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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ DAIANA AZEVEDO DOS SANTOS EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO: FORMAÇÃO PARA CIDADANIA Cabo Frio 2017 DAIANA AZEVEDO DOS SANTOS EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO: FORMAÇÃO PARA CIDADANIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura plena de Pedagogia. Orientador: Prof. Ms: Alexandre Teixeira dos Santos. Cabo Frio 2017 DAIANA AZEVEDO DOS SANTOS EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO: FORMAÇÃO PARA CIDADANIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura plena de Pedagogia. Aprovado em: ______ de ________________________ de 2017. BANCA EXAMINADORA _________________________________________________ Prof. Orientador: Ms Alexandre Teixeira dos Santos Universidade Estácio de Sá _________________________________________________ Professor Parecerista Cabo Frio 2017 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à minha família, em especial, às minhas filhas Débora Clara e Carolina, pela confiança e compreensão nos momentos em que necessitei me ausentar para me dedicar aos estudos. Ao meu pai Walter, pelo esforço feito para que eu pudesse ter a oportunidade de educação e formação que ele infelizmente não teve. À minha mãe Marinéa (in memoriam), que durante toda sua vida dedicou-se a transmitir amor, carinho e valores que levo para a vida, e que nunca permitiu que eu desistisse de estudar, mesmo diante de todas as dificuldades enfrentadas. AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus, que permitiu que este momento fosse vivido por mim, Ele foi meu refúgio e me sustentou quando precisei. À Universidade Estácio de Sá, pelo ambiente oferecido, pelas oportunidades ofertadas aos seus alunos e os profissionais qualificados que disponibiliza para nossa formação. Ao meu orientador, Alexandre Teixeira, pela paciência, dedicação e ensinamentos que possibilitaram que eu realizasse este trabalho. Pela oportunidade, pelo incentivo e encorajamento dado quando eu me questionei, e por acreditar que meu sonho era possível. Por me estimular à prática da pesquisa e por ser um exemplo de profissional ético e humano. Aos professores do Curso de Pedagogia do Campus Cabo Frio, que foram inspiração e motivação para que eu me encantasse pela educação. Em especial, professora Mônica Infante, por toda sua atenção, dedicação e esforço para que eu pudesse ter confiança e segurança na realização deste trabalho. Aos meus amigos de trabalho Rogério Noronha e Fabiano Lobo, que me ajudaram com todo seu conhecimento na área de legislação de Trânsito. Ao Marcos Clayton Sodré, que foi um grande amigo e colaborador para que tudo desse certo. À minha amiga Brunna Pereira, que esteve comigo em todos os momentos, pelo ombro amigo e por me apoiar durante toda a graduação. Ao meu noivo, José Severo da Silva Neto, por estar do meu lado no momento que estou realizando um grande sonho. Por não deixar que eu desistisse e me apoiando em todas as horas. “Você, eu, um sem-número de educadores sabemos todos que a educação não é a chave das transformações do mundo, mas sabemos também que as mudanças do mundo são um querfazer educativo em si mesmas. Sabemos que a educação não pode tudo, mas pode alguma coisa. Sua força reside exatamente na sua fraqueza. Cabe a nós pôr sua força a serviço de nossos sonhos”. . (Paulo Freire) RESUMO Educar torna possível incorporar normas e reorganizar valores, que contribuem para a formação humana. A educação permite a formação do indivíduo, que possibilita seu convívio com a sociedade na qual está inserida, criando uma conscientização dos seus direitos e deveres, refletindo sobre suas ações, o que garante uma formação para a cidadania, que é um dos objetivos principais da Constituição e das Políticas Educacionais do Brasil. O presente trabalho realizou uma análise do trânsito brasileiro, apresentando as mudanças ocorridas na sociedade e na legislação que rege esse sistema, desde a chegada do veículo ao Brasil, além de apresentar as estatísticas dos acidentes e o que eles representam para os cofres públicos e para o indivíduo que tem por direito um trânsito seguro. Além disso, sinalizou-se a importância da educação para uma formação cidadã, que propicie a existência e a criação de um currículo educacional que forme educandos críticos e conscientes do que é e da importância da cidadania. Pretendeu-se com a abordagem do tema Educação para o Trânsito refletir sobre a realidade brasileira, com um olhar atento da conscientização e formação do educador/pedagogo, compreendendo o seu papel na formação dos educandos e refletindo sobre suas práxis, diante da realidade da violência que o trânsito apresenta. Palavras-chave: Trânsito. Educação. Currículo. Cidadania. ABSTRACT Educating makes possible to incorporate norms and reorganize values, which contribute to human formation. Education allows the formation of the human being, and make possible to him live in the society that he is inserted, creating an awareness about their rights and duties, reflecting on actions, which guarantees a formation for citizenship, which is one of the main objectives of the Country Constitution and also the Educational Policies of Brazil. The present work performed an analysis of the Brazilian traffic, showing the changes that have occurred in the society and in the legislation, that governs this system, since the arrival of the vehicle in Brazil, besides presenting the statistics of the accidents and what they represent for the public coffers and for the person that has the right of safe transit. In addition, the importance of the education for citizen's education was signaled, providing for the existence and creation of an educational curriculum that educates students who are critical and aware of what it is, and the importance of citizenship. The intention was to approach the issue of Education for Transit to think on the Brazilian reality, with an attentive look of the educator's awareness, understanding their directions in the education of the students and thinking about their praxis facing the reality of violence that the traffic presents. Keywords: Transit. Education. Curriculum. Citizenship. SUMÁRIO INTRODUÇÃO--------------------------------------------------------------------------------- 10 1 CAPÍTULO I - O TRÂNSITO------------------------------------------------------ 1.1 Definição de Trânsito-------------------------------------------------------------- 1.2 História e evolução do trânsito e a chegada dos veículos ao Brasil--------------------------------------------------------------------------------------------- 1.3 As mudanças no Trânsito e na Legislação para a Educação para o Trânsito no Brasil-------------------------------------------------------------------------13 13 16 19 2 CAPÍTULO II - OS DESDOBRAMENTOS NO TRÂNSITO--------------- 2.1 As estatísticas do trânsito brasileiro---------------------------------------- 2.2 Acidentes de Trânsito: Quem são as principais vítimas? Quanto custam aos cofres públicos e à economia do país?---------------------------- 2.3 Fatores que influenciam o desdobramento do Trânsito-------------- 23 23 25 29 3 CAPÍTULO III - EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO NAS ESCOLAS-- 3.1 Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs------------------------------- 3.2 Currículo Escolar------------------------------------------------------------------- 3.3 O papel do Educador/Pedagogo na Educação para o Trânsito----- 34 34 38 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS---------------------------------------------------------------- 47 REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------------- 49 10 INTRODUÇÃO O crescimento acelerado e desordenado nas cidades e grandes centros urbanos do Brasil tem sido motivo de grande preocupação na sociedade atual. O aumento da população nessas áreas vem refletindo no crescimento da quantidade de pessoas e veículos que circulam nas vias, porém a busca para a resolução dos problemas relacionados à circulação de pessoas, bens e veículos não cresce no mesmo ritmo, tornando-se uma das questões mais relevantes ligadas ao trânsito. A segurança no trânsito e circulação no sistema viário brasileiro é um direito de todo cidadão, cabendo aos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito o dever de garantir que isso ocorra. O atual Código de Trânsito Brasileiro - CTB, lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, passou a vigorar a partir de 22 de janeiro de 1998. O Código de Trânsito Brasileiro é considerado um dos mais avançados códigos de trânsito mais do mundo, e trouxe inovações significativas com um capítulo destinado à educação, que trata de outros aspectos, a educação para o trânsito. A responsabilidade dos educadores possui um grande valor, quando a educação é compreendida como instrumento de formação social, sendo considerada essencial à vida de qualquer cidadão. Quando falamos de Educação para o Trânsito, o aprendizado tem um relevante valor quando compreendido como mais um instrumento na conscientização, reflexão, mudança de atitude e preservação à vida. No ano de 2015, segundo o Ministério da Saúde, o Brasil apresentou o registo da morte de cerca de 6 mil crianças, de 0 a 14 anos, e outras 140 mil, que sofreram acidentes no trânsito, superando mortes causadas por afogamento, sufocamento, por exemplo. Na análise dessas estatísticas são observados fatores humanos que possibilitaram e contribuíram para o elevado números de acidentes: exceder a velocidade permitida e alertada pela sinalização, dirigir alcoolizado, dirigir drogado, agressividade e intolerância ao dirigir, dirigir falando ou manuseando o celular, conduzir o veículo com sono, deixar faltar a atenção ao dirigir, entre outras. Sobre esses fatores, o autor Da Matta (2010) fez uma abordagem antropológica, após analisar o comportamento dos integrantes do trânsito de Vitória, capital do Espírito Santo, através de pesquisa e entrevistas com condutores, pedestres e agentes de trânsito, que apontaram que muitos acidentes e violências 11 no trânsito ocorrem pela falta de educação e desrespeito absoluto à regra de trânsito desses condutores. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) é sugerido a Educação no Trânsito como tema transversal local, incorporada aos currículos escolares. É compreendido, pois está vinculado a questões sociais, envolvendo diferentes aspectos da convivência coletiva e relações humanas, que promove a interação de questões da vida real com os saberes escolares, mas a realidade apresentada com os dados estatísticos de acidentes e mortes e a não compreensão que o trânsito é uma realidade comum a todos ainda não tornaram a temática uma realidade nos conteúdos escolares, que geralmente só é abordado na Semana Nacional de Trânsito, sem que ocorra uma reflexão e uma abordagem real no cotidiano das escolas brasileiras. Se a mobilidade e o trânsito fazem parte do cotidiano de qualquer lugar e é uma questão de cidadania a inserção do indivíduo no meio em que vive, qual o papel que a escola para que a Educação para o Trânsito forme para a cidadania? O objetivo desse trabalho é analisar a relevância da inclusão da temática Educação para o Trânsito no currículo escolar. Possui como objetivos específicos a investigação do histórico das mudanças ocorridas na sociedade e na legislação brasileira referentes ao trânsito e da Educação para o trânsito, observar e apontar a frequência de algumas manifestações comportamentais e como elas interferem no desdobramento do trânsito, além de refletir acerca da temática Educação de Trânsito nas escolas através do trabalho do pedagogo. A metodologia utilizada pautou-se na pesquisa exploratória, pois teve como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema realizando levantamento bibliográfico (GIL, 1994). Segundo Prestes (2002), a pesquisa exploratória antecipa o planejamento formal, ocorrendo na fase preliminar, objetivando recolher informações sobre o tema, orientar a compreensão dos objetivos, formulando hipóteses e possibilidades para o assunto. Segundo Bervian et al (2007), esse tipo de pesquisa procura definir os objetivos a serem pesquisados, aprofundando as informações do tema que será estudado, para que ocorra uma descrição do tema e sejam analisadas suas relações com os elementos que compõem a pesquisa. No desenvolvimento do trabalho, inicia-se uma abordagem do histórico da Educação para o Trânsito no Brasil e as mudanças na legislação do Código de 12 Trânsito Brasileiro. No segundo capítulo, a definição de trânsito e as relações de todos que o compõem, tratando-o como uma questão coletiva, social e política de todos os que fazem parte desse sistema, apontando a necessidade de uma conscientização e responsabilidade de todo que estão envolvidos. No terceiro capítulo é apresentado, como o tema é trabalhado nas escolas, e a formação dos profissionais da educação para que efetivamente ocorra uma conscientização e reflexão, uma formação real para a cidadania. 13 1 CAPÍTULO I - O TRÂNSITO Quando nos debruçamos sobre a história da sociedade é possível observar que o crescimento industrial ocorrido a partir do final do século XIX fez com que ocorresse um aumento na produção e aquisição do número de veículos. Ter um veículo deixou de ser apenas para utilização no deslocamento, uma vez que ocorrera com a industrialização o êxodo rural. O veículo passou a ser um objeto que emana status e poder, pensamento muito influenciado pela ideia capitalista de consumo. Quando estudamos a educação profissional, encontramos um ícone da indústria automobilística, que se tornou referência e seu nome é utilizado para definir um dos sistemas de produção em massa – o Fordismo, que teve seu momento de glória no pós-guerra. Henry Ford, que é considerado um dos pioneiros na fabricação de veículos em massa, utilizava a propaganda para estimular o consumo de veículos. Uma das frases do marketing da sua empresa, Ford Motor Company, era: “Quem é você que não consegue ter um Ford T?”, associando a aquisição do veículo como forma de “ser alguém”, ter uma identidade. Autores como Cobra (2002) e Golberg (1999) relacionam que a procura pela aquisição de veículosestá associada também à realização e sentimento de potência sexual. Ser proprietário de uma “máquina” é a representação da virilidade. Diante disso, a convivência harmônica esperada entre condutores e pedestres passou a ser de disputa e demonstração de “quem é o mais forte, o mais poderoso, o que pode mais”, sendo praticamente inexistente o respeito ao direito de liberdade, de movimentação, com a segurança devida, no deslocamento nas vias garantido, constitucionalmente, a todos. 1.1 Definição de Trânsito Muitas pessoas quando perguntadas sobre o que entendem por Trânsito, na maioria das vezes, remetem-se ao local onde ocorre movimentação de pessoas e veículos, associando as vias em áreas urbanas, porém a definição vai muito além desse pensamento. A definição existente no Código de Trânsito Brasileiro, o §1º, do Art. 1º, apresenta o Trânsito como “a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, 14 estacionamento e operação de carga ou descarga”, mas essa é uma definição legal e técnica. Vasconcelos (2004) faz uma definição que supera a técnica, sendo conduzida para um olhar social. Para ele, o Trânsito é “o conjunto de todos os deslocamentos diários, feitos pelas calçadas e vias da cidade e que aparece na rua, na forma da movimentação geral de pedestres e veículos”. Ele afirma, que o trânsito faz parte do processo sociopolítico da sociedade, além de compreendê-lo como representação do social e do coletivo. Quando o autor fala do trânsito como parte do processo sociopolítico, relaciona os problemas que ocorrem no trânsito com a forma desordenada do crescimento e expansão das cidades. Além disso, afirma que os países em desenvolvimento promovem e estimulam a compra e aquisição de bens, que no caso dos veículos, acontecem de forma irresponsável. Podemos citar que, hoje no Brasil, para aquisição de um veículo, não existe a necessidade de que o comprador seja habilitado. Ao tratar da questão da representação do social e do coletivo, Vasconcelos (2004) afirma que o trânsito ocorre graças à disputa pelo tempo e pelo espaço físico, assim como pelos bens públicos de utilização comum a todos, que são garantidos pelo Estado. Ele aponta que essa disputa é conflituosa e desigual, com bases ideológicas e políticas, na qual tem peso o acesso real ao poder e como eles, partes integrantes dessa disputa, se veem na sociedade. Rozestraten (1988) define Trânsito como sendo “o conjunto de deslocamentos de pessoas e veículos nas vias públicas, dentro de um sistema convencional de normas, que tem por fim assegurar a integridade de seus participantes”. O autor faz uma análise separada de cada componente para que ocorra uma maior compreensão de sua definição: 1. Conjunto de deslocamento de pessoas e veículos – tanto o ser humano quanto o automóvel, se estão em uma ilha deserta, não é caracterizado com um trânsito, pois não possuem um objetivo; 2. Nas Vias públicas: o autor compreende que os acontecimentos ocorridos em uma área particular (condomínio, supermercados...) não é caracterizado como trânsito oficial, não necessitando que fosse respeitado o Código de Trânsito vigente; porém, essa definição necessita ser revista, por ser anterior à lei 13281/16, que reformulou o inciso VI, do Art. 24, que diz: 15 VI - executar a fiscalização de trânsito em vias terrestres, edificações de uso público e edificações privadas de uso coletivo, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis e as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do poder de polícia de trânsito, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar, exercendo iguais atribuições no âmbito de edificações privadas de uso coletivo, somente para infrações de uso de vagas reservadas em estacionamentos (BRASIL, 1997, grifo meu). 