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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO APLICABILIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA NA JUSTIÇA DO TRABALHO ARIANE REGINA CRISTOFOLINI ITAJAÍ (SC), novembro de 2009. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO APLICABILIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA NA JUSTICA DO TRABALHO ARIANE REGINA CRISTOFOLINI Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Msc. JOSÉ SILVIO WOLF ITAJAÍ (SC), novembro de 2009 AGRADECIMENTO Agradeço à minha família pelo apoio e paciência durante estes últimos meses de curso. Agradeço ao escritório João José Martins Advogados Associados por oportunizar-me o convívio com o direito, motivando-me para seguir com a carreira jurídica. Agradeço, ainda, ao meu orientador José Silvio Wolf, por todo tempo despendido em função deste trabalho acadêmico, além as preciosas recomendações. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho acadêmico principalmente à minha mãe Sônia Regina Gonçalves Cristofolini, pelo apoio e incentivo tão importantes nesses cinco anos. Que todo o tempo que eu estive ausente seja de alguma forma recompensado. Dedico, ainda, ao meu companheiro Marcos Orélio de Andrade, que esteve comigo durante os cinco anos de jornada acadêmica, sempre dedicado e exigente. Seu auxílio nunca será esquecido. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. ITAJAÍ (SC), novembro de 2009. Ariane Regina Cristofolini Graduanda PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Ariane Regina Cristofolini, sob o título “Aplicabilidade do Mandado de Segurança na Justiça do Trabalho”, foi submetida em 20/11/2009 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Professor Msc. José Silvio Wolf e Professor Msc. Eduardo Erivelto Campos, e aprovada com a nota 10 [dez]. ITAJAÍ (SC), novembro de 2009. Professor Msc. José Silvio Wolf Orientador e Presidente da Banca Msc. Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS ART Artigo CLT Consolidação das Leis do Trabalho CNJ Conselho Nacional de Justiça CPC Código de Processo Civil CRFB Constituição da República Federativa do Brasil DJ Diário da Justiça INSS Instituto Nacional de Seguro Social OJ Orientação Jurisprudencial RE Recurso Especial SDI Seção de Dissídios Individuais STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TRT Tribunal Regional do Trabalho TST Tribunal Superior do Trabalho ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Autoridade Pública O conceito de autoridade pública há de ser entendido, a nosso ver, no sentido lato, nele estando incluídos não apenas os agentes da Administração Direta e Indireta (dirigentes das empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações públicas), como os agentes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, desde que pratiquem ato na condição de autoridade pública.1 Decadência Decadência é a perda, pelo decurso do tempo, do direito subjetivo material (substantivo), isto é, do bem da vida. Dessa forma, ocorre a caducidade do direito.2 Direito Coletivo O que caracteriza o direito coletivo é o fato de não pertencer a uma pessoa individualmente considerada, mas a pluralidade de sujeitos vinculados por um objetivo comum.3 Direito líquido e certo A expressão direito líquido e certo relaciona-se intimamente ao procedimento célere, ágil, expedito e especial do mandado de segurança, em que, por inspiração direta do habeas corpus, não é permitida qualquer dilação probatória. É dizer: o impetrante deverá demonstrar, já com a petição inicial, no que consiste a ilegalidade ou a abusividade que pretende ver expungida do ordenamento 1 LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Mandado de segurança no processo do trabalho. São Paulo, LTr, 1999, p. 40. 2 LISBOA. Roberto Senise. Manual de direito civil. 3. Ed. São Paulo: RT, 2004. v. I, p.683. 3 BUZAID, Alfredo. Considerações sobre o mandado de segurança coletivo. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 15. jurídico, não havendo espaço para que demonstre sua ocorrência no decorrer do procedimento.4 Ilegalidade ou abuso de poder De modo geral, para os efeitos do mandado de segurança estará caracterizada a ilegalidade do ato quando: a) houver lei que proíba a sua realização, ou a determine; b) inexista lei que atribua a competência para praticá-lo ou haja dever de praticá-lo; c) contrariar lei expressa regulamente ou princípio de direito público; d) desrespeitar os princípios ou as normas constantes do art. 37 da Constituição e outros, consagrados pelo direito; e) não estiver incluído nas atribuições legais do agente, ou, estando incluído, houver omissão; f) existir usurpação de funções, abuso de funções ou invasão de funções; g) houver vício de competência, de forma, objeto, motivo ou finalidade; h) estiver em desacordo com a norma legal ou decorrer de norma ilegal ou inconstitucional.5 Mandado de Segurança O mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (CF, art. 5º, LXIX e LXX; Lei n. 1.533/51, art. 1º)6 4 BUENO, Cássio Scarpinela. Mandado de Segurança. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 13. 5 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Mandado de segurança na justiça do trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1994. p. 136. 6 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 21- 22. SUMÁRIO RESUMO .......................................................................................... XII INTRODUÇÃO .................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 ....................................................................................... 3 MANDADO DE SEGURANÇA - ASPECTOS DESTACADOS ........... 3 1.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS NO DIREITO COMPARADO ...................... 3 1.2 A ORIGEM DO INSTITUTO NO DIREITO BRASILEIRO ................................5 1.3 CONCEITO.......... ........................................................................................... 10 1.3.1 DIREITO LÍQUIDO E CERTO ............................................................................... 12 1.3.2 ATO DE AUTORIDADE ...................................................................................... 15 1.3.2.1 Autoridade ......................................................................................................... 16 1.3.2.2 Ato estatal .......................................................................................................... 17 1.3.2.3 Ato administrativo ............................................................................................. 17 1.3.3 ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER .................................................................. 18 1.4 DA NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE ................................................... 19 1.5 DOS ATOS EXCLUÍDOS DO MANDADO DE SEGURANÇA ........................ 20 CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 25 DO PROCESSAMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA ............ 25 2.1 DA PETIÇÃO INICIAL E LIMINAR ................................................................ 25 2.2 DO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO ............................................. 34 2.2.1 LEGITIMIDADE...... .......................................................................................... 34 2.2.2 DIREITO COLETIVO..... .................................................................................... 36 2.3 DO PRAZO PARA AJUIZAMENTO ............................................................... 39 CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 43 APLICABILIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA NA JUSTIÇA DO TRABALHO ................................................................................ 43 3.1 CABIMENTO NO PROCESSO DO TRABALHO....... .................................... 43 3.2 CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA ................................... 44 3.2.1 FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA MATERIAL ............................................................. 45 3.2.2 FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA FUNCIONAL ........................................................... 46 3.3 DOS RECURSOS .......................................................................................... 