Buscar

Livro Direito administrativo e ciência da administração

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 429 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 429 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 429 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Direito Administrativo 
E 
Sciencia tia Adm·inistração 
TYP. DA EMPR. LlTTER. E TYPDGRAPHICA 
9./ (Ollicinas movidas a eJectricidade) ~ 
RUA DA BOA VISTA, 321 • PORTO. 1818 
• 
·, .. <" ...... ~~ .. ·~'I'; -itll.JeV'i( 
,j,' • ;'4" , 
, •... , 
';' .:.;. .~f, '" 
" . ~.,. ...< ',.;t. 
" ... 4.,../ i-.i I"u.·~ I"" " .. 
... .';. " ( ''''''''I~ . . 
" '.-........ . 
,-
" 
Direito Administrativo 
E 
. Sciencia da Administração 
POR 
OLIVEIRA SANTOS 
(Da Academia de Altos Estudos, hoje Faculdade de Phllosophla e Letras) 
Prefacio do Conde de Affonso Celso, membro 
da Academia de Letras 
o 
~,\\Ô0 ,~L - -2 ~ r) -- --..:::L 
-f'-='fr 66, 19F-
S,~ -
,\) J 
EDITOR ,' .. 
JACINTHO RIBEIROPOS SANTOS 
82-RUA DE S. JOSÉ-82 . __ 
.ro O:~:DRo {jr;I:..;;;.~~_ 
.. 
., 
~' " 
, .' 
" .\. 
PREfACIO 
DIREITO ADMINISTRATIVO 
Materia ardua e complexa - Excellente livro sobre o assumpto 
É rudimClltar para os cultores da sciencia juridica 
que o Direito Politico, ou Direito Publico, no seu sentido 
mais lato, - JUs quod ad statum rei publicae spectat-, 
segundo a definição das lnstitutas, divide-se, de ordina-
rio, em tres partes' principaes : 
Direito Constitucional; Direito Publico propria-
mente dito, ou organico, e Direito Administrativo. 
Este ultiino é o que regula a acção' dos grandes po-
deres do Estado e abrange o conjundo de medidas ne-
cessarias para chegar-se á execução do Direito politico, 
privado e pCllal. 
Ha uma relaçao intima, - diz P. Namur, no seu 
Curso de EncycIopedia de Direito, - entre o Direito 
Constitucional, o Direito Publico, ou organico, e o Di-
reito Administrativo. 
A Constituição estabelece os principios fundamentaes 
da o/'ganizaçãosocial,' o Direito Publico os organiza em 
- 6--
seus pormenores,' o Direito Administrativo procura rea-
lizar o Direito na vida pratica 
Formula-se, principalmente, em decretos, regulamen-
tos, posturas, avisos, instrucções, despachos, emanados 
de diversas auctoridades competentes e determinando as 
medidas necessarias para assegurar o serviço publico, o 
jogo regular das instituições do Estado. 
Innumeros são esses decretos, regulamentos, postu-
ras, avisos, instrucções, despachos, o que torna muito 
dilficil o estudo de Direito Administrativo, sobretudo nos 
paizes em que esse Direito não foi ainda codificado em 
seu conjuncto, codificação que alguns auctores julgam 
quasi impossivel, no actual e.stado da sciencia. 
Para· comprehender aquella dijJicu lda de, basta con-
siderar as subdivisões que se costuma fazer no Direito 
Administrativo: 
Direito Administrativo propriamente dito e Direito 
Administrativo judiciario. 
Tem por objedo o primeiro a execução das leis con-
cernentes ao interesse geral ou collectivo; regulamenta o 
segundo as leis de interesse privado e tambem as leis 
penaes. 
Ora, conforme a citada Encyclopedia, o Direito 
Administrativo propriamente dito comprehende tres 
objectos principaes: 
1.0 - A organização da administração, isto é, das 
auctoridades administrativas, encarregadas da execução 
das leis de interesse geral, assim como as aftribuições das 
diversas ordens de funccionarios que disso se occupam; 
2.0 -0 direito de policia; 3.0-0 direito de finança. 
7 
o direito de policia abrange o conjuncto das regras 
que teem por objecto a intervenção do Estado com o fim de 
proteger os individuos e lhes favorecer o cumprimento do 
destino: o seu desenvolvimento physico, moral e inteUectua!. 
O direito de finança regula o que diz respeito ás 
rendas publicas, ás despezas publicas e. á contabilidade 
do Estado. 
Quanto ao Direito Administrativo judiciario, com-
prehende tambem tres objectos principaes: 
1.0 - A organização judiciaria, isto é, a composição 
e a hirarchia das côrtes e tribunaes, bem como as attri-
buições dos funccionarios respectivos;. 
2.0 - A jurisdicção e a competencia das côrtes e tri-
bunaes; a determinação dos poderes de cada um delles; 
3.° - O processo, isto é, as regras que se devem 
observar para obter-se justiça, quer em materia civil, quer 
em materia penal. 
Como se vê desta rapida e incompleta synthese, o 
Direito Administrativo é materia ardua, complexa, a exi-
gir em quem a estuda, e, sobretudo, em quem a lecciona, 
especiaes faculdades de applicação, discernimento, expe-
riencia, de par com amplo conhecimento de todos os ra-
mos de actividade juridica. 
Essas qualidades revelou-as, de modo cabal e bri-
lhante, o Dr. Manuel Porphirio de Oliveira Santos, que, 
nomeado professor cathedratico da cadeira de Direito 
Administrativo (3. 0 anil o do curso administrativo e finan-
ceiro da Academia de Altos Estudos, hoje Faculdade de 
Philosophia e Letras), deu ali magnificas liçõe's, publica-
das no Diario Official e hoje colligidas em volume. 
-8-
Havendo exercido. com a maior competencia espiri-
tual e moral, elevado cargo na magistratura da União; 
o/ficial de gabinete do Cons~lheiro João Alfredo, no mi-
nisterio que realizou a abolição do captiveiro " provecto 
advogado; profundo conhecedor das questões de ensino; 
inspector fiscal do Governo junto á Faculdade de Direi-
to, ha mais de vinte annos; o Dr. úliveira Santos possuia 
os melhores elementos, o mais solido preparo, para per-
feitamente desempenkar, como desempenhou, a pesada 
tarefa, em boa hora a elle confiada. 
A notaveis -dotes intellectuaes, .reune S. Ex.a eximios 
predicados de cara.ctà e coração: a sisudez, a circum-
specção, o zeLo no cumprimento do dever, o escrupulo, a 
delica~eza de consciencia, o profulldo amor da familia e 
da Patria, tudo realçado por inexcedivel modestia e rc.-
rissimo desprendimento das vanglorias sociaes. 
Dahi o manifestar-se, em pouco tempo, emerito pro-
fessor, desses que ellsinam com o dOidrinamento e o exem-
plo, impondo-se á estima e á veneração dos collegas e 
discipulos. 
As prelecções do Dr. Oliveira Santos recommen-
dam-se por muitos e variados motivos: o methodo, a cla-
reza, a sobriedade, a elegancia da exposição, a um tempo 
substanciaes e attralzentes, leves e ponderosas. 
Versando multiplos, controvertidos e relevantes pro-
blemas, quaes, por exemplo, os atti!lentes ás relações entre 
o Estado e o individuo, ou entre a União e os Estados; 
ás responsabilidades do Estádo; á divisão dos poderes; 
á acção do Estado !lO domlnio economico;á illstrucção 
publica; ao dominio dos bens publicos; á historiei' da 
-9-
administração brasileira e dos paizes mais cultos, etc., o 
Dr. Oliveira Santos sempre se manteve em levantado ni-
vel, esclarecendo duvidas, discutindo theses, expond6~fa­
ctos, suggerindo soluções, de evidente acerto. 
Em certos pontos, procedeu a investigações originaes, 
fez obra inteiramente nova, porque pouco, ou mesmo 
nada se havia anteriormente escripto sobre a materia. 
Mas o maximo valor do trabalho está no tom de 
inexcedivel probidade e independenâa com que foi conce-
bido e executado. 
Jamais dissimula.o auctor o seu pensamento; expen-
de-o constantemente, com a franquezl!, dignidade e isen-
ção de um homem de bem, que tem a coragem das suas 
apreciações, sómellte sabe falar a verdade e· cultivar a 
justiça. 
Todo livro belio, bom e util é didactico, afJirmou um 
. critico. 
Por mais de um titulo, merece esse nobre qualifica-
tivo o do Dr. Oliveira Salltos. 
AFFONSO CELSO. 
Rio,' Junho -11- 919. 
INSTITUTO HISTORICO 
Academia de Altos Estudos 
CADEIRA DE DIREITO ADMINISTRATIVO 
PRIMEIRi LICÃO 
. 
Conceito do direito em these. O direito precede á lei, na qual 
assenta principalmente a organização politica e administra-
tiva do Estado. Sciencia da administração. 
:Meus senhores: 
Na regencia da cadeira onde me collocou a generosidade 
da douta Congregação desta Academia, eu me proponho a es-
tudar com os meus condiscipulos um dos mais vastose inte-
ressantes ramos da sciencia juridica - o direito administra-
tivo como complexo de leis e como s~iencia da administração. 
Ensinando-se tambem se aprende, tanto que alguem já 
disse que ensinar é aprender duas vezes. 
N otae, em primeiro logar, que a Academia de Altos Es-
tudos, tendo sido instalada em 25 de Março de 1916, só no 
. 3.° anno da sua existencia podia inaugurar o ensino do di-
reito administrativo, ohjecto da 1.'" cadeira do 3.° anno, na 
fórma dos seus Estatutos. 
Por este motivo, sómente agora aqui se inaugura este 
curso. 
Grande honra, de certo, para mim, a coincidencia do ini-
cio. de minhas lições com eE>ta inauguração. 
Desajuda-me, entretanto, o receio de não corresponder á 
-12 -
vosea expectativa no desempenho do _ encargo, que tantõ me 
eleva. 
Enchem-me, porém, de coragem estas confortantes pala-
vras de Picard: 
ccÉ necessa1'io, de resto, liga?' mais importancia ás 
idéas juridicas do que aos nomes humanos. Mais 1'ale O 
pensamento do que a erudição.» 
Eu não sei se me farei bem comprehender na interpre-
tação do pensamento da Academia quanto ao objectivo do seu 
ensino e ao methodo nelle a seguir. 
Se bem comprehendo o destino, os nns, a natureza 
toda especial dos estudos que aqui se professam, penso que 
não devo restringir. me, em minha lição inaugural (e nas que 
se lhe seguirem) á simples propedeutica do direito adminis· 
trativo e da sciencia da administração. 
Com razão pondera Marnoco C) : 
«E' um ponto muito melindroso do ensino livre a úrien-
tação a dar aos curS08. Digladiam-se (lous methodos sobre 
cste assumpto) defendendo um a exposição de todo o pro-
gramma da cadeira, embora ligei?'amente, e pronunciando-se 
o outro pela exposição de uma parte só do programma, mas 
com, todo o desenvolvimento, estudando·se as matel'ias sob 
todos os seus aspectos.» 
