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Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Travessa do Ouvidor, 11 – Térreo e 6º andar – 20040-040 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 3543-0770 – Fax: (21) 3543-0896 faleconosco@grupogen.com.br | www.grupogen.com.br O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98). Capa: Danilo Oliveira Produção digital: Ozone Fechamento desta edição: 04.09.2018 CIP – BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE. SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. T289L Theodoro Júnior, Humberto Lei do Mandado de Segurança comentada: artigo por artigo / Humberto Theodoro Júnior. – [2. ed.]. – Rio de Janeiro : Forense, 2019. Inclui bibliografia ISBN 978-85-309-8264-5 1. Brasil. [Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009]. 2. Mandado de segurança – Brasil. I. Título. 18-51112 CDU: 347.951(81) Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária CRB-7/6439 mailto:faleconosco@grupogen.com.br http://www.grupogen.com.br APRESENTAÇÃO Quando adveio a Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, publicamos um estudo sobre o mandado de segurança renovado, cujo objetivo não foi o de produzir um ensaio amplo e exaustivo sobre a ação constitucional, mas apenas cotejar as novas regras com as revogadas, a fim de clarear os rumos que o importantíssimo instituto processual assumira. Nosso propósito, então, não era mais do que facilitar, na aplicação prática, a compreensão do novo ordenamento instrumentalizador de uma das mais relevantes garantias fundamentais, no plano dos direitos do homem, em nosso moderno Estado Democrático de Direito. Já no quinto ano de vigência do diploma normativo, o panorama jurisprudencial e doutrinário se alargou com as luzes do impacto da lei com as exigências do quotidiano, numa aplicação legal recorrente e rica de variações, que só os casos concretos são capazes de fomentar. É nessa quadra que nos sentimos atraídos pelo projeto de voltar à análise do mandado de segurança, por meio de comentários mais detidos, artigo por artigo, da Lei nº 12.016/2009, já então com os olhos voltados para uma perspectiva exegética mais aprofundada sobre o papel do writ constitucional em causa. Desafiaram-nos as posições não uniformizadas que insistem em manter polêmicas, tanto nos tribunais como na literatura doutrinária, em torno de questões, às vezes, de grande relevância; outras vezes, fruto de puro academicismo. Duas grandes premissas presidiram os comentários ora divulgados: (a) a necessidade de abordar o instituto sempre valorizando seu papel e seus fundamentos na ordem constitucional; e (b) o reconhecimento de que o direito como um todo e, particularmente, o direito processual exigem do jurista e do aplicador contemporâneos uma análise cada vez menos estrutural e conceitual, e que se ocupe cada vez mais da funcionalidade dos institutos normativos. Ou seja, o que hoje se impõe – na lição de Norberto Bobbio – não é apenas saber como o direito é feito, mas, sobretudo, saber para que serve o direito, operação que quebra o isolamento da ciência jurídica e força sua maior aproximação com outras ciências sociais. Tudo isto em uma tentativa de promover maior aderência social à estruturação jurídica, a partir de uma análise funcional do direito1. Os presentes comentários, em síntese, procuram colocar sempre em primeiro plano exegético a supremacia da ordem constitucional em tudo que se relacione com a interpretação e aplicação da disciplina do mandado de segurança. E, na ordem prática procedimental, o critério invariavelmente valorizado é o funcional, consistente em escolher, entre os entendimentos conflituosos, aquele que se aproxime, de maneira mais útil e adequada, da função que a Constituição atribui ao remédio jurídico em causa. Nunca nos passou pela cabeça dar uma palavra final sobre qualquer dos institutos que a legislação do mandado de segurança regula e que ainda ensejam dissídio entre os doutos. Nosso 1 propósito não foi além do esforço de apenas contribuir com modestos adminículos para o prosseguimento do debate instalado, sugerindo a avaliação de alguns enfoques ainda não de todo exauridos, seja no campo pretoriano, seja no doutrinário. O Autor Junho/2014 BOBBIO, Norberto. Dalla strutura alla funzione: nuovi studi di teoria del dirito. Bari: Editori Laterza, 2007, p. 48-54. APRESENTAÇÃO DA 2ª EDIÇÃO O mandado de segurança é, a um só tempo, uma garantia fundamental contra o exercício abusivo do poder pelas autoridades públicas e um remédio processual estruturado para dar realidade, efetividade e eficiência à tutela engendrada constitucionalmente entre os Direitos do Homem. Pela infinidade de situações conflituosas que, no concreto da convivência entre as pessoas e a Administração Pública, não cessam de acontecer, cada vez com mais diversa roupagem fático- jurídica, a doutrina e principalmente a jurisprudência se veem na contingência de construir e reconstruir teses adequadas à almejada função do mandamus. Daí o propósito da presente reedição destes comentários à Lei do Mandado de Segurança, focado sobretudo nas questões que, nos últimos tempos, agitaram os tribunais, envolvendo a aplicação do importantíssimo instituto constitucional. No plano legislativo, apenas uma alteração se registrou no texto da Lei nº 12.016/2009, e se ocupou de melhorar a disciplina da defesa oral nos julgamentos de mandado de segurança nos tribunais, tema que vinha ensejando sérias divergências. A novidade normativa introduzida pela recente Lei nº 13.676/2018 foi objeto de abordagem nos novos comentários ao caput do art. 16 da Lei do Mandado de Segurança. O Autor Setembro/2018 Material Suplementar Para acessar o material suplementar entre em contato conosco através do e-mail (gendigital@grupogen.com.br). mailto:gendigital@grupogen.com.br 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 8.1. 8.2. 8.3. 8.4. 8.5. 9. 9.1. 9.2. 9.3. 10. ÍNDICE SISTEMÁTICO PARTE I NOÇÕES GERAIS Capítulo I HISTÓRICO DO MANDADO DE SEGURANÇA Antecedentes O mandado de segurança no regime constitucional Direitos e garantias fundamentais Tutela jurisdicional aos direitos fundamentais Natureza da ação de mandado de segurança A elevada importância do mandado de segurança no plano das garantias constitucionais PARTE II COMENTÁRIOS À LEI Nº 12.016/2009, ARTIGO POR ARTIGO Capítulo II TUTELA PARA AS VÍTIMAS DE ILEGALIDADE E ABUSO DE PODER POR ATO DE AGENTE PÚBLICO Introdução Conceito legal Princípio da legalidade e submissão do Poder Público ao controle judicial Ilegalidade e abuso de poder Injuridicidade no plano do procedimento Cabimento do mandado de segurança em caso de ato administrativo praticado com desrespeito à garantia do contraditórioe ampla defesa Mandado de segurança e a teoria do fato consumado Mandado de segurança repressivo e mandado de segurança preventivo Mandado de segurança preventivo e lei em tese Mandado de segurança preventivo em matéria tributária Mandado de segurança contra ato normativo de efeito concreto Sumariedade do procedimento 10.1. 11. 12. 12.1. 12.2. 12.3. 12.4. 12.5. 12.6. 13. 14. 15. 15.1. 16. 17. 17.1. 18. 18.1. 18.2. 18.3. 18.4. 18.5. 18.6. 18.7. 18.8. 18.9. 18.10. 19. 20. 21. 21.1. 21.2. Razão de ser da sumariedade do mandado de segurança Natureza mandamental da ação Pressupostos processuais e condições da ação: noções gerais Pressupostos processuais e condições da ação em mandado de segurança Pressuposto especial do mandado de segurança: direito líquido e certo O direito líquido e certo é condição da ação ou mérito do mandado de segurança? Momento da avaliação do direito líquido e certo O direito líquido e certo e o concurso público A jurisprudência do STF Mandado de segurança contra ato omissivo Livre disponibilidade da tutela mandamental Competência para o mandado de segurança Regras legais sobre a competência para o mandado de segurança Mandado de segurança em matéria penal O mérito da ação de mandado de segurança Julgamento do mérito e lei superveniente Partes na ação de mandado de segurança Legitimação ativa Legitimação ordinária Legitimação extraordinária para o mandado de segurança Direito comum a diversos titulares Legitimação passiva Autoridade coatora Pessoa jurídica interessada Legitimidade recursal Caracterização de autoridade Erro na nomeação da autoridade coatora Equiparações legais de autoridade coatora Mandado de segurança contra ato de colegiado Sociedades de economia mista e empresas públicas Atos de gestão comercial Concessionários e permissionários 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 29.1. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. Assistência e intervenção de terceiro Intervenção de amicus curiae no mandado de segurança Intervenção da União em mandados de segurança em que figurem, como par tes, entidades da Administração Pública Federal indireta (Lei nº 9.469) Capítulo III AUTORIDADE COATORA FEDERAL A autoridade coatora federal. Competência da Justiça Federal Autoridade coatora em geral e autoridade coatora federal Ausência de efeitos patrimoniais para a União A jurisprudência sobre os concessionários de serviço público federal e a com petência para o mandado de segurança Uma ponderação de ordem constitucional sobre a regra do art. 2º da Lei do Mandado de Segurança e a garantia do “juiz natural” Corolário da tese jurisprudencial relativa a segurança contra ato de con cessionária de serviço público federal Situações de conflito em torno da competência da Justiça Federal Capítulo IV SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL Legitimação de terceiro interessado: substituição processual Outro caso de legitimação extraordinária (parcial) Requisitos da substituição processual Notificação do legitimado originário O prazo da notificação e o prazo de decadência da ação mandamental Capítulo V MANDADO DE SEGURANÇA EM REGIME DE URGÊNCIA Impetração do mandado de segurança por meio eletrônico Notificação e intimação por meio eletrônico Capítulo VI RESTRIÇÕES AO CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA Restrições de origem constitucional Ato praticado em processo administrativo 40. 