48 3.3.1 DA LEGITIMIDADE RECURSAL .......................................................................... 48 3.3.2 DOS RECURSOS CABÍVEIS ............................................................................... 50 3.3.2.1 Competência originária das Varas do Trabalho .............................................. 50 3.3.2.2 Competência originária dos Tribunais Regionais do Trabalho ..................... 51 3.3.2.3 Competência originária do Tribunal Superior do Trabalho ............................ 54 3.3.2.4 Prazos recursais, efeito não suspensivo e remessa necessária ................... 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 57 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS........................................... 60 RESUMO Tem como objetivo principal o presente trabalho acadêmico a análise da aplicação do mandado de segurança na esfera trabalhista. O mandado de segurança é definido como uma garantia fundamental, destinado a proteção de direito líquido e certo ameaçado ou violado por ato manifestamente ilegal da autoridade pública. Para uma compreensão melhor do tema, no primeiro capítulo serão abordadas as características gerais do mandado de segurança, partindo de uma breve evolução histórica face ao cenário nacional, passando-se à conceituação, natureza jurídica e finalidade, além dos atos excluídos deste instituto processual tão importante para o cidadão. O segundo capítulo terá como foco o processamento do mandado de segurança, discorrendo sobre a petição inicial e liminar, o mandado de segurança coletivo, procedimento este criado com advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como o prazo para ajuizamento. Caberá, pois, ao terceiro capítulo a abordagem específica do mandado de segurança no âmbito da Justiça do Trabalho. Para tanto, faz-se necessária uma introdução ao cabimento, às mudanças trazidas com a edição da Emenda Constitucional nº 45. Em seguida, passar-se-á a discorrer acerca dos critérios para fixação de competência, tanto na esfera material, quanto funcional. Ademais, serão listados os recursos cabíveis de decisões monocráticas e colegiadas proferidas em mandado de segurança, observando o órgão competente, além dos prazos recursais, seu efeito não suspensivo e remessa necessária. Salienta-se que este trabalho será realizado com base em pesquisa bibliográfica, legal e jurisprudencial. Espera-se que este trabalho contribua para uma melhor compreensão e conscientização da sociedade acerca de seus direitos, de modo a proteger seus interesses. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto o estudo do mandado de segurança, em destaque aqueles provenientes da Justiça do Trabalho. O seu objetivo institucional é a produção de monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, abordando a aplicabilidade do mandado de segurança na Justiça do Trabalho, demonstrando os mecanismos legais utilizados para a proteção dos direitos dos cidadãos. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando do Mandado de Segurança em geral, demonstrando breve evolução histórica face ao cenário pátrio, bem como suas principais características, a fim de propiciar melhor compreensão do tema exposto. No Capítulo 2, faz-se referência ao processamento do mandado de segurança, discorrendo sobre a petição inicial e liminar, bem como tratando do direito coletivo e o prazo para ajuizamento. No Capítulo 3, tratar-se-á especificamente do mandado de segurança na Justiça do Trabalho, as mudanças trazidas com a edição da Emenda Constitucional nº 45, apresentando seu cabimento, requisitos, critérios para definição de competência, bem como a fixação da competência material e funcional. Ademais, atentar-se-á para os recursos cabíveis e sua legitimidade, além dos prazos recursais, seu efeito não suspensivo e remessa necessária. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a Aplicabilidade do Mandado de Segurança na Justiça do Trabalho. 2 Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: a) Em uma análise na Lei 12.016/2009 que trata do mandado de segurança e diante das hipóteses de cabimento na Justiça do Trabalho, face a limitação imposta, pode-se dizer que existe injustiças ou arbitrariedade nas decisões proferidas, ofendendo a própria Constituição Federal. b) O fato de na Justiça do Trabalho, nas decisões interlocutórias, ser restrito a interposição de recurso, o mandado de segurança seria ou não uma alternativa para se obter a apreciação da matéria pelo Tribunal. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. CAPÍTULO 1 MANDADO DE SEGURANÇA – ASPETOS DESTACADOS 1.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS NO DIREITO COMPARADO Indiretamente,o mandado de segurança tem inspiração e influência jurídica nos writs do direito anglo-americano, pois este tem por escopo prestar a proteção de direitos lesados para cuja reparação não haja, na lei, outros meios mais adequados. A experiência mexicana também muito nos serviu para a construção do mandado de segurança. Castro Nunes7 noticia que parte da doutrina nacional já postulava a criação em nosso ordenamento jurídico de uma ação similar ao juicio de amparo do Direito mexicano, o qual visava, de início, ao controle de constitucionalidade das leis e dos atos administrativos, estendendo- se, posteriormente, ao controle da legalidade dos atos de todas as autoridades, até mesmo as judiciárias. Não menos importante é a influência do direito português. No entendimento de Oliveira8: A influência do direito português no mandado de segurança é notada principalmente nas Ordenações do Reino, onde encontramos várias figuras jurídicas que, quer em face de seu objeto, apresentam muitas semelhanças, numa espécie de estreitamento familiar. Assim é que, nas Ordenações Afonsinas9, Livro III, título LXXX, vamos encontrar a apelação extrajudicial, prescrevendo que: 7 NUNES, José de Castro. Do mandado de segurança. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980 (edição atualizada por José de Aguiar Dias), p. 2-3. 8 OLIVEIRA. Antônio Francisco. Mandado de Segurança e Controle Jurisdicional. 2 ed. São Paulo: RT, 1996, p.17. 4 (...) delas podem licitamente apelar para seus sobre-Juízes todos aqueles que se sentirem agravados dos autos por eles feitos, salvo se os autos forem tais, que por privilégio d´El-Rei em eles façam determinação final (...). Não obstante o reconhecimento destas realidades históricas, mesmo tendo os nossos estudiosos se servido de legados jurídicos de outros povos para a sua construção, o que inevitável e inegavelmente ocorreu, o mandado de segurança constitui-se verdadeiramente uma criação genuinamente brasileira, e que "não encontra instrumento absolutamente similar no direito estrangeiro” 10. Pontes de Miranda11 se manifesta nesse sentido ao dizer que o mandado de segurança teve como fonte inspiradora, na verdade, a necessidade de purificar a ação de habeas corpus diante da distorção no seu uso. Ainda nesse sentido, Lenza12 afirma que: Podemos identificar como fonte imediata de inspiração do mandado de segurança, no direito brasileiro, a “teoria brasileira do habeas corpus”, podendo ser destacado, ainda, o art. 13 da Lei n. 221/1894 (ação anulatória de atos da administração) e o instituto dos interditos possessórios. Desta forma, ainda que inspirado pelos remédios encontrados no Direito Comparado, foi o esforço da doutrina e do legislador nacional, atendendo às necessidades práticas da realidade brasileira, que conferiu ao mandado de segurança as feições jurídicas que hoje este instituto possui. 9 HEITOR, Ivone Suzana Cortesão. Ordenações Afonsinas. Livro III, Título LXXX. Disponível em < http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/l3p306.htm>. Acesso em 30 ago. 2009. 10 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11a. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 163. 11 “O mandado de segurança é ação e é remédio jurídico processual, adotados no Brasil por sugestão das extensões que tivera o hábeas-corpus, na feição primeira, ao tempo da Constituição de 1981. Nada tem com o contencioso administrativo, de que copiáramos, no império, um dos exemplares mais interessantes”. (MIRANDA. Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 335) 12 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. Ed. rev. atual. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 644 5 1.2 A ORIGEM DO INSTITUTO NO DIREITO BRASILEIRO No Brasil, as primeiras propostas de criação do mandado de segurança remetem ainda a 1926, logo após a revisão constitucional que definitivamente restringiu o uso da ação do habeas corpus à liberdade de locomoção. Até 1926, vigorava a chamada teoria brasileira do habeas corpus13 para o processo civil, posto que, diante da ausência de institutos específicos para a proteção dos cidadãos contra atos abusivos de autoridades, utilizava-se aquela via de origem anglo-saxônica, contemplada no processo penal, para a reparação ou preservação de situações jurídicas, além das violações contra a liberdade de locomoção. Com a Revolução de 1930 foi dissolvido o Legislativo e, até 1934, com a nova Constituição, nada ocorreu de importante no que tange à criação do novo instituto. A instituição do mandado de segurança veio finalmente ocorrer através da Constituição de 1934, no capítulo que tratava dos direitos e garantias individuais, tendo como data de promulgação o dia 16 de julho. O artigo 113, inciso 33 da Carta Magna de 193414 assim dizia: Dar-se-á mandado de segurança para a defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida parte do direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes. 13 BUZAID, Alfredo. Do mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 1989. v.1. p. 29-30. 14 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 16 de julho de 1934. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>Acesso em 18 out. 2009. 6 Logo, surgiu a Lei nº. 191 de 15 de janeiro de 1936 que trouxe uma série de inovações, regulamentou infraconstitucionalmente o procedimento do mandado de segurança, o seu cabimento, a natureza do ato coator, fixou prazo para a sua impetração, bem como ampliou o rol dos legitimados ao acatar a impetração por terceiros. Com a Constituição de 1937, o mandado de segurança não foi incluído como garantia constitucional, em função dos interesses políticos do então presidente em exercício Getúlio Dorneles Vargas. Porém, mesmo durante o Estado Novo, o mandado de segurança continuou a vigorar, ainda que com restrições quanto ao seu alcance, principalmente pela outorga do Decreto-lei, de 16.11.1937, que vedou as hipóteses de ajuizamento contra os atos do Presidente da República, de Ministros de Estado, de Governadores e de Interventores Estaduais. O Código de Processo Civil de 1939, que entrou em vigor em 1º de fevereiro de 1940, tratou de atribuir ao mandado de segurança nova disciplina, em seus artigos 319 a 331, relacionado-os entre os processos especiais, sendo utilizado para a proteção de direito certo e incontestável, ameaçado de lesão ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal, de qualquer autoridade, menos aquelas mencionadas no Decreto-lei nº 6, de 16.11.1937 acima citado. Voltou a ser previsto na Constituição de 1946, em seu parágrafo 24 do artigo 141, no capítulo II “dos direitos e das garantias individuais” 15 sendo assim disciplinado o remédio heróico: Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 15 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 18 de setembro de 1946. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 set. 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm>Acesso em18 out. 2009. 7 Parágrafo 21. Para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, conceder-se-á mandado de segurança seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder. Em sua obra, Bezerra Leite16 aponta as seguintes inovações na Carta de 1946: a) substitui a expressão “direito certo e incontestável” por “direito líquido e certo”, o que foi repetido pelas legislações supervenientes; b) tornou a admitir o mandado de segurança contra atos do Presidente da República e de seus auxiliares, bem como de Governadores; c) não se referiu a ato “inconstitucional ou ilegal”, mas apenas a ato “ilegal”; d) inseriu o “abuso de poder” como outro pressuposto de impetração de segurança; e) deixou de exigir que a ilegalidade do ato fosse “manifesta”; f) estabeleceu a separação entre mandado de segurança e habeas corpus. Esta Constituição esteve em vigor durante 21 anos, até o dia 24 de janeiro de 1967. Todavia, durante tal período foram editadas algumas leis que regulavam a matéria específica do mandado. A Lei nº. 1386 de 18.06.1951 estendeu o alcance do mandado de segurança a fim de alcançar o Diretor da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil, bem como qualquer outra autoridade que violasse ou dificultasse o exercício dos direitos por ela garantidos. Por esta lei, criou-se o agravo de petição, dirigido ao Tribunal Federal de Recurso, contra decisão na ação de mandado de segurança, quando impetrado nos casos por ela regulados. A Lei nº. 1533, de 31.12.1951 veio a regular o mandado de segurança, sofrendo algumas alterações, principalmente por força da Lei 4.166, de 04-12-62, da Lei 4.348, de 26-06-64 e da Lei 5.021, de 09-06-66. 17 A Carta Magna de 1967, em seu artigo 150, parágrafo 2118, reforçou o entendimento de que o mandado de segurança é destinado a proteger “direito individual líquido e certo”, com a seguinte redação: 16 LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Mandado de segurança no processo do trabalho. São Paulo, LTr, 1999, p. 18. 17 MARTINS. Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho. 17a ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 457. 8 Art. 150, parágrafo 21. Conceder-se-á mandado de segurança, para proteger direito individual, líquido e certo, não amparado por hábeas corpus, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder. A Emenda Constitucional nº. 01, de 17 de outubro de 1969, em seu parágrafo 21 do artigo 153, repetiu exatamente o mesmo texto da Constituição de 1967. O Código do Processo Civil de 1973 não tratou do mandado de segurança, ao contrário o que fizera o Código de 1939, permanecendo a Lei nº. 1533/51. Após 21 anos da Constituição de 1967, mais precisamente no dia 05 de outubro de 1988, foi promulgada a atual Constituição. O mandado de segurança saiu fortalecido, inovado e ampliado, pois, além de manter a garantia de direitos individuais, pela primeira vez inovou ao prever o mandado de segurança coletivo. Prescreve o artigo 5º, inciso LXIX e LXX19, in verbis: Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por Hábeas Corpus ou Hábeas Data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) Partido político com representação no Congresso Nacional; 18 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 24 de janeiro de 1967. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 out. 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm> Acesso em 18 out. 2009. 19 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 18 out. 2009. 9 b) Organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Assim, o legislador constitucional de 1988, ao preceituar o artigo supra mencionado, nada mais fez do que manter um instrumento de defesa dos direitos e garantias fundamentais do cidadão contra abusos da administração pública. Entrou em vigor, no dia 07 de agosto de 2009, a Lei nº. 12.016/2009 que regulamenta o uso de Mandado de Segurança Individual e Coletivo. Entre as inovações introduzidas pela lei, destacam-se a possibilidade de o mandado de segurança ser impetrado por qualquer meio eletrônico de autenticidade comprovada, como fax e internet, a previsão de sanções a serem aplicadas nos casos de litigância de má-fé ou com objetivos meramente protelatórios, bem como a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios. Assim dispõe os artigos 4º e 25 da Lei 12.016/200920: Art. 4o Em caso de urgência, é permitido, observados os requisitos legais, impetrar mandado de segurança por telegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada. Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé; A nova lei também determina que não mais caberão embargos infringentes em mandado de segurança, racionalizando com isso o sistema de recursos processuais. Determina, ainda, que o julgamento dos mandados de segurança tenha prioridade sobre todas as outras ações judiciais, com exceção do habeas corpus. Ademais, a lei impede a concessão de liminar 20 BRASIL. Lei 12.016, de 07 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília-DF, 10 ago. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12016.htm>. Acesso em 16 ago. 2009. 