••••••••••••••••••••••••••••••••••• li ••••••• ~ •••••• 
c( O unico melhodo admis5ivel no ensino do direito e das 
scienciwI 80ciaes é aquelle que,' no estudo dum problema, não 
deixa na sombra nenhuma das questões que este problema 8ltS-
cita. O ensino muito elementar do dir~to não dá resultado 
algum, corno mostram as tentativas feita8 para ministrar no-
çõesjuridicas geraes aos alumnos dos institutos secundarios.» 
A meu ver, esta Academia, além de ser uma brilhante 
irradiação do ensino superior e livre no Brasil, é uma escola 
de especialização de estudos. 
(1) A Faculd. de Dir., pags. 140 e 14.1. 
- 13-
'Seu objectivo, portanto, não póde nem deve ser- repe-
. tir aqui o que em outros instituto.s superiores se tem ensinado. 
Outro deve ser, em todos os sentidos, o escopo do seu 
ensino, o qual, visando a diffusão dá sciencia, da philosophia 
e das letras, permitta, ao mesmo tempo, as mais altas inves-
tigações, no dominio do pensamento, a que possa attingir a 
capacidade do professor. 
É bem de ver que não se explicaria c menos se justifi. 
caria o seu titulo, se aqui se ensinassem, na mesma medida, 
as mesmas cousas que antes se têm: aprendido noutras Facul-
dades officiaes ou equiparadas. 
Esta Academia não é positivamente uma escola que se 
possa chamar universitaria; não é um estabelecimento de 
conferencias didactical.', correspondente, por exemplo, aos se-
minarios allemães e aos colloquios italianos; mas, tal como 
foi organizada, é um mixto dessas instituições, que tanto hão 
contribuido para a diffusão, preparo e aproveitamento do en-
sino nos paizes que hoje, com justa razão, se consideram 
mais cultos. 
É, por consequencia, o quo se póde affirmar - uma ins-
tituição des~nada a levar á maior culminanciao ensino supe-
rior no Brasil. 
O seu fim deve ser aprofundar o estudo das mais altas 
questões que possam ser comprehendidas no quadro do seu 
ensino. 
É preciso, além disso, não esquecer que a maioria dos 
que aqui vêm estudar não se compõe sómente de simples as-
pirantes ao curso secundario como preparo para estudos mais 
elevados. 
São, pelo contrario, homens instruidos e cultivadol'. 
Muitos delles já são diplomados, e se aqui vêm é para 
adquirirem, sobre determinado ramo de direito, de philosopbia 
ou de sciencia, conhecimentos não comprehendidos em estudos 
anteriores, e, portanto, complementares de sua educação sden-
tHica. . 
- 14-
• 
Preciso é, pois, que, na direcção deste curso, a par de 
seu. objecto, eu attenda principalmente á conveniencia do me-
thodo a seguir em minhas prelecções. 
Só assim (penso eu) se justificará a fórma, talvez dema-
siado complexa, do programma que organizei. 
A este respeito, devo accrescentar que o desenvolvimento 
que lhe dei obedece á natureza, toda especial, da organização 
dada aos Estatutos desta Academia. 
Contrariei assim, por força das razões que acabo de ex-
pender, idéas que antes eu propugnára em favor da simplici-
dade dos programmas na Faculdade que tenho a honra de 
inspeccionar. 
Não ha, entretanto, contradicção de minha parte entre o 
que então defendi e o programma que formulei. 
Indubitavelmente, na regencia desta cadeira, eu ficaria 
áquem da minha missão se limitasse o ensino áquillo que or-
dinariamente se aprende noutras escolas de direito. 
Tenho, portanto, que tratar das questões no que ellas 
offereçam de mais interessante ao estudo dos factos sociaes, 
a cujo respeito doutrina :M:arnoco: 
([ O direito é um cOlljullcto de princípios que unica-
ment.e adquire vida em face dos factos,» 
Na exposição de minhas lições, eu as submetterei, por 
np.cessidade, a uma filiação logica de principios e idéas, sem 
a qual a explanação dos pontos a discutir não poderá ser 
facilmente comprehendida, clara e "adequada, como convêm. 
Questão de metJ!odo, que, em materia de ensino, é a pri-
meira . condição da sua proficuidade c efficacia. 
Sendo esta a orientação a que terei de obedecer na re-
'gencia desta cadeira, devo accrescentar: 
O professor, especialmente de direito, deve ser mais do 
que um simples commentador de textos e expositor (por 
conta dos autores consultados) das suas theorias e doutrinas. 
- 15 
Deve ter em tlJ.do opinião propria o direito de critica. 
Reservo-me, por isso, o direito de manifestar livremente 
a minha opinião em todas as questões de que me occupar. 
Não comprehendo, senhores, o exercicio do magisterio 
sem esta liberd~de. 
a. La haute science ne 8' allie bien qu' à la libel'té D; diz 
Bluntschli (2). 
Feitas estas cODsiderações, que julguei opportunas ao 
inaugurar este curso, passarei a occupar-me do conceito do 
direito em tliese, da precedencia deste em 1'elação á lei, da 
organização politica e administrativa do Estado, e, por 
ultimo, da sciencia da administração. 
I - Para bem se determinar o conceito do direito em 
these, é preciso primeiro considerai-o subjectivamente; isto 
é, como direito-faculdade. 
Será o ponto de partida do nosso estudo, por meio do 
qual' procuraremos conhecer a genesis desse direito até o mo-
mento de objectirar-se e subdividir-se em direito admini8-
trati1'o como complexo de leis e como sciencia da adminis-
tração. 
Ides ver que não é uma indagação puramente especu-
lativa o objecto do nosso estudo. 
Ha neHe, de certo, outros pontos de vista, outros aspe-
ctos talvez mais curiosos e interessantes a examinar. 
Esse estudo, visando o conhecimento da origem do ~i­
reito, só póde ser feito no vasto campo de sua PhiloBophia, 
modernamente substituida por tres novas I!ciencias, que for-
mam, por assim .dizer, uma trilogia dos conhecimentos huma-
nos, abrangendo o cosmos; isto é, todo o universo, conside-
rado no seu conjuncto o1'ganizado e llarmonico. 
(S) Bluntschli - Droit Publ., pag, 310. 
- 16-
Mafl, nenhuma dessas scienciafil, que são o positivismo, o 
evolucionismo e o monismo, nem todas conjunctamente se 
avantajam á Philosophia do direito no exame do caso de que 
nos occupamos (2 a). 
Scienciasextranhas á especialidade do . mesmo, nunca 
nos poderiam dar o conhecimento exacto e perfeito do que 
seja o direito DO sentido subjectivo em que aqui o consideramos. 
Donde provém e como se define o direito-faculdade? 
Esta questão é, para nós, de importancia capital, mór-
ment'3 quando, na Republica, as reformas do ensino superior 
supprimiram a cadeira de philosopbia do direito nos cursos 
juridicos, para mais tarde (evidt:Dciado o erro), ser a mesma 
restaurada pelo decreto n. 11.b30, de 1915, art. 177. (App. 
n.O 1) 
Nada menos de quinze definições se encontram em um 
recente livro de Edmond Picard - (cO Direito Purol), que 
eu considero uma especie de encyclopedia desta soiencia. (3) 
Nenhuma deIlas, porém, dá o conceito do direito na 
accepção que aqui tenho em vista e tal como eu o com-
pl'ehendo na sua origem. 
Entre tantas definições discordantes, e, no gera], pouco 
intelligiveis, debtacarei a do D. Romano, a quem cabe a pri-
mazia, já pelo seu grande valor historico, já pela poderosa 
influencia por elle exercida na moderna legislação dos povos 
mais cultos. 
Vem do Direito Romano a distincção entre o direito po-
sitivo, que é o direito tal como se manifesta nos costumes, 
nas leis e nas decisões judiciarias (') e O direito natural, 
(2 a) Vide A.ppenso n.O l' nó fim deste volume. 
(3) Ed. Pical'd, obro cit., pago 30. 
(4) Lui~ Bridd, Encyc. Jur., pago 35. 
- 17-
que as Institutas de Justiniano definem: «Jus naturali est 
fjuod natura' omnia animalia docet.". 
S(', pois, o direito natural é realmente o que a natureza 
ensina a todos os animaes, como affil'ma a definição, o 
que se conclue é que não só o homem, mas todos os animaes, 
são susceptiveis desse direito. 
Se, antes dOe tudo, o direito subjecti'Co é um poder mo-
ral,. sp, no mundo, como bem pondera Bridel (illustre Pro-
fessor da Universidade Imperial de Tokio), exceptuando,se a 
humanidade, não ha moral, fallar do direito dos cães, das 
formigas ou dllS abelhas é ml~r:t insemmtez (5). 
°A meu ver, pois, o direito, antes de ser a creação da lei, 
pela necessidade da coexistencia dos homens em sociedade, é 
uma condição ingenita á natureza humana. 
lht>ring, em um dos seus ditos memoraveis, proclamou 
esta grande verrlade: cada qual, ao nascer, traz o seu di-
reito comsigoD (Picard, obro cit., pago 39); e Cicero, antes 
deUe, com extraordinaria agudeza de entendimento, já' havia 
dito: 
fIE' pela natureza do homem que devemos aprender a 
natureza. do direito». 
Isto explica o facto de começar o direito desde a conce· 
pção do nascituro, para se integrar com o nascimento deste 
com vida (6); nasce, portanto, o direito com a pesl'oa, sendo, 
por isso, originariamente, a razão das leis impostas pelo po-
der publico e o fundamento de toda a justiça. 
Delle deriva o sentimento do justo e do injusto, que 
todo o homem possue. . 
Na accepção em que aqui considero o Direito, ninguem 
o crê a pela. vontade, pela lei, pela interferencia do Estado, 
nem de ninguem (7). 
(~) Luiz Bridel, obro cit., pago 36. 
(6) Cod. Civ. Brasil., art. 4.0 (Vide ApP(,llso n. O 1.) 
(7) Pical'd, obr. cit., pago 96. 
11 
- 18 
E' um poder, uma forçl, que existe latente e brota ex-
pontanea em todos os periodos da existencia do homem e e3-
tádios da vida facial. 
Correspondendo a todo o direito uma obrigação, nasce 
dahi o respeito, que todos lhe devem, bem como (; dever que 
tem o Estado de proteger o mjeito desse direito, primeiro, 
antes de vir á luz; depois (se nascido com vida), na sua me-
noridade, e d'ahi até depois de sua morte. 
Em todo homem, poi~, existe o germen, a ·causll, o prin-
cipio fundamental do direito; de modo que, considerado sob 
este ponto de vista, a existencia do direito n!ltllral é um 
facto, antes do m·ais, attestado pela consciencia humana. 