41. 42. 43. 44. 45. 45.1. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 57.1. 57.2. 57.3. 58. 58.1. 58.2. 59. 60. Mandado de segurança contra decisão judicial Ato judicial omissivo Decisão judicial transitada em julgado O esvaziamento do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial Prazo para impetração da segurança contra ato judicial: ato jurisdicional e ato administrativo do Poder Judiciário Julgados dos Juizados Especiais Mandado de segurança contra decisão interlocutória nos Juizados Especiais O problema da competência para processar o mandado de segurança contra decisões dos Juizados Especiais Mandado de segurança do terceiro prejudicado por decisão judicial Mandado de segurança contra órgão fracionário de tribunal Ato disciplinar Atos “interna corporis” Capítulo VII A PROPOSITURA DO MANDADO DE SEGURANÇA A importância da petição inicial Petição inicial defeituosa ou incompleta A petição inicial e seus requisitos Os requisitos da inicial e as características do mandado de segurança Alguns detalhes da petição inicial do mandado de segurança: o sujeito passivo da ação Inexistência de litisconsórcio entre coator e pessoa jurídica interessada Autoridade coatora, na concepção legal Correção da nomeação equivocada da autoridade coatora Autoridade coatora e a teoria da encampação Autoridade coatora, nos casos das equiparações do § 1º, do art. 1º, da Lei nº 12.016 Especificação das provas a produzir. Exibição de documentos em poder do coator ou de terceiro Documentos indispensáveis à instrução da petição inicial Instrumento do mandato do advogado do impetrante Petição inicial por meio eletrônico Os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido 61. 61.1. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 71.1. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 80.1. 81. 82. 83. 84. O pedido Descabimento de pedido que transforme o mandado de segurança em ação de cobrança Valor da causa Denegação do mandado de segurança, sem resolução do mérito Renovação do pedido de mandado de segurança Desistência do mandado de segurança Capítulo VIII DESPACHO DA PETIÇÃO INICIAL O procedimento sumário do mandado de segurança A natureza da notificação da autoridade coatora As informações requisitadas da autoridade coatora A ciência da pessoa jurídica interessada Cientificação no caso de organismo autônomo não personalizado Tutela antecipada: suspensão liminar do ato impugnado A importância da tutela de segurança alcançável por meio da liminar Requisitos da liminar do mandado de segurança Momento processual da liminar O caráter mandamental e não discricionário da medida liminar Dimensões da liminar Direito à liminar e exigência de caução Duração dos efeitos da liminar Recurso contra a decisão relativa à liminar do mandado de segurança Vedações à liminar Limite temporal dos efeitos da liminar: inexistência Tramitação preferencial do mandado de segurança O mandado de segurança e o Código de Processo Civil Capítulo IX PEREMPÇÃO OU CADUCIDADE DA LIMINAR Revogação e cassação da liminar Revogação tácita Perempção ou decadência da liminar 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. Capítulo X PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS Medidas Administrativas preparatórias da defesa da pessoa jurídica Providência administrativa a cargo da autoridade coatora Prazo para a manifestação da pessoa jurídica interessada nos autos Representação judicial da pessoa jurídica afetada pelo mandado de segurança Capítulo XI INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL Indeferimento da petição inicial Recurso contra o indeferimento da petição inicial Litisconsórcio ativo superveniente Capítulo XII DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DOS ATOS DE COMUNICAÇÃO PROCESSUAL Documentação processual da notificação da autoridade coatora e da citação Capítulo XIII MINISTÉRIO PÚBLICO Participação do Ministério Público O Ministério Público como impetrante do mandado de segurança O representante do Ministério Público como autoridade coatora Capítulo XIV EXECUÇÃO DA SENTENÇA Autoexecutividade da sentença do mandado de segurança A forma de comunicação e cumprimento do mandado de segurança Cumprimento da sentença que defere o mandado de segurança Alguns expedientes utilizáveis para conferir efetividade ao cumprimento da sentença do mandado de segurança Capítulo XV RECURSOS O sistema recursal da Lei do Mandado de Segurança Apelação contra a sentença do mandado de segurança 101.1. 101.2. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111. 112. 113. 114. 115. 116. 117. 118. 119. 120. 121. 122. Atribuição excepcional de efeito suspensivo à apelação Prazo para interposição da apelação Duplo grau de jurisdição necessário Recurso da autoridadecoatora Execução imediata (provisória) da sentença do mandado de segurança Efeito da sentença denegatória da segurança Verbas remuneratórias de servidores públicos reclamáveis por meio de mandado de segurança Recursos particulares ilegalmente apropriados pela Administração Capítulo XVI SUSPENSÃO DA SEGURANÇA Suspensão cautelar da segurança Natureza jurídica Cabimento do incidente Legitimidade para promover o incidente Competência Procedimento Oportunidade e eficácia do incidente Reiteração do pleito e agravo interno Recurso contra a decisão do pedido de suspensão da segurança Expansão dos efeitos da suspensão a outros processos Capítulo XVII MANDADO DE SEGURANÇA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS Mandado de segurança de competência originária de Tribunal Sustentação oral Recorribilidade da decisão do relator sobre a liminar do mandado de segurança O agravo interno Capítulo XVIII NOTAS TAQUIGRÁFICAS DAS SESSÕES DE JULGAMENTO Substituição do acórdão pelas notas taquigráficas Capítulo XIX 123. 124. 125. 126. 127. 128. 129. 130. 131. 132. 133. 134. 135. 136. 137. 138. 139. 140. 141. 141.1. 141.2. 141.3. RECURSOS EM MANDADO DE SEGURANÇA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS Sistema recursal aplicável ao mandado de segurança Recursos para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça Recurso ordinário Conceito de denegação da segurança Prazo do recurso ordinário e reexame necessário Julgamento do recurso ordinário Capítulo XX MANDADO DE SEGURANÇA E AÇÃO COMUM A sentença do mandado de segurança Coisa julgada formal e material em mandado de segurança Coisa julgada formal em mandado de segurança Rescindibilidade da sentença no mandado de segurança Coisa julgada e relações jurídicas continuativas Capítulo XXI TRAMITAÇÃO PRIORITÁRIA DO MANDADO DE SEGURANÇA Processamento em caráter preferencial do mandado de segurança Procedimento célere nos tribunais Capítulo XXII MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO O mandado de segurança como instrumento de tutela coletiva A tutela coletiva e a substituição processual Direitos difusos, direitos coletivos e direitos individuais homogêneos Mandado de segurança e ação civil pública Requisitos do mandado de segurança coletivo Direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo Identificação dos direitos sob tutela do mandado coletivo Direitos defendidos pelo mandado de segurança coletivo: os controvertidos “direitos difusos” Da pequena relevância da tese que insiste em estender o mandado de segurança coletivo 141.4. 141.5. 141.6. 142. 142.1. 142.2. 143. 144. 144.1. 145. 146. 147. 148. 149. 150. 151. 152. 153. 154. 155. 156. 157. 157.1. 158. 159. aos direitos difusos A defesa dos direitos difusos por meio do mandado de segurança coletivo Impossibilidade prática de isolar os direitos coletivos dos direitos difusos Mandado coletivo e direitos difusos: um falso problema Partidos políticos Os partidos políticos e sua destinação institucional Alguns problemas da legitimação dos partidos políticos, após a Lei nº 12.016/2009 Organização sindical e entidade de classe Associações Relação dos associados da entidade impetrante Pessoas jurídicas de direito público Legitimação do Ministério Público para o mandado de segurança coletivo Legitimação passiva do mandado de segurança coletivo Competência O procedimento do mandado de segurança coletivo Capítulo XXIII COISA JULGADA E LITISPENDÊNCIA EM MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO O regime da coisa julgada nas ações coletivas, anteriores ao mandado de segurança coletivo O regime da coisa julgada nas ações de mandado de segurança coletivo Substituição processual e coisa julgada no mandado de segurança coletivo: uma última palavra Inocorrência de litispendência entre mandado de segurança coletivo e as ações individuais Desistência do mandado de segurança individual Restrições à liminar no mandado de segurança coletivo Particularidades da sentença do mandado de segurança coletivo Capítulo XXIV DECADÊNCIA DO DIREITO AO MANDADO DE SEGURANÇA Prazo para impetrar o mandado de segurança Justificativa constitucional do prazo decadencial estabelecido para o mandado de segurança Natureza do prazo para impetração do mandado de segurança Contagem do prazo decadencial da segurança 160. 