10 para compensação tributária e para liberação de mercadorias e bens provenientes do exterior e que foram apreendidos pela Receita Federal e órgãos alfandegários. Preceituam os artigos 20 e 6º, § 2º da Lei 12.016/200921: Art. 20. Os processos de mandado de segurança e os respectivos recursos terão prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo habeas corpus. Art. 6 (...) § 2º - Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. Por fim, prevê que o mandado de segurança deverá ser denegado quando couber recurso administrativo com efeito suspensivo contra os atos impugnados. 1.3 CONCEITO Devido ao fato de o legislador não dar nenhum conceito a este remédio constitucional, optando em apenas estabelecer as hipóteses de seu cabimento através do artigo 5º, incisos LXIX e LXX da CRFB/88 e Lei nº. 12.016/2009, o conceito de mandado de segurança é puramente doutrinário. Segundo o doutrinador Meirelles22: O mandado de segurança é o meio constitucional postoà disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (CF, art. 5º, LXIX e LXX; Lei n. 1.533/51, art. 1º). 21 BRASIL. Lei 12.016, de 07 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília-DF, 10 ago. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12016.htm>. Acesso em 16 ago. 2009. 22 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p.21- 22. 11 Araújo23 define mandado de segurança como: ação judicial constitucional, de rito sumário específico e objeto próprio, que é a proteção de direito líquido e certo, individual ou coletivo, de qualquer pessoa física ou jurídica, privada ou pública, de qualquer órgão ou entidade com capacidade processual, ou de universalidade legalmente reconhecida, lesado ou ameaçado de lesão por ato ou omissão de autoridade, pública ou particular que detenha, sob qualquer fundamento legal, parcela de autoridade inerente ao Estado, desempenhando atribuições do Poder Público, desde que não amparado esse direito por habeas corpus ou habeas data. Ainda a respeito do seu conceito, manifesta-se Pinto Martins24: Mandado de segurança é o remédio constitucional para a proteção de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, em face de lesão ou ameaça de lesão a direito, por ato de autoridade praticado com abuso de poder. Criterioso é o conceito ofertado por Cretella Junior25, que define o mandado de segurança como: Ação civil de conhecimento, de rito sumaríssimo, mediante a qual toda pessoa física, pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, sindicato, partido político entidade de classe e associação de classe, desde que tenham, por ilegalidade ou abuso de poder, proveniente de autoridade pública, ou agente de pessoa jurídica, no exercício de atribuições do Poder Público, sofrido violação – ou tenham justo receio de sofrê-la – de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, a fim de que, pelo controle jurisdicional, o Poder Judiciário devolva, in natura, ao interessado, aquilo que o fato ou o ato tirou ou ameaçou tirar. Sem se distanciar muito dos doutrinadores mencionados, Bebber26 conceitua mandado de segurança como: 23 ARAÚJO. Edmir Netto de. Mandado de Segurança e autoridade coatora. São Paulo, LTr, 2000, p. 22. 24 MARTINS. Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 22. 25 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à lei do mandado de segurança. 9. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 1-2. 26 BEBER, Júlio César. Mandado de segurança: habeas corpus, habeas data na Justiça do trabalho. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2008. P. 23. 12 Ação mandamental de direito público que integra a chamada jurisdição constitucional das liberdades, e que tem por escopo proteger direitos individuais incontestáveis não amparáveis por habeas corpus ou habeas data, violados ou ameaçados de sê-lo por ilegalidade ou abuso do Poder Público. Desta forma, a definição do mandado de segurança alcança inúmeros pensamentos doutrinários, todos convergindo com a mesma finalidade, qual seja, proteger direito líquido e certo de um ato de autoridade pública, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder é agente vinculado ao Poder Público. 1.3.1 Direito líquido e certo Na evolução do desenvolvimento histórico do mandado de segurança, muito se tem debatido sobre o tema pela doutrina. No entanto, não há mais divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca desse tema, sendo pacífico o entendimento do que é o conceito de direito líquido e certo. Conceito assente na Constituição do Brasil desde 1946 e legislação correlata, direito líquido e certo é aquele que não desperta dúvidas, que está isento de obscuridades, que não precisa ser declarado com o exame de provas em dilações, que é por si mesmo, concludente e inconcusso. 27 No entendimento de Barbi28: Conceito de direito líquido e certo é tipicamente processual, pois atende ao modo de ser de um direito subjetivo no processo: a circunstância de um determinado direito subjetivo realmente existir não lhe dá a caracterização de liquidez e certeza; esta só lhe é atribuída se os fatos em que se fundar puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo. E isso normalmente só se dá quando a prova for documental, pois esta é adequada a uma demonstração imediata e segura dos fatos. Meirelles29, por sua vez, leciona que direito líquido e certo é: 27 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p.360. 28 BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 85. 13 O que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparado por mandado de segurança, há de vir expresso por norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante. A administrativista Di Pietro30, cuida de apresentar não simplesmente uma definição, mas sim três requisitos essenciais à configuração de direito líquido e certo, lição, inclusive, valiosamente didática, para os estudiosos da matéria. Segundo a jurista, o direito líquido e certo deve apresentar alguns requisitos, além da certeza quanto aos fatos: 1. Certeza jurídica, no sentido de que o direito deve decorrer de normal legal expressa, não se reconhecendo como líquido e certo o direito fundamentado em analogia, eqüidade ou princípios gerais de direito, a menos que se trate de princípios implícitos na Constituição, em decorrência, especialmente, do art. 5º, parágrafo 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”; 2. Direito subjetivo próprio do impetrante no sentido de que o mandado é somente cabível para proteger direito e não simples interesse e esse direito deve pertencer ao próprio impetrante; ninguém pode reivindicar, em seu nome, direito alheio, conforme decisões unânimes do STF in RTJ 110/1026 e RDA 163/77. Não destoa desse entendimento a norma do art. 1º, parágrafo 2º, da Lei 1533/51, em consonância com a qual, “quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança”, porque, nesse caso, cada qual estará agindo na defesa de direito próprio”. (...); 3. Direito líquido e certo referido a objeto determinado, significando que o mandado de segurança não é medida adequada para pleitear prestações indeterminadas, genéricas, fungíveis ou alternativas; o que se objetiva com o mandado de segurança é o exercício de um direito determinado e não sua reparação econômica; por isso mesmo, a Súmula nº269, do STF, diz que “o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança”. Assim, “o objeto do mandado de segurança é a anulação do ato ilegal ou a prática de ato que a autoridade coatora omitiu; se concedido o mandado, a execução se fará por ofício do juizà autoridade para que anule o ato ou pratique o ato 29 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular e Ação Civil Pública. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p.11. 30 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. p. 677-678. 14 solicitado; não cumprida a execução, incidirá a autoridade no crime de desobediência. Não há a execução forçada no mandado de segurança”. De conceitos e apontamentos doutrinários, fixados como premissas para o estudo da matéria, exsurgem repercussões jurídicas na caracterização do mandado de segurança. Há de se observar, que a existência de direito subjetivo, por si só, não o qualifica como líquido e certo. Para fins de mandado de segurança, dito direito subjetivo há que ser relacionado a fato suscetível de prova documental cabal, que deverá instruir a petição inicial, e sobre a qual não paira dúvidas. Sobre o tema, Scarpinela Bueno31 entende que: A expressão direito líquido e certo relaciona-se intimamente ao procedimento célere, ágil, expedito e especial do mandado de segurança, em que, por inspiração direta do habeas corpus, não é permitida qualquer dilação probatória. É dizer: o impetrante deverá demonstrar, já com a petição inicial, no que consiste a ilegalidade ou a abusividade que pretende ver expungida do ordenamento jurídico, não havendo espaço para que demonstre sua ocorrência no decorrer do procedimento. Portanto, se os fatos devem ser indiscutíveis, não pode haver dúvida quantos aos documentos que os comprovam. Por isso, se houver controvérsia quanto à comprovação documental do fato alegado, ou se os documentos apresentados forem impugnados mediante alegação de falsidade, subtrai-se a sua credibilidade, cria-se dúvida e desaparece, com isso, o direito líquido e certo, levando consigo a possibilidade de utilização do mandado de segurança. 