E, senão, eu pergunto: 
Que força mysteriosa é estll, que impõe não EÓ re!'peito, 
como obrigações quer para comnosco, quer pam com os nos-
sos semelhante!', a ponto de ser o homem con~iderado uma 
causa sag1'ada para. o homem? 
Depois, é de Kant este pensamento: 
« O homem é llIn fim em si: não pódc, po1"lanlo, ser 
tratadú como um meio. Pertence-se a I<i mesmo; é senhor de 
Si-COMPOS SUl; é, por este titulo, uma peswa, e toda per-
sonalidade é inviolareZ" . 
Quereis a prova di~so? 
Supponde, diz Paul Janet, dous homens que se encon-
trassem num deserto, sem a nada serem obrigados por lei 
positiva alguma. (8). 
Teria um o direito de reduzir. á escravidi'i.o o outro? 
Excusudo, senhores, seria responder negativamente a 
esta interrogação; ella ebtarin, desde logo, na consciencia de 
todos, inclusive dos proprios reaccionarios, que negam a exis-
tencia do direito natural! 
Depois, donde provêm ~ egualdade do Direito, que, se 
(8) Philosoph., voI. 2.0 pag •. 164.. 
- 19 
de facto não existiu em todos os tempo!", apesar disso, hoje 
todo o mundo a reconhece e a prodama ~ 
Que denominação se deve dar ao direito de conservação; 
isto é, o de não ser atacado na vida e no corpo; o de mo-
ver-se de um logar para outro; o de ser livre e não escravo; 
o de pensar como entender; o de trabalhar; o de fruir os 
bens de sua propriedade; o de constituir família e tantos ou-
tros? 
Essa denominação só póde ser a de direitos naturaes, 
alguns dcUes impl'escl'iptiveis e inviolaveis, como,_ por exem-
plo, os primigenios de vida e de liberdade! 
IIl\lstremos ainda com outro exemplo esta affirmação. 
Se eu supponho, diz Paul Janet, que tenho nas mãos um 
martello e deaDte de mim uma creança adormecida, é indu-
bitavcl que, com esse martello, posso quebrar a cabeça dessa 
creança. Não o farei todavia. E porque? Porque, embora 
disponha eu de superioridade de força, alguma cousa existe 
perante mim que me detem; um obstaeulo invisi vel, ideal, 
mais forte que toda a. minha força; um poder mais poderoso 
que todo o meu poder, que é bastante pára desarmar o meu 
braço. Este poder, do qual aquella creança nem siquer tem 
consciencia, este poder é o direito, que tem toda creatura vi-
vente da minha especie de conservar a vida, emquanto não 
ataca a dos outros; Phil., voI. 2.°, pago 88. 
D'ahi, affirmar Ahrens que esses direitos são os primi-
tivos, natUl'3.es ou absolutos, e que os mesmos se distinguem 
perfeitamente dos direitos derivados ou secundarios, tambem 
chamados condicionaes ou hypotheticos. 
Professando estes principios, não vos devo occultar, que 
alguns autores combatem a denominação de direitos do ho-
mem, dada pela Revolução Franceza aoS direitos naturaes, 
vendo nisso como que o desconhecimento do muito que o 
Christillnismo fez em pról dos direitos do homem e em bene-
Bcio da humaI,lidade. 
Francamente, não vejo em" que possa merecer censura 
* 
- 20-
aquella denominação, ou o facto de ter a Revoluç!ão Frauceza 
feito derivar a sobredita especie de direitos de wn elitado 
de natw·eza. 
Longe de negar e desconhecer a grande, a poderosa in-
fluencia do Christianismo, fazendo volver o homem ao Ser 
Absoluto, como doutrina Ahrem:, 'fendo nelle o membro ","pi-
".itual de uma ordem superior e eterna e ele1 lUlI.do-o arima 
de todas as formas tariaveis da sociedade civil e politica, 
eu pemo que exactamente porque, até então, era descul,he-
cida essa dignidade do homem, fui que o Chrietianismo com· 
bateu e reformon os barbaros costumes da antiguidade, abrin io 
uma nova era de tolerttncia e respeito, de justiça e dc paz 
para todos os povos. 
A censura, portanto, cabe ao syr:;tema, qne, esquecendo 
o principio divino e eterno da personalidade humana, antepõe 
ao mesmo o da primazia e da omnipoteneia do Etltado! 
Desse principio, a conseqllencia é a sujeição absoluta, 
quasi eseravizadorá, do individuo a esse poder absorvcnt"I 
que, desde a origem, é apenas o meio e não o fim da exis-
tencia humana, principio superior ao da existencia do mesmoEstado. 
Examinae e vereis, que o principio da omnipoteneia do 
Estado, modernamente erigido em dogma poli'tico por Bodin, 
Loyseau, Lebret, Domat e outros, não só desvirtua, como 
tende a anniquilar o direito, que passa a ser substituitlo pelo 
imperio da força nas sociedades actuaes. 
Esta questão é uma das mais transcendentaes do Direito 
Publico, com o qual, como estaes vendo, tem intimas ligações a 
Philosophia do Direito, e tambem o proprio Direito Adminis-
trativo, que, embora autonomo, não deixa de ser um ramo, 
todo especial, daquelle Direito. 
Della terei de occupar-,mc opportunamente na explana-
ção do 3.° ponto do nosso programma. 
Por emquanto, bastará dizer-vos que os poderes do Es,. 
tado, levados ao extremo pretendido pelo~ seus defensore8, 'é 
- 21 
uma das maiores aberrações, que tal doutrina póde pro-
duzir. 
A prova está na pavorosa débacle, que ha quasi quatro 
annos convulsiona o mundo, na qual se debatem as sociedades 
actunes, vendo seus direitos cerceados, sendo delles espolia-
das, na paz como na guerra, pelo poder sem contraste do Es-
tado, que tudo avassala, Elubvertendo principios, tanto de or-
dem moral como de ordem social e politica, conflagrando os 
povos e ameaçando a existencia dessas mesmas sociedades, 
que já não parecem Nações civilizadas, mas povos dementa-
dos pela idéa de dominação, que se obstinam no erro, masca-
rando as suas intenções, que só attendem ás suggestões de 
sua ampição e egoismo, e que assim se engalfinham numa 
lucta de extermínio, nesse espantoso regresso de todos ao es-
tado da barbaria. 
E deante desta verdade, como teve razão Hobbes, quando 
affirmou que o homem é o lobo do homem! 
Deixemos, pois, que os pseudo-defensores do desenvol-
vimento social e do seu progresso neguem ao individuo a 
. posse de direitos inviolaveis. 
Seus argumentos não convencem. As suas objecções se 
resumem no seguinte: a diversidade das Zels e dos costumes 
entre os differentes povos e a difficuldade de determinar 
esses direitos, 1Jor estarem em constante opposição uns aos 
outro!!. 
A primeira dessas objecções responde com extraordina-
ria vantagem Fustel de Coulanges, qUe diz: 
«A família não 1·ecébeu as suas leis da cidade. Se a ci-
dade tivesse estabelecido· o direito privado, é pro~·avel que o 
~statuisse inteiramente di.1ferente daquelle que temos visto.» 
.......................... . ", ...................... . 
fi Quando ella principiou a escrever as su.as leis, já 
achou o direito estabelecido, vivendo enraizado nos costumes, 
forte (:omo a adhe.'lão ltniversa. Acceitou-o, não podendo fazer 
de O1ltro modo, e nãu ousou modifical-o sen(io muito tempo 
- 22-
dep01:s. O antigo direito não é obra de um legislador; pelo 
contrario, irnpoz-se ao legislador. Nasceu expontaneamente 
e completamente formado dos anNgos p1'incipios, que o cons-
tituiam. Derivou das cre?1ças religiosas, que eram admitti-
das univC'rsalmente na edade pn:miti1:a dos poros e que exer-
dam imperio sobre as inielligendas e sobre as vontades»; 
Cid. Ant. tom. 1.0, pag, 142. . 
Qnanto á 2 .. '" objecção, é simplesmente imaginaria a n~­
cessidade de determinação dos direitos, de que ee trata. 
Sabendo-se que são direitos anteri01'es a qualquer con-
'Cenção social, 1,01' se baseM'em nas leis eternas da 1'ozão e da 
moral, elles logo se manifestam nas relações de individuo 
para individuo, no trato da familia e da vida social. 
Não teem, portanto, que ser prescriptos ou determinados 
pelo Estado. 
E se algum delles se encontrasse em opposição a outros 
direitos, não seria isto razão para que se negasse a sua exis-
. . 
tenCla. 
Procederia. a objecção se, dada a· supposta opposição de 
um direito a outro direito, não houvesse meio de conciliaI-os. 
Além disso, o argumento, podendo ser tambem appli-
. «lado ao direito positivo, prova de mais. 
Chegar·se·ia assim á negação de todo o direito. 
Mas, si o direito.é o que acabamos de ver, como se ex. 
plica o facto de não ser elIe o mesmo em toda parte e entr.e 
todos os povos? 
Já no seculo XVII, Pascal- o celebre mathematico, 
physicoe philosopho fran3ez, fazia esta ·profunda observação: 
cc Quasi nada se encorl;tra de jltstO ou de injusto, que 
não mude de qualidade, mudando de clima. Tres grá08 de 
elevação do pólo destroem toda jurisprudencia, Um meri-
diano decide da verdade, ou poucos armas de posse. 
23-
As lcis fundamcntacs mudam,' o direito tem as más 
épocas, 
Singular justiça, que um 1'io ou uma montanha limi-
tam / Verdade aquem do,~ Pyrineu,'?, erro além /» 
Ainda agora, para muitos dos mais abalizados juristas, 
que vêem as cousas sem ph:lnta~ias e devaneios, <', portanto, é 
como na realidade devem ser vistas, a verdadeira concepção 
do direito continúa ainda um etp.rno problema. 
Discutindo este ponto, um delles chegou a dizer: 
«O direito não passa de um problema de simples meta-
physica, em que o numero das incognUas é 'f!I,uito superior 
ao das equaç'ões, 
Não sei si, em absoluto, é verdadeira essa proposição. 
Sei apenas (e isso affirmo com pleno conhecimento de 
causa) que o direito, na pratica, não é o mesmo que o direito 
em theoria. 
Theoricamente, elle tem, com effeito, caracteres, que 
lhes sendo peculiares, servem para o di8tinguir do nüo di1'cito.' 
Na pratica, porém, falham quasi sempre esses' cara-
cteres. 
Cada cflbeça, cada sentençfl i de modo que aquillo que a 
Pedro parece ser o direito, é tido por Paulo como o contrario. 
Não ha, portanto, até hoje, um criterio ~cguro, infalível, 
para bem aferir, se o direito. 
Ides vê;", no curso desta lrção. que se dá em relação aI) 
direito exactamente o mesmo que acontece a respeito do bem 
e do mal, do justo e do injusto. 
N em todos os distinguem pelo mesmo modo. 