161. 162. 163. 164. 165. 166. 167. 168. 169. 170. 171. 172. 173. 174. 175. 176. Algumas situações particulares, em tema do prazo decadencial aplicável ao mandado de segurança Capítulo XXV LITISCONSÓRCIO Litisconsórcio no mandado de segurança Litisconsórcio passivo Casos de litisconsórcio passivo necessário Litisconsórcio ativo Litisconsórcio ativo superveniente Assistência no mandado de segurança Capítulo XXVI EMBARGOS INFRINGENTES E SUCUMBÊNCIA Os embargos infringentes e o mandado de segurança Honorários de advogado e encargos sucumbenciais Litigância de má-fé Capítulo XXVII DESCUMPRIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA O cumprimento do mandado de segurança Responsabilidade penal da autoridade coatora: crime de desobediência Crime de responsabilidade e sanções administrativas Outras sanções Capítulo XXVIII DISPOSIÇÕES FINAIS Reflexos da Lei do Mandado de Segurança A vigência da Lei nº 12.016/2009 e o direito intertemporal Leis revogadas BIBLIOGRAFIA Parte I NOÇÕES GERAIS 1. Capítulo I HISTÓRICO DO MANDADO DE SEGURANÇA ANTECEDENTES No Império e nos primórdios da República, salvo no tocante à liberdade de locomoção, o direito brasileiro não dispunha de remédio jurisdicional próprio para proteção dos indivíduos em face dos abusos de poder praticados pelos agentes públicos1. Coube a RUI BARBOSA defender o cabimento dos interditos possessórios, pelo caráter expedito de seu procedimento, para propiciar o enfrentamento dos males advindos da ilegalidade cometida pela Administração, em prejuízo dos cidadãos. Recorria o grande jurista à tese da existência de posse não só sobre coisas corpóreas, mas também sobre direitos pessoais. Registra, contudo, CELSO BARBI, que o tradicional conceito de posse impediu que o esforço de aplicar os interditos saísse vitorioso na doutrina e na jurisprudência2. Sem resultados práticos significativos, as Leis nºs 221, de 20.11.1894, e 1939, de 28.08.1908, instituíram a ação com pedido anulatório de ato da administração, aplicável, de início, na esfera da União, e, posteriormente, estendido às autoridades municipais e estaduais. Podem essas leis, no entanto, ser vistas como iniciadoras do movimento legislativo que iria, mais tarde, desaguar na implantação do mandado de segurança3. Conquanto a ação sumária decorrente da Lei nº 221/1894 tenha institucionalizado o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, não logrou obter a pretendida eficácia, porque, segundo ARNOLDO WALD, sua tramitação era muito lenta. De tal sorte que acabou, no dizer de PONTES DE MIRANDA, “desaparecendo da vida jurídica sem que nela se tivesse consolidado”4. Quando, em 1926, GUDESTEU PIRES defendia, na Câmara dos Deputados, seu Projeto de Lei destinado a implantar o mandado de segurança, teve a oportunidade de observar que “a ação sumária especial, criada pela Lei n. 221, de 1894, foi um ensaio no sentido de alargar a defesa dos direitos individuais; no entanto, a natureza desse processo e especialmente a fórmula de seus recursos deram lugar a que a chicana abusasse dos prazos, transformando-lhe o rito sumário em interminável sucessão de defesa e deploráveis delongas”5. Outro antecedente do mandado de segurança, na luta para coibir os abusos administrativos contra os particulares, se deu pela ampliação da doutrina do habeas corpus, ensaiada no sentido de proteger, por seu intermédio, outros direitos individuais além da liberdade de locomoção. Fundava- se a denominada “doutrina brasileira do habeas corpus” no fato de que a Constituição Republicana de 1891 garantia o aludido remédio processual em prol do indivíduo sempre que sofresse ou se 2. achasse na iminência de sofrer violência ou coação “por ilegalidade ou abuso de poder”, sem se limitar, de maneira expressa, ao “direito de ir e vir”.Embora a jurisprudência tenha, sem maior ênfase, acatado eventualmente essa tese, sua sobrevivência foi breve e frágil, porque uma Reforma Constitucional de 1926 interferiu na Carta de 1891 para declarar que o habeas corpus somente se destinava a tutelar o direito de locomoção6. O MANDADO DE SEGURANÇA NO REGIME CONSTITUCIONAL Coube à Constituição de 1934 a criação do mandado de segurança no ordenamento jurídico brasileiro, ao prever que: “Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo de habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa jurídica de direito público interessada. O mandado de segurança não prejudica as ações petitórias competentes” (art. 113, § 33). A Lei nº 191, de 16.01.1936, disciplinou o processo do mandado de segurança, deixando claro que em seu campo de atuação não se incluíam as questões puramente políticas, os atos disciplinares, a liberdade de locomoção e os atos impugnáveis por recurso administrativo, independentemente de caução, fiança ou depósito. A Constituição de 1937 não contemplou, em seu bojo, o mandado de segurança, relegando-o ao plano da legislação ordinária. O Decreto-Lei nº 6, de 16.11.1937, retratando o regime ditatorial então implantado, vedou o mandado de segurança contra atos do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Governadores e interventores. O Código de Processo Civil de 1939 previu, entre os procedimentos especiais, o do mandado de segurança (arts. 319 a 331). O status constitucional do mandado de segurança foi reconquistado por meio da Carta democrática de 1946. A Lei nº 1.533, de 31.12.1951, revogou os dispositivos do CPC, cuidando em disciplina extravagante, de maneira ampla, do regime do mandado de segurança, tanto formal como materialmente. A Lei nº 1.533 vigorou, com algumas alterações pontuais, até 2009, quando adveio a Lei nº 12.016, de 07.08.2009, atualmente em vigor. Nesse meio tempo, surgiu a Constituição de 1967, seguida pela Emenda nº 1, de 1969, restando mantido o caráter constitucional do mandado de segurança restabelecido desde a Carta de 1946. A redemocratização do País, operada pela Constituição de 1988, não alterou esse regime. Os detalhes relevantes relativos ao mandado de segurança, durante esse processo das renovações constitucionais, se situaram nos termos da conceituação do remédio heroico: (i) o art. 3. 141, § 24, da Constituição de 1946, falava em proteção a “direito líquido e certo não amparado por habeas corpus”, excluindo, assim, a antiga exigência de “inconstitucionalidade e de ilegalidade manifestas”, como requisito do mandado de segurança; (ii) a Constituição de 1967 falava em proteção de “direito individual líquido e certo não amparado por habeas corpus” (art. 153, § 21); (iii) a Emenda nº 1, de 1969, excluiu a expressão “individual”, de maneira a restabelecer a conceituação da Carta de 1946; e (iv) a Constituição de 1988 inovou em três aspectos o regime do mandado de segurança: a) permitiu sua impetração também contra atos de agentes de pessoa jurídica privada nas funções do Poder Público (art. 5º, LXIX); b) admitiu a impetração coletiva (art. 5º, LXX), além da individual; e c) reconheceu que a tutela mandamental tanto pode ser invocada para a proteção de direitos individuais como de direitos coletivos (art. 5º, LXIX, c/c o inc. XXXV)7. Depois de quase meio século de vigência da Lei nº 1.533/1951, adveio a Lei nº 12.016, de 07.08.2009, que teve o propósito de unificar a regulamentação do mandado de segurança, levando em conta as diversas inovações legislativas supervenientes, tanto no plano constitucional como no infraconstitucional, bem assim a necessidade de incorporar ao ordenamento jurídico positivo as teses consagradas pela jurisprudência sedimentada em súmulas dos tribunais8. Essa nova lei, então, revogou a Lei nº 1.533 e toda a legislação que, desde a época da Constituição de 1946, vinha regendo o acesso ao mandado de segurança. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS Sem distinguir os que seriam direitos e os que seriam garantias, a Constituição, no art. 5º, proclama e garante a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no País “a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, nos termos dos 78 itens em que o dispositivo se desdobra. Embora seja tecnicamente possível distinguir entre direito e garantia, a Constituição não cuida de fazê-lo no arrolamento dos direitos e garantias fundamentais, certamente porque, na ordem prática, não se chega a efeitos distintos significativos para uns e outros. Com efeito, a quem se outorga um direito, há sempre de garantir o respectivo exercício; e a quem se confere uma garantia, reconhece-se, ipso facto, o direito de usufruí-la. Há, pois, garantia na própria declaração de um direito fundamental, como há direito fundamental na instituição de determinado instrumento garantidor do exercício do direito da espécie9. Adverte, a propósito, JOSÉ AFONSO DA SILVA, que, embora se procure distinguir direitos e garantias a partir das no-ções de declaração e assecuração, não é decisivo, “em face da Constituição, afirmar que os direitos são declaratórios e as garantias assecuratórias, porque as garantias em certa medida são declaradas e, às vezes, se declaram os direitos usando forma assecuratória”10. Os direitos fundamentais, nessa ordem de ideias, são faculdades e prerrogativas que a Constituição reconhece como inerentes à natureza humana, são os clássicos “direitos do homem”, 4. correspondentes aos atributos essenciais de sua individualidade, cujo respeito não pode faltar na convivência social e civilizada11. O direito constitucional moderno, porém, se encarrega não apenas de prever e proclamar os direitos fundamentais do homem, mas também de instituir meios ou instrumentos que lhe assegurem a eficácia, perante os excessos e desmandos praticados, às vezes, pelos detentores do Poder Público12. Dessa maneira, a distinção teórica entre direitos e garantias fundamentais se faz da seguinte forma: (i) “os direitos são bens e vantagens conferidos pela norma”, enquanto (ii) “as garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos, são instrumentos pelos quais se assegura o exercício e o gozo daqueles bens e vantagens”13. São inseparáveis dos direitos a que servem, já que, na qualidade de cláusulas tutelares, só se extinguem quando os próprios direitos protegidos se extinguirem14. TUTELA JURISDICIONAL AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Nos moldes de um Estado Democrático de Direito como o Brasil, a garantia dos direitos fundamentais é realizada por meio da tutela jurisdicional. A Constituição, por isso, ao declarar os direitos fundamentais, faz inserção, no respectivo rol, também dos remédios processuais destinados a protegê-los, de modo a assegurar--lhes a plena eficácia. É assim que, v.