3. Um Sistema: Algo comum a todos que estão no trânsito é o deslocamento até um objetivo. Para que isso aconteça de forma segura é necessário que todos os que fazem parte desse sistema obedeçam às regras; 4. Finalidade: o deslocamento até o objetivo tem como finalidade a integridade dos seus componentes. Rozestraten(1988) alerta que existe a necessidade de que os participantes tenham um equilíbrio na forma de conduzir as relações até chegar à finalidade descrita por ele – assegurar a integridade dos componentes. Sobre isso, o §2º do Art.1º do Código de Trânsito Brasileiro diz: O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito (BRASIL, 1997). Ao tratarmos do deslocamento e da circulação de pessoas nas vias, aconselha-se uma observação das questões individuais dos envolvidos, uma vez que eles possuem necessidades, objetivos e destinos diferentes, exigindo uma resposta rápida na resolução de percalços. Analisando nessa perspectiva, encontramos dois conflitos relacionados ao trânsito: conflito físico – disputa pelo espaço; e conflito político – disputa entre as partes, que buscam os seus interesses pessoais. Seguindo essa mesma linha, no que se refere aos conflitos do trânsito, Da Matta (2010) afirma que os interesses individuais sobre os da coletividade são um dos grandes problemas e motivações para os acidentes de trânsito. Segundo ele, a forma como o indivíduo enxerga o trânsito, segundo seu interesse, proporciona sua própria ideia de igualdade. Ele apresenta a seguinte situação: um condutor que esteja circulando em uma via, nas proximidades de um semáforo. Para alguns indivíduos é normal reduzir a velocidade para que o pedestre atravesse; porém para outros, estando o sinal aberto, não existe a necessidade de se preocupar com o 16 pedestre que esteja terminando de atravessar a faixa. Já que o sinal abriu, é admissível a aceleração. Para Da Matta (2010) a conquista de um trânsito organizado e seguro, como prevê o §2º do Art.1º do Código de Trânsito Brasileiro, vai além da cobrança dos órgãos competentes, exige a necessidade de se ter a igualdade como valor principal sobre o individualismo. Percebe-se a necessidade de uma visão atualizada e realista sobre o trânsito, na qual ocorram diferentes propostas e novo planejamento, como, por exemplo, uma Educação para o Trânsito que estimulasse a reflexão, compreensão, mudança de comportamento e cidadania, além de enxergar e reconhecer que essa educação pode contribuir para uma real mudança nos conflitos do trânsito, quando ocorre de fato um compromisso para a mudança. Tanto que as Políticas Nacionais de Trânsito preveem e sugerem formas educativas, através de diferentes formas de intervenções, no intuito de que todos, independentemente da faixa etária, sejam alcançados. Os problemas encontrados atualmente relacionados ao trânsito no Brasil, mesmo que venham ocorrendo desde a entrada dos veículos no território brasileiro, têm sido observados com grande preocupação nos últimos tempos para que ocorra uma Educação para o Trânsito dentro de um contexto educacional. 1.2 História e evolução do trânsito e a chegada dos veículos ao Brasil Conforme as definições de trânsito apresentadas anteriormente, falar da história e evolução desse fenômeno é relacioná-lo a figura homem, visto que o ato de se deslocar de um lugar para o outro é uma necessidade humana. Na sociedade primitiva, o homem era obrigado a se deslocar de uma região para outra paraconseguir seu alimento, para conseguir uma moradia – caso dos nômades – que era realizado de como forma de instintiva, basicamente para sua sobrevivência, e com o desenvolvimento, o homem percebe que poderia domesticar os animais, que supriam a sua necessidade biológica de alimentar-se e possibilitou transportar seus bens sem que fosse preciso usar da força do seu próprio corpo para arrastá-lo ou colocar sobre seus ombros. As civilizações antigas utilizavam, em especial, os bois, que além do transporte de alimentos, transportavam as tropas, como no caso do Império 17 Romano. Segundo Honorato (2004) a expressão popular “Todos os caminhos levam a Roma” surge porque foi nesse período ocorre o relato da criação de sistema rodoviário, que tinha mais de 100.000 Km de extensão, que utilizou para sua construção método semelhante à de um “asfaltamento rústico”: Primeiro, o terreno era estaqueado, para ganhar rigidez. Depois, espalhava- se sobre ele bastante calcário grosso – o rudus-, o qual era bem socado. Por fim, vinha uma camada de calcário mais fino – o nucleus – nivelado a capricho. E só então se assentava o revestimento final: grandes pedras chatas, rigorosamente ajustadas, que proporcionavam uma superfície lisa, ótima de se pisar. O que era muito importante, pois, no tempo dos romanos, os exércitos se deslocavam a pé (HONORATO, p.1, 2004). Com a invenção da roda ocorre um grande avanço na civilização, e consequentemente, no trânsito. Surge após o aperfeiçoamento da roda os veículos puxados por cavalos que atendiam as necessidades de locomoção e transporte do homem, possibilitando um deslocamento rápido entre os povos distantes, que procurou modificar os antigos caminhos em estradas. Mas o que era visto como grande avanço para a civilização, começa a apresentar seus primeiros sinais de problema. Com a expansão territorial do império romano, aumentaram o deslocamento do seu exército para essas áreas, procurou- se assim, construir vias que unisse as províncias e facilitasse o tráfego das tropas até esses locais. Segundo Honorato (2004) o imperador da época, Júlio Cesar, proibiu o tráfego de veículo de rodas no centro da cidade romana durante o dia. Além disso, criou-se regras de circulação, como por exemplo, limite de peso nos veículos de carga, já que as vias não tinham estrutura e planejamento que suportasse o grande número de pessoas e veículos que transitavam por lá. Após a queda do império romano do ocidente, nenhum avanço ocorreu para que o sistema viário local progredisse. Na Espanha, séculos depois, os reis tiveram que se preocupar com questões de segurança no trânsito e deslocamento de pessoas dentro do seu território, principalmente os utilizavam o Caminho para Santiago de Compostella, local até hoje famoso por receber peregrinos que fazem um itinerário espiritual. Segundo Honorato (2004), os caminhos nessa época eram considerados bem de uso comum a todos, ninguém tinha a propriedade, portanto, todos poderiam utilizá-los. A cobrança por segurança e proteção há quem transitava surge pois quem por ali passava tinha a mesma importância quanto o Rei, tanto que eram protegidos pela 18 tropa real, iniciando ali uma relação com o famoso termo utilizado hoje: Caminho de Paz. Na Europa, a retomada pela preocupação com as vias retoma a partir do século XVII, com a construção de caminhos e criação de uma rede que interligavam os países. Os caminhos eram abertos e construídos, sendo revestidos com uma cobertura de pedra triturada. Diferente da que surgiu durante o império romano, ocorre um planejamento para que suportasse o deslocamento de pessoas e dos veículos. No Brasil, considera o Caminho de Peabiru, como sendo uma das mais antigas vias do país, tendo seu registro no século XVI. O Caminho ligava o Brasil até o Peru: passava em território brasileiro no Estado do Paraná, cortando países como o Paraguai, Bolívia, passando pela Cordilheira dos Andes e terminava no sul do Peru, onde pegava parte do Oceano Pacífico. O caminho tinha como a função a migrações indígenas, mas também serviu para facilitar a circulação de mercadorias e missões religiosas. A expansão territorial e a exploração da terra para fins econômicos no Brasil, fez com que a construção de estradas fosse necessária para o escoamento da produção agrícola. Com o aumento da produção agrícola, em especial, a cafeeira, durante o século XVII, fez com que a exportação fosse rápida e em grande quantidade. Diferente dos países europeus, no país não tinha ferrovias, que necessitava de investimento, principalmente britânico, para que ocorresse. Com isso o governo imperial assinou o decreto nº 641, de 26 de junho de 1852, marco na construção das ferrovias, que concedia as autorizações e garantia vários privilégios e vantagens para o capital que fosse empregado na construção, por exemplo, a garantia de juros de 5% sobre o que havia sido investido. A primeira estrada de ferro foi construída no Rio de Janeiro, a Estrada de Ferro Mauá, por Irineu Evangelista de Sousa, que ficou depois conhecido por Barão de Mauá (RODRIGUEZ, 2004). O primeiro automóvel chegou ao Brasil em 1891, importado da França por Alberto Santos Dumont, um Peugeot, que desembarcou no Porto de Santos, em São Paulo. O “pai da aviação” construiu uma garagem para o veículo, que não era visto circulando nas vias da cidade (BRASINCA, 1989). O primeiro registro brasileiro de acidente envolvendo automóvel foi em 1897. José do Patrocínio, jornalista e famoso abolicionista da época, trouxe de Paris um carro a vapor, o segundo automóvel a circular no país, no Rio de Janeiro 19 (BRASINCA, 1989). Segundo os relatos, o jornalista convidara seus amigos para um passeio no automóvel. Uns, espantados com a inovação, não aceitaram. Porém, o poeta e jornalista Olavo Bilac aceitou o desafio de aprender a dirigir. Assumiu o volante do veículo e, por não ter prática na direção, acabou perdendo o controle em uma curva, colidindo com uma árvore e despencando de um barranco. Ambos não tiveram grandes escoriações, porém o veículo ficou inutilizado. Apesar da novidade, o trânsito do país no início do século XX, ainda se restringia a veículos de tração animal e bondes elétricos, sendo que o segundo, era novidade nos grandes centros urbanos da época. 