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MÓDULO II ENVELHECIMENTO HUMANO: CONCEITOS E FUNDAMENTOS TEMAS: AULA 1: Principais Síndromes Geriátricas. AULA 2: Luto e finitude. AO FINAL DESTE MÓDULO VOCÊ SERÁ CAPAZ DE: Identificar as principais Síndromes Geriátricas comuns no envelhecimento. Compreender a relação existente entre as princiapis Síndromes Geriátricas e suas implicações no atendimento à pessoa com Deficiência Intelectual. Reconhecer a importância da abordagem sobre o luto e finitude. 1. Principais Síndromes Geriátricas. Alessandro Ferrari Jacinto. A funcionalidade global do idoso é a capacidade de gerir sua própria vida (cuidar de si mesmo). Diz-se que um indivíduo idoso é saudável quando se mostra capaz de funcionar sozinho, de forma independente e autônoma, mesmo que tenha doenças. Essa capacidade é avaliada por meio da análise das atividades de vida diária (AVDs), que são tarefas do cotidiano realizadas pelo idoso 1 . A saúde do idoso é determinada pelo bom funcionamento de domínios funcionais, sendo os mais importantes: a cognição, o humor, a mobilidade e a comunicação. Estes domínios devem ser obrigatoriamente avaliados nas consultas geriátricas 2 . A cognição é a capacidade mental de compreender e resolver os problemas do cotidiano, sendo constituída por um conjunto de funções corticais, formado pela memória (capacidade de armazenamento de informações), função executiva (capacidade de planejamento, antecipação, sequenciamento e monitoramento de tarefas complexas), linguagem (capacidade de compreensão e expressão da linguagem oral e escrita), praxia (capacidade de executar um ato motor), gnosia (capacidade de reconhecimento de estímulos visuais, auditivos e táteis) e função visoespacial (capacidade de localização no espaço e percepção das relações dos objetos entre si). O humor é a motivação necessária para os processos mentais. A mobilidade é a capacidade de deslocamento do indivíduo. Depende da postura/marcha, da capacidade aeróbica e da continência esfincteriana. E, finalmente, a comunicação é a capacidade de PARA SABER MAIS: Para saber mais sobre o envelhecimento humano, você encontrará um texto adicional na biblioteca do curso para leitura (Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações) escrita por Renato Veras, em 2009. Esse artigo aborda e discute as consequências sociais e da saúde, decorrentes do aumento do número de idosos no Brasil. estabelecer relacionamento produtivo com o meio (habilidade de se comunicar). Depende de visão, audição e fala. (Figura 1) Figura 1. Domínios de saúde do idoso (Fonte: Rev. Med. Minas Gerais 2010; 20(1): 54-66). A perda dessas funções resulta nas grandes síndromes geriátricas: 1. Incapacidade cognitiva 2. Instabilidade postural 3. Imobilidade 4. Incapacidade comunicativa 7 “Is” 5. Iatrogenia 6. Incontinência urinária 7. Insuficiência familiar Descritas inicialmente por Isaacs 3 , as grandes síndromes geriátricas não incluíam a incapacidade comunicativa e a insuficiência familiar. Tem-se, portanto, os 7 “Is” da Geriatria. (Figura 2). Figura 2. Grandes síndromes geriátricas (Fonte: Rev. Med. Minas Gerais 2010; 20(1): 54-66). Incapacidade cognitiva Incapacidade cognitiva é o comprometimento das funções encefálicas superiores, o que prejudica a funcionalidade do indivíduo. Para o estabelecimento do diagnóstico, é fundamental a constatação do prejuízo na funcionalidade do indivíduo ou perda de AVDs. As principais etiologias da incapacidade cognitiva são: demência, depressão, delirium (estado confusional agudo) e doenças mentais (esquizofrenia, por exemplo). É recomendado o uso de normas padronizadas para detectar as alterações na funcionalidade dos idosos pelo desempenho em suas atividades básicas ou instrumentais REFLEXÃO: No convívio e\ou no atendimento à pessoa com DI que envelhece, sou capaz de perceber que as alterações nos domínios de saúde podem resultar nas grandes síndromes geriátricas? Será que esses domínios podem implicar na autonomia e na independência da pessoa com DI que atendo? de vida diária por intermédio das escalas, por exemplo, de Katz e de Lawton-Brody, respectivamente (Anexos 1 e 2). Para o diagnóstico das demências, os critérios propostos pela Academia Brasileira de Neurologia 4 devem ser utilizados. (Quadro 1). Quadro 1. Critérios diagnósticos de demência A demência da doença de Alzheimer (DA) é a mais prevalente das demências em idosos. O diagnóstico da DA depende de uma avaliação clínica detalhada, seguindo os critérios relacionados no Quadro 2. (1) Há sintomas cognitivos e comportamentais (neuropsiquiátricos) que: 1.1 Interferem com a habilidade no trabalho ou em atividades usuais 1.2 Representam declínio em relação a níveis prévios de funcionamento e desempenho 1.3 Não são explicáveis por delirium (estado confusional agudo) ou doença psiquiátrica maior (2) O comprometimento cognitivo é detectado e diagnosticado mediante combinação de: 2.1 Anamnese com paciente e informante que tenha conhecimento da história e 2.2 Avaliação cognitiva objetiva, mediante exame breve do estado mental ou avaliação neuropsicológica. (3) Os comprometimentos cognitivos ou comportamentais afetam no mínimo dois dos seguintes domínios: 3.1 Memória, caracterizado por comprometimento da capacidade de adquirir ou evocar informações recentes 3.2 Funções executivas, caracterizado por comprometimento do raciocínio, da realização de tarefas complexas e do julgamento. 3.3 Habilidades visuais-espaciais 3.4 Linguagem (expressão, compreensão, leitura e escrita) 3.5 Personalidade ou comportamento, com sintomas que incluem alterações do humor, agitação, apatia, desinteresse, isolamento social, perda de empatia, desinibição, comportamentos obsessivos, compulsivos ou socialmente inaceitáveis. Quadro 2. Critérios diagnósticos da demência de doença de Alzheimer 4 1- Demência da doença de Alzheimer provável (modificado de McKhann et al.2011) Preenche critérios para demência e tem adicionalmente as seguintes características: 1.1- Início insidioso (meses ou anos) 1.2- História clara ou observação de piora cognitiva 1.3- Déficits cognitivos iniciais e mais proeminentes em uma das seguintes categorias: Apresentação amnéstica (deve haver outro domínio afetado) Apresentação não-amnéstica (deve haver outro domínio afetado) -Linguagem (lembranças de palavras) -Visual-espacial (cognição espacial, agnosia para objetos ou faces, simultaneoagnosia e alexia) -Funções executivas (alterações de raciocínio, julgamento e solução de problemas) 1.4- Tomografia ou, preferencialmente, ressonância magnética do crânio deve ser realizada para excluir outras possibilidades diagnósticas ou co-morbidades, principalmente a doença vascular cerebral. 1.5- O diagnóstico de demência de DA provável não deve ser aplicada quando houver: Evidência de Doença cerebrovascular importante definida por história de AVC temporalmente relacionada ao início ou piora do comprometimento cognitivo; ou presença de infartos múltiplos ou extensos; ou lesões acentuadas na sustância branca evidenciada por exame de neuroimagem; ou. Características centrais de demência com corpos de Lewy (alucinações visuais, parkinsonismo e flutuação cognitiva) Características proeminentes da variante comportamentalda demência frontotemporal (hiperoralidade, hipersexualidade, perseveração); ou Características proeminentes de afasia progressiva primária manifestando-se como a variante semântica, com discurso fluente, anomia e dificuldade de memória semântica; ou como variante não- fluente, com agramatismo importante; ou Evidência de outra doença concomitante e ativa, neurológica ou não-neurológica, ou de uso de medicação que pode ter efeito substancial sobre a cognição. Os seguintes itens, quando presentes, aumentam o grau de confiabilidade do diagnóstico clínico da DA provável: a- Evidência de declínio cognitivo progressivo, constatado em avaliações sucessivas; b- Comprovação de presença de mutação genética causadora de DA(genes da APP e presenilinas 1 e 2) c- Positividade de biomarcadores que reflitam o processo patogênico da DA (marcadores moleculares através de PET ou líquor; ou neuroimagem estrutural e funcional) A ocorrência do item a confirma a existência de um mecanismo degenerativo, apesar de não ser específico da DA 2- Demência da Doença de Alzheimer possível Quando o paciente preenche os critérios diagnósticos clínicos para demência da DA, porém apresenta algumas das circunstâncias abaixo: 2.1- Curso atípico: início abrupto e/ou padrão evolutivo distinto daqueles observado usualmente, isto é, lentamente progressivo. 