ġ., o art. 5º da Constituição prevê ações como o habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção e o mandado de segurança15. Mas, em sua essência e origem, esses remédios não podem se caracterizar como meras ações, que se exaurem dentro dos princípios da teoria geral do processo, “mas sim como garantias constitucionais destinadas a cercear a ilegalidade ou o abuso praticado pelo Poder Público e às vezes por particulares, não podendo ser abolidos ou limitados pelo legislador ordinário, e nem mesmo por emenda constitucional, tendo sua criação e limites impostos pelo próprio poder constituinte originário”16. Enfim, o mandado de segurança, que pode ser individual ou coletivo (CF, art. 5º, LXIX e LXX), é a ação constitucional concebida para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso do poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público17. O enraizamento do mandado de segurança no terreno constitucional dos direitos e garantias fundamentais exige,antes de tudo, que sua disciplina seja tratada à luz da “verdadeira grandeza e amplitude do instituto, bandeira da manutenção, conservação e desenvolvimento do Estado Democrático de Direito brasileiro”18. Por isso, o procedimento e a própria essência do mandado de segurança devem impor uma compreensão e interpretação, bem como uma aplicação, sempre “a partir da Constituição”19. Dessa origem constitucional, todavia, não decorre uma natureza instrumental diversa da que é própria dos remédios processuais utilizados pela jurisdição estatal. É, pois, o mandado de segurança – na lição de BARBOSA MOREIRA – “uma ação, uma espécie de gênero bem conhecido e familiar, cujas peculiaridades, sem dúvida dignas de nota, não a desligam do convívio das outras espécies, não a retiram do contexto normal do ordenamento jurídico, não a condenam a degredo em ilha deserta. À semelhança do que acontece com as figuras congêneres, o mandado de segurança está contido no âmbito normativo do processo civil e submete-se aos respectivos princípios e normas, sem prejuízo de regulamentação especial constante das leis que a ele especificamente dizem respeito”20. Não será, de tal sorte, fora da principiologia e sistemática do direito processual que se conseguirá descobrir soluções para problemas como aqueles que gravitam em torno da competência, do objeto litigioso, das condições da ação, dos pressupostos processuais, da legitimidade das partes, da natureza da ação e do provimento judicial, dos recursos, da coisa julgada, da execução forçada, e assim por diante.21 A fixação da natureza processual do mandado de segurança, todavia, em nada reduz a importância fundamental de uma ação nascida na Constituição, com função nela definida e voltada para objetivo institucional que vai muito além da simples composição judicial de conflito jurídico. É ele, em si, uma das garantias constitucionais fundamentais, como se deduz de sua sede normativa: o art. 5º da Carta Magna, que o institui, o arrola, expressamente, entre os “direitos e garantias fundamentais, conferindo-lhe toda nobreza e relevância próprias dessa transcendental categoria jurídica”22. Qualquer ensaio, portanto, que se proponha a identificar e avaliar o papel do mandado de segurança, haverá de fazê-lo a partir do enfoque constitucional, dentro do qual assume, a um só tempo, a estrutura de remédio processual e garantia constitucional. Essa natureza complexa e multiforme do instituto faz com que em seu estudo predominem as indagações de ordem constitucional sobre aquelas de aspecto meramente procedimental. Portanto, nenhum princípio, nenhuma técnica e nenhuma regra processuais podem influir, de maneira restritiva, no cabimento e nas dimensões do mandado de segurança, cuja admissão haverá sempre de se dar “de forma amplíssima, tendo-se por ilegítimo tudo que amesquinhe, tal parâmetro”, na lição de SÉRGIO FERRAZ23 e de ARRUDA ALVIM24. Aliás, não se pode esquecer que, em matéria de direito constitucional, vigora, com ênfase, o princípio da máxima efetividade, que, segundo CANOTILHO, se apresenta como “um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais”, mas que se aplica, sobretudo, no âmbito dos direitos fundamentais, e que pode assim ser formulado: “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê”. De tal sorte, deve-se evitar interpretações restritivas, e “no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais”25. É nessa ótica que se preconiza ao legislador ordinário e aos tribunais evitar medidas regulamentares ou entendimentos interpretativos que reduzam a garantia constitucional do mandamus, impondo-lhe requisitos e limites não cogitados pela regra constitucional, que o disciplina como garantia fundamental. 5. a) b) 6. NATUREZA DA AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA Segundo, pois, a teoria geral do processo, o mandado de segurança, na atualidade, não enseja dúvida quanto à sua natureza processual: trata-se de uma ação de conhecimento, sujeita a rito especial, merecendo de PONTES DE MIRANDA26 a qualificação de mandamental, por ensejar a expedição de “uma ordem ou comando à autoridade pública e à pessoa jurídica interessada”. Essa peculiaridade, todavia, não lhe retira a natureza, ora de ação constitutiva, ora declaratória, ora condenatória, conforme o seu conteúdo27. Em se tratando de ação de conhecimento, “nela pode a parte autora pedir que o órgão jurisdicional condene a outra a um fazer ou a um abster-se (ação condenatória), crie, modifique ou extinga uma relação jurídica (ação constitutiva), declare que ocorreu ou não um fato, ou que um documento é ou não autêntico (ação simplesmente declaratória – CPC, art. 4º), ou ordene à outra parte que realize uma certa conduta, devendo esta empreender especificamente o que lhe foi determinado (ação mandamental)”28. Em suma: No plano constitucional, “o mandado de segurança está inserido no rol das garantias constitucionais fundamentais específicas, exercendo, ao lado do habeas corpus, do habeas data, do mandado de injunção, da ação civil pública, da ação popular, do dissídio coletivo etc., uma função extremamente importante para a proteção e efetivação dos direitos, especialmente os constitucionais, no Brasil”29; No plano processual, “o provimento no mandado de segurança poderá ser condenatório, declaratório ou constitutivo, conforme o caso; porém, no plano da eficácia, o seu provimento concessivo da segurança pretendida será sempre mandamental”, ou seja: importará na expedição de ordem “para a prática ou abstenção de determinado comportamento por parte da autoridade coatora e do órgão por ela defendido”30. A ELEVADA IMPORTÂNCIA DO MANDADO DE SEGURANÇA NO PLANO DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS No ambiente das instituições básicas do Estado Democrático de Direito, o que é mais importante não é analisar o mandado de segurança a partir de sua natureza de mecanismo processual, ao lado das diversas formas de ação exercitáveis para obtenção da tutela do Poder Judiciário. O que releva descobrir e avaliar é a função que, por meio do instrumento concebido pelo art. 5º, LXIX, da Constituição, o Estado Democrático moderno confiou à Justiça. Há um empenho evidente na estruturação do Poder Público e na regulação de seu relacionamento com os cidadãos, a fim de implantar, na vivência ideal dentro da organização do Estado Democrático – sob o qual se agrupam não mais os súditos do estado autoritário, e sim os cidadãos do atual Estado ético e solidário –, mecanismos práticos e eficientes, tendo como missão principal e primordial a tutela e realização efetiva dos direitos fundamentais. Esse Estado Democrático de nosso tempo afasta-se dos padrões outrora predominantes no constitucionalismo primitivo, que se declarava democrático, mas mantinha uma estrutura voltada para assegurar a supremacia do chamado interesse público (que mais não era que o interesse hegemônico do Poder Público) sobre o privado. O novo Estado, que aspira ser realmente democrático, elimina o velho modo de atuar da Administração, que importava um relacionamento desequilibrado entre o Estado e o particular, no qual prevalecia um vínculo entre