32 Não restam dúvidas, outrossim, que é a partir dessa essência processual, que podem ser explicados a adoção do rito especial e a necessidade de a peça inicial estar, de plano, instruída com prova documental, a chamada prova pré-constituída. No mandado de segurança, não há fase 31 BUENO, Cássio Scarpinela. Mandado de Segurança. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 13. 32 BEBER, Júlio César. Mandado de segurança: habeas corpus, habeas data na Justiça do trabalho. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2008. P. 42. 15 instrutória ou produção de provas complementares, pois isso significaria que ainda subsiste algum tipo de incerteza quanto aos fatos, o que, como se viu, é inadmissível. 1.3.2 Ato de autoridade pública Estabelecido o conceito da cláusula "direito líquido e certo", convém estabelecermos que atos podem ser objeto da impetração do mandamus. A definição de ato de autoridade pública dada por Meirelles33 e aceita por grande parte da doutrina é: Toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Bezerra Leite34 aduz que: O conceito de autoridade pública há de ser entendido, a nosso ver, no sentido lato, nele estando incluídos não apenas os agentes da Administração Direta e Indireta (dirigentes das empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações públicas), como os agentes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, desde que pratiquem ato na condição de autoridade pública. O inciso LXIX do artigo 5º da Constituição da República de 198835 traz a seguinte redação: Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. 33 MEIRELLES. Hely Lopes. Mandado de segurança. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 33. 34 LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Mandado de segurança no processo do trabalho. São Paulo, LTr, 1999, p. 40. 35 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 18 out. 2009. . 16 Portanto, pela redação do dispositivo constitucional “a impetração visa a prevenir ou corrigir ação ou omissão, ilegal e abusiva, praticada ou em vias de ser praticada, por autoridade pública”. 36 Para compreender o conceito de ato de autoridade é imprescindível definir autoridade, ato estatal e ato administrativo. 1.3.2.1 Autoridade Pode-se definir autoridade como sendo todo aquele que exerce um cargo ou uma função estatal em qualquer dos planos da federação e em qualquer dos poderes organizados, investido de poder de decisão, pela qual manifesta a vontade do Estado. 37 Desta forma, a autoridade será sempre a pessoa física que exerce um cargo ou uma função pública. Será sempre, portanto, um agente público. Além disso, “a exata determinação de quem seja a autoridade coatora nos casos concretos é da maior importância, porque disso depende a fixação do órgão competente para o julgamento, uma vez que, segundo o nosso direito positivo, a competência para conhecer dos mandados de segurança não deriva da questão ajuizada, e sim da hierarquia da autoridade que praticou o ato impugnado por aquela via processual”. 38 A Constituição Federal, ao tratar a responsabilidade do Estado “asseverou que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Com isso alargou o conceito de 36 SODRÉ, Eduardo. Mandado de segurança. In: DIDIER JR, Fredie (org.). Ações constitucionais. 1ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2006, p. 108. 37 TEIXEIRA FILHO. Manoel Antônio. Mandado de segurança na justiça do trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1994. p. 139. 38 BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 70. 17 agente público e, de conseguinte, o conceito de quem possa ser autoridade coatora no mandado de segurança”. 39 Desse modo, são também, autoridades para efeito de mandado de segurança os particulares quando exercerem funções públicas autorizadas ou delegadas pelo Estado (concessão, permissão ou outra forma de transferência da atividade pública ao particular), como é o caso, dentre outros, dos diretores de estabelecimentos particulares de ensino, dos presidentes de sindicatos quando atuarem na cobrança sindical e dos presidentes dos serviços sociais autônomos. 1.3.2.2 Ato estatal Sobre o conceito de ato estatal, Barbi40 aduz que: Entende-se, pacificamente, na doutrina brasileira, que o mandado de segurança só será remédio adequado se o ato lesivo ou ameaçador tiver sido praticado pelo Estado como Poder Público, excluídos, assim, os atos em que ele tenha agido como pessoa privada, pois nestes casos estará sujeito apenas aos remédios comuns das leis processuais. Isso significa que não são apenas os atos administrativos que podem ser objeto de impugnação pela via do mandado de segurança, mas quaisquer atos das autoridades públicas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Admite-se, por isso, mandado de segurança contra as denominadas leis auto-executórias ou de efeitos concretos e contra os atos jurisdicionais. 1.3.2.3 Ato administrativoOs atos da administração eram amparados na divisão idealizada pelo direito francês e italiano, como sendo: - atos de império (jure imperii), que seriam “os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular, independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um 39 FIGUEIREDO. Lúcia Valle. Mandado de segurança. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 49. 40 BARBI. Celso Agrícola. Do mandado de segurança, 1976, p. 118. 18 direito especial exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes, a não ser por delegação do Poder Público". - atos de gestão (jure gestionis), que seriam “os praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não diferem a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum”. 41 Muitas vezes, porém, é difícil divisar ato de gestão de ato de império. Tal dificuldade, então, levou alguns doutrinadores a abandonarem essa distinção, mediante a substituição por outra, qual seja: atos administrativos regidos pelo direito público e atos de direito privado da administração regidos pelo direito privado. Sobre a matéria, Cretella Júnior42 prescreve que: Não se compreende mais, em nossos dias, de modo algum, o acolhimento, na doutrina e, muito menos, na prática, da classificação dos atos administrativos em atos de império e atos de gestão. Antiqualha jurídica, criação cerebrina para remediar uma situação de fato na França, em período de convulsão social, tem sido causa freqüente de desencontros doutrinários e desorientação frente aos casos concretos, além de não resolver a totalidade das espécies configuradas. 1.3.3 Ilegalidade ou abuso de poder A legalidade é um dos princípios mais importantes na Administração Pública, tendo realce em virtude de se apresentar no caput do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil43, in verbis: Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...). 41 DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002 p. 211. 42 CRETELLA, JÚNIOR, José. Comentários à lei do mandado de segurança. 9. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 62. 