2.2-Apresentação mista: tem evidência de outras etiologias conforme detalhado no item 4 dos critérios de demência de DA provável Os exames de sangue e de imagem devem ser empregados para a investigação de causas secundárias potenciais de síndrome demencial (Quadro 3), incluindo a relacionada à DA. Quadro 3. Exames de rastreio para demência (incluindo a relacionada à DA*) Exames laboratoriais Exames de imagem Hemograma completo Creatinina, Cálcio sérico Enzimas hepáticas Albumina Dosagem de TSH Dosagem de vitamina B12 e ácido fólico Sorologia para sífilis <60 anos: sorologia para HIV Tomografia de crânio ou Ressonância Nuclear Magnética do crânio (preferencialmente) *DA, demência da doença de Alzheimer OUTRAS DEMÊNCIAS Demência vascular Demência com corpos de Lewy Demência frontotemporal Demência da doença de Parkinson Doença de Huntington Doenças priônicas Demências virais e outras infecções (HIV, Sífilis e outras). Secundárias a neoplasias Hidrocefalia de Pressão Normal Doenças psiquiátricas Secundária ao alcoolismo REFLEXÃO: Será que as alterações cognitivas presentes na pessoa com DI em processo de envelhecimento podem ser confundidas com doenças graves como demências? Demências metabólicas e tóxicas (deficiência vitamina B12 ou ácido fólico, alterações dos hormônios tireoidianos e outros). O delirium (estado confusional agudo) é uma síndrome neurocomportamental causada por comprometimento transitório da atividade cerebral, secundário a uma causa orgânica. É definido como distúrbio de início súbito que envolve a consciência, a atenção, a cognição e a percepção e que tende a variar (flutuar) ao longo do dia. Os idosos, devido à redução de sua reserva cerebral, são muito vulneráveis ao delirium, que pode se manifestar nas formas de delirium hiperativo, hipoativo e misto. Apenas o tipo hiperativo é frequentemente diagnosticado na prática clínica, apesar de corresponder a aproximadamente um terço dos casos. As principais causas de delirium são: infecções, medicamentos, intercorrências clínicas e hospitalizações. Sua prevalência em pacientes com síndrome demencial é muito elevada 10,11 . Em relação à depressão, os critérios diagnósticos (DSM-IV) devem levar em conta a seguinte sintomatologia: humor deprimido, diminuição do interesse e do prazer na maioria das atividades (anedonia); insônia ou hipersonia, ganho ou perda de peso acima de 5%, redução da capacidade de concentração, agitação ou lentificação psicomotora, fadiga, ideia inapropriada de menor valia ou de culpa, pensamento recorrente de morte ou de ideação suicida. A sintomatologia deve persistir por mais de duas semanas, com perturbação ou alteração da capacidade funcional e não estar relacionada ao abuso de alguma substância, condição médica ou luto. O diagnóstico de depressão maior requer a presença de cinco desses sintomas, incluindo, obrigatoriamente, humor deprimido ou anedonia. Recomenda-se que todos os idosos sejam avaliados em busca do diagnóstico de depressão, tendo em vista a sua alta prevalência e a significativa repercussão dela decorrente. Iatrogenia (iatros: médico; gignesthai: nascer, derivado da palavra gênese: produzir). A iatrogenia relaciona-se a qualquer alteração patogênica provocada pela prática médica. Ela resulta da presença de uma ou mais das seguintes situações: Iatrofarmacogenia, decorrente de polifarmacia, da interação medicamentosa e do desconhecimento das alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas associadas ao envelhecimento; Internação hospitalar, que pode potencializar os riscos decorrentes do declínio funcional, da subnutrição, da imobilidade, da úlcera de pressão e da infecção hospitalar; Iatrogenia da palavra, associada ao desconhecimento de técnicas de comunicação de más notícias; Iatrogenia do silêncio, que decorre da dificuldade de ouvir adequadamente ao paciente e à sua família; Subdiagnóstico, que é a tendência a atribuir todas as queixas apresentadas pelo idoso ao fenômeno “da idade”; Cascata propedêutica, em que a solicitação de exames é feita de forma desnecessária, extensiva e sem indicação; Distanásia, caracterizada pelo prolongamento artificial da vida sem perspectiva de reversibilidade, com sofrimento do paciente e de sua família; Prescrição de intervenções fúteis e/ou sem comprovação científica: que impõem ao paciente risco desnecessário; Iatrogenia do excesso de intervenções reabilitadoras, ou o excesso de “equipe interdisciplinar”, que pode trazer consequências desfavoráveis ao paciente, assim como o faz a polifarmácia. Incontinência