Variam as faculdades de cada juiz, e, por i8,0, não po-
dem ser uniformes os seus juizos e raciocinio". 
Para outros juristas, o direito é uma creação bizarra do 
poder Eoeial. 
Não creio que s<'ja assim, porque, COIDU já fiz sentir, o 
direito, antes de fler uma creação desse poder, é uma facul-
dade inherente á natureza humana. 
- 24-
Como quer que seja, Fustel de Cou1anges,' tratando do 
·direito, refere um facto caracterizante, contado por C+aio : 
cc Era um homem, a quem o vizinho tinhf1, cortado videi-
"as.; elle pronunciou a lei,' ma,ç a lei dizia an'Q?'es, . e e lIe 
pronunciou videiras; perdeu o pl'oce.'IIw.» A Cid. Ant., tom. 
1.0, pago 338, 
Já aqui estaes vendo: 1.0) o erro do Juiz na interpre-
tação da lei, em contravcnção desta e em prejuizo do direito; 
2.°) A consequente injustiça do julgamento; 3,°) A letra da 
lei sobrepondo. se ao seu pensamento contra o principio Bcire 
leges non est verba ea1'ltm te'l'fere, sed vim ac potestatem; 
4.°), finalmente, o erro de interprctação, ou o sophisma, dando 
ganbo de causa a quem não tinha por si o direito. 
Por factos desta natureza, parece ter razão quem diõse : 
(C Nas sociedades actuaes o direito é apenas Um termo 
denominativo, » 
Sem esposar nenhuma dessas opiniões, devo comtudo 
dizer, que não conheço regra ou preceito mais arbitrario e fal-
livel, mais incerto, variavel e inconstante do que o direito. 
Em comparação deste asserto, além dos factos da vida 
quotidiana, abundam' os exemplos na historia. . 
É bem conhecido o facto de dous homens disputarem.sc 
uma herança, allegando cada um delles uma lei em seu fa-
vor; as duas lei.s são absolutamente contrarias e igualmente 
sagradas. 
Em Rhodesa lei prohibia fazer a bar La; cm Bysancio 
punia-se com uma multa quem possuisse uma navalha de 
barba. 
Em Sparta, pelo contrario, eXigia-se que se rapasse o 
bigode; Foust. de Coul., obro cit., pago 39f1. 
Na Grecia a creaçlo e a educação dos filhos não era 
encargo pesado, porque os paes os expunham com a maior 
facilidade e impudencia. 
Sparta tinha no Taygetes um abysmo em quese lança-
vam as creanças, 'que nasciam aleijadas. 
Thebas vendia os engeitados em beneficio do Estado; 
Ces. Canto Hist. Univ., vol. 4.°, pago 216. 
Explica o que acabo de expôr a di\Tersidade do modo de 
entender e de praticar o direito pntre os differentes povos nas 
tres edades antiga, média e mOderI,l8. 
V Il.ria,com effeito, o direito positivo, como varia a lei de 
cada paiz; mas é immutavel o direito natural, attributo do 
'homem. 
E se, apezar disso, nem sempre é ) espeitado esse dirtito, 
a razão é porque o homem ainda não attingin a tal estado 
. de perfeição, qne, a seu resppito, se possa dizer: 
O homem, na convi vencia com seus semelhantes, tendo 
conseguido dominar os instinctos máos e abrandar seus cos-
turnos, não é mai!! o rude ambicioso, egoista e hypocrita, dos 
tempos da barbaria. 
Venceu todas as suas más inclinações o nperfeiçoamento 
por ellealcançado; graças ao polimento de sua natureza pelos 
beneficios da civilização. 
De feroz e brutal, que elle era, tornotl·se o re!'opeitânor 
consciente do direito de seu semelhante; o cnmpridor rigoro-
so dos mandamentos da lei, o dominador, emBm, dos' inte-
resses subalternos em todas as condições e relaçõ ~s de sua 
vida em sociedade. 
Até que esta aspiração se converta em realidade, não 
nos admiramos de ver postergados os direitos natUl'aes do 
homem. 
Foi sempre assim ~odos os tempos; mas a verdade é que 
os mesmos continuam immutaveis como um attributo, romo 
um poder immanente do homem. 
O mesmo, porém, não se dá em relação aos direitos de-
rivados ou. positivos. Estes variam sempre; e, nesta accepção, 
eu os considero um producto cultural do espirito humano, 
concretizado em preceitos estabelecidos 'pela lei no interesse 
da collectividade social. 
Relativamente a esta ultima especie de direitos,. eu vos 
26 -
darei, em um enthymema, a idéa que se me afigura exacta 
na pratica dos mesmos. 
O direito não tem um fÓ criterÍo para todas as intelli· 
gencias; lo~o é vário. Nunca é entendido do mesmo modo; 
logo é sempre variayel e controvertido. , 
E' sempre incerto na, sua applicação; logo nem sempre 
garante ao seu sujeito. 
Devemos por isso dl'spsperar do direito? Seria um erro! 
1\ O mundo, diz um grande philosopho, não é bom, mas 
póde ser melhorado pelo esforço dos homens. 
E' perfectivel, e isto basta, para dar á vida a sua ra-
zão de ser: o esforço para o melhor. 11 
Alonguei-me talvez de mais, na explanação desta pri-
meira parte do· nosso programma, pela necessidade de dar 
áquelles dos meus condiscipulos, não formados em sciencias 
juridicas, pelo menos uma noção, fiel e exacta, quanto possi-
V('J, do direito em these, assento principal do direito adminis-
trativo, que temos de estudar. 
* 
II - Reza a 2.& parte do nosso ponto, que - o direito 
precede á lei, na qual assenta principalmente a organixação 
política e administrativa do Estado. 
E, com effeíto, assim se deve entender, como procurarei 
demonstrar. 
Na propria exposição que vos fiz, para estabelecer o CO[1. 
ceito do direito em these, tendes a prova de que o direito 
precede á lei. 
A lei, como regra de aeção, vem depois, e assenta, prin-
cipalmente, sobre esse direit9. 
A lei, portanto, que aqui consideramos é a escripta, em 
contraposição á não escripta, ou lei natural. 
A primeira, ,tambem conhecida por lei positiva, é obra 
27 -
do homem, variando, por isso, de accôrdo com os usos, ha-
bitas, costumes e tradições dos diversos povos. 
A segunda, porém, é uma e a m e~ma em toda a parte; 
não é dijJerente hoje do qUA será amanhã; é immutavel, uni-
versal, inflexivel e sempre a mesma, abrangendo o mundo, 
todas as nações e todos Os seculos. 
Feita, dest'arte, a necessaria distincção entre a lei natu-
ral e a lei escripta, resta llccrescentar que Montesquieu aflir-
mau que todos os seres teem suas leis. 
Não devendo, por isso, viver o homem sinão em socie-
dade, preciso é que o mE'smo se submetta. ao irnperio natural 
das leis a que está sujeito. . 
Está na consciencia de cada povo a origem das suas 
institlliçõt's sociaell. Da crença deriva a religião, na qual, por 
sua vez, se inspiram todos os seus usos e costumes. 
Eis, em synthese, a genesis de todas as sociedades 
actuJ.es. 
Vale a pena demonstrar com a historia a verdade deste 
asserto. 
Falle por nós Fustel de Coulanges: 
~<O laço social não é facil de estabelece1' entre seres ht~­
manos, que Eão tão diversos, tão livres, tão inconstantes. 
Para dar-lhes. ,'egl'as communs, para instituir o com-
mando e fazer acceitar a obediencia; para fa~er ceder a 
paixão á 1'azão e a 1"azão individual á ,'azão publica, é 
preciso com certeza alguma cousa mais forte'do que a força 
material, mais respeitavel do que o interesse, 1Wf, I S segUl'a 
do que uma theoria philosophica, mais immutavel do que 
uma convenção: alguma cousa que esteja egualmentc no 
fundo de todos os corações e que nelles se firme com impe· 
rio, Essa cousa é uma crença, Nada ha mais pode1'oso sobre 
a alma. Uma crença é a obra do nosso espírito; mas nós 
não te,r/.Os liberdade para modifical-a á nossa ·vontade. 
E' creação nos.Ya; mas nós não o sabemos. E' humana 
e julgamoZ.a Deus. E' o etfeito. do nosso poder e é mais 
28 
forte do que nós. Está em nós; não nos del:xa;· a todo o 
momento nos faUa. Si nos manda obedecel', obedecemos; si 
nos indica deveres, submettemo-nos. » 
Dahi, a principio, as regras da organização domestica; 
ou, noutros termos, da organização dos varios agrupamentos 
humanos, por ~nde sempre começaram as organizações 50-' 
ciaes, taes como a familia, a gens, a tribu, etc. 
Mas notae bem que, sendo esta exactamente a origem 
de todos os povos, nem por isso deixa de caber á lei a tarefa. 
de estabelecer regras e preceitos (sempre de accôrdo com a 
crença de cada povo) para serem seguidos e observados pelo 
homem na vida em sociedade. 
NeUa, portanto, assenta principalmentE", como refere a 
segunda parte do nosso ponto, a organizaçi'1o politica e admi-
nistrativa do Estado. 
Della resulta a formação do Estado, que se torna, desde 
logo, uma creação necessaria á coexistencia dos homens em 
sociedade. 
Do Estado deriva o principio fundamental da autoridade, 
sem a qual não haveria ordem jurídica, sob cuja protecção 
precisam viver o homem; a fdmilia, a sociedade, a Nação e 
o proprio Estado. 
A ordem juridica, portanto, é a base de toda a existen-
cia social. 
Pur sua vez, o Estado é uma entidade essencialmehte 
política, que, para attingir aos fins que lhe ~ão destinados, 
p,recisa de uma organização, que deve ter principalmente como 
fundamento a lei. 
Aqui temos, pois, a lei como acto posterior ao direito, 
nascendo delle, por força da necessidade de sua observancia 
e manutenção. 
Essa organização comp'ete ao governo do Estado, que, 
pela multiplicidade de suas funcções, reconhece, desde logo, a 
necessidade de confiar a div61'SOS funccionarios ou agentes, 
distribuídos em diversos pontos do territol'io do paiz, a exe-
- 29-
cução das leis votadas pelo poder competente, o governo e a 
dil'ecção dos negocios publiros. 
Exercendo essa fnneção, o Esta80 age como orgão, que 
tem por funcção exprimir e applical' a idéa do direito, para 
o bem da collectividade. 
Exerce, por isso, uma funcção especialmente regulada 
pelo Direito Constituci~nal e Publico, do qual, pela necessi-
dade da separação de funcções, se destaca como subdivisão ou 
ramo do seu tronco -- o Direito Administrativo. 