43 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 18 out. 2009 19 Por força desse princípio, os atos administrativos produzem efeitos válidos só quando editados sem vício da ilegalidade. Se viciado, o ato é nulo ou anulável, sujeito, portanto, ao desfazimento pela própria Administração ou pelo Judiciário. Segundo Teixeira Filho44: De modo geral, para os efeitos do mandado de segurança estará caracterizada a ilegalidade do ato quando: a) houver lei que proíba a sua realização, ou a determine; b) inexista lei que atribua a competência para praticá-lo ou haja dever de praticá-lo; c) contrariar lei expressa regulamente ou princípio de direito público; d) desrespeitar os princípios ou as normas constantes do art. 37 da Constituição e outros, consagrados pelo direito; e) não estiver incluído nas atribuições legais do agente, ou, estando incluído, houver omissão; f) existir usurpação de funções, abuso de funções ou invasão de funções; g) houver vício de competência, de forma, objeto, motivo ou finalidade; h) estiver em desacordo com a norma legal ou decorrer de norma ilegal ou inconstitucional. Desta forma, o abuso de poder traduz um agir (aparentemente) dentro da lei, mas contra ela no sentido subjetivo (ideológico). A prática de ato, por isso, não está voltada para servir a finalidade legal, mas, sob a aparência de fazê-lo, efetivamente pretende alcançar outro fim, tornando-se um ato viciado, uma vez que traduz a violação moral da lei. 1.4 DA NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE A princípio, pacificou-se que o mandado de segurança integra a chamada jurisdição constitucional das liberdades. Sobre a matéria, Bebber45 diz que: Seguindo a ordem dos mecanismos ditados pela doutrina para a realização da ordem constitucional, após o controle da constitucionalidade das leis e dos atos normativos, vem a denominada jurisdição constitucional das liberdades onde se incluem: o habeas corpus; o mandado de segurança; o mandado de injunção; o habeas data; a ação popular. Pode-se dizer, então, 44 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Mandado de segurança na justiça do trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1994. p. 136. 45 BEBBER, Júlio César. Princípios do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 156. 20 que toda a jurisdição constitucional se caracteriza como conjunto de remédios processuais oferecidos pela Constituição para a prevalência dos valores que ela própria obriga. Portanto, é ação que declara e satisfaz o direito (sincrética), de rito especial, que não pertence ao direito material ou processual específico, mas sim ao direito processual constitucional. Nas sábias palavras de Alexandre de Moraes46, a natureza do mandado de segurança trata-se de: Ação constitucional civil, cujo objeto é a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade Pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Quanto à natureza jurídica segundo os efeitos da sentença, o mandado de segurança integra as ações mandamentais, pois, “não é simplesmente declaratória, ou apenas constitutiva, ou meramente declaratória, tendo em vista as características de cada uma delas (...). Ela contém, em si, um plus da ordem, do mandamento, fazendo com que se enquadre na categoria das ações mandamentais”. 47 Com relação a sua finalidade, preceitua Meirelles48: O mandado de segurança visa, precipuamente, à invalidação de atos de autoridade ou à supressão de efeitos de omissões administrativas capazes de lesar direito individual ou coletivo, líquido e certo. Desta forma, o mandado de segurança tem por escopo proteger o exercício de direitos incontestáveis não amparados por habeas corpus ou habeas data, diante de ato ilegal ou abusivo do Poder Público. 1.5 DOS ATOS EXCLUÍDOS DO MANDADO DE SEGURANÇA 46 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 180. 47 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à lei do mandado de segurança. 9. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 63. 48 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 24. Ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 31. 21 De acordo com o artigo 1º, § 2º e artigo 5º, incisos I, II e III da Lei 12.016/200949, não é possível a impetração quando se tratar: Art. 1º (...) § 2º - Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; Sob pena de carência de ação, não se deve utilizar o mandado de segurança quando há algum meio mais específico para atacar a ilegalidadede ato judicial, com o qual se obterá os mesmos efeitos do "remédio heróico". A determinação legal foi reforçada pela Súmula 26750 da Suprema Corte onde se coaduna que “não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição". Vê-se que as possibilidades de impetração do mandado de segurança contra ato judicial ficam, pois, restritas aos casos em que não houver recurso adequado ou, como vinha sendo reiterado pela jurisprudência, para dar efeito suspensivo ao recurso quando a este não fosse dado tal efeito. Em não havendo recurso adequado para combater a ilegalidade praticada por autoridade judicial (e sendo a correição ineficaz pela natureza da situação), cabe a impetração para fazer valer o direito líquido e certo do coagido. 49 BRASIL. Lei 12.016, de 07 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília-DF, 10 ago. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12016.htm>. Acesso em 16 ago. 2009. 50 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 267. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 31 out. 2009. 22 II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; Se os efeitos do ato danoso podem ser sustados por meio de recurso administrativo com efeito suspensivo (ou da atribuição desse feito), adia-se a possibilidade de impetração do mandamus para depois da decisão administrativa, pois, se favorável ao interessado, suprirá os efeitos do ato, desaparecendo por essa razão o fato violador que a ensejaria. 51 Impende destacar que o STF está abrandando os efeitos da súmula 267, passando a admitir o mandamus, excepcionalmente, mesmo havendo recurso previsto em lei, se este não possuir efeito suspensivo e restar comprovada a existência de uma ilegalidade. O mandado de segurança pode conceder efeito suspensivo a recurso, desde que haja dano irreparável, fumus boni juris e periculum in mora. III - de decisão judicial transitada em julgado. Se a parte esgotou as vias processuais disponíveis, tendo manejado ou não os recursos admissíveis, incabível será o mandado de segurança. O trânsito em julgado, material ou formal, impede seu uso, independentemente do vício que a sentença ou acórdão possa conter. O Tribunal Superior do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal firmaram o mesmo entendimento com relação ao não-cabimento do mandado de segurança em face de decisão judicial transitada em julgado, devendo ser utilizada para tanto a ação rescisória, conforme se comprova pela redação das súmulas 33 do TST52, 268 do STF53 e OJ-99 do SDI-II (TST)54. Vejamos: 51 ARAÚJO. Edmir Netto de. Mandado de segurança e autoridade coatora. São Paulo, LTr, 2000. p. 40. 52 BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 33. Disponível em: <www.tst.gov.br>. Acesso em: 31 out. 2009. 53 BRASÍLIA. Superior Tribunal Federal. Súmula nº 268. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 31 out. 2009. 23 Súmula 33, TST. MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. Não cabe mandado de segurança de decisão judicial transitada em julgado. Súmula 268, STF. NÃO CABE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. OJ-99, SDI-II (TST). Mandado de segurança. Esgotamento de todas as vias processuais disponíveis. Trânsito em julgado formal. Descabimento. Esgotadas as vias recursais existentes, não cabe mandado de segurança. No caso do trânsito em julgado formal, será possível o interessado valer-se, novamente, da mesma ação (CPC, art. 268). Havendo, porém, trânsito em julgado material, sua desconstituição somente será possível pela via da ação rescisória (CPC, art. 485). Não se submete ao controle pela via do mandado de segurança, ainda, o ato administrativo disciplinar, salvo quando praticado por autoridade incompetente ou com inobservância de formalidade essencial. Com relação à lei em tese, dispõe a Súmula 26655 do SFT: Súmula 266, SFT. NÃO CABE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE. A lei possui um caráter geral e contém em si uma norma abstrata de conduta. Sua simples existência, portanto, não é capaz (como regra) de ameaçar ou lesar direito das pessoas, pois não possui operatividade imediata, sendo necessário, para a sua individualização, a expedição de ato administrativo. Daí a razão de a lei em tese não ser passível de impugnação via mandado de segurança, uma vez que não se faz presente o interesse de agir sob a vertente da necessidade. 56 54 BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. SBDI-1. Orientação Jurisprudencial nº 99. Disponível em: <www.tst.gov.br>. Acesso em: 31 out. 2009. 55 BRASÍLIA. Tribunal Tribunal Federal. Súmula nº 266. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 31 out. 2009 56 ARAÚJO. Edmir Netto de. Mandado de segurança e autoridade coatora. São Paulo, LTr, 2000. p. 55. 