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Mariana Amabile Waideman História da Gastronomia Mariana Amabile Waideman História da Gastronomia Presidente da Divisão de Ensino Reitor Pró-Reitor de Graduação Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Coordenação Geral de EAD Coordenação de Metodologia e Tecnologia Autoria Parecer Técnico Supervisão Editorial Layout de Capa Projeto Gráfico Prof. Paulo Arns da Cunha Prof. José Pio Martins Prof. Carlos Longo Prof. Ronaldo Vinicius Casagrande Prof. Everton Renaud Profa. Roberta Galon Silva Profa. Mariana Amabile Waideman Profa. Giana Coró Figueiredo Aline Scaliante Coelho Baggetti Valdir de Oliveira Denis Kaio Tanaami e Regiane Rosa *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Imagens de capa: © VSForever // Shutterstock. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Copyright Universidade Positivo 2018 Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300 – Campo Comprido Curitiba-PR – CEP 81280-330 DTCOM DIRECT TO COMPANY S/A Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design Instrucional, Edição de Arte, Diagramação, Imagem de Capa, Design Gráfico e Revisão Textual CONCEITO BIOGRAFIA ASSISTA AFIRMAÇÃO CURIOSIDADE RECEITA EXEMPLO ESCLARECIMENTO DICA » Afirmação: citações e afirmativas proferidas por teóricos de relevância na área de estudo. » Assista: indicação de filmes, vídeos ou simila- res que trazem informações complementares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado. » Biografia: dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado. » Conceito: definição, caracterização de um concei- to específico da área de conhecimento trabalhada. » Curiosidade: informação que revela algo desco- nhecido e interessante sobre o assunto tratado. » Dica: um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma informação privi- legiada sobre o conteúdo trabalhado. » Esclarecimento: explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhe- cimento trabalhada. » Exemplo: informação que retrata de forma obje- tiva determinado assunto. » Receita: receita indicada contendo a quantidade e o alimento necessários para a realização de deter- minado procedimento. » Temperatura: Indica a temperatura ideal ou a tem- peratura média para preparo, fritura ou cocção. » Tempo: Indica o tempo de preparo, fritura ou cocção. Ícones TEMPO TEMPERATURA Sumário Apresentação .......................................................................................................................... 15 A Autora .................................................................................................................................. 17 Capítulo 1 História da alimentação .......................................................................................................... 19 1.1 Alimentação na Pré-História ............................................................................................20 1.1.1 O homem primitivo e as descobertas alimentares ......................................................................................................... 21 1.1.2 O período paleolítico: caça e pesca ................................................................................................................................. 21 1.1.3 A época carnívora da humanidade ................................................................................................................................. 22 1.1.4 A alimentação vegetal e carnívora .................................................................................................................................. 23 1.2 Gastronomia na Idade Antiga e Idade Média ..................................................................25 1.2.1 Os povos dos grandes banquetes .................................................................................................................................... 25 1.2.2 Civilização romana ........................................................................................................................................................... 26 1.2.3 Destaque para o cozinheiro dos reis: Taillevent .............................................................................................................. 27 1.3 Gastronomia na Idade Moderna ......................................................................................28 1.3.1 A época das grandes inovações ...................................................................................................................................... 28 1.3.2 As boas maneiras atribuídas à época: uso de talheres ................................................................................................... 29 1.3.3 Tabernas, estalagem e cozinha de rua ............................................................................................................................ 29 1.3.4 A alimentação nos mosteiros .......................................................................................................................................... 30 1.4 Gastronomia na Idade Contemporânea ........................................................................... 31 1.4.1 O caminho do aperfeiçoamento ..................................................................................................................................... 31 1.4.2 Surgimento de técnicas de conservação ......................................................................................................................... 32 1.4.3 Instalação do comodismo alimentar .............................................................................................................................. 33 1.4.4 A industrialização dos alimentos .................................................................................................................................... 34 Referências .............................................................................................................................. 35 Capítulo 2 Gastronomia pelo mundo ...................................................................................................... 37 2.1 História da Gastronomia no Brasil ....................................................................................38 2.1.1 A chegada dos portugueses: início da construção da identidade alimentar no país ................................................... 38 2.1.2 Gastronomia brasileira: originária da mistura de povos (portugueses, africanos e indígenas) .................................... 39 2.1.3 A unanimidade nacional: arroz e feijão .......................................................................................................................... 43 2.1.4 Influência das regiões nos cardápios brasileiros ............................................................................................................. 44 2.2 História da Gastronomia na Europa .................................................................................46 2.2.1 Vestígios das civilizações: particularidades da França .................................................................................................... 47 2.2.2 Influências da Itália ......................................................................................................................................................... 48 2.2.3 Atribuiçõesportuguesas e espanholas na gastronomia europeia ................................................................................. 49 2.2.4 Contribuições da Alemanha ............................................................................................................................................ 50 2.3 História da Gastronomia na Ásia ...................................................................................... 51 2.3.1 Particularidades gastronômicas do Japão e da China .................................................................................................... 51 2.3.2 Curiosidades da Gastronomia na Tailândia ..................................................................................................................... 53 2.3.3 Alimentação na Mongólia ............................................................................................................................................... 53 2.3.4 A alimentação na Coréia do Norte e Coréia do Sul ......................................................................................................... 54 Referências ..............................................................................................................................56 Capítulo 3 Padrões alimentares ................................................................................................................57 3.1 Padrões e hábitos alimentares da população ..................................................................58 3.1.1 A prática de hábitos saudáveis no Brasil ......................................................................................................................... 58 3.1.2 Classificação dos padrões alimentares ............................................................................................................................ 59 3.1.3 Padrão alimentar x Saúde ............................................................................................................................................... 60 3.2 Padrão alimentar na infância e adolescência ................................................................... 61 3.2.1 Padrão alimentar e crescimento ...................................................................................................................................... 63 3.2.2 Padrão alimentar e desenvolvimento ............................................................................................................................ 64