1.3 As mudanças no Trânsito e na Legislação para a Educação para o Trânsito no Brasil O primeiro decreto a regulamentar o trânsito foi o Decreto nº 8.324 de 1910, que tratou especificamente dos serviços de transporte por automóveis. Em 1922, através do Decreto 4.460, uma nova legislação trata das relações de trânsito. Esse decreto priorizou e incentivou a construção de estradas, e pontuou a conduta no trânsito. Com a expansão das cidades, tal decreto destinou-se a evitar o uso de veículos com tração animal. Após esse decreto, somente em 1941, o primeiro Código Nacional de Trânsito foi instituído pelo Decreto Lei n° 2.994. Ele só ficou em vigor por oito meses, sendo revogada em setembro pelo Decreto Lei n° 3.651, vigorando até 1966. Em 1949, aconteceu o I Congresso de Trânsito da Cidade de São Paulo, que apresentou o projeto de Educação para o Trânsito nas escolas, que previa mudança na legislação, possibilitando a organização e execução de um programa voltado para a educação dos pedestres e condutores, porém nenhuma mudança significativa ocorreu (RODRIGUES, 2007). Durante o regime militar, com a queda da Constituição e das Leis que regiam o país, foi instituído em 1966 o segundo Código de Trânsito Nacional (Lei 5.108/66). O novo código apresentava dois artigos relacionados a campanhas educativas e aquem iria promovê-las. Art 124. Pelo menos uma vez cada ano, o Conselho Nacional de Trânsito fará realizar uma Campanha Educativa de Trânsito em todo o território 20 nacional, com a cooperação de todos os órgãos competentes do Sistema Nacional de Trânsito. Art 125. O Ministério da Educação e Cultura promoverá a divulgação de noções de trânsito nas escolas primárias e médias do País, segundo programa estabelecido de acordo com o Conselho Nacional de Trânsito (CTN, 1966) Nos anos 70, o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), começa a produzir livros e cartilhas, que continham ensinamentos sobre as regras e leis de trânsito, além de apresentar o policial de trânsito como autoridade que deveria ser respeitada. O conteúdo, na verdade, visava manter a ideologia da época que era a obediência e doutrinação, e não uma reflexão acerca do trânsito (RODRIGUES, 2007). Nos anos 80, o DENATRAN e DNER (Departamento Nacional de Estradas e Rodagem) organizaram simpósios no país voltados para a Educação de Trânsito. Em setembro de 1980, o II Simpósio Nacional de Trânsito, apresentou uma proposta para implantação da Educação para o Trânsito nas escolas de 1º e 2º grau. A ideia era que primeiramente as capitais nacionais tivessem essa proposta inserida, e logo após as grandes cidades. Apesar disso, foi mantido o mesmo conteúdo proposto na década anterior. O material para as escolas de 1º Grau visava orientar os pedestres, passageiros e ciclistas de como se comportar no trânsito, e o material do 2º grau à preparação para os futuros condutores (RODRIGUES, 2007). Já caminhando para o fim do Regime Militar, o Departamento de Trânsito do país começou a promover ações que visassem à participação dos responsáveis nesse processo. Nesse período surge o Clube Bem-Te-Vi, o Projeto Vida e a Cidade Mirim, projetos que existem até hoje em São Paulo. Com a Nova República, constata-se a necessidade de buscar soluções para o trânsito, já que o país teve um grande crescimento das cidades, da frota de veículos e, consequentemente, do número de acidentes. Os estados de Minas Gerais, em parceira com as Secretarias de Segurança Pública e de Educação, lançam programas de Educação para o Trânsito nas escolas do ensino Fundamental. Já no Distrito Federal, são lançadas em 1995, atividades educativas para professores das escolas públicas e privadas (RODRIGUES, 2007). Em 1997, através da Lei 9.503/97, é instituído o novo Código de Trânsito Brasileiro, que começa a vigorar no país em 23 de janeiro de 1998. O país nesse período liderava o ranking de acidentes de trânsito no mundo, quando era feito um 21 cálculo veículos/habitantes. No novo código são dedicados à Educação para o Trânsito seis artigos, dos quais se destacam os artigos 74, 75, 76 e 326. O Art. 74 (BRASIL, 1997) diz que: “A educação para o trânsito é direito de todos e constitui dever prioritário para os componentes do Sistema Nacional de Trânsito”. Os parágrafos desse artigo determinam que os órgãos ou entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito devem criar uma coordenação educacional, além disso, esses órgãos ou entidades são responsáveis por promover o funcionamento de Escolas Públicas de Trânsito, dentro dos moldes e padrões estabelecidos pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). O Art.75 (BRASIL, 1997) estabelece que, anualmente, o CONTRAN deverá promover a criação de temas e cronogramas de campanhas que abranjam todo o território nacional, cabendo aos órgãos ou entidades do sistema nacional de trânsito essa função. Essas campanhas deverão, em especial, contemplar o período das férias escolares, feriados prolongados e a Semana Nacional de Trânsito. Além disso, o parágrafo desse artigo determina que as campanhas devam respeitar as peculiaridades locais, além de serem difundidas permanentemente e gratuitamente nos serviços de rádio e difusão sonoras exploradas pelo poder público. O Art. 76 trata da implantação da Educação para o Trânsito dentro das escolas: A educação para o trânsito será promovida na pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus, por meio de planejamento e ações coordenadas entre órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito e de educação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nas respectivas áreas de educação (BRASIL, 1997). O Código de Trânsito Brasileiro diz, nesse artigo, que o Ministério da Educação, mediante proposta do CONTRAN e do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, de forma direta ou através de convênio, deverá promover, em todos os níveis de ensino, a adoção de um currículo interdisciplinar com conteúdo programático que trate da segurança de trânsito; adoção de conteúdos de educação para o trânsito nas escolas para formação e treinamento de professores; levantamento e análise de dados estatísticos relacionados ao trânsito, através da criação de corpos técnicos interprofissionais; além da elaboração de planos de redução acidentes de trânsito junto aos núcleos interdisciplinares universitários de trânsito, com vistas à integração universidades – sociedade na área de trânsito. 22 O Art. 326 (BRASIL, 1997) trata da criação da Semana Nacional de Trânsito, que obrigatoriamente deverá ser comemorada no período de 18 a 25 de setembro em todas as escolas. Esse artigo prevê que os órgãos e entidades do sistema nacional de trânsito, através de campanhas, panfletos, uso da mídia, a promoção de atividades dentro das escolas que assegurem a reflexão acerca da segurança no trânsito. Mais do que leis, existe a necessidade de uma conscientização ampla e urgente sobre a Educação para o Trânsito, dada a complexidade dos problemas que surgem no dia a dia de todas as cidades. Hoje, toda a população deve estar envolvida, sob diferentes aspectos, com os problemas relacionados ao trânsito. 23 2 CAPÍTULO II - OS DESDOBRAMENTOS NO TRÂNSITO 2.1 As estatísticas do trânsito brasileiro O período no qual o atual Código de Trânsito Brasileiro entrou em vigor, foi considerado um dos períodos de maior violência no trânsito, conforme estatística do Ministério da Saúde. O novo Código alimentou a expectativa pela redução dos índices de acidentes, já que nele constam leis mais rigorosas, multas com um valor elevado, além da novidade que era um artigo destinado à Educação para o Trânsito. O Código de Trânsito Brasileiro é considerado uns dos mais completos do mundo - com 20 capítulos e 341 artigos, contendo desde a definição de trânsito, responsabilidades de quem faz parte do trânsito, as Autoridades e Órgãos competentes, Engenharia de Tráfego - e um dos mais rigorosos do mundo – contém capítulos que tratam das definições de crime de trânsito, as considerações, as penalidades e responsabilidades de cada autoridade para julgamento. Em janeiro de 1998, o Código começa a vigorar em todo o território brasileiro, e a meta de redução dos números de acidentes foi alcançada, conforme relatório da Confederação Nacional dos Municípios, com dados do Ministério da Saúde, que realizou um mapeamento das mortes por acidentes de trânsito no Brasil, levando em consideração uma década (1997- 2007) do Código de Trânsito brasileiro. Evolução do número de óbitos em acidentes de trânsito 1997-2007. Fonte: MS – Sistema de Informação sobre Mortalidade – SIM (elaboração CNM) Na análise do gráfico observamos que entre 1998 a 2000 ocorre uma queda do número de óbitos – 28.995 mortes no ano 2000 – mas nos anos seguintes ocorre 24 uma elevaçãodas taxas, chegando ao número de 37.407 registros de mortes causadas por acidentes de trânsito. A Associação Brasileira de Prevenção dos Acidentes de Trânsito, através do site Vias Seguras disponibiliza dados do DATASUS, órgão do Ministério da Saúde, que fornece as estatísticas nacionais do governo brasileiro. A Vias Seguras apresenta o gráfico com a estatística dos acidentes com vítimas fatais registradas entre os anos de 2004 a 2015: Estatística Nacional: mortes em acidentes de trânsito Fonte: DATASUS – elaborado por Vias Seguras Observa-se que ocorre um aumento do número de mortes a partir de 2009. Nesse período, o país teve um aumento da linha de crédito e melhora na economia, estimulando e permitindo uma facilidade na aquisição de bens, dentre eles os veículos. Com isso: mais veículos circulando, mais vítimas. Outro ponto a ser observado é que em 2008 entrou em vigor a Lei 11705/08, conhecida popularmente como Lei Seca, a qual possibilitou um maior rigor nas penalidades sobre condutores pegos embriagados. Apesar disso, ocorreu um afrouxamento na fiscalização, e com o contínuo aumento do número de veículos circulando, aumentou-se o número de vítimas. Permanecendo na análise desses dados, o ano de 2015 apresentou uma queda significativa de óbitos por conta dos acidentes de trânsito. O Ministro da Saúde daquele ano, Marcelo de Castro, na 2ª Conferência Global de Alto Nível sobre Segurança no Trânsito, em Brasília, afirmou que a queda ocorreu por conta de uma nova proposta de rigidez na fiscalização do uso obrigatório do cinto de 25 segurança, uso obrigatório das “cadeirinhas” - equipamentos de retenção para o transporte de crianças - e de um trabalho de conscientização da população. 