24 Por fim, o mandado de segurança não cabe na execução quando for possível a interposição de recursos ou embargos de terceiro, inclusive, tem este efeito suspensivo, conforme art. 1.052 do Código de Processo Civil. 25 CAPÍTULO 2 DO PROCESSAMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA 2.1 DA PETIÇÃO INICIAL E LIMINAR A petição inicial é a peça da maior importância no processo. É por meio dela que o impetrante materializa a sua pretensão, servindo de base, portanto, à sentença. A petição do mandado de segurança terá de ser subscrita por advogado e deverá preencher os requisitos objetivos prescritos no art. 282 do CPC. São eles: a) Indicação do juiz ou tribunal a que é dirigida. Esse requisito está intimamente ligado à competência; b) Os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu.57 No mandado se segurança, ao invés de autor e réu, utiliza-se as denominações impetrante e impetrado; c) Os fatos. São as causas que motivaram o impetrante a postular a tutela judicial; d) Os fundamentos jurídicos do pedido. São os motivos pelos quais o impetrante entende que o ato impugnado é abusivo ou ilegal; e) O pedido, com suas especificações. Nesta fase, o impetrante pede uma providência mandamental (pedido imediato) dirigida à autoridade coatora, que impeça a concretização da ameaça ou repare a violação do direito; f) O valor da causa. Como qualquer outra ação, ao mandado de segurança deve ser atribuído um valor58; 57 Toda demanda contém duas posições fundamentais – autor e réu – e a essa regra não foge o mandado de segurança, como forma de que é de exercício do direito de ação (BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 166) 58 Em sentido contrário, o art. 840 da CLT não alude a valor da causa. Logo, não é ele requisito essencial da petição inicial do mandado de segurança ajuizado perante o foro trabalhista 26 g) As provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados. Sendo o mandado de segurança uma ação de cunho meramente documental, este requisito passa a ser dispensável; h) Requerimento para a citação do réu. Esse requisito deve ser interpretado de acordo com o art. 7º, I, da Lei nº. 12.016/2009. Daí porque o impetrante não pedirá a citação do réu, mas a notificação da autoridade coatora. Esse ato, por si só, representaa citação do réu59. A respeito do problema do CPC – Código de Processo Civil, quanto aos pressupostos processuais, as condições e o exame do mérito tem-se que, nos termos do art. 5º da LXIX da CRFB/88, o mandado de segurança deve observar: a) a existência de ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou agente; b) ocorrência de direito subjetivo líquido e certo violado ou ameaçado. Todavia, além desses requisitos, devem no mandado de segurança estar presentes as três condições da ação previstas na lei adjetiva civil: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade ad causam (titularidade para a ação). Em caso de urgência, é permitida a impetração por telegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada, podendo a notificação ser feita da mesma forma (art. 4º da Lei nº 12.016/2009). Ao despachar à inicial, o juiz ordenará a notificação da autoridade coatora; à ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada e que seja suspenso o ato que deu ensejo ao pedido, se presente os requisitos legais; indeferirá a petição, se não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum requisito ou for inepta (art. 7º da Lei nº (BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Mandado de segurança no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 58). 59 A omissão da lei quanto à citação separada à pessoa jurídica de direito público não deve ser entendida como erro, mas sim como vontade de simplificar o processo, a fim de torná-lo mais rápido. Acresce, ainda, que a lei pode perfeitamente alterar a forma tradicional de citação, suprimindo o mandado e substituindo-o por ofício, meio mais moderno, de mais fácil confecção; e pensamos que a lei fez realmente essa modificação por amor à celeridade. Da mesma forma, entendemos que a lei pode determinar a citação a quem ache adequado, colocando essa pessoa como representante judicial da entidade pública interessada (BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 219). 27 12.016/51 e 296 do CPC). Em caso de indeferimento da inicial, a autoridade coatora não é notificada. 60 Ressalta-se que somente a falta dos requisitos de admissibilidade (pressupostos processuais, condições da ação, presença de ato de autoridade, existência de direito líquido e certo e impetração no prazo legal) é que permite o indeferimento liminar da petição inicial, ressalvada a possibilidade de saneamento desta. 61 O novo regime instituído pela Lei nº. 8.952/94 permite ao juiz, quando houver indeferimento da inicial, que se retrate, reformando a sentença. As informações serão prestadas pela própria autoridade no prazo de 10 dias (art. 7º, inciso I, da Lei do Mandado de Segurança, aonde poderão ser alegadas todas as defesas possíveis, ou seja, nesta oportunidade poderá o impetrado esclarecer minuciosamente os fatos e o direito em que se baseou o ato impugnado, podendo oferecer prova documental, além da prova pericial anteriormente realizada). Se houver indicação errônea da autoridade coatora, entende a corrente majoritária da doutrina e jurisprudência que deve o processo ser extinto de acordo com o estatuído no art. 267, VI, do Código de Processo Civil. O recurso será interposto pelo representante judicial da entidade apontada como coatora e não pela autoridade administrativa violadora do direito liquido e certo, a não ser que, por interesse próprio e para salvaguardar direitos (pode vir a sofrer ação regressiva ou sanção penal), constitua advogado para interpor recurso. 60 GIGLIO. Wagner D. Direito processual do trabalho. 15. ed. rev. e atual.conforme a EC n. 45/2004. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 330. 61 BEBBER, Júlio César. Mandado de segurança: habeas corpus, habeas data na Justiça do trabalho. p. 87. 28 É inadmissível o efeito da revelia em sede de mandado de segurança. De fato, se faltarem às informações, aplica-se o disposto no art. 320, inciso I, do CPC e não o artigo 319 do mesmo diploma legal. Como o mandado de segurança supõe direito líquido e certo, a prova é sempre pré-constituída e documental. Por ter como requisito a incontestabilidade (senão não se poderia falar em direito líquido e certo), não cabe incidente de falsidade em sede de mandado de segurança. A instrução probatória só cabe quando o impetrante pedir exibição de atos, nos termos do estabelecido no art. 7º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009, que se dá nas situações em que o estabelecimento dos fatos é apurável mediante requisição do juízo, a pedido ou não da parte, de documentos e peças existentes em órgãos públicos. Discussão há na doutrina quanto à natureza das informações, ou seja, se ela tem natureza jurídica de contestação, cuja ausência importaria em revelia. Comunga-se do mesmo entendimento de Leyser62 que leciona que: (...) a autoridade coatora é mera informante, cabendo a contestação à pessoa jurídica de direito público. Considerando que as informações não representam contestação, a autoridade coatora deverá se limitar a informar sobre o ato impugnado, não podendo praticar atos de disponibilidade, como a confissão ou reconhecimento jurídico do pedido. No mandado de segurança, a falta de apresentação de defesa por parte da pessoa jurídica de direito público não enseja revelia, nem seus correspondentes efeitos, porque cabe ao impetrante fazer prova da liquidez e certeza do direito mediante prova documental pré-constituída. 62 LEYSER, Maria de Fátima Vaquero Ramalho. Mandado de Segurança Individual e Coletivo. São Paulo: WVC Editora, 2002, p. 81. 