a bem da eom- munid(tde social; 4.°) finalmente, dos direitos e det'ere8 do Estado, li1/lita- do.., pelos di/"eltos e deceres dos a-dlJlim:stratlos, e '!'eciln-oca- meute. I. Parece claro que a exacta determinação das relações ao Eiltado com o individno, e vice-ven;a, está principalmente dependente do principio fundamental, adoptado para o Estado no acto de sua organização,~ Esta questão não constitue o~jecto sómente do Direito Constitucional e Publico, mas tambem do Direito Adminis- trativo, ramo desse poder, como passamos a demonstrar. . - 51- E' de simples intuição que p. acção dirigente d:> poder administrativo e os limites da administração estão subordi- nado~, por força de sua propria natureza, ao principio sobl'e que assenta o Estado. . ;;;e esse principio é liberal; isto é, se o Estado admitte plena liberdade para todos, é claro que liberal tambem ha de ser a acção da administração publica. . Depende, por consequencia, daquelle principio a natureza das rrlações do Estado com os administrados e vice-ve1'sa. Se, pela Constituição do Estado, a vontade, que deve prevalecer é a sua, claro el'tá que, ncste caso, devendo ser posta em plano secundario a vontade da Nação, esta ~erá a unica sacrificada. Como vêdes, é esta. uma das q ue~tões mais transcen- dentaes e complexas, que se teem agitado no vasto campo do Direito Con"titllcionnl e Publico, e tambem do Direito Admi- ni:otrativo, a que a mesma interessa. Logicamente, não se póde determinar a priori quaes se- jam as relações do Estado e do individuo, cuja condição so- cial está dependente da natureza do poder politico do Estado, do qual principalmente dependem o uso e goso de todas as prel'ogativas, attributos do homem, tanto sob o ponto de vista juridico, como Bocial e político, n. Varias são, meus senhores, as theorias políticas, sobre que asõenta a constituição ou a organização do Estado. A meu ver, porém, todas ellas podem, sem inconveniente, reduzir-se a dous typos: o do Estado de poderes illimitados, que eu chamarei - omnipotente, e o do Estado, que tem a consciencia dos limites de seu poder e de 8ellS direitos. .'. Vê-se da historia, que vem da mais alta antiguidade a existencia do Estado omnipotente, ao qual precedeu a theoria do governo paternal e patriarchal. O principio predominante, sobre que o mesmo se baseia, é o da força.
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