Assim que, o poder administrativo, assim instituido, en-
trando logo em funcção, ?'ecebe o cidadão desde que começa 
a viver, dá,lI/e um estado civil; p,'oporciona,lhe instrllcção 
adequada á sua existencia. socidl; não pe?'mWe que seja 
perseguido P01' motivo de 1'eligião, umavex que respeite a 
dos out1'OS cidadãos e não offenda á moral publica .. assegu-
ra-lheo livre exe"cicio dos Sel/R di1'eitos políticos: impõe·lhe 
o cumprimento de deveres pam com o Estado, e, depoii5 que 
{aUece, ainda lhe presta as ultimas honras,. V. Cab., Dir. 
Adm. Bras" pago 28. 
Evidencia o exposto que, em tudo, se differenciam as 
funcções propriamente politicas do Estado das qUe compe-
tem á Administração. 
Poderes distinctos e 'independentes são, comtudo, intima 
e substancialmente ligados entre si, a ponto de se considera-
rem - orgãos componentes de um se?' unico e vivo; Rib., 
Dir. Adm., pago 53. 
III - Passemos !i terceira e ultima parte do noss(l ponto 
- a Bciencia da administração. 
Oomo dev~ ser a mesma entendida? 
Antes de tudo~ convêm não confundir o .direito adminis-
trativo com essa sciencia. 
O direito administrativo, objecto do curso desta cadeira, 
assenta, em todos sentidos, sobre o~ princípios basicos dos di-
- 30 ~ 
reitos oríginario~,attribtltos do homem e de toda a sociedade 
politicamente organizada. . 
E', portanto, um complexo de leis, destinadas a regular 
as relaçües dos direitos e deve1'es reciprocas da administra-
çflo e dos administrados. 
Esse direito, assim definido, é principalmente conside-
rado em sua accepção objectiva. 
A sciencia da administração é, pois, como se vae ver, 
cousa diversa. 
Sciencia (ensinam os mestres) é tudo o que se póde re-
duzir a regras e preceitos; é sempre o fructo do raciocinio e 
da observação. 
Noutros termos: asciencia é um conJuncto de conheci-
mentos coordenado.'!, 1'elativo8 a um objecto determinado. E' 
al:!sim que se consideram as sciencias não só physicas como 
moraes e· políticas, . em cujo numero figura a sciencia da 
admi nistração. 
E' exactartlente esta a sciencia que miniôtra aos diri-
gentes do Estado os conhecimentos necessarios para b~m go-
vernai-o. 
E' ,de accôrdo com ella, que se estabelecem as fórmas 
de que se devem revestir os actos dos executores da lei e 
dos investidos de qualquer parcella de autoridade na publica 
administração. 
E' ainda de accôrdo com <ls ensinamentos dessa scien-
cia que se decretam as leis administrativas; que se esta-
belecem as fórmas dos actos e as condições dos seus pro-
cessos; que se organizam as repartições publicas de natu-
reza administrativa; que se determinam as funções dos 
orgãos administrativos do Estado; que se regulam, emfim; 
os serviços confiados á sua direcção no interesse da com-
munidade social. 
E', portanto, uma sciencia qtHl tem, além de um córpo 
de principios e doutrinas, baseados no conhecimento exacto 
e raciocinado dos fa\}tos sociaes e no estudo das· leis e phe-
- 31-
nomenos que regem esses factos, a' sua pa~te regulamentar 
e technica. 
Depois disso, é desnecessario encarecer ,aqui a utilidade 
e a importancía desta sciencia. 
O regimen administl'ativo, pelo que acabo de expender 
(logo o estaca vendo), é uma necessidade de toda sociedade 
politicamente constituída e organizada, qualquer que seja o 
systema de scu goV'crno. 
Escrcvendo a respeito deste regimen, diz Houriout: 
«Todos os paizes da Europa continental estão comple-
tamente nesse 1'egimen, ai/Ida que em gráos desegltaes. A 
França parece ser o paiz onde a administração tem mais 
força, 7/laior repercussão Nobre a vida geral, e onde, ao 
11le.~mo tempo, a organixação do regimen é a mais aper-
feiçoada; Précis du Droit Adm., pago 2. 
Francamente, não Vf'jo que tenha razão o eminente Pro-
fessor da Univ~rsidade de 'l'oulouse, para presumir tanto da 
excellencia do regimen administrativo do seu paiz. 
O regimen administrativo francez, além de resentir-se 
de grandes defeitos, pelos quacs tem soffrido justas e mere· 
ddas censuras, .é um regimen muito complicado, não podendo, 
por isso, ser adoptado como modelo a seguir. 
Por tal modo se multiplicaram os vi<.:ios desse f-ystema 
e as exig~ncias dos seus prOCeS50E', que chegm'am a ser aban·' 
danados 08 cursos de direito administratil'o pela grande 
massa dos estudantes, que consideravam tal disciplin'J. como 
a materia mais indigesta e insupportavel dos programmas; 
Marn., obro cit., pago 36. 
4.Não era á França (accrescenta Marnoco, citando Clovis 
Bevilaqua), mas á. AUemanha que estava reservada a gloria 
~e reno,ar completamente· os estudos da administração pu- ' 
lllica.» 
«Effectivamente, a sciencia da administração por Stein, 
e desenvolvida principalmente pelos alcunhados cathedren so-
<JÍalisten Wagner, Engel, Bretano, Cohn, etc., e, na Italia, 
- 32-
por :Missadaglia, JIorpllrgo, Ferraris e outros, é muito diffe-
rente dos estudos administrativos dos professores e autores 
francezesl. que deixaram em obras informes bem assignado o 
. seu critpl;io e~treito e empyrico» ; Clov., Dir. e Econ. Polit. 
pago 127 e segs: 
Guardemo-nos, pois, em o nosso estudo, de imbuir-nos 
das idéas de Houriout e de outros publicistas francezes, que 
ainda agora doutrinam e sustentam principias, que não me 
parecem verdadeiros, como no correr de minhas prelecções 
terei occasião de demonstrar. 
Occupando-se da enorme extensão, vasta e complexa, do 
direito adminisirativo em suas relações com o Direito Cons-
titucional e Publico, com a EconolJlia Politica, com o Di .. 
reito Privado, e ainda com eutras sciencias que lhe são au· 
xiliart:>s, pondera Bride!: 
São tantas as materias, de que o direito administrativo 
se occupa, que o mesmo se me afigura um extranho caphar-
naúm! 
E então illquire Bridel: não haverá um meio de selec-
cionar, deste cOlljuncto heteroclito, certas partes 8ufficiente-
mente independentes, para constituirem ramos distinctos do 
Direito Publico? 
Penso que sim! 
Mas, ao meu vêr, o grande inconveniente, que o illustre 
Professor procura remediar com o alvitre que propõe, po-
deria ser mais facilmente removido por outro meio. 
Seria o de abster- se o Estado de opprimir o povo com 
tantas reformas superfluas e infructuosas. 
Jean Cruet tem, a este respeito, uma phrase digna da 
meditação de todos os governos. 
EVe diz: V ê- se todos os dias a sociedade reformar a. 
lei; nunca se viu a lei reformar a sociedade. 
E Gustave Le Bon, taÍnbem se occupando das illusões 
legislativas na França, muito acertadamente pondera: 
«O dogma sagrado do poder das leis é talvez o um·co· 
- 33-
que subsiste de pé e que os theoricos veneram. Si o ?'deal de 
um partido politico pcrmittisse definira, poder-8e-ia dixe}' 
que não existe em França sentia um partido. 
Todos possuem, com ejJeifo, um mesmo ideal: refo/'mar 
a sociedade a golpr::s de decl'cto,ç, e pedir ao Eçtado sua 
constante intervenção na vida social· dos cidadãos», La 
Psych. Polit" pag .. , 
Sendo este tambem o mal do Brasil, cada anno que passa 
augmenta consideravelmente, em proporções extraordinarias, 
o numero de leis, que hoje se contam aos milhares, formando 
montões de duras obrigaçõ~R para o povo, e constituindo o 
tormento dos que, pelos deveres da profissão, não ·podem dei-
~~U~~~ . 
A consequencia, meus senhores, é que todos sentem ó 
incommodo, a pressão, o vexamE', o poder aspbyxiante de 
tantas rebrmas imponderadas, hoje feitas, para amanhã se-
rem logo desfeitas, ou substituidas por outras ainda peores, 
sem coII;1 isso melhorarem as condições de liberdade, deinde-
pendencia e de bem-estar do povo, apesar das intenções pa-
trioticaa, com que nos procuram felicitar os nossos legisla-
dores! 
•. 
DIREITO ADMINISTRATIVO 
. 3 
SEGUNDA LIÇAO 
1. Fundamento dos poderes poli ticos do Estado. -lI. Como se 
dividem esses poderes. - I lI. Logar que compete, enlre os 
mesmos, ao poder administrativo. - IV. Deveres . primor-
diaes do Estado extensivos á Administração Publica. 
Meus senhores: 
O ponto que constitue ohjecto da lição de hoje é mate-
ria nwis de direito pu\)lico e constitucional do que de direito 
administrativo, propriamente dito. 
A pesar disw, logo se comprehende, pelas intimasligações 
deste com aquelles outros raUlOS de direito, ou antes, pela 
connex?b que existe entre os mesmos, a consequente necessi-
dade de aqui estudarmos o fund(tmento dos poderes politicos 
elo E .. dado, dos quaes o poder administrativo faz parte. 
E' uma questão sobre a qual, não nos sendo possiyel 
erear causa alguma, apenas nos é dado explanal-a no terreno 
de theorias conhecidas, fazendo um trabalho de simples con-
densBçZio. 
Mas, antes de indicar com exactidào os fundamentos po-
liticm; do Estado, cumpre dizer o que pelo mesmo se deve· 
entender, 
Que é o Estado? Onde reside o fundamento do poder, 
que eIle exerce? 
São multi pias, como S'dbeis, as accepções da palavra Es-
tado. EUa deriva do latim - status, e litteralmente significa 
situação das cousas. 
E' neste sentido que se diz - uma nação em estado de 
---.:.. 35 ......;, 
guer'ra; uma casa em máo estado; um homem em estado 
de demencia; o estado de ,mude, etc. 
l\fas, não é neste sentido que aqui consideramos q Es-
tado. 
Por uma verdadeira homonymia, aliás muito commum na 
língua portugueza, a palavra estado tem" muitas outras 81-
gnificações. 
No sentido do nosso ponto, eIla deve ser tomada na 
accepção política, e, como tal, significa - o poder gove1'-, 
'na mental. 
lUas, além disso, ainda em politica, a palavra Estado 
exprime tambem - todo um paiz representado pelo seu go-
ve1·no. e) 
No 1.0 caso, o Estado, assim constituido, é considerado 
uma entidade moral, investida dos necessarios poderes, para 
o governo ele uma Nação. 
No 2.°, o vulgo, estabelecendo verdadeira synonymia en-
tre os dous vocabulos de significações differentes, confunde 
Paiz com Estado, a ponto de, por vezes, indistinctamente em-
pregar uma expresssão pela outra, como succede no segundo 
exemplo citado. 
Ainda em relação ao primeiro caso, vê'se bem que o Es-
tado, como simples entidClde moml e tambem politica, não 
poderia por si exercer o governo. 