29 Além do litisconsórcio, que é expressamente previsto na Lei do Mandado de Segurança (art. 24), a doutrina admite ainda em sede de writ of mandamus63 a assistência simples e a litisconsorcial, bem como o recurso de terceiro prejudicado. Tanto a CRFB/88 como todas as que a antecederam, jamais distinguiram a medida liminar em sede de mandado de segurança. Todavia, a sua previsão está inserida no art. 7º, inciso III da Lei nº 12.016/2009 que a indica como suspensão antecipada do ato lesivo da autoridade diante da relevância do fundamento do pedido e da possibilidade de vir a se tornar sem efeito prático a segurança se ela não for previamente assegurada. Ademais, fica facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. A medida liminar deve ser vista como procedimento acautelador do direito do impetrante, que se justifica pela iminência de dano irreparável e irreversível no plano patrimonial, moral ou funcional. Ela é uma garantia quanto ao não perecimento do direito líquido e certo até a decisão transitada em julgado. Segundo Meirelles64: A medida liminar não é concedida como uma antecipação dos efeitos da sentença final. A decisão final pode, inclusive, ser oposta aos fundamentos da medida liminar. Daí surge o significado da não antecipação dos efeitos. A liminar não provém de questão de mera liberalidade do Poder Judiciário; ela é, primordialmente, uma medida acautelatória do direito de quem impetra o “writ”. 63 Os termos significam “ordenamos” (“we command”) ou “queremos ser informados” (“we wish to be informed”). O significado abrange a determinação superior que deve ser cumprida em instância inferior ou por autoridade pública ou privada, visando à realização do que, de direito, está obrigado a fazer.A expressão refere-se a uma ordem judicial, com significado semelhante ao de mandado de segurança, mas não de igual conceito. O mandado é o nome de uma ação, enquanto o writ of mandamus é o termo dado à ordem judicial. A semelhança de sentido está em que ambos (mandado de segurança e writ of mandamus) não se aplicam a esferas discricionárias de poder. Por seu caráter excepcional, o mandamus dificulta a celeridade das decisões judiciais, por isso, no Brasil, o mandado de segurança tem ação bem mais recorrentemente empregada (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Glossário CNJ. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_glossary&task=list&glossid=2&letter=M>.Acesso em: 31 out. 2009). 64 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”. São Paulo, Malheiros, 1999, p. 71. 30 A liminar garante, por meio de sua inserção na ação constitucional, a segurança ansiada pelo impetrante, o que conseqüentemente gera o cumprimento de sua utilidade para com o mesmo. O caráter autônomo da medida liminar assenta-se na prerrogativa de que o juiz não está vinculado em mantê-la no mundo jurídico gerando seus efeitos. A decisão final pode ser dada em sentido oposto à liminar. Há casos e situações nas quais ao magistrado é facultada a opção de cassação da mesma, conforme suas convicções entendendo ele que tal medida já não mais se mostra necessária à conservação de um direito. Na análise profunda, nota-se, portanto, a precariedade que circunda a liminar. A medida não é absoluta, imutável; a instabilidade demonstra que a segurança não está garantida, o que há de fato é uma prevenção à uma situação cujo risco pode lesionar irremediavelmente o direito líquido e certo da pessoa. O professor Barbi65 também ressalta a função da medida liminar que seria a de evitar danos possíveis causados pela demora natural do processo. Para o jurista, o juiz ao ordenar a suspensão do ato coator: (..) terá antecipado em caráter provisório, a providência que caberia à sentença final, e isso para evitar o dano que decorreria da natural demora na instrução do processo Incontestável, portanto, se mostra a função da medida de caráter acautelatório, que é senão a prévia proteção de um direito de maneira a evitar o seu perecimento precoce até que seja dada pelo Juízo competente a decisão final sobre a lide. Assim, concedida a liminar, sobrestando os efeitos do ato, não implicará julgamento prévio ou mesmo definitivo do próprio ato. Para a concessão dessa liminar devem estar presentes dois requisitos legais, ou seja, a relevância dos motivos em que se assenta o pedido da inicial e a possibilidade da ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante, se vier ser reconhecido na decisão de mérito – fumus boni iuris e periculum in mora. 65 BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 200. 31 Todavia, sobre o tema, adverte Meirelles66: A medida liminar não é concedida como antecipação dos efeitos da sentença final, é procedimento acautelador do possível direito do impetrante, justificado pela iminência de dano irreversível da ordem patrimonial, funcional ou moral se mantido o ato coator até a apreciação definitiva da causa. Portanto, a liminar não é antecipação de decisão, mas medida inicial para prevenir a frustração da decisão final e a inocuidade da atividade e conseqüente prestação jurisdicional. É medida típica de cautela, sem caráter satisfatório. É medida preventiva de caráter meramente acautelatório. A concessão de liminar é ato vinculado, ou seja, ao apreciar o pedido o magistrado verifica se estão presentes os seus pressupostos. Se presentes, deve concedê-la; se ausentes, tem a obrigação de negá-la. Não há que se perquirir se convém concedê-la ou não, pois não há liberdade que diversifique sua posição em relação ao direito estabelecido. Figueiredo67, muito bem acentua que a liminar não se coloca ao prudente arbítrio do Juiz. Segundo ela: A concessão da liminar exsurgirá da situação posta ao magistrado. Presentes seus pressupostos, tais sejam, relevância do fundamento e perigo da demora e sua inocuidade se concedida a ordem a final, o magistrado só dispõe de uma possibilidade: concedê-la. Por isso, a medida não está vinculada ao arbítrio do juiz, mas sim ao seu amplo conhecimento da intensidade dos valores albergados no ordenamento jurídico. Os pressupostos específicos do mandado de segurança são a não ocorrência do período preclusivo de 120 (cento e vinte) dias da edição do ato; a existência de ato comissivo ou omissivo da autoridade e a inexistência de restrições do artigo 5º da Lei nº. 12.016/2009. 66 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”. São Paulo, Malheiros, 1999, p. 15. 67 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Mandado de segurança. 4ª Ed. São Paulo: Maleiros, 2002, p. 130. 32 Após verificados a existência desses pressupostos, deve o Juiz verificar se também estão presentes as condições da ação. Somente após a identificação preambular de desenvolvimento válido e regular do processo (art. 267, inciso IV, do CPC), é que o juiz irá apreciar o deferimento ou não do pedido liminar. Uma vez cassada ou cessada sua eficácia, voltam às coisas ao statu quo ante. Assim sendo, o direito do Poder Público fica restabelecido in totum para a execução do ato e de seus consectários, desde a data da liminar. Nesse sentido, prescreve a Súmula nº. 405 do STF68: Súmula STF nº. 405. Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária. De acordo com o art. 1º, alínea b, da Lei nº. 3.348/1964 cessam os efeitos da medida liminar após 90 dias contados da data da respectiva concessão, sendo esse prazo prorrogável por mais 30 dias quando o Juiz justificar a impossibilidade de julgar o mérito nesse prazo em razão do acúmulo de serviço. Nossa realidade nos mostra que raramente a sentença de mérito ocorre dentro do prazo de vigência legal da liminar, o que de forma alguma tem gerado a caducidade da vigência initio litis nos tribunais pátrios, o que, de fato, se mostra justo, já que a parte não pode ser prejudicada pela morosidade do Poder Judiciário. Assim, vencido o prazo regular de 90 (noventa) dias, a liminar valerá por mais 30 (trinta) dias ou pelo prazo que demorar o juiz para julgar a segurança. Se o mandado de segurança for impetrado em primeira instância, do despacho do Juiz que indeferir o mandamus caberá apelação. Já para os mandados de segurança impetrados perante os Tribunais, do despacho do relator no mesmo sentido caberá agravo regimental. 68 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 405. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 31 out. 2009 33 Quanto à exigência de depósito ou caução para a concessão de liminar em mandado de segurança, o inciso III, art. 7º da Lei nº. 12.016/2009 é realmente um divisor de águas, pois o que antes tratava-se de uma ação constitucional, que permitia de fato a todos exercerem os seus direitos e perquirirem por eles quando violados, agora passa a ser um instrumento que somente poderá ser usado por aqueles que tiverem condições financeiras de efetuarem depósito, caução ou fiança, conforme determinação judicial. Todavia, a doutrina já havia se consolidado no sentido de entender ser ela apenas cabível em situações especialíssimas, quando o deferimento da
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