2.2 Acidentes de Trânsito: Quem são as principais vítimas? Quanto custam aos cofres públicos e à economia do país? Expressões do cotidiano popular como “a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco” podem ser empregados quando verificamos o perfil das vítimas do trânsito. Como parte mais frágil entre os componentes desse sistema, o pedestre torna-se mais vulnerável, sendo quase 1/3 dos mortos por conta dos acidentes de trânsito, cerca de 10 mil mortes/ano (Ministério da Saúde, 2015). Outro componente que figura entre as principais vítimas são os ciclistas, que, além de terem que concorrer com os veículos na disputa pelo espaço nas vias, na grande maioria das vezes não dispõem de uma ciclovia, ou faixa exclusiva, sendo obrigados a circular em meio a motos, carros, ônibus, caminhões. Quem aparece nas estatísticas são os passageiros, ocupantes dos veículos, “os caronas”. Segundo análise do Vias Seguras, a principal causa é o fato de muitos ocupantes não fazerem uso do cinto de segurança. Essa taxa aumenta quando observado o local de acento desse ocupante: quando está no banco traseiro, a utilização do cinto é, na maioria dos casos, desconsiderada. Pesquisa feita em 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) junto com o Ministério da Saúde, mostrou que 49,8% não utilizam no banco traseiro, já no acento da frente cai para 20,6%. Um motivo levantado para o número de pesquisados afirmarem que utilizam o cinto com mais frequência no banco da frente é pelo fato de que, em uma fiscalização que ocorra sem a abordagem do agente de trânsito, apenas visualmente, o não uso do cinto no banco de trás não seria percebido. Em 2013, a Rede Sarah, que é composta por nove unidades hospitalares que prestam assistência médica e de reabilitação nas áreas neurológica e ortopédica, que também trabalha com recuperação de vítimas de acidentes, realizou um estudo que sinalizou que 45% do risco das mortes seria reduzido com o uso do cinto no banco da frente, e 80% no banco de trás. O Vias Seguras também apresenta outro dado estatístico sobre os acidentes de trânsito: a faixa etária da população envolvida e vitimada pelo trânsito, conforme a tabela: 26 Risco de morte no trânsito em função da faixa etária - 2000 Fonte: DATASUS – elaborado por Vias Seguras Escolha do ano 2000 por conta do censo demográfico realizado pelo IBGE Para a análise desse gráfico necessita ser levado em consideração alguns fatores como: maior exposição ao trânsito e em qual situação se encontra no sistema de trânsito (pedestre, ciclista, ocupante ou condutor). Quando analisado o critério de maior exposição ao trânsito, a faixa etária de 20 a 70 anos mantém-se quase que estável quanto ao número de mortes no trânsito. O perfil desse grupo é do sexo masculino, além de ser considerada a faixa etária economicamente ativa que exerce algum tipo de função trabalhista. Aparecem diversas situações que apontam e justificam o motivo desse grupo possuir um número quase quatro vezes maior do que entre a faixa etária de 0 a 14 anos. A maioria deles são habilitados, e quando não são, têm um maior acesso a veículos, fazendo com que tenham ligação direta na condução de veículos. Entre os mais expostos a acidentes fatais, estão os motociclistas, que segundo o estudo da Rede Sarah, 16,6% afirmaram que nem sempre fazem uso do capacete, item indispensável para a segurança e proteção de quem conduz uma motocicleta. Outro fator apontado nesse mesmo estudo está associado a conduzir o veículo sobre efeito de álcool ou uso de drogas. Cerca de 24,3% dos entrevistados na zona urbana admitiram que conduziram seus veículos logo depois de ingerir álcool ou fazer uso de drogas. Na zona rural essa porcentagem cresce para 30,4%, uma vez que a fiscalização dos órgãos responsáveis e utilização dos testes de bafômetros, na maioria das vezes, ocorrem em alguns pontos das cidades. 27 Quando observado em qual situação está no sistema de trânsito, entre os pedestres cerca de 70% das vítimas são crianças ou idosos. Segundo a ONG Criança Segura, com base nos dados do Ministério da Saúde, a maior causa da morte de crianças de 0 a 14 anos no Brasil está relacionada ao trânsito: 38% das mortes nessa faixa etária foram ocasionadas por atropelamento (MS, 2015), superando afogamento, sufocamento. Entre as crianças, os meninos são as principais vítimas (65% meninos – 35% meninas). Dirceu Rodrigues, porta-voz da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego – Abramet, analisa que isso acontece pelo fato dos meninos terem um perfil aventureiro e impulsivo, tendo uma independência maior para realizar suas brincadeiras na rua (jogar bola, soltar pipa...), sem a presença de um adulto. Outro fato levantado é que os acidentes acontecem próximo de suas residências, pois existe uma falsa sensação de segurança por conhecer o local. No caso dos idosos, vemos que eles permanecem no mercado de trabalho até mesmo depois de se aposentarem, exercendo, na maioria das vezes, o papel de provedores de suas famílias. Além disso, ocorreu o aumento da expectativa de vida. Hoje o idoso tem uma maior mobilidade, demostrando capacidade para realizar atividades do cotidiano. Nesses casos, o acidente de trânsito causa o rompimento das atividades do idoso, que acaba refletindo em problemas econômicos para essa família. Quando não ocorre uma fatalidade, a idade avançada e a fragilidade da saúde, algumas das vezes, tornam a recuperação lenta, fazendo com que o idoso não retorne à sua rotina. Evidentemente os pedestres são os mais vulneráveis nesse sistema, e o próprio Código de Trânsito Brasileiro no Art. 29, inciso XII, no seu §2° diz que: Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos nãomotorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres. Portanto, todo condutor de veículo (motocicleta, carro, ônibus, caminhão) tem por Lei o dever de garantir a segurança dos que têm menor porte, o que é considerado mais frágil. A ausência momentânea por conta da internação e invalidez ou perda de um parente são praticamente impossíveis de serem calculados pela família. Porém, os acidentes e violências no trânsito, através de uma estimativa do custo que eles 28 causam aos cofres públicos, são registrados todos os anos e o crescimento é alarmante. Segundo a Seguradora Líder, que administra o seguro DPVAT – Danos Pessoais causados por Veículos Automotores Terrestres – criado em 1974, tornou obrigatório o pagamento para todos os veículos em 2007, com a Lei 11.482, que garante que a todos, seja motorista, passageiros ou pedestres, culpados ou não, reembolso de despesas médicas, indenizações em caso de morte e invalidez permanente, sem que seja necessário intermediário Na tabela abaixo constam os anos e os tipos de sinistros - quando o bem segurado sofre um acidente ou prejuízo material, ocasionando o acionamento e pagamento por parte da seguradora. Sinistros indenizados no âmbito do Seguro DPVAT, por ano de indenização Fonte: Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT – por Vias Seguras É importante esclarecer que o ano do pagamento não corresponde necessariamente ao ano em que ocorreu o acidente, já que para ser indenizado faz- se obrigatória a abertura de processo com documentos e comprovantes, que serão analisados para que exista um cálculo para cada indenização, que varia de acordo com o tipo de dano causado e qual a região do corpo, valores que estão entre R$405,00 a R$13.500,00. Segundo a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização (Fenaseg), 45% do valor arrecadado são destinados ao Fundo 29 Nacional de Saúde (FNS) para pagamento dos custos do atendimento médico/hospitalar às vítimas de acidente de trânsito, 2,9% são repassados a entidades como a Superintendência de Seguros Privados (Susep); Sindicatos dos Corretores (Sincor); e Fundação Escola Nacional de Seguros (Funenseg), para fins administrativos, 47,1% vão para a cobertura dos sinistros e despesas administrativas das seguradoras, e apenas 5% ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), para realização de programas educacionais voltados à prevenção de acidentes. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) juntamente com a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) realizam todos os anos uma estimativa desses custos socioeconômicos, referente aos acidentes de trânsito, que leva em consideração: Custo direto: resgate e remoção das vítimas, deslocamento da equipe de socorro e policial até o local, gasto com o atendimento médico-hospitalar, danos aos veículos, entre outros. Custo indireto: perda potencial de produção, congestionamento na via por conta do acidente (quando isso acontece, a demora de uma entrega de determinado produto até seu destino, por exemplo, pode acarretar prejuízos) Levando em consideração esses custos, em 2015, cada acidente em média custou R$ 72.705,31 aos cofres públicos, sendo que um acidente envolvendo vítima fatal teve um custo médio de R$ 646.762,94 (IPEA,2015). No relatório, o IPEA estimou os custos de acidentes nas rodovias brasileiras, considerando as rodovias federais, estaduais e municipais, e de acordo com o método utilizado chegou a algo em torno de R$ 40 bilhões por ano. 2.3 Fatores que influenciam o desdobramento do Trânsito A forma como o ser humano age é muito influenciado por questões sociais e culturais desse indivíduo, e no trânsito não é diferente. Seu comportamento varia de acordo com as condições social, históricas, políticas e até mesmo econômica, com a qual ele interage, como ele se vê e/ou como vê os outros. Como falado, o trânsito acaba sendo um ambiente de disputa por espaço e por tempo. Chegar ao seu destino acaba sendo o mais importante, e lembrar que, para que isso aconteça, se faz necessário compreender e respeitar a coletividade, tornou-se a maior preocupação entre as autoridades do nosso país. 30 Rozestraten (1988) afirma que o comportamento do ser humano no trânsito é uma complexa cadeira de fatos/efeitos. Para o autor existe: A Causa / Motivação Os efeitos causados A causa final O Efeito Final Discussão antes de dirigir Conduzir o veículo de forma agressiva Exceder e ultrapassar a velocidade Não consegue pensar acerca de um veículo que cruza lentamente a via Falta de manutenção do veículo Falha em algum equipamento Gasto dos equipamentos O equipamento falha e não consegue parar Temporal / Chuva Estrada Molhada Pista planando O pneu não tem aderência à pista Para o autor, “antes uma especulação sobre prováveis efeitos de prováveis causa do que a constatação segura dos fatos” (ROZESTRATEN, 1988, p.93). Baseado na tabela e nesse trecho, o autor afirma que a maioria dos acidentes estudados apontam que eles poderiam ter sido evitados, que a falha na atenção, no que se observa e os constantes erros de julgamentos e falta de raciocínio rápido para resolução dos problemas são as maiores causas humanas de acidentes. Isso vale tanto para os motoristas, quanto para os pedestres. Ele cita uma pesquisa indiana que aponta que 43% dos acidentes poderiam ser evitados, caso fosse verificado a manutenção dos veículos, ter sido levada em consideração o ambiente para o qual irá se deslocar. Essa antecipação dos fatos, para ele, é tratada como compreensão do trânsito. Rozestraten (1988, p. 99) divide as causas humanas de acidentes em: Diretas: Os erros de percepção, os erros de decisão e os erros de ação. Ele aponta nas causas humanas diretas – falta de atenção, “olhar e não ver”, velocidade excessiva, manobras inadequadas, falta de técnica ao dirigir, suposição falsa, distração interna. Indiretas: Condição ou estado do indivíduo que compromete sua habilidade de conduzir o veículo. 31 Ele aponta abuso de álcool, drogas, cansaço, sono, como fatores que podem causar o comprometimento, temporário ou não, da consciência e condição técnica e psicológica para condução do veículo. A forma como o condutor reage às situações de raiva, estresse, ansiedade, agressividade, angústia, pressão é compreendida pelo autor como o contexto psicológico em que o indivíduo está inserido, e atualmente essa realidade é cada vez mais cruel. Sobre isso ele que é "exigido um grau pelo menos razoável de inteligência para compreender o trânsito e achar soluções em situações difíceis, sem causar acidentes e sem infringir as normas do trânsito” (ROZESTRATEN, 1988, p.105). Questões ligadas a aprendizagem, memorização e experiência estão para Rozestraten(1988) no grupo relacionado às condições de experiências. Para ele, quando ocorre qualquer alteração, qualquer problema que afete alguma dessas áreas é um motivo que abalará os processos psíquicos básicos do condutor. O autor aponta as mais frequentes causas humanas indiretas de acidentes, que, segundo o mesmo, seguem a seguinte ordem: debilitação pelo uso de álcool, falta de conhecimento do local em que irá circular, debilitação pelo uso de drogas, falta de experiência, pressa, excitação, cansaço, falta de habilidade com o veículo, pressão por parte de outros motoristas e baixa e/ou redução da visão. Quando Rozestraten (1988) analisa a realidade do cenário brasileiro, outras questões são levantadas pelo autor. Eleaponta: Precariedade e/ou ausência nas escolas da Educação para o Trânsito; Má qualidade do ensino da maioria das autoescolas; Para ser um instrutor credenciado e autorizado pelo DENATRAN e DETRAN de todo Brasil é exigido apenas o ensino médio, 2 anos de habilitação (qualquer categoria), ter mais de 21 anos e ser aprovado no exame psicológico para fins pedagógicos. O instrutor fará um curso com carga horária de 180 horas aula e estará apto a transmitir ao candidato: Legislação de Trânsito, Direção Defensiva, Noções de Primeiros Socorros e Medicina de Tráfego, Noções de Proteção e Respeito ao Meio Ambiente e de Convívio Social no Trânsito, Psicologia Aplicada à Segurança no Trânsito, Noções de Mecânica Básica, Prática de Direção Veicular em veículo de duas e quatro rodas e Prática de Ensino Supervisionado. Exames sem grau de dificuldade para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH); 32 Analfabetos, semianalfabetos e pessoas que não conhecem ou compreendem as normas de trânsito; Impunidade dos condutores envolvidos em acidentes. Essa última questão é apontada como sendo uma das mais graves, já que a impunidade leva à sensação de descrédito nas Leis que regem o Trânsito, porque a maioria dos casos de impunidade é reflexo da cultura, infelizmente, instalada no país. Sobre as questões do comportamento humano no trânsito, Da Matta(2010) aborda, na sua obra, que o comportamento dos motoristas brasileiros é reflexo das relações socioculturais já inseridas na sociedade. Para o autor, todos os problemas relacionados ao trânsito são o resultado de uma modernização, que em tese deveria seguir uma estrutura organizada, mas que ocorreu sobre uma sociedade de raiz aristocrata, desorganizada. Da Matta(2010), sempre destaca a questão da falta do cumprimento das leis, que ocorre tanto dos condutores, como dos pedestres. Assim como abordado no primeiro capítulo, o autor afirma que o carro não é apenas uma máquina capaz de locomover uma pessoa, ele se tornou símbolo de poder, liberdade e status social nas mãos de quem o possui. Quem tem um veículo é livre para ir onde quiser, vale até não ser habilitado, o que importa é ter a sensação de superioridade sobre os que não têm. Ter um carro importado e novo é estar no topo da pirâmide social. O antropólogo faz uma análise das justificativas que os condutores e pedestres dão para os problemas do trânsito: problemas externos de infraestrutura das vias. Da Matta (2010) não diz que essas questões não devam ser apontadas, mas a conscientização dos direitos e dos deveres presentes na vida de todos. Se você sabe que o local tem buracos, tem problemas no decorrer da via, você pode ser prudente, evitar o excesso de velocidade nesse trecho, comprometer-se com a manutenção do seu veículo, com a segurança de quem você conduz, e com quem você divide o espaço. Assim como Rozestraten (1988), Da Matta (2010) aponta a mistura de álcool e direção como um dos problemas presentes na sociedade e no trânsito brasileiro. Sabe-se do perigo da mistura álcool-direção, porém esse indivíduo acredita que com ele nunca acontecerá, que ele é capaz de manter todas as suas funções psíquicas normalizadas, mesmo submetido a essa mistura, que ele é o “bom”, e que algumas doses não serão motivo para alteração alguma. 