urinária A incontinência urinária (IU) é definida como a queixa de qualquer perda involuntária de urina. A IU pode ser: De estresse: perda involuntária de urina sincrônica ao esforço, espirro ou tosse. Pode ser causada, em mulheres, pela fraqueza do assoalho pélvico e, em homens, após prostatectomia radical; De urgência: perda involuntária de urina, associada ou imediatamente precedida de urgência miccional. Há, em geral, queixa associada de polaciúria e noctúria. Corresponde, frequentemente, à queixa de diminuição da complacência vesical ou de bexiga hiperssensível; Mista: perda involuntária de urina concomitante à urgência miccional e ao esforço; Por transbordamento: gotejamento e/ou perda contínua de urina associados ao esvaziamento vesical incompleto, devido à contração deficiente do detrusor e/ou obstrução na via de saída vesical. Instabilidade postural O comprometimento da mobilidade pode acarretar consequências graves, principalmente nos idosos. A instabilidade postural, por exemplo, leva o idoso à queda, o que representa uma grande preocupação por parte de quem cuida dos idosos. Imobilidade O conceito de imobilidade é variável. Por imobilidade entende-se qualquer limitação do movimento. No grau máximo de imobilidade, conhecido como síndrome de imobilização ou da imobilidade completa, o idoso é totalmente dependente: apresenta déficit cognitivo avançado, rigidez e contraturas generalizadas e múltiplas; afasia, disfagia, incontinência urinária e fecal; e úlceras de pressão.Incapacidade comunicativa Problemas de comunicação podem resultar em perda de independência e sentimento de desconexão com o mundo, sendo um dos mais frustrantes aspectos dos problemas causados pela idade. A incapacidade comunicativa pode ser considerada importante causa de perda ou restrição da participação social (funcionalidade), comprometendo a capacidade de execução das decisões tomadas, afetando diretamente a independência do indivíduo. Insuficiência familiar A família constitui-se na principal instituição cuidadora dos idosos frágeis, devendo ser privilegiada nessa sua função. A transição demográfica, entretanto, a atinge diretamente reduzindo drasticamente a sua capacidade de prestar apoio a seus membros idosos. A redução da taxa de fecundidade trouxe profundas modificações na estrutura familiar. O número de filhos está cada vez menor e as demandas familiares são crescentes, limitando tanto a disponibilidade dos pais para cuidarem de seus filhos quanto dos filhos para cuidarem de seus pais. Por sua vez, o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho, a valorização do individualismo e os conflitos intergeracionais contribuem para as modificações nos arranjos domiciliares. Essas mudanças sociodemográficas e culturais têm repercussões importantes no acolhimento às pessoas com incapacidades que, historicamente, dependiam de apoio e cuidado familiar. 2. Luto e finitude. Deborah Inácio da Silva Boschetti Vida e morte: este é um eixo que sempre despertou a curiosidade dos seres humanos. O que acontece quando “acaba”? Há algo reservado para nós? E aos que ficam, é possível lidar com a perda? Estas são questões que permeiam nosso imaginário e com as quais temos dificuldade de lidar. Na sociedade moderna, na qual a figura do idoso é desvalorizada e o passar dos anos parece evidenciar a proximidade da morte, o próprio “processo de morrer” parece cada vez mais internalizado nos indivíduos como se, ao deixarmos de falar sobre o assunto, a finitude pudesse ser adiada. Em relação a esse contexto, Oliveira & Lopes (2008) afirmam que: A morte, neste modelo social, é algo relegado a um segundo plano, a não ser discutido, como se isso pudesse evitá-la. É aquela interdita, que deve ser escondida, institucionalizada, medicalizada, sem grandes demonstrações de dor pelos enlutados, não mais portadora de ritos. (p.217) Ainda que morrer seja inevitável a qualquer um de nós, a Ciência parece contribuir para prorrogar ao máximo nosso tempo de vida. Os adventos médicos, a indústria estética e a própria mídia tornam esse assunto um tabu difícil de ser contornado. De acordo com Basso & Wainer (2011): Este mistério que é a morte gera medo, medo do desconhecido talvez, que pode acarretar em muitas dores físicas, emocionais e psicológicas. A morte é um fenômeno que pode desencadear ou gerar uma sensação de fragilidade, não só para quem está morrendo, mas também para os familiares, amigos, etc.