A~sim, entretanto, se considera por uma ficção de direito. 
Na realidade, só nas pessoas naturaes, escolhidas para 
exercerem a autoridade e dirigirem os publieos negocios, por 
força dos poderes, que, para isso, a Nação lhes outorga, é 
que se encarna o principio rep1'fscntativo do Estado, em cujo 
nome elIas agem. 
'remos, portanto, que o Er,tado, tal como eu aqui o con-
sidero, é o que se póde dizer - a Nação soberana, constitu-
(I) Diel. de la Convers.,v. État. 
* 
- 36 --:-
cionalmente governada por fórma e poderes pela mesma esta-
belecidos, em territorio por ella occupado. 
Estabelecida, por este modo, a noção do Estado, e conhe-
cidos a origem e o fundamento dos seus poderes, resta saber 
como se limitam esses poderes. 
Modernamenta, nos paizes constitucionaes, t'ldos os poderes 
do Estado são limitados pelos direitos q'~e· as Constituições 
asseguram a todos os cidadãos. 
No Brasil, por exemplo, a sua Constituição tem uma se-
cção especialmente consagrada á declaração desses direitos; 
arts. 72 a 78. (Vide Appenso lI). . 
Além desses limites, os· poderes do Estado só. podem ser 
exercidos na circumscripção territorial do paiz. 
Fóra dahi, só por excepção se admitte, de accôrdo com os 
principios do Direito Internacional, a exterritorialidade das 
leis brasileiras noutro paiz. 
Tem sido sempre este o conceito do Estado? 
Pelo contrario. 
No tempo da dominação romana cabia ao imperante a 
personificação do Estado. 
Nelle se resumiam, por effeito da lex 1·egia, os podere!>, 
que então se denominavam - imperium e pote.'Jtas, signHi-
cando, no primeiro caso, o poder do mando, o exercicio· da 
autoridade, e no segundo - a força de que devia dispôr essa 
autoridade pora mandar e ser obedecida. (2) 
O imperador era o unico titular desse direito. 
Anteriormente á Revolução Franceza, Luiz XIV chegou 
a dizer: « L' État c' est m.oi! 
Conscio do poder, de que se achava investido, o seu go-
verno, todo pessoal, a exemplo dos imperadores romanos, tor-
nara-se, em pouco tempo, despotico e absoluto. 
E, dahi, o seu dito meIP,.oravel, que a historia registra 
'(2) Duguit, - Les Transf. du Dl'. Pub., pago 3. 
- 37-
Só elIe dictava a lei; tanto que, pelo vigor do seu espi-
rito, como pelo brilho de sua gloria, foi appellidado o Rei-Sol. 
Sobrepujou a tudo o 'poder sem contraste de sua vontade: 
deante deHa, de nada valeu a influencia dos homens de genio, 
que então possui a a, França, e que tanto illustraram o reinado 
daquelle Rei nas letras, nas artes e nas sciencias. 
A sua ambição desmedida exgotou os recursos da Nação 
e augmentou a mis~ria do povo. 
Luiz XIV, tomando a si a direcção suprema do governo, 
só teve, depois disso" uma preoccupação: banir do reino toda 
a seita reformadora, inimiga de todo o poder absoluto. (3) 
E assim, dominado por essa idéa, não via que, governando 
sem peias, preparava a revolução, com que o povo francez, 
cansado do jugo, em luta de vida e de morte pela reivindi-
cação de seus direitos, devia mais tarde levar ao cadafalso 
Luiz XVI, e, com eEse tragico successo, apressar a queda da 
monarchia em França. 
Variou, depois disso, o conceito do Estado por efIeito das 
idéas de Locke, Mably, Rousseau, Montesquieu e da Consti-
tuição votada em 1787 pelo Congresso de Philadelphia, na 
America do Norte. 
Por essa Constituição a Nação passou a ser une per-
80nne titula ire du droit sltbjectif de puissance publique, du 
pou?;oir de commandement ou 8oltveraineté. (') 
Apenas decorrera um seculo, e já arguciosas theorias e· 
doutrinas de innovadores reaccionarios subvertiam os princi·. 
pios fundamentaes do Direito Publico, que ainda agora re-
presentam a mais bella conquista da razão esclarecida pelos 
eminamentos da philoE:ophia christam sobre o obscurantismo 
dos povos barbaros da edade de ferro e medievaes. 
Dahi, a profunda divergencia dospublicistas, na actua-
(3) Dict. cit., voI. 12, pago 451. 
(4) Dug., obro cit., pago 13. 
- 38-
li,jade, ~í.cerca dos podet'es do Estado e do papel, que .lhe 
compete no governo do mesmo. 
l\[uitos deHes (felizmente ainda em minoria) são acerri-
mos defensores do Estado senhorio, "do Edtado omnipotente, do 
Estado patrimonial. 
Esta concepção, baseada na mais abstrusa de todas as 
theorias, é h~ie principalmente positivista. 
Duguit dá-nos da mesma uma idéa exacta e perfeita nos 
seguintes termos: ( As dltas idéas que lhe se?'vem de apoio 
(diz Dll.rJlliT), (t soberania do Estado e o direito natural do 
individuo, desappareceram. Uma e outra são conceitos meta-
physicos, que não podem servi?' de fundamento ao s,1j$tema 
iuridico de uma sociedade toda penetrada de positivismo, 
E assim conclue esse publicista, affirmando que a dele-
gação nacional é uma ficção; ob. cit., pags. XIV e XVI. 
Deixemos Duguit, meus senhores, com o seu erro de 
apreciação a respeito das cousas metaphysicas, com as suas 
preferencias pelas idéas positivistas, e não esqueçamos que tudo 
isso se reduz a nada ante as pl'oprias contradicções da escola 
a que elle é filiado. 
Não soil eu quem o diz; foi Littré quem sustentou que 
as duas partes da doutrina de Comte - uma politica e outra 
religiosa -esta!'am em contradicçao. 
E assim é, realmente. 
Comte rejeita as idéas universaes até hoje Receitas como 
_principios fundamentaes dos nossos conhecimentos, por serem 
.cousas metaphysicas; considera ficção o principio universal-
. mente admittido da delegação nacional, sobre que assenta o 
direito publico moderno, e não vê que muitos dos principios, 
em que se baseia a sua doutrina, sendo, por igual, a fonte d~ 
seus conhecimentos, ou de sua sciencia, tllmbem são metaphy-
sicos. 
No rigorismo dos seus principios, Ri não chega a negar 
em absoluto a existencia de uma causa primaria, declara, com-
tudo, que a mesma não constitue objecto de suas cogitações. 
39 -
E, sem embargo disso, em todo o longodesenvolvimento 
dado á sua doutrina, Comte não só allude aos principios abs-
tractos, que condemna, como repetidamente o;; invcca como 
fundamento da organização positiva da sociedade, a ponto de 
avançar esta affirmação contradictl)ria: « E' preciso crear um 
poder espiritual (nota e bem!) distincto do poder politico, que 
assegure a superioridade do direito sobre a força (5). 
Como vêdes, Comt", além de contradictorio, é pretenci080, 
desde que se arroga o poder de crear aquillo que nega e que 
nunca lhe fOl dado conseguir - o intitulado poder espiritual, 
com que sonhara, a ponto de divinizar o homem, fazendo delle 
objecto de um culto - o da Humanidade! Mug, que é esse 
poder espiritual, senão o reconhecimento formal de uma ver-
dade assente principalmente na metaphysica, que Com te com-
batia como um erro da orthodoxia christà? Que necessidade 
tem o positivismo desse poder, se elle encara a vida unica-
mente pelo lado pratico, pelo lado uta, pelo lado do interesse, 
sendo este o principio utilitario e basic:o de sua doutrina?· 
Tenhamos, portanto, como certo, o que eu já tive occa-
sião de vos affirmar : 
No Brasil, como nos paizes mais cultos, como na propria 
França, onde se deu ao positivismo a fórma de um I'ystema, 
os poderes do Estado provüm do povo, const.ituido em Nação. 
Conforme o nosso regimen instituido pelo movimento de 
15 de Novembro de 1889 e consolidado pdo Pacto Federal de 
24 de Fevereiro de 1891, a Nação Brasileira, que antes vi.via 
sob um regimen inteiramente diverso (il monarchico) adaptou, 
como iórma de [!overno, sob ° regimen representativo, a Re-
publica federàtiva, proclamada na primeira das referidas datas 
(15 de Novembro de 1889); e assim se constituiu, pOI" união 
perpetua e indis80luvel das antigas pl"ovincias, em Estados 
Unidos do Brasil; Consto Fed., art. 1.0 (Appenso n.o II). 
ri) Encycl. Port., vol. 8, pago 842. 
- 40-
Como estaes vendo, neste artigo da nossa Constituição te-
mos nós o conceito scientifzco do Estado Federal j assim como 
a ex&cta discriminação de sua fórma politica. (6). 
Segundo ella, o povo brasileiro, no uso de sua soberania~ 
organizou o seu regimen politico actnal, dividindo o antel'iOl' 
Estado unittJ.rio do Brasil em Estados particulares, dando ás 
antigas p1'ovincias eS8e novo caracter. (1). 
Vem a proposito dizer-vos, que Duguit, filiado á escola 
positivista, sustenta que o dogma da soberania nacional está 
em contradicção com 08 transflJl"rnaçues 80ciaes e politicas, por 
que teem passado 08 E8tados, nlém de que tem pel'dido sua 
effzcacia, e, p01'vezes, a 8ua acção é nociva (8). 
Não cabe aqui a refutação de tão extranha theoria <', 
por isso, aguardando opportnnidade de voltar a esta questão, 
proseguirei 110 desenvolvimento do ponto, objecto de nossa lição. 
Por -força do regimen instituido a 15 de novembro de 
1889, e consoante a natureza do mesmo, temos o Brasil unido 
por uma liga, alliança ou federaçãf) de E8tados em um 8Ó 
Estado, formando uma União perpetua e indissoluvel, como 
positivamt>nte o aflirma o citado art. 1.0 da Consto da !tepn-
blica. . 
Dahi decorrem os seguintes corollarios: 
V') Como l'egimen repl'esentativo, o governo do Brasil é 
exercido por mandalari08 escolhidos pelo povo (institucional-
mente soberano) para ag.ir em seu nome; 
2.°) O meio pelo qual, entre nó:!, se confere esse mandato 
é o da eleição directa; 
3.°) O governo, não podendo e nem devendo ser directa-
mente exercido pela universalidade dos cidadãos, pelos grandes 
inconvenientes que disso resultariam para a marcha regular 
(6) J. Barh., Com. á Const. pago 8. 
(7) J. Barb., Com. ti Const., pago 8. 
(8) Duguit, obro cit., pago XV. 