33 Segundo ele, todas as pessoas exigem que a lei seja cumprida por todos, mas quando acontece com elas, serem multadas, terem o veículo rebocado, perderem a carteira de habilitação não deveria ser algo tão rígido. Segundo Da Matta(2010) o brasileiro tem o costume de tentar justificar as infrações de trânsito em função de questões pessoais, como por exemplo: “Só tomei um chopinho para aliviar o estresse”, “Foi apenas uma latinha”. A crença de que certas quantidades de álcool são aceitáveis, pois tudo depende do motorista, segue a mesma lógica deste amálgama conflituoso inconsciente entre ideias pessoais de superioridade e ideias de igualdade. Daí a disjuntiva entre a lei para o outro e a compreensão relativizante que conduz à tolerância, ao perdão e à condescendência para os nossos e para a nossa conduta. O famoso Você sabe com quem está falando?, segundo o qual aos inimigos aplica-se a lei e, aos amigos, concede-se toda a compreensão, tem como ponto de partida nossa visão hierárquica do mundo e teima ignorar um outro lado: o igualitarismo que tudo complica (Da Matta, 2010, p. 117, grifo do autor) Com base nessas análises sociais e antropológicas realizadas por esses autores, constata-se que o trânsito é reunido por indivíduos: Que desconhecem e não compreendem o Trânsito como ambiente coletivo, que possui leis e normas de conduta; Que conhecem, compreendem, mas que por razões diretas ou indiretas, deixam de lado seus princípios, agindo por impulso, violência, corrupção, imprudência, desrespeitando e infringindo as leis; Que conhecem, compreendem, e respeitam, tanto sua liberdade no trânsito, quanto a dos demais, que procuram agir com prudência, respeitando às leis. A Educação para o Trânsito nesse sentido tem um enorme desafio: ser uma das ferramentas capazes de realizar mudanças em valores enraizados nos indivíduos, promovendo reflexão, compreensão e mudanças de atitudes. 34 3 CAPÍTULO III - EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO NAS ESCOLAS A educação brasileira vem passando nos últimos anos por importantes transformações. As transformações ocorridas no cenário político, econômico e social exigiram uma resposta para a seguinte questão: Qual será o papel da educação na sociedade atual? Hoje espera-se da educação algo que seja condizente ao novo cidadão, que espera que ele seja dinâmico e flexível, que pense e que aprenda, que seja reflexivo, autônomo, crítico e consciente. Por isso, a educação é cobrada no sentido de articular saberes capazes de atender a dois mundos: o do trabalho e das relações sociais. Essas transformações no âmbito educacional brasileiro geraram uma preocupação com a elaboração de medidas capazes de serem articuladas e que atinjam setores considerados de urgência social. Como demostrados pelos dados estatísticos de acidentes e mortes no trânsito, que incluem um prejuízo na economia, além de prejuízos estruturais na vida das vítimas e de seus familiares, o Trânsito é considerado um desses setores de urgência social. 3.1 Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs No Brasil, as referências educacionais para o ensino das escolas públicas e privadas, elaboradas pelo Governo Federal, são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) que possuem como objetivo principal a orientação dos educadores no sentido de auxiliar os educandos, para que seja garantida a eles uma educação capaz de formá-lo para cidadania, como indivíduo autônomo, reflexivo e participativo no mundo em que está inserido, sendo ele conhecedor de seus direitos e deveres. Os Parâmetros não são obrigatórios, mas contribuem para que a comunidade escolar norteie suas ações respeitando as peculiaridades do local onde está inserida, sendo capaz de promover a transformação dos objetivos, dos conteúdos e da didática do seu ensino. Uma educação comprometida com a cidadania, que é a proposta dos PCNs, orienta a educação na escola baseada em texto que respeita a Constituição do nosso país. Sobre isso, ela elegeu princípios da: 35 Dignidade da pessoa humana: Implica respeito aos direitos humanos, repúdio à discriminação de qualquer tipo, acesso a condições de vida digna, respeito mútuo nas relações interpessoais, públicas e privadas. Igualdade de direitos: Refere-se à necessidadede garantir a todos a mesma dignidade e possibilidade de exercício de cidadania. Para tanto há que se considerar o princípio da equidade, isto é, que existem diferenças (étnicas, culturais, regionais, de gênero, etárias, religiosas, etc.) e desigualdades (socioeconômicas) que necessitam ser levadas em conta para que a igualdade seja efetivamente alcançada. Participação como princípio democrático: traz a noção de cidadania ativa, isto é, da complementaridade entre a representação política tradicional e a participação popular no espaço público, compreendendo que não se trata de uma sociedade homogênea e sim marcada por diferenças de classe, étnicas, religiosas, etc. Co-responsabilidade pela vida social: Implica partilhar com os poderes públicos e diferentes grupos sociais, organizados ou não, a responsabilidade pelos destinos da vida coletiva. É, nesse sentido, responsabilidade de todos a construção e a ampliação da democracia no Brasil (BRASIL, 1997, vol.8.1, p.20, grifo meu). As transformações sociais acontecem rapidamente. Questões e temas ligados a essa sociedade atual nunca foram pensados há vinte anos, preconiza ser vistos com atenção através de uma abordagem diferenciada. Nesse sentido, esses temas foram inseridos nos PCNs, pois são consideradas questões vividas cotidianamente pela sociedade, são os chamados Temas Transversais. Para que fossem eleitos os temas transversais foram levados em consideração alguns critérios: Urgência social, abrangência nacional, possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental, favorecer a compreensão da realidade e a participação social. Com base nesses critérios os temas eleitos foram: ética, cidadania, meio ambiente, pluralidade cultural, saúde, orientação sexual e social, trabalho, consumo e temas locais. O trânsito aparece somente dentro dos temas locais: [...] Uma vez reconhecida a urgência social de um problema local, este poderá receber o mesmo tratamento dado aos outros Temas Transversais. Tomando-se como exemplo o caso do trânsito, vê-se que, embora esse seja um problema que atinge uma parcela significativa da população, é um tema que ganha significação principalmente nos grandes centros urbanos, onde o trânsito tem sido fonte de intrincadas questões de natureza extremamente diversa. Pense-se, por exemplo, no direito ao transporte associado à qualidade de vida e à qualidade do meio ambiente; ou o desrespeito às regras de trânsito e a segurança de motoristas e pedestres (o trânsito brasileiro é um dos que, no mundo, causa maior número de mortes). Assim, visto de forma ampla, o tema trânsito remete à reflexão sobre as características de modos de vida e relações sociais (BRASIL, 1997, vol.8.1, p.28). Diante do disposto, conclui-se que segundo os PCNs, a temática trânsito deve ser trabalhada em locais onde o trânsito é considerado um problema social 36 grave, que necessite de uma intervenção urgente, porém, como apresentado nesse trabalho, se faz necessário que todos os cidadãos, independente de qual região em que eles vivam, transitem com segurança. A escola não pode mudar sozinha uma sociedade, porém dispõe de elementos capazes de levar o indivíduo a uma reflexão de sua vida e seu comportamento nessa sociedade. Nesse sentido, Freire (1997, p. 42) diz que devemos contribuir para “a escola em que se pensa, em que se atua, em que se cria, em que se fala, em que se ama, a escola que apaixonadamente diz sim à vida”, no caso da temática trânsito, a escola pode desenvolver atividades que promovam ações de reflexão das suas relações sociais. Mantendo essa perspectiva, os PCNs apresentam a seguinte afirmativa: A perspectiva transversal aponta uma transformação da prática pedagógica, pois rompe a limitação da atuação dos professores às atividades formais e amplia a sua responsabilidade com a sua formação dos alunos. Os Temas Transversais permeiam necessariamente toda a prática educativa que abarca relações entre os alunos, entre professores e alunos e entre diferentes membros da comunidade escolar. (BRASIL, 1997, vol.8.1p. 30). Assim como os demais temas transversais, trabalhar a temática trânsito se torna algo complexo, é necessário que seja trabalhada e discutida nos diferentes campos de conhecimento de forma contínua, sistemática e integrada. O trabalho dos temas transversais é proposto através da integração aos conteúdos escolares, sendo chamado de Transversalidade, na qual “pretende-se que esses temas integrem as áreas convencionais de forma a estarem presentes em todas elas, relacionando-as às questões da atualidade” (BRASIL, 1997, vol.8.1, p. 29). Para que a temática Trânsito seja abordada através da transversalidade, os educadores não precisam interromper o conteúdo curricular, pelo contrário, os PCNs afirmam que os temas transversais têm seus objetivos e conteúdos contemplados e contextualizados pelas diferentes áreas do conhecimento, o que está previsto na proposta curricular da escola. A transversalidade prevê, através da sua dimensão didática, possibilitar o estabelecimento da relação entre a aprendizagem de conhecimentos sistematizados com as questões do cotidiano e da realidade: A transversalidade promove uma compreensão abrangente dos diferentes objetos de conhecimento, bem como a percepção da implicação do sujeito de conhecimento na sua produção, superando a dicotomia entre ambos. Por 37 essa mesma via, a transversalidade abre espaço para a inclusão de saberes extra-escolares, possibilitando a referência a sistemas de significado construídos na realidade dos alunos. (BRASIL, 1997, vol.8.1p. 31). Para Mourin(2000) os temas transversais contribuem com a integração dos conteúdos, evitando sua compartimentação, promovendo um conhecimento profundo da realidade, fazendo uma relação da parte com o todo, já que a