(p.36). Pensemos nas transformações ao longo da História. Apesar de tratada com certo medo, a morte sempre foi esperada e a ela eram conferidos, de acordo com cada cultura, um processo ritualístico para simbolizar essa penosa passagem. Nos dias atuais, entretanto, esse simbolismo vem perdendo espaço. A sociedade, cada vez mais dinâmica, não atribui mais valor ao processo de morrer e, mais do que isso, ao enlutamento presente nos indivíduos que perderam um ente querido. O luto é uma construção importante e inerente a todos os seres humanos, ainda que a demonstração das emoções (e da dor, por que não?) se dê de forma diferente em cada um de nós. Não existe uma fórmula mágica que confira ao luto um roteiro a ser seguido. Entretanto, os estudos nas áreas da Psicologia e de algumas Ciências Humanas, nos trazem uma gama de características que podem ser encontradas com maior repetição. Dentro do contexto subjetivo ao qual se atrela ao luto, pensemos em como se dá esse processo em indivíduos com alguma deficiência intelectual. Estes sujeitos sofrem e sentem a dor da perda como qualquer um de nós. Entretanto, o aumento da longevidade dessa parcela da população traz a necessidade de compreendermos como eles elaboram seu enlutamento e como manifestam seus sentimentos. PARA SABER MAIS: Para saber mais sobre esse tema, você encontrará um vídeo sobre luto e finitude humana, produzido pela Drª Carla Mannino, Psicóloga clínica, especialista em psico- oncologia. Esse material foi veiculado livremente no YouTube. http://www.youtube.com/watch?v=R7K3cPWEyeg PARA REFLETIR: Sou capaz de perceber a importância da elaboração do luto no atendimento à pessoa com DI? Será que de fato valorizo o enlutamento da pessoa que atendo? Pretendemos com este pequeno ensaio discutir alguns aspectos essenciais na elaboração do luto, especialmente em pessoas idosas com deficiência intelectual, de modo a contribuir para a ampliação da discussão sobre como se pode contribuir para o bem estar destes indivíduos, no contexto do enlutamento. A elaboração do luto Este processo, de acordo com Rebelo (2005), é um “processo psicossocial que, no seu desenvolvimento normal, visa à transferência, na esfera emocional, da vinculação em relação a um objeto perdido para memórias amenas das expressões dessa mesma vinculação”. Perder alguém próximo, alguém que amamos e com quem convivemos, não é uma tarefa fácil. Há uma porção de sentimentos que invadem nossa mente: raiva, indignação pela perda, culpa, tristeza, sensação de esquecimento, de irritabilidade, ansiedade, entre outros. A dor da perda acomete a todos os seres humanos, em diferentes proporções, podendo atender às variáveis que compreendam, por exemplo, o grau de proximidade do ente que partiu com o enlutado. Perder parentes próximos, como pais ou mesmo filhos, gera um quadro de luto mais delicado de ser tratado pelos profissionais. Embora não desejemos que alguém querido parta, em algumas situações – como em um quadro longo de alguma doença degenerativa, por exemplo – de certa forma, nos preparamos para a perda ao longo do tempo. A esse processo, os autores que discursam sobre o tema chamam “luto antecipatório”. Basso & Wainer (2011) comentam que: Quando ocorre uma perda devido a alguma doença degenerativa, ou uma morte natural e esperada, as pessoas possuem um tempo maior para se prepararem e até se conformam mais rapidamente com a partida do ente querido. O luto antecipatório é bastante encontrado nesses casos, pois as pessoas passam a ter sintomas de raiva, depressão, ajustes de papéis familiares e, de acordo com alguns estudiosos, são facilitadores da vivência do luto. (p.37) PARA REFLETIR: Posso considerar a elaboração do luto como um processo importante na vida da pessoa com DI que envelhece? Será que dei a devida importância a esse fato na minha prática de atendimento, ou apenas achava que esse processo não tinha tanta relevância? Em outros casos, frente a uma perda súbita, a elaboração do luto adquire um caráter de maior dificuldade e complexidade, pois, além de lidar com o susto da perda, o enlutado preciso buscar mecanismos para aceitar e racionalizar algo que aconteceu de modo repentino. São casos mais complicados, que envolvem sentimentos mais confusos e de indignação. Ao longo dos estudos da Psicologia, o