- 41-
dos negocios do Estado, só póde ser legitimamente exercido 
por via de delegação pelai:! poderetõ publicas c0115tituidos pela 
Nação; (9) 
4.°) E' um poder inherente. ao povo, por meio do qual elle 
determina não FÓ o modo por que qner ser governado, como 
o meio pel"Ô qual se devem regular as fórmas, condições e ga-
rantias com' que deve ser exercido o poder publico; J. Barb. 
obro cit., pago 8. E tão legitimo é esse poder que, apesar das 
objecções que lhé são oppostas, a verdade é a 8eguinte, dou-
trinada por um escriptor emineLte: 
«A pri meira condição de 11 ma N arão é uma idéa pratica 
commum: um fim de activida,de commuln» 
« Todo o POt'O que se tem feito G instrumento de uma rpa· 
lização social (como o Brasil, por exemplo, em 15 de no-
vembro de 18.SS); que tem contribuído para a manutençno 
da independencia nacional na ubra do progresso geral e que 
assim tem occlll'ado o SClt pusto na historia, tem o direito de 
c(mscrvar este posto, e do mesmo só podel'ia ser expulso pela 
violenda e pela iniquidade.D 
5.°) Ma!', a delegação (de que ha pouco fallavamotl) não 
póde ser :-.bsoluta e incondicional. Sómente dada para o exer-
cicio de poderes soberanos, o povo com isso não demitte de 
81, não abdica nos representantes a soberania. (9) 
E se não, eis a prova: 
Supponhamos que os delegados do povo, abusando ou 
exorbitando, no exercicio do mandato, dos poderes que lhes 
foram conferidos, t!'ahem a causa do povo em assumpto tão 
grave, ~ ponto de comprometterem não EÓ a integridade, como 
até apropria existencia do phiz. 
A hypothese não é inverotõimil e nem irrealizavel; é digna, 
portanto, de ponderação. 
Haverá, em tal caso, quem possa negar ao mandante o 
(9) J. Ba~b., obro cit., pago 8. 
42 -
direito, o p01er (le ca"sar o mandato por elIe conferido aos 
seus mandatarios? 
O que logo se vê, meus f'enhores~ e facilmente se com-
prehende é que, no caso, o povo teria niio flÓ o direito de reti-
rar a delegação, como de punir leg'l.lmente o crime dos seus 
delegados. • 
?\ão podendo ser outro o princi pio regulador da hypothese, 
responde triumphalmente o 'mesmo principio a esta affirmação 
de DUg"nit: 
« Roj~ não mais se explica uma delegnção nacional, que 
nã') é senão uma ficção. 
Na realidade ella não existe; e, quando assim não fosse, 
mesmo que exprimisse uma vontade unanime, não seria senão 
a vontade de uma S'lmma deindivid'llos; isto é, uma vontade 
indl:vidual, que não terig, o direito de impôl'-se áquelle que 
contra ella se insurgisse.)) 
Admiro, senhores, o talento de Duguit, cuja autoridade, 
como publicista, reconheço e proclamo; mas não sei si se encon-
trará no seu livl'o-Les T'ransfol'mations du Droit Publique 
(l0) argumento mais destituido de fundamento, ou, por outra, 
mais dissonante com as suas proprias razões do que este! 
Não vê Duguit, que, nomeando o povo seus delegados, sem 
demittir de si os poderes que lhes confere, e isto Sll; conditz'one, 
não lhes faz cessão ou doação de um siquer dos seus poderes! 
Não vos passe despercebida a contràdicção de Duguit, 
considerando unaninie a somma de vontades individuaes, da 
qual se destaca uma vontade divergente! 
Conforme dizia, o povo confia aos seus mandatarios, ape-
nas para proveito commum, as funcçõe,; e faculdades necessa-
rias á boa gedão da causa publica (l'epublica); mas não se 
despoja do poder supremo, por força .do qual os commissionou 
para o governo ('1). 
(10i Dug., obro cit., pago XV e XVI. 
(") J. l3arb., oh, cit., pago 8. 
- 43-
Conseguintemente: a) a delegação não é e nem póde ser 
perpetua; b) deve, por isso, ser revogada periodicamente, a 
prazos curtos ; c) distribuida por differentes orgãoR, tendo cada 
um deIles funcçàes definidas e limitadas; d) finalmente, sendo 
responsaveis no exercicio deIlas todos os agentes do poder 
publico e~). 
Sem a observancia dessas condições, accrescenta o illustre 
commentador da nossa Constituição, não haveria systema re-
presentativo, que então se tornaria uma burla, degenerando a 
representação em despotismo disfarçado com as formulas da li-
berdade - a peior das tyrannias ! 
Tem-se, por consequencia, qu e, tal como aqui euconsidero 
o Estado, de accôrdo com a melhor doutrina, os poderes pro-
,eem originariamente do povo ou da Naçuo, que temporaria-
mente os outorga, e se acham expressos e definidos, em syn-
these, na Constituição da Republica. 
Póde, portanto, affirmar-se, que o fundamento dos poderes 
politicos do Estado está primeiro na lJropria m'Aão delenni-
nante da sua organização; depois, na escolha de seus dil'i-
gentes pelo povo ou Nação. 
n. Vejamos agora como se dividem os poderes do Estado. 
Logicamente, logo se percebe, que, para se estabelecer a 
divisão dos poderes referidos, faz-se mister conhecer primeira-
mente quaes sejam esses poderes. _ 
No Brasil, e na fórma da sua Constituição politica. o go-
verno geral do paiz é confiado á União, que, como sabeis, é 
formada dos Estados da Republica, constituindo um governo 
commllm 011 gernl, conhecido por esta denominação (12). 
Esse governo coexiste com o dos Estados, com o qual se 
não confunde, e é assim que, conforme este systema, existem 
duas qualidades de govl'rno no mesmo tel'1"itOl'io, ou em cada 
Estado: governo nacional e governo estadual e3). 
(12) J. Bal'b., obr.cit , pago 8. 
(13) J. Barb., obro cit., pago 8. 
44 
Apezar, porém, dessa dualidade de governo, é no povo, 
de -que se compõe a Nação, que reside a soberania; de modo 
que sómente a esta cabe o poder de constituir, emendar e re-
,formar seu systema de governo como lhe aprouver (14). 
Todo o Estado, pois, politicamente organizado, presuppõe 
Governo, e este é o poder a quem incumbe gerir e administrar 
superiormente os negocios da Nação em tudo o que interessa 
á existencia da mesma, ou do proprio Estado. 
Esse poder, considerado no mais alto ponto do seu cara· 
cter institucional, ou é exercido por uma só pessoa, ou por 
um conjuncto de pessoas. 
No 1.0 caso, elle só póde existir nos paizes sujeitos ao re-
gimen do absolutismo ou da dictadura, que é, como sabeis,o 
Governo, em que o dictador ou o Rei, no exercicio do supremo 
poder do paiz, absorve todos os demais poderes, em que se di-
vide o Governo do Estado nos regimens constitucionaes. 
Sómente ao Rei ou ao dictador, como unico representante 
da autoridade constituida,' compete o poder supremo do mando, 
inherente á dignidade ou cargo por elle exercido, 
Não quer isso dizer,que não tenha auxiliares qualquer 
desses governos; matl o facto é que todos os actos, por e11es 
praticado!:', o são em nome e por força unicamente do poder do 
dictador ou do Rei. 
No 2.° caso está precisamente o governo do Brasil, que é 
constiuido por tres poderes, que Be~jamin Constant, membro 
do Instituto de França, e illustre autor do classico livro -
«Curso de Politica ConstitucionabJ, deno~ina-poderes cons-
titucionaes, os 'quaes s.ão: legi.Qlativo, executivo e juridicQ. 
Esses poderes são os mais altos representantes do governo 
da Nação, na fórma das. disposições precitadas. de nossa Carta 
Constitucional. 
O 1.0 desses poderes, .na ordem estabelecida pela CODsti-
('4) J. Bal'b. obro eit. pago 8. 
- 45-
tuição, é o legislativo, exercido pelo CongresEO Nacional, COm 
a sancção do Presidente da Republica (Constituição citada, art. 
16). Appenso n.O n. 
Por sua vez, o Congresso Nacional se compõe de dous 
ramos: a Camara dos Deputados e o Senado 
Depois, er:ttre os investidos das attribuições do Poder 
Executivo, figura em primeiro logar o Presidente da Republil:a 
como Chefe electivo da Nação (Constituição citada, art. 41). 
Appenso n.O n. 
Finalmente, o terceiro poder é o J udiciario da U nirto, 
tendo por orgão um supremo Tribunal Federal, com séde na 
capital da Republica, e tantos juizeEl e Tribunaes fede~aeB, dis-
tribuidos pelo paiz, quantos o Congresso crear (Constituição 
citada, art. 55). 
Não cabe aqui a explanação theorica e nem doutrinaria de 
cada uma das di"posiçCies, que [Icabo de citar da Constituição 
da R epublica em relação a esses poderes. 
Não posso, por eguaI, pela estreiteza do tcmpo, e pelo 
circulo, asslts limitado do nosso ponto, aqui enumerar as attri-
buições desses mesmos poderes. 
Tudo isto pertence mais particularmente ao domini.o do 
Direito Publico e Constitucional, e, assim passarei a tratar da 
3.a parte do nosso ponto, que tem por fim saber qual o loga?' 
que compete, entre os tres poderes referidos, ao pode)' admi-
nistrativo. 
III. Este podcr, conforme eu tive occasião de dizer em 
minha lição inaugural,' deriva instituc~onalmente do Direito 
Constitllcional e Publico, do qual, pela necessidade da separa-
ção de funcçõel'l, se destaca como subdivisão ou ramo do seu 
tronco, e é, comtudo, autonomo. 
Faz parte, por consequencia, do poder politico em geral, 
a quem, no dizer de Ribas" incumbe realizar a missão do Es-
tado. 
Particularmente, pois, em relação ao poder administrativo, 
pode-se dizer, que tem por fim regular a acção e a compe-
- 4G-
tencia da administração central, das administrações locaes e 
dos Tribunaes administrativos em suas relaçõ~s de direitos e 
interesses tanto dos administrados com o Estado como desto.s 
com aqnelles. 
Não é outra a noção, que nos dá Cabantous, dos diversos 
ramos do Direito Publico, quando, estabelecendo a distincção 
entre este e o direito privado, diz que - o dil'eito pri'vado 
comprehmde essencialmente o direito civil, o processo civil, o 
direito commcrcial, e, accessoriamente, o direito criminal, como 
sancção e ga1'antirt do direito civil,. ao pas150 que o Direito Pu-
blico, no seu mais lato sentido, abrange o Direito Internacional, 
o Direito Constitucional e o Dirúto Administratiro. 
IV. Temos, depois disso, senhores, de tratar dos deveres 
pn:mordiaes do E:stado extensivos á Administraçi'io Publica. 
Não é, comO vêdes, materia estranha ao o~jecto desta ca-
deira. Si esses deveres constituem, de facto, materia de direito 
publico, nem por isso deixam de interessar igualmente á 
administração publica, pela inteira ligação desta cum o Estado. 
Partindo do principio (que eu convictamente defendo) de 
que o Estado não é senão nm meio ao ser viço da collectiri-
da de social, que o mesmo 7'epresenta (o que significa que não 
acceito sem restricções este mesmo p:incipio estabelecido como 
absoluto, pdos autores inglezcs e americanos, que o erigiram 
em systema; (Bluntschli, Théor. Géner. de l' ~~tat, pago 2õü) 
é bem de ver que todo o Estado, como personalidade ele natu-
reza moral e politica, como poder dirigente da Nação, logil'a-
mente deve ter um fim, todo especial, ,o~jecto de sua missão. 
Esse fim varia conforme as tendencias das várias escolas, 
em que se hão dividido os tratadistas de direito Publico. 
Mas, a discussão desse thema, que envolve, antes de tudo, 
uma these de superior importancia, já pelas controversias que 
suscita, já pelo seu grand,~ alcance social e politico, não cabe 
aqUI. 
Opportunamente, elle terá logar mais apropriado para 
ser discutido, e aBsim passo a mostrar-vos quaes são, no meu 
- 47 --
entender, os deveres primerdiaes do E~;fado extellsil'os á 
admillz'stração publica. 
A respeito desses deveres, cumpre, desde lugo, chamar a 
vossa attenção para a antiga maxima de Direito Publico-
Salus populi sup1'ema lex est. 
Não preciso aqui traduzir esta maxima, porque logo estaes 
vendo qual a sua significação. 
A verdade é que, desne Roma, onde foi formulada, a 
mesma tem sido sempre invertida e sophismada ao talante de 
todos os governos. 
A interpretação que se lhe tem àado na pratica é profunda 
e !;ubstaneialmente contraria não só á letra, como ao s~u pm-
samento. 
De"ido a isso, o que sempre se tem visto nas proprias 
condições communs e ordinarias da ,ida das Nações, é os go-
vernos confundirem as noções de Povo e de E~tado, para, por 
este modo, darem um caracter de legitimidade a todos os seus 
actos, contrarios não só ao principio estabelecido por essa ma-
xima, como ao direito e ás leissobre que, sobretudo, assentam 
todas as sociedades politicamente organizadas. 
Salus populi, diz expressa e positi ,amente a maxima: 
A salvação, portanto, de que a lDesma cogita, é do' povo, e 
não do Estado, cujo conceito, como sabeis, é, em tudo, di-
verso daquillo, que se entende por Nação e Povo. 
Por consequencia, entendida a maxima romana, tal COIDO 
eu a comprehendo, não tenho duvida em acceital-a como a 
expressão mais synthetica dos deveres primol'diaes do Es-
tado. 
De aceôrdo com ella, eu dividirei esses deveres em tres 
<lrdens distinctas: deveres de ordem juridica; deveres de or-
dem moral ou inteHeclual e deveres de ordem politica. 
A' L'" ordem pertence indiscutivelmente o da protecção 
devida pe'ro Estado aos dirpitos individuaes. 
Não se comprehende, senhores, que, tendo o Elltado sido 
creado exactamente para assegurar a effectividade desses di-
- 48 
reitos, possa antepôr a esse dever o direito de agir de modl) 
contrario ao fim para que foi creado. 
Queiram ou não os partidarioR da omnipotencia do Estado, 
a verdade é que o principio fundamental de toda associação 
política é a conservação dos direitos naturaes e imprescri. 
ptiveis do homem, primeiro como indtm:duo, depois como-
cidadão. 
Antes de mim, já o fim. do Estado; na opinião de dous 
notabilissimos escriptores allemães (IÇant e Fichte) era, como-
o é ainda agora, a segurança do direito. 
Defendendo esta these, sinto-me bem, principalmente em 
companhia de Krause, que demonstra, á luz de toda a evi· 
dencia, que o homem é o resumo da creação; é o microcosmo-
onde se reflecte, em ponto pequeno, todo o universo; é, fi-
nalmente, um ser synthetico e harmoníco, essencialmente dis-
tincto, na escala animal, de todos os outros animaes, de que 
se differencia. C5).· . 
Vem, depois disso, em 2.0 logar, os deveres primordiaes 
de ord,~m moral e intellectual. 
De ordem moral considero eu, por exemplo, o dever que 
tem o Estado de prestar o concurso valioso e efficaz de sua 
assistencia e do seu auxilio ao povo, ou á Nação, em todos os 
casos de calamidade nacional. 
E quanto aos de ordem intellectual, bastará referir, que 
seria um crime do Estado o esquecimento, o desinteresse de 
sua parte em tudo o que diz respeito não só ao desenvolvi. 
mento da sciencia, das letras e das artes, como principal-
mente da instrucção publica. 
Finalmente, eu considero dever primordial do Estado, ne 
ordem política, o que diz respeito á defesa da Nação e dI) 
proprio Estado, á manutenção da ordem social e a sua pro-
pria conservação. 
(l5) Ahrens, Cours de Drait, vai 1.0 pago 109. 
- 49-
Desses deveres, que não deixam tambem de ser juridicos, 
decorrem outras muitas obrigações para o Estado; devere!:', que, 
pelo adeantado da hora, nem si quer me é dado aqui mencionar. 
Todos os deveres, que allt,·s enumerei como primordiaes 
do Estado, são, por tal modo, tão essenciaes ao EStado á vida 
oa Nação q~e ou eIles são ob~ervados, ou é expo~ta. a pl'ri-
gos a existencia !óocial; ou o Estado os cumpre fiel e rigoro-
sament!', ou trahe crimino~amente a sua mili~ã()! 
Notae, depois disso, que todos eIleli entendem com o 
o~jecto degta cadeil'.l - o direito administrativo e a sciencia 
da administração. 
De todos ellcli se occupa igualmente a Constituição da 
Republica, e, portanto, o DiréÍto Constitucional, de modo que 
nella. encontrareis, entre outl'llS, a enumeração dos seguintes 
dever.:~ ; 
1.°) o ue velar na guarda da Constituição e das lei~, e 
providenciar sobre as necessidades de caracter federal; Consto 
cit., art. 35, § 1.0; (Appenso 11.° II) 
2.°) o de assegurar a bra~ileiros e a estrangeiros resi-
',dentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á 
liberdade, á scgurança individaal e.á propriedade • 
. De onde logicamente eu concluo: 
A missão do Estado deve scr cumprida de modo que a 
Nação ntlo considere um jugo o seu poder, ~ómente suppor-. 
tavel pelo temor, peliz intimidação, pela violencia ou pelo 
terror, porl~eJltltra por elle empregado. 
A acção, portanto, do Estado deve ser em tudo prote-
ctora, amparadora, benefica e bemfazeja, salvo os casos de 
. precisar reprimir ddictos e abusos, manter o respeito á lei e 
ao principio de autoridade. 
E', por outras palavras, o que doutrina Bluntschli quando 
affirma, que o fim directo e verdadeiro (lo El'tado é o desen-
volvimento da.~ tilf~ltlI(de.<; daNação, o ape1leiçoamento de 
.~;ta vida, por uma marcha progressiva, que não 1'mplique 
contradicçrio com. 08 deveres de humanidade. 
Dlln:JTO AD~IlNIB'rIlATlVO 
TERCEIRA LIÇÃO 
o Estado e o individuo. ThE'orias antagonicas da primazia dos 
direitos do Estado sobre os do individuo e vice-versa. Cri-
tica ao principio exclusivista de cada uma dessas theorias. 
Formula conciliatoria de ambas, a bem da communidade 
social. Direitos e deveres do Estado limitados pelos direi-
tos c deveres dos administrados, e reciprocamente. 
l\Ieus senhores: 
Já sabei!', pelo q'le tellllO dito nas dltas precedentes l~­
çõcs, qual é, nu entender da cadeira, o verdadeiro conceito 
do Estado e do individuo, politicamente falIando. 
O ponto de hoje leva-nos á indagação: 
1.0) das 1'elaçues do Estado e do indü;idllo; 
2.°) das thcorias antlJgonicas da 7!)"ima~;ia dos dinituo'; do 
,E.~tad,) sobre 08 dI) illdiDl~],UO, tj vice-ve7'sa; c01n[J/'el,e1/dendo 
eSse fxalll8 a c/"itiea ao prineipio exclllsivi8ta de wda uma 
dessas t/teorias; 
3.°) da ról'/l/lda conciliat07'ia de ambas, a bem da eom-
munid(tde social; 
4.°) finalmente, dos direitos e det'ere8 do Estado, li1/lita-
do.., pelos di/"eltos e deceres dos a-dlJlim:stratlos, e '!'eciln-oca-
meute. 
I. Parece claro que a exacta determinação das relações 
ao Eiltado com o individno, e vice-ven;a, está principalmente 
dependente do principio fundamental, adoptado para o Estado 
no acto de sua organização,~ 
Esta questão não constitue o~jecto sómente do Direito 
Constitucional e Publico, mas tambem do Direito Adminis-
trativo, ramo desse poder, como passamos a demonstrar. . 
- 51-
E' de simples intuição que p. acção dirigente d:> poder 
administrativo e os limites da administração estão subordi-
nado~, por força de sua propria natureza, ao principio sobl'e 
que assenta o Estado. . 
;;;e esse principio é liberal; isto é, se o Estado admitte 
plena liberdade para todos, é claro que liberal tambem ha de 
ser a acção da administração publica. . 
Depende, por consequencia, daquelle principio a natureza 
das rrlações do Estado com os administrados e vice-ve1'sa. 
Se, pela Constituição do Estado, a vontade, que deve 
prevalecer é a sua, claro el'tá que, ncste caso, devendo ser 
posta em plano secundario a vontade da Nação, esta ~erá a 
unica sacrificada. 
Como vêdes, é esta. uma das q ue~tões mais transcen-
dentaes e complexas, que se teem agitado no vasto campo do 
Direito Con"titllcionnl e Publico, e tambem do Direito Admi-
ni:otrativo, a que a mesma interessa. 
Logicamente, não se póde determinar a priori quaes se-
jam as relações do Estado e do individuo, cuja condição so-
cial está dependente da natureza do poder politico do Estado, 
do qual principalmente dependem o uso e goso de todas as 
prel'ogativas, attributos do homem, tanto sob o ponto de vista 
juridico, como Bocial e político, 
n. Varias são, meus senhores, as theorias políticas, sobre 
que asõenta a constituição ou a organização do Estado. 
A meu ver, porém, todas ellas podem, sem inconveniente, 
reduzir-se a dous typos: o do Estado de poderes illimitados, 
que eu chamarei - omnipotente, e o do Estado, que tem a 
consciencia dos limites de seu poder e de 8ellS direitos. .'. 
Vê-se da historia, que vem da mais alta antiguidade a 
existencia do Estado omnipotente, ao qual precedeu a theoria 
do governo paternal e patriarchal. 
O principio predominante, sobre que o mesmo se baseia, 
é o da força.

Continue navegando