senhor e súdito, e, por consequência, o interesse do Poder Público deveria prevalecer sempre sobre o dos súditos. O centro do universo constitucionalmente organizado, entretanto, se coloca, hoje, em torno do indivíduo e dos direitos fundamentais a ele atribuídos, e cujo respeito haverá de ser mantido e garantido em nome da dignidade da pessoa humana. As relações entre Administração e cidadãos (não há mais súditos, mas cidadãos), por isso, não mais podem se manter na posição de desequilíbrio hierárquico do passado. Têm elas de ser vistas e tratadas como paritárias, de modo que nenhuma das partes seja juridicamente superior à outra. Nem a Administração, nem o particular. Como, no entanto, a Administração enfeixa em suas mãos grandes porções da força do Poder Público, é preciso garantir o cidadão contra o risco dos eventuais abusosa que se sentem tentados os detentores da autoridade administrativa. Numa quadra democrática como a atual, é impossível ignorar ou desprezar, tampouco minimizar, o papel desempenhado pela instituição constitucional do mandado de segurança. Os direitos e garantias constitucionais exigem mecanismos práticos e eficientes de proteção, diante da reconhecida insuficiência da mera proclamação de superioridade normativa da Constituição. Daí a criação do mandado de segurança, por obra da própria Constituição, vocacionado por excelência, nas perspectivas relacionais democráticas entre o Poder Público e o cidadão, à proteção deste contra os abusos administrativos31. É o mandado de segurança uma ação, mas não apenas mais uma ação no universo das ações judiciais. Em vista de sua figura de garantia constitucional, atua como um remédio destinado a desenvolver uma “tutela diferenciada”32, não só pelo rito todo particular, como pela força extraordinária do provimento que é capaz de gerar, mas, sobretudo, pela natureza constitucional “não só do instrumento, mas dos direitos que objetiva proteger”33. Trata-se, em suma e acima de tudo, de “expressiva garantia contra a ilegalidade praticada pelo Poder Público”, com aptidão para “preveni-la, ou obstar a produção de seus efeitos”34, tudo com a máxima singeleza e efetividade35. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 ALMEIDA, Gregório Assagra de; CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita. Mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 30. BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 31. BARBI. Op. cit., p. 31-32. WALD, Arnoldo. Do mandado de segurança na prática judiciária. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1968. p. 14. PIRES, Gudesteu. Avulso da Câmara dos Deputados, n. 148, p. 43, apud CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Do Mandado de Segurança. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957. p. 73; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Mandado de Segurança. 2. ed. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010. p. 19. No direito comparado, já existia, antes da instituição do nosso mandado de segurança, remédios que viriam influenciar na sua concepção no futuro direito constitucional brasileiro, como o juicio de amparo da Constituição Mexicana de 1857 e os writs do direito anglo-americano (BULOS, Uadi Lammêgo. Ċonstituição Federal anotada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 298; BARBI, Celso Agrícola. Op. cit., p. 19-22; ALMEIDA, Gregório Assagra, et al. Op. cit., p. 32). ALMEIDA, Gregório Assagra de, et al. Mandado de segurança, cit., p. 37-38. Exposição de Motivos que acompanhou o Projeto Legislativo nº 125/2006, que se converteu na Lei nº 12.016, de 07.08.2009, que vem a ser a atual “Lei do Mandado de Segurança”. Para Ruy Barbosa, uma coisa são os direitos, outra, as garantias, e, por isso, devemos separar, “no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias: ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito” (BARBOSA, Ruy. República: teoria e prática (Textos doutrinários sobre direitos humanos e políticos consagrados na primeira Constituição da República). Petrópolis/Brasília: Vozes/Câmara dos Deputados, 1978. p. 121 e 124). Porém, como destaca Sampaio Doria, não são nítidas as linhas divisórias entre direitos e garantias, pois “os direitos são garantias, e as garantias são direitos”, ainda que se procure distingui-las (SAMPAIO DORIA, Antonio Roberto. Direito Constitucional. São Paulo: Max Limonad, 1960, v. II, p. 57). SILVA, José Afonso da. Ċurso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. p. 189. Anota o autor que “a Constituição, de fato, não consigna regra que aparte as duas categorias, nem sequer adota terminologia precisa a respeito das garantias. Assim é que a rubrica do Título II enuncia: ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’, mas deixa à doutrina pesquisar onde estão os direitos e onde se acham as garantias” (...). Às vezes, “ela se vale de verbos para declarar direitos que são mais apropriados para enunciar garantias. Ou talvez melhor diríamos, ela reconhece alguns direitos garantindo-os” (Op. cit., loc. cit.). BUZAID, Alfredo. Do mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 16. “Além do reconhecimento da existência dos direitos fundamentais, é necessário que esses direitos sejam também garantidos por instrumentos e mecanismos que os tornem eficazes, ao terem de se defrontar com o próprio Estado e com as instituições estatais previstas na Constituição” (REMÉDIO, José Antônio. Mandado de segurança individual e coletivo. 2. ed. São Paulo: 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 Saraiva, 2009. nº 2.6, p. 16). SILVA, José Afonso da. Ċurso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. p. 413. CASTRO NUNES, José de. Do mandado de segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder público. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 253. “Diante do conceito de ação com o direito de pleitear e obter prestação da tutela jurisdicional de mérito, pelo Estado, seja de que conteúdo for, é fácil ver que o mandado de segurança é verdadeira ação, porquanto também, nesse instituto, há o direito de pleitear do Poder Judiciário um tipo de tutela jurisdicional visando proteger direito líquido e certo ameaçado de lesão ou violado por ato de autoridade” (AURELLI, Arlete Inês. O juízo de admissibilidade na ação de mandado de segurança. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p. 18-19). REMÉDIO, José Antônio. Mandado de segurança, cit., nº 2.6, p. 17-18. Idem, op. cit., nº 3.5, p. 42. Lei nº 12.016/2009, art. 1º. Segundo HELY LOPES MEIRELLES, o mandado de segurança é o “meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça” (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. 21. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 21-22). BUENO, Cássio Scarpinella. Mandado de segurança: comentários às Leis 1.533/51, 4.348/64 e 5.021/66. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 3-4. CAVALCANTI, Marcos de Araújo. A legitimidade passiva para o mandado de segurança: uma proposta de interpretação da Lei 12.016/2009. Revista Dialética de Direito Processual, nº 108, p. 69. BARBOSAMOREIRA,JoséCarlos.Darecorribilidadedasdecisõesinterlocutóriasnoprocesso do mandado de segurança. Temas de direito processual. 6ª série. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 212. Para outro acatado processualista, “talvez já tenha passado a hora de os processualistas voltarem seus olhos e mentes para o mandado de segurança enquanto procedimento especial, analisando-o de acordo com a teoria geral do processo” (DIDIER JÚNIOR, Fredie. Natureza jurídica das informações da autoridade coatora no mandado de segurança. Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança – 51 anos depois. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 367-368). VICENTEGRECOFILHO,comprecisão,ensinaque“apesardeterembasamentoconstitucional, o mandado de segurança é uma verdadeira ação e deve ser estudado dentro da teoria geral do processo. Trata-se de um pedido de atuação da jurisdição e, por conseguinte, classifica-se como ação e como processo” (GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil brasileiro: processo de execução a procedimentos especiais. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3. p. 324). “A estatura constitucional do mandado de segurança, enquanto ação e garantia individual e coletiva, projeta-o duplamente como instrumento garantidor e garantia em si mesmo. É instrumento garantidor porque se presta– em inumeráveis situações – para proteger o indivíduo ou a coletividade de violação ou potencial violação de direitos fundamentais elencados 23 24 25 26 27 28 constitucionalmente (como a própria garantia à legalidade) e também é garantia fundamental em si mesmo na exata medida em que seu manejo pelos tutelados não pode ser reduzido, impedido ou turbado nem mesmo pela própria lei” (MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 495). FERRAZ, Sérgio. Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros Editores, 1992. p. 16. “Assim, não é lícito ao legislador ordinário angustiar as dimensões do remédio constitucional”, a pretexto de regulamentá-lo. Não pode o legislador ordinário alterar-lhe “as características propriamente definidoras, pois, desta forma, estaria disciplinando somente, de forma nominal, o mandado de segurança, que tem sede e dimensão constitucionais” (ARRUDA ALVIM, José Manoel. Tratado de direito processual civil. São Paulo: Ed. RT, 1990. v. I, p. 251). Há de se ter em mente que, no Estado Democrático de Direito, a ordem constitucional impõe à Administração não apenas o dever de não violar as posições subjetivas do cidadão, pois passa a “condicionar positivamente a Administração, que deve atuar no sentido de permitir a máxima satisfação dos direitos fundamentais” (CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 139). CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000, s/d. p. 1.187. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Ċomentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. v. VIII, p. 206; BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança, cit., p. 45. CARREIRA ALVIM, J. E. Ċomentários à nova Lei do Mandado de Segurança. Curitiba: Juruá Editora, 2010. p. 16; BARBI, Celso Agrícola. Op. cit., p. 46. Segundo KAZUO WATANABE, o mandado de segurança é “uma espécie de ação com provimento reforçado e com procedimento simplificado e célere, de modo que a tutela dos direitos seja pronta, eficaz e adequada” (WATANABE, Kazuo et al. Código brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 836). DECOMAIN, Pedro Roberto. Mandado de segurança (o tradicional, o novo e o polêmico na Lei 12.016/09). São Paulo: Dialética, 2009. nº 2, p. 16 (o art. 4º citado pelo autor é do CPC/1973, correspondente ao art. 19 do CPC/2015). Entende o autor que, “tocante às quatro modalidades de ação de conhecimento – condenatória, constitutiva, declaratória ou mandamental –, o mandado de segurança pode assumir feições combinadas de ação condenatória e mandamental ou constitutiva e mandamental, podendo também ser exclusivamente mandamental. Prepondera, todavia, no mandado de segurança, o caráter de ação mandamental, exatamente porque lhe é inerente que a autoridade apontada como coatora, em caso de procedência do mandado de segurança, deva atender precisamente ao que na sentença lhe for determinado” (Op. cit., p. 17-18). A sentença é vista como mandamental pela circunstância de o comando judicial exigir cumprimento imediato sem depender de “processo de execução ex intervallo” (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 302; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Ċomentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. atualizada por Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1995. t. I, p. 111). O fato, porém, de, no caso da ação mandamental, dispensar-se a ação de execução, não retira à sua sentença o caráter condenatório, “até porque toda sentença 29 30 31 32 33 34 35 em que haja uma ordem é condenatória a uma conduta” (PISTILLI, Ana de Lourdes Coutinho Silva. Mandado de segurança e coisa julgada. São Paulo: Atlas, 2006. p. 30). O que varia, na espécie, é apenas a forma de executar o comando sentencial, e não a essência do provimento. A mandamentalidade, portanto, é eficácia que se passa no plano executivo, não no da substância da sentença. Dessa maneira, a ação de segurança, por ser mandamental, não deixa de produzir condenação em sua sentença. ALMEIDA, Gregório Assagra de, et al. Mandado de segurança, cit., p. 46. Idem, p. 49. ANDRADE, Érico. O mandado de segurança: a busca da verdadeira especialidade (proposta de releitura à luz da efetividade do processo). Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010. p. 361. “Troppo spesso la tensione ideale verso l’effettività costituzionale è stata identificata con l’esigenza di una tutela differenziata dei diritti e delle libertà costituzionalmente garantiti” (MAGRI, Marco. La legalità costituzionale dell’amministrazione: ipotesi dottrinali e casistica giurisprudenziale. Milano: Giuffrè, 2002. p. 21-22). ANDRADE, Érico. Op. cit., loc. cit. WALD, Arnoldo. A nova lei do mandado de segurança (Lei 12.016, de 07.08.2009). Revista dos Tribunais, 894/12. ANDRADE, Érico. Op. cit., loc. cit. “A previsão legal de que a petição inicial de mandado de segurança deve atender às exigências dos arts. 282 e 283 do CPC pode passar à primeira leitura a ideia de que se trata de uma ação cível, apenas com um rito procedimental distinto, mas tal sugestão é de todo equivocada, pois não se deve esquecer que se trata de um remédio ou de uma medida constitucional de excepcional aptidão e valia para conjurar, com eficiência e presteza, abusos e ilegalidades, ofensas e ameaças de ofensas a direitos subjetivos, o que certamente o faz inconfundível com o clássico conceito de ação civil comum” (MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Sobre a petição inicial do mandado de segurança. Comentários críticos ao art. 6º da Lei nº 12.016/09. Revista CEJ, Brasília, ano XIII, n. 47, p. 12). Os artigos destacados pelo autor são do CPC/1973, correspondentes aos arts. 319 e 320 do CPC/2015. Parte II COMENTÁRIOS À LEI Nº 12.016/2009, artigo por artigo Capítulo II TUTELA PARA AS VÍTIMAS DE ILEGALIDADE E ABUSO DE PODER POR ATO DE AGENTE PÚBLICO Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. § 1º Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições. § 2º Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. § 3º Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança. Referências legislativas: CF, art. 5º, LXIX: conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas corpus” ou “habeas data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Súmulas: Súmula 266/STF: Não cabe mandado de segurança contra lei em tese. Súmula 270/STF: Não cabe mandado de segurança para impugnar enquadramento da Lei 3.780, de 12/7/1960, que envolva exame de prova ou de situação funcional complexa. Súmula 474/STF: Não há direito líquido e certo, amparado pelo mandado de segurança, quando se escuda em lei cujos efeitos foram anulados por outra, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Súmula 510/STF: Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial. Súmula 604/STF: O mandado de segurança não se prestapara atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério Público. Súmula 625/STF: Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança. Súmula 627/STF: No mandado de segurança contra a nomeação de magistrado da competência do presidente da república, este é considerado autoridade coatora, ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento. Súmula 631/STF: Extingue-se o processo de mandado de segurança se o impetrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário. Súmula 701/STF: No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo. Súmula 42/STJ: Compete à justiça comum estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento. 7. 8. Súmula 177/STJ: O Superior Tribunal de Justiça é incompetente para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de órgão colegiado presidido por Ministro de Estado. Súmula 206/STJ: A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo. Comentários ao art. 1º INTRODUÇÃO O mandado de segurança é uma instituição jurídica, e, como tal, há de ser conceituado e analisado, a partir dos dados constantes da norma legal que o prevê e disciplina. Do art. 1º da Lei nº 12.016/2009 podem ser extraídos sua conceituação, sua natureza jurídica, sua função, seus requisitos de validade e eficácia, bem como seus elementos essenciais objetivos e subjetivos. Serão, portanto, todos esses aspectos da ação constitucional em foco o objeto da análise que a seguir se intentará realizar por meio da interpretação do primeiro dispositivo da Lei do Mandado de Segurança. Embora o estatuto legal básico da ação mandamental se concentre na Lei nº 12.016/2009, é fora de dúvida que a ela também se aplique, subsidiariamente, a disciplina geral constante do Código de Processo Civil (sobre esse tema, ver, adiante, o nº 81). CONCEITO LEGAL Mandado de segurança é o remédio processual constitucional, manejável contra ato de qualquer autoridade pública1, que cometa ilegalidade ou abuso de poder, tendo como objetivo proteger o titular de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data (CF, art. 5º LXIX)2. Como o habeas corpus assegura a liberdade pessoal (direito de ir e vir) (CF, art. 5º, LXVIII) e o habeas data, a possibilidade de conhecer e controlar as informações pessoais constantes de arquivos públicos (CF, art. 5º, LXXII), a conclusão é que a cobertura do mandado de segurança é a mais ampla possível.3 Compreende todo e qualquer direito subjetivo que, não alcançado pelos dois remédios já referidos, se enquadre na configuração de direito líquido e certo4. Trata-se, dentro da função constitucional a que se acha destinado a cumprir, não de singelo procedimento de jurisdição especial contenciosa. Mais do que isso, por força do art. 5º, inc. LXIX, da Carta Política, é ele verdadeira garantia fundamental, de modo que a prerrogativa de manejá-lo equipara-se aos mais importantes direitos do homem reconhecidos pelo Estado Democrático de Direito, “a exemplo da vida, liberdade, igualdade, intimidade e liberdade de expressão”5. Por meio da declaração constitucional, proclama-se o direito fundamental do homem de não ser violado em sua esfera jurídica pelos agentes do Poder Público, ao mesmo tempo em que se institui uma garantia especialíssima para blindá-lo contra as ilegalidades e abusos de poder praticados em 8.1. 8.2. nome do Estado.6 A garantia do mandado de segurança é, a um só tempo, um direito cívico dos cidadãos em sentido lato e um limite dos poderes conferidos aos agentes estatais. Embora seja o mandado de segurança, do ponto de vista funcional, um procedimento especial para o exercício do direito de ação (direito à tutela jurisdicional devida pelo Poder Judiciário), não fica o titular do direito líquido e certo sujeito a fazer uso apenas dele, para a defesa do direito lesado ou ameaçado pela autoridade pública. Cabe-lhe a faculdade de postular a tutela jurisdicional pela via expedita do mandado de segurança ou, se preferir, pelo procedimento civil comum, segundo as próprias conveniências7. A disciplina procedimental específica do mandado de segurança consta da Lei nº 12.016, de 07.08.2009, que revogou a Lei nº 1.533, de 31.12.1951, e toda a legislação que, desde a época da Constituição de 1946, vinha regendo o acesso a esse remédio processual. Princípio da legalidade e submissão do Poder Público ao controle judicial A garantia de um remédio constitucional capaz de proteger a todos contra a prepotência dos agentes do Poder Público é algo que decorre diretamente do Estado Democrático de Direito. Não se concebe um Estado de Direito sem que se dê estrito cumprimento ao princípio da legalidade, princípio que impõe a submissão ao ordenamento jurídico tanto aos particulares como aos próprios órgãos estatais8. Isto porque, são características desse tipo de Estado constitucional: a) a submissão do Estado à jurisdição; b) a jurisdição só há de ser exercida mediante aplicação da lei preexistente; c) a jurisdição há de ser exercida por meio do juiz natural, ou seja, por órgão de uma magistratura imparcial, independente, cercada de todas as garantias; e d) incumbe ao Estado submeter-se à jurisdição em condições de igualdade com qualquer outra parte9. É diante de tal realidade que, na estrutura constitucional brasileira, as vias de acesso à jurisdição assumem a qualidade de direito fundamental do cidadão à realização do próprio Estado de Direito, naquilo em que se manifesta “seu ponto mais vigoroso e mais eficiente”10. Daí que, se a última palavra cabe ao Poder Judiciário, no controle da legalidade sobre os atos administrativos, fácil é avaliar “o lugar preeminente que assume a garantia constitucional do mandado de segurança dentro do Estado de Direito”11. Ilegalidade e abuso de poder Esses dois temas – a ilegalidade e o abuso de poder – exigem compreensão fundada na teoria do direito administrativo, que a partir do século XX vem sofrendo acentuada evolução em suas concepções básicas. Numa visão liberal (e superada), a ilegalidade estaria ligada à prática dos atos vinculados, enquanto o abuso de poder relacionar-se-ia com os denominados atos discricionários. A vinculação da administração seria completa à lei, de maneira que somente poderia fazer aquilo que a lei determinava e pelos meios também previstos na lei. O princípio da legalidade, segundo a velha fórmula de ZANOBINI, consagrada entre nós por HELY LOPES MEIRELLES, incidia de forma diversa em relação ao cidadão e à Administração. “No que diz respeito ao cidadão, o princípio da legalidade atuaria como limite externo, de modo que o privado poderia fazer tudo aquilo que a lei não vedasse. Ao contrário, em relação à Administração, a valência do princípio seria diversa, traduzindo limite interno: a Administração só poderia fazer aquilo que a lei expressamente determina ou prevê”12. Daí que, na opinião clássica difundida por ZANOBINI e seus seguidores, seria contaminado de ilegalidade qualquer ato administrativo que não fosse expressamente autorizado pela lei13. A ideia de abuso de poder, ainda dentro da doutrina tradicional, foi construída para ser aplicada àqueles atos qualificados como “discricionários”, porque a lei que os autorizava conferia ao administrador maior margem de liberdade para apreciar os motivos, os elementos ou a finalidade a ser atingida. À luz da clássica visão do direito administrativo, haveria o abuso ou desvio de poder quando o manejo de uma competência, ainda que instituída legalmente, fosse feito “em descompasso com a finalidade em vista da qual foi instituída”14. A notável evolução recente do direito administrativo, cujo início se deveu à doutrina italiana, se deu no rumo de anular a distinção decritérios adotada classicamente para a aplicação do princípio da legalidade aos atos da Administração e aos atos dos particulares. Num Estado Democrático de Direito, o princípio constitucional da legalidade é um só, seja para o Poder Público, seja para os particulares. Nessa perspectiva, o vínculo de todos, inclusive o Estado, não é com a lei em sentido estrito, mas com o direito lato sensu, que modernamente reconhece força de norma também aos princípios, além de adotar, o direito positivo, com grande desenvoltura, normas forjadas por meio de cláusulas gerais, e com emprego de conceitos abertos ou indeterminados. Com esse espírito, a Constituição não se limita a vincular os atos da Administração à legalidade estrita, mas os sujeita a um complexo de princípios preconizados como fundamentais: “A administração pública direita e indireta (...) – dispõe o art. 37 da CF – obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. A valorização dos princípios constitucionais na seara do direito administrativo teve como consequência o afastamento da rigidez da subordinação da Administração à lei em sentido estrito, visto que a característica básica do princípio em direito é a flexibilidade da norma que o consagra15. A sujeição da Administração diretamente aos princípios constitucionais lhe confere, de certa forma, muito mais liberdade, permitindo-lhe atuar sob o limite da legitimidade, sem as amarras da legalidade clássica. Mas, enquanto se amplia a atividade discricionária da Administração, aumenta- se, também, a possibilidade de controle da sociedade sobre o exercício da atividade administrativa16. O mesmo princípio moderno que flexibiliza a discricionariedade administrativa enseja também “maior controle do exercício da discricionariedade, que passa a ser objeto de uma investigação judicial, cada vez mais ampla”17. Com isso, “o temor em torno dos abusos ou arbitrariedades no exercício do poder discricionário diminui e a doutrina atual perde o antigo ‘medo’ com que era tratado o tema: os princípios constitucionais permitem ampla sindicabilidade judicial do atuar discricionário, de modo a prevenir e corrigir abusos”18. Portanto, na moderna concepção jurisprudencial, “‘as disposições do edital inserem-se no âmbito do poder discricionário da Administração, o qual não está, porém, isento de apreciação pelo Poder Judiciário, se comprovada ilegalidade ou inconstitucionalidade nos juízos de oportunidade e conveniência, como na espécie, em que não há previsão legal para a exigência do teste de aptidão física’ (AgRg no RMS 34.676/GO, Rel. Ministro Castro Meira, 2ª T, DJe 15/04/2013)”19. Superado o tabu da insindicabilidade do mérito do ato administrativo pelo judiciário20, perde significado o esforço para distinguir entre ilegalidade e abuso de poder, em relação ao atuar da Administração. Tudo, enfim, se reduz a atuar em desconformidade com o direito, como um todo. Tanto a ilegalidade como o abuso de poder se traduzem no mesmo conceito atual de ilegitimidade, de sorte que, para o cabimento do mandado de segurança, podem praticamente ser vistos como uma só fonte de invalidação do ato administrativo.21 Tanto quando o administrador viola manifestamente um preceito de lei em sentido estrito, como quando, no exercício de um poder discricionário, “vai além do que a lei lhe permitia”, a ilegitimidade do ato, na verdade, deriva de uma ofensa à legalidade, no dizer de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO22. No entanto, há de se controlar a flexibilidade da gestão pública principiológica, admitindo-a mais amplamente quando se tratar de atos administrativos que não atinjam a esfera jurídica do particular e mais restrita quando tenham força de afetar aquela esfera. Assim, é importante distinguir o campo autoritário do não autoritário, entendido este como o de atuação interna da Administração, e aquele como o de atuação em face do particular, restringindo-lhe ou suprimindo-lhe direitos subjetivos. Quando a Administração atua fora do campo autoritário, a apuração e controle da legitimidade do ato administrativo, não mais se limitam ao exame de legalidade estrita. São levados em consideração os princípios constitucionais e o ordenamento jurídico como um todo23. Quando, porém, o administrador exerce o “poder de autoridade”, para invadir a esfera dos direitos subjetivos do particular, não pode deixar de ser observado o princípio da legalidade estrita. Só a lei pode definir quando o direito de um cidadão pode ser restringido ou suprimido24. Isto não quer dizer que a Administração fique submissa apenas e tão somente à literal autorização de lei em sentido estrito. Também a Constituição e as normas de conteúdo aberto (cláusulas gerais) interferem, de modo a permitir uma visão da juridicidade, principalmente no campo da interpretação, que não seja, por completo, rígida ou inflexível. Mas, de qualquer forma, a permissão do ato de autoridade haverá de 8.3. partir de lei em sentido estrito (que pode ser até mesmo a Constituição), a qual determinará o objeto, a finalidade, os limites da invasão da esfera privada, e definirá o procedimento a ser obrigatoriamente observado. Uma das situações que ensejam a acusação de ilegalidade ocorre no exercício do poder regulamentar, que a autoridade administrativa só pode usar respeitando os limites da lei regulamentada. Respeitar a lei, na espécie, porém, não equivale a exigir que a regulamentação se limite a “repetir, palavra por palavra, o que está na lei”, desde que observados “seus limites, principiologia, estrutura e objetivos”25. Injuridicidade no plano do procedimento Dentre as garantias fundamentais, que protegem a propriedade e os direitos subjetivos em geral contra as ilegalidades e os abusos de autoridade, está a de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5º, LIV), e esta garantia se completa com a de que, no processo administrativo, tal como no judicial, “são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF, art. 5º, LV). Portanto, além do princípio da legalidade, a Constituição consagra, também, o princípio do devido processo legal, que se impõe tanto nos processos judiciais como nos administrativos (CF, art. 5º, II, XXII, XXIV, LIV e LV). Com tal opção, institui-se, no plano constitucional, um eficiente sistema de controle do poder administrativo e um poderoso mecanismo de defesa do particular contra os abusos de poder: se a administração se acha legalmente autorizada, em determinados casos, a invadir a esfera dos direitos subjetivos dos cidadãos, só haverá de fazê-lo mediante a observância de um procedimento que corresponda ao padrão do “processo justo”, assegurado como “direito fundamental” pela Constituição, sob o nome de “devido processo legal”. Nessa perspectiva, a ilegalidade e o abuso de poder (que também é uma forma de ilegalidade) poderão ser configurados por prática administrativa que viole direitos subjetivos tanto na substância, como na forma de prejudicá-los, sendo que, principalmente no campo dos atos autoritários, o procedimento legal funciona como garantia fundamental dos particulares em face da Administração Pública26. E como adverte MARIA JOÃO ESTORNINHO, parece “absolutamente indispensável afirmar, de forma clara e inequívoca, que a Administração Pública em caso algum deixa de estar sujeita ao seu regime de vinculação aos direitos fundamentais”27. Com efeito, presta-se o procedimento administrativo a dar transparência à formação do ato administrativo, da qual participará o particular interessado, de forma direta, como coadjuvante. Mediante a ciência prévia do projeto da Administração e a garantia de diálogo e defesa, a atividade administrativa se torna, de fato, mais transparente28. Permitir-se-á, por meio do procedimento, o conhecimento fiel das razões e finalidades do ato administrativo, com o que o controle de legalidade se tornará mais viável e efetivo, caso o prejudicado pelo abuso de poder tenha de recorrer ao 8.4.judiciário para se proteger. Assim, com a sujeição da Administração Pública ao devido e justo processo afinado com os princípios constitucionais, consegue-se reduzir a “discricionariedade administrativa”29 e inibir os desvios de poder, ao mesmo tempo em que se instrumentaliza o cidadão interessado para buscar e viabilizar uma tutela judicial mais eficaz, justamente em razão da transparência do modus procedendi, com que se ultimou o ato a impugnar. No controle jurisdicional, portanto, se logrará “reconstruir o caminho decisório da autoridade”, desvendando-lhe os eventuais defeitos e abusos30. É nesse sentido que, perante os atos de autoridade, o procedimento se apresenta “como garantia dos cidadãos contra o atuar arbitrário da Administração”31. Da reconhecida relevância da garantia do devido procedimento nos atos administrativos, conclui-se que as ofensas perpetradas contra as regras que lhe dizem respeito podem, conforme a gravidade do caso, invalidar o ato de autoridade. É claro, porém, que não se deve valorizar a forma pela forma, simplesmente, mas pela função essencial por ela desempenhada diante da necessidade de oferecer meios efetivos de defesa ao direito subjetivo ameaçado pelo autoritarismo da Administração. Simples infrações de rito, sem maiores repercussões sobre o direito ao contraditório e à ampla defesa, não comprometem, em princípio, a validade do ato de autoridade. Para que este se torne inválido, é preciso que o ultraje à garantia do procedimento legal tenha causado lesão grave ao direito do cidadão de participar da formação do ato administrativo e de se defender amplamente da pretensão administrativa contrária a seus interesses. Aplica-se, também, ao procedimento administrativo, o princípio da instrumentalidade das formas, construído pelo direito processual civil, segundo o qual não se decreta nulidade se, mesmo inobservando o procedimento legal, o seu objetivo foi alcançado (CPC/2015, arts. 277, 282, § 1º, e 283, parágrafo único32). São frequentes, na jurisprudência, os exemplos de violação grave e de efeitos perniciosos, ao procedimento administrativo, como aqueles ocorridos na apelidada “expropriação administrativa”, e nos procedimentos de concorrência pública para realização de obras públicas ou para admissão de funcionários públicos. O mandado de segurança cumpre, nesses e muitos outros casos de quebra da igualdade entre os concorrentes, ou de arbitrariedade no apossamento de bens particulares, a importante missão constitucional de pôr fim à ilegalidade ou abuso de poder, no campo da atividade administrativa. Cabimento do mandado de segurança em caso de ato administrativo praticado com desrespeito à garantia do contraditório e ampla defesa A garantia fundamental ao contraditório e ampla defesa aplica-se não apenas ao processo judicial, mas também aos procedimentos administrativos que possam afetar direitos subjetivos públicos ou privados (CF, art. 5º, LIV e LV). Revogado, restringido ou negado a alguém um direito subjetivo qualquer, por ato administrativo, sem respeitar a referida garantia constitucional, a reação do titular alcançado pela ilegalidade pode, perfeitamente, se dar por meio do mandado de segurança. O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de apreciar caso em que o CNJ, em procedimento administrativo, considerou nulos todos os atos de nomeação de servidores de determinado tribunal de justiça porque realizados após expiração do prazo de validade do respectivo concurso. A decisão administrativa fundou-se na inconstitucionalidade das portarias do tribunal que haviam prorrogado o referido prazo. O CNJ, entretanto, chegou à sua deliberação sem convocar os servidores interessados para participarem do “processo de controle administrativo”, o que motivou a impetração de segurança perante o STF, com o fito de invalidar a decisão que ordenara a exoneração dos impetrantes. O fundamento do writ imputava ao acórdão do CNJ violação do “direito líquido e certo à manifestação em processo que lhes poderia ser prejudicial”. A segurança foi concedida pelo Pleno do STF, para “anular o acórdão atacado e para que o CNJ possa notificar os impetrantes acerca da existência do PCA e de seu direito de serem ouvidos”. Em respeito à garantia constitucional do contraditório e ampla defesa, assentou a Suprema Corte que “sempre que antevista a existência razoável de interessado na manutenção do ato atacado, com legítimo interesse jurídico direto, o CNJ está obrigado a dar-lhe ciência do procedimento de controle administrativo”. Advertiu, ainda, que, “identificado o legítimo interesse de terceiro, o acesso ao contraditório e à ampla defesa independem de conjecturas acerca da efetividade deste para produzir a defesa do ato atacado”33. Os servidores, na espécie, não eram simples concursados na expectativa do ato administrativo discricionário de sua nomeação. Eram servidores já nomeados e no pleno exercício dos respectivos cargos públicos. Invalidar, portanto, suas nomeações implicava privá-los dos direitos atuais correspondentes a uma situação jurídica já adquirida. Cabe lembrar que a Constituição garante, no rol dos direitos fundamentais, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV). Garante, ainda, como consectário do devido processo legal, o “contraditório e ampla defesa” a todos os litigantes, seja “em processo judicial ou administrativo” (art. 5º, LV). Não pode, obviamente, um servidor público perder o seu cargo, seja qual for o motivo, sem que a Administração lhe proporcione a oportunidade do contraditório e ampla defesa. É paradigmático o seguinte aresto do STF: “Restrição de direitos e garantia do ‘due process of law’. O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da 8.5. legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal. A jurisprudência do STF tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina”34. Não basta a observância do contraditório entre a Administração e o seu agente responsável pelo ato a invalidar. É indispensável que a garantia de defesa se estenda a todos aqueles que detenham legítimo interesse nascido de direitos reflexamente gerados pelo ato administrativo em vias de desconstituição. É o que tem acentuado, reiteradamente, o STF: “Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada (...)”35. Enfim, nenhum ato administrativo pode ser invalidado pelo Poder Público sem que todos os alcançáveis pela invalidação, direta ou reflexamente, tenham tido oportunidade de se defender, segundo a garantia constitucional do devido processo legal e do contraditório.36 A infringência dessas garantias franqueia aos prejudicados o recurso ao mandado de segurança, como remédio idôneo e adequado para o combate à ilegalidade e ao abuso de poder cometido, in casu, por meio do ato administrativo. Mandado de segurança e a teoria do fato consumado Em nome do princípio constitucional da segurança jurídica, a jurisprudência construiu a teoria do fato consumado, que, diante de uma conjuntura não apoiada na
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