totalidade está cada vez mais na parte. Segundo o autor, os temas transversais podem evitar a redução e a separação do conhecimento real e promover a distinção e a união das disciplinas. O DENATRAN, em 2009, seguindo os PCNs, publicou a portaria 147, que aprova as Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito, e estabelece que o trânsito deve ser trabalhado de forma transversal na Pré-escola e no Ensino Fundamental das escolas. Em seu anexo dedicado ao ensino fundamental – anexo II, ele apresenta os objetivos que são amplos e envolvem todos que fazem parte da comunidade escolar, no sentido de diminuir a violência no Trânsito, a partir do contato da criança com a escola: A inclusão do trânsito como tema transversal tem como objetivos: I - Priorizar a educação para a paz a partir de exemplos positivos que reflitam o exercício da ética e da cidadania no espaço público; II - Desenvolver posturas e atitudes para a construção de um espaço público democrático e equitativo, por meio do trabalho sistemático e contínuo, durante toda a escolaridade, favorecendo o aprofundamento de questões relacionadas ao tema trânsito; III - Superar o enfoque reducionista de que ações educativas voltadas ao tema trânsito sejam apenas para preparar o futuro condutor; IV - Envolver a família e a comunidade nas ações educativas de trânsito desenvolvidas; VI - Contribuir para mudança do quadro de violência no trânsito brasileiro que hoje se apresenta; VII - Criar condições que favoreçam a observação e a exploração da cidade, a fim de que os alunos percebam-se como agentes transformadores do espaço onde vivem (BRASIL, 2009, anexo II, p. 2) A transversalidade apresenta-se como uma das propostas mais viáveis de aplicação da temática do trânsito nas escolas, já que os educadores dispõem da didática para o trabalho educacional. É necessário, no entanto, que o trabalhoseja contínuo e permanente, e não de forma esporádica ou limitada somente a Semana Nacional de Trânsito - 18 e 25 de setembro. Trabalhar Educação para o Trânsito de forma transversal já é previsto pela legislação educacional do Brasil. As Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996 definem a matriz curricular básica do ensino, não 38 incluindo as temáticas sociais como disciplina específica, mas sim trabalhada pelas escolas como conteúdo programático transversal, como preveem os critérios do PCNs. A esfera multidisciplinar que envolve o tema Trânsito às diversas áreas de conhecimento (Educação, Psicologia, Engenharia, Direito, Saúde...) possibilita que a Educação para o Trânsito seja apresentada ao educando, de forma transversal. No entanto, conforme as estatísticas apresentadas nesse trabalho, muitas mortes poderiam ser evitadas se houvesse um olhar mais sensível e criterioso para o sério problema do trânsito no Brasil. Na verdade, a Educação para o Trânsito necessita de mais trabalho de conscientização, mais tempo dedicado ao tema, o que não é possível quando tratada apenas como tema transversal. O ideal seria ir além da transversalidade e incluir a Educação para o Trânsito como uma disciplina do currículo escolar brasileiro. 3.2 Currículo Escolar Muitas são as definições de currículo, sendo necessária uma consideração diante das suas diversas definições e complexidade. Pedra (1997), em sua definição, diz que o currículo é sustentado nas relações sociais da cultura onde a teoria e a prática do currículo é estabelecida. O currículo é visto como a manutenção dessa sociedade. O currículo é a representação da cultura no cotidiano escolar [...], o modo pelo qual se selecionam, classificam, distribuem e avaliam conhecimentos no espaço das instituições escolares. [..] um modo pelo qual a cultura é representada e reproduzida no cotidiano das instituições escolares (p.38) Sacristán (1998) entende que é a concretização da posição da escola frente a cultura do local onde ela está inserida. O currículo é a realização do papel social da escola, já que ocorre a seleção e a organização do mesmo baseado nessa cultura. Quando o currículo é planejado, segundo o autor, a equipe escolar preocupa-se em saber “o que”, “para que” e “por que” esse educando precisa aprender, daí ocorre o diálogo entre a equipe escolar com a comunidade escolar, na qual serão verificadas as necessidades pessoais e coletivas face às exigências da sociedade atual. O currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura herdado e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (ideias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições (p. 22). 39 As definições de currículo, em geral, tratam dos conteúdos que serão incorporados e ensinados na escola, além de ser um resultado da seleção dos conteúdos, que são o reflexo da escolha dos objetivos e dos procedimentos, do conhecimento, dos valores, da forma de avaliar, entre outras ações da escola, levando em consideração a realidade escolar, na qual procura-se obter uma melhor qualidade de ensino e aprendizagem. Na história da educação brasileira, o currículo escolar foi pensado como a forma de reprodução dos interesses políticos de cada época. Durante o período da ditadura militar, ocorreu uma enorme preocupação com a expansão econômica e industrial do país. O currículo adotado foi influenciado diretamente pelas ideias norte-americanas, que estavam voltadas para o mercado de trabalho. Sua formação tinha um viés tecnicista, visando desenvolver habilidades para o sistema de produção. Na década 80, aparecem muitos críticos a esse modelo de currículo, dentre eles, Paulo Freire que foi Secretário de Educação na cidade de São Paulo (1989 à 1991), e propôs uma política curricular comprometida com a criação de uma escola popular, social, democrática e de qualidade. O currículo pensado por ele caracterizou-se por um processo de construção coletiva, na qual ocorria diálogo com todos que participavam da escola, voltada para a realidade daquela escola, possibilitando a elaboração de um currículo participativo e autônomo, para que ocorresse a democratização da escola e a participação da comunidade na elaboração e nas práticas das políticas escolares. Os projetos educativos e/ou propostas pedagógicas vêm sendo utilizados nos últimos tempos na educação brasileira para a promoção e melhoria da qualidade de ensino, e são norteados pelo do currículo escolhido. O projeto educativo, segundo Vasconcelos (2002): [...] é o plano global da Instituição. Pode ser entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. É um instrumento teórico-metodológico para a transformação da realidade. É um elemento de organização e integração da atividade prática da instituição neste processo de transformação (p.169). 40 Esses projetos pedagógicos são, portanto, a reflexão sobre os objetivos educacionais e as estratégias de ações elaboradas de forma consciente e coletiva, para que ocorra o resgate do sentido humano e o valor do planejamento. O planejar é antecipar algo que se pretende realizar, definindo todo um roteiro a ser feito: objetivo, motivação, ação e público-alvo. O planejamento é uma necessidade, sendo considerado na área de educação uma das competências profissionais do Educador/Pedagogo. Planejar o currículo escolar, segundo Sacristán(1998) é a operação de dar forma à prática de ensino. Para ele, o planejamento curricular requer que seja levado em consideração: a substantividade e ordenação dos conteúdos do currículo, a forma mais adequada das atividades para atingir a finalidade pensada, e além de ser feito uma estruturação pensando no tempo, no espaço, nos recursos e nas estruturas organizativas. O planejamento curricular tem como função ordenar pedagogicamente os conteúdos, exigindo do educador/pedagogo domínio do conteúdo e método capaz de adequar o conteúdo às condições de ensino-aprendizagem do educando. O planejamento curricular é a antecipação do currículo que se pretende ser implantado na escola. Mas planejar não basta, existe a preocupação para a necessidade a dialética entre teoria e prática, já que o currículo é, além de um projeto da instituição escolar, uma necessidade a ser posta em prática. O currículo encontra-se na base do processo educativo, pois as práticas pedagógicas estão necessariamente voltadas para a transmissão dos conhecimentos (conteúdos de ensino). Sacristán (1998) afirma que sem os conteúdos – elementos da cultura, como exposto anteriormente em sua definição – não existe motivo para o educando estar inserido na escola, da mesma forma que não justifica o trabalho do educador. A transmissão do conteúdo e o desenvolvimento das atividades relacionadas ao ensino aprendizagem é a essência do trabalho do educador/pedagogo nas escolas. Para o autor, atrás de todo currículo encontra-se uma orientação pautada em uma ideologia filosófica, pedagógica, científica e política. Como foi exposto, o currículo escolar requer que seja pensado como instrumento para mudança, já que ele é compreendido como instrumento de organização de um conteúdo, agregando valor ao planejamento curricular, sendo construído respeitando a realidade do local em que a instituição escolar está 41 inserida, de forma que seja capaz de ser posto em prática como ação de transformação.
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