processo de elaboração do luto e da ressignificação do sentido da vida frente à perda de um ente querido foi amplamente estudado. Embora cada autor delimitefases (ou estágios) distintas, elas convergem para algumas características comuns – como os momentos de choque, revolta, desnorteamento e reorganização. Segundo Bowlby (1990), há quatro estágios ou fases do luto: 1) o entorpecimento; 2) o anseio; 3) a desorganização e o desespero; e 4) a reorganização. Podemos afirmar que são diversas as formas de expressar o sentimento representativo à perda de um ente. Voltamos a afirmar que, cada indivíduo tem uma forma e uma intensidade cabível a essa demonstração, ainda que existam reações comumente associadas ao fenômeno da perda. A própria fase da barganha associa-se ao eixo perda – ganho do indivíduo que sofre pela perda, e tem medo de que ela possa ocorrer novamente (envolvendo outros sujeitos à sua volta). É um processo delicado, no qual a fé pode ser colocada em questão e o medo do abandono e da solidão permeia o imaginário do enlutado. O impacto inicial também constitui um cenário de grande relevância. Para Oliveira & Lopes (2008): A fase do choque pode durar horas ou dias, constituindo-se de desespero, raiva, irritabilidade, amargura e isolamento. Tais sentimentos podem se manifestar por atitudes emocionais intensas e passam a ser expressos contra todo aquele que venha a compartilhar o luto, como uma manifestação de defesa, pois a aceitação desses sentimentos reafirma a perda. (p.218) Outro sentimento que se torna uma armadilha perigosa na construção do luto é a culpa. Esta, por sua vez, invade a mente do indivíduo enlutado, deixando a dúvida de ações que poderiam ser tomadas para evitar a morte em si, ou ainda, de hábitos que poderiam (ou que se pensa, poderiam) impedir ou afastar a morte. Em relação a isso, Bassi & Wainer (2011a) comentam que a personalização aparece quando os indivíduos assumem a culpa pelo fato ocorrido: “’Ele morreu por minha culpa, não podia ter deixado sair com o carro’, pois, além dos sentimentos de culpa e de revolta, eles encontram-se raivosos consigo mesmos” (p.39). Ainda que seja passível de inúmeras variáveis intrínsecas a subjetividade do indivíduo, sua historia de vida e o contexto da morte de seu ente, há uma diferenciação entre o luto considerado normal e o luto que ultrapassa os parâmetros da normalidade, tornando-se complicado. Basso & Wainer (2011b), distinguem esses processos de modo que o luto normal é uma resposta saudável a um fator estressante que é a perda significativa de um ente querido, implicando na capacidade de expressar a dor. No caso do luto complicado, esses mecanismos de externalização não foram bem-sucedidos e o enlutado renega a possibilidade da perda. Luto em pessoas com Deficiência Intelectual em processo de envelhecimento O aumento da longevidade em indivíduos com deficiência intelectual imprime uma tendência que evidencia a necessidade de estudos específicos sobre essa população, no que tange a percepção de seu desenvolvimento cognitivo e emocional. Na realidade atual, é comum que estes indivíduos tenham que lidar com a perda de parentes próximos, principalmente dos pais, uma vez que o envelhecimento e a perda de funções fisiológicas chegam tanto para estes quanto para seus filhos. Muitas vezes a pessoa idosa com DI, além de perder seus pais ou cuidador, perde também seus espaços, pois com a morte destes, passam a morar com um irmão ou cuidador em outra casa. Em um espaço diferente, muitas vezes precisam se adaptar com a nova família, com uma nova casa, uma nova rotina, fazendo com que o luto e a perda sentida sejam em vários outros aspectos que não só a morte de um ente querido. Faz-se necessário, dessa forma, preparar esses sujeitos para a perda e acompanhá- los no processo de enlutamento, para que suas emoções sejam externalizadas de maneira bem-sucedida – configurando o luto normal. Infelizmente, ainda existem poucas pesquisas na área, o que dificulta aos profissionais que realizam a terapia compreender se no processo de racionalização da perda, a deficiência intelectual condiciona ou não os indivíduos ao sucesso da elaboração do luto. Devido à deficiência e declínio cognitivo, muitas vezes a pessoa com deficiência intelectual tem dificuldade para entender o que se passa com relação à morte de um ente querido ou até mesmo de comunicar ou expressar seus sentimentos. Isto faz com que ela demonstre comportamento como isolamento, irritabilidade, falta de motivação nas suas atividades sociais e da vida diária, doenças, queda de cabelo, entre outros. Outro fator importante em relação ao luto em pessoais com DI é a falta, na maioria dos casos, de espaços de escuta terapêutica que possibilitem a eles expressar o que lhes angustia. Esses indivíduos, como apontam alguns estudos, têm suas emoções negligenciadas na maior parte do tempo. Isso se torna, para eles, uma barreira significativa à possibilidade de expressão, de manifestação da dor e da revolta legitimadas pela perda. Essa dificuldade de expressão e, em alguns casos, até da negação, pode contribuir para a construção de um luto complicado. Assistência especializada na elaboração do luto Mais uma vez, ressaltamos a importância da assistência especializada na elaboração do luto em pacientes com alguma dificuldade de expressão da dor provocada pela perda. Como mencionado anteriormente, o luto saudável compreende a capacidade do indivíduo em aceitar e expressar o sentimento de dor e descontentamento, enquanto no luto complicado, essa internalização é dificultada por algum agravante emocional ou patológico. Em pessoas com DI a comunicação é, por si só, um obstáculo a ser vencido. Em casos de perda de familiares, a dor e a não-compreensão do quadro que se instaura podem levar a elaboração do luto de um modo complicado. Muitos estudos propõem alternativas de intervenção para pacientes enlutados, embora os estudos específicos para o tratamento emocional de pacientes com deficiência intelectual ainda seja extremamente escasso. Dessa forma, faz-se necessário adaptar as alternativas terapêuticas ao contexto do DI, respeitando sua subjetividade e suas possibilidades de resposta ao tratamento. Dentre as inúmeras possibilidades de intervenção, ressalto alguns caminhos pelos quais tenho trilhado a terapia com êxito. É primordial que o suporte seja dado de modo acolhedor aos familiares atentando-se, principalmente, àqueles que, por falta de acesso a uma rede de suporte psicossocial, estejam em situação de maior risco. É necessário que o terapeuta, num primeiro momento, auxilie o indivíduo a se dar conta da perda, isto é, auxiliá-lo a não negar o que aconteceu, podendo rememorar o episódio (com delicadeza, obviamente). Outro princípio importante está no incentivo à identificação e expressão dos sentimentos do enlutado. Como? Auxiliando para que este expresse e identifique quais são os sentimentos pelos quais está tomado naquele momento (por exemplo, raiva, indignação, entre outros). Aprender a lidar com a ausência do ente perdido é outro passo fundamental no processo de aceitação da perda e ressignificação da própria vida. Este é um passo muito difícil de ser dado, uma construção que deve envolver o incentivo à habilidade de lidar com situações adversas e reagir positivamente a ela. Ainda que não exista uma fórmula a ser seguida, é importante ressaltar que o luto é um processo doloroso, porém comum, dentro da possibilidade de expressão da dor. Precisamos ficar atentos ao comportamento dos indivíduos enlutados, para verificar se a dor e a insatisfação estão dentro da normalidade. O tempo de aceitação de cada um é único, assim como a resposta do indivíduo ao processo. RESUMONeste módulo você foi capaz de aprender sobre o envelhecimento humano normal e as principais co-morbidades presentes no envelhecimento patológico. Além disso, compreendeu os aspectos que envolvem a finitude humana. No próximo módulo você estudará o aumento da expectativa de vida, a transição demográfica e epidemiológica. Compreenderá as causas de mortalidade e as principais doenças presentes na pessoa idosa. Portanto, entenderá o papel do cuidador e refletirá sobre promoção de saúde e a qualidade de vida da pessoa com DI em processo de envelhecimento. PARA REFLETIR: Na minha prática de atendimento, tenho sido um facilitador (a) na elaboração do luto da pessoa com DI que atendo? Sou capaz de perceber as expressões dos sentimentos utilizados como recursos na elaboração do luto? REFERÊNCIAS MORAES, E. N. Princípios Básicos de Geriatria e Gerontologia, Belo Horizonte: Coopmed; 2008. ISAACS, B. The Challenge of Geriatric Medicine. Oxford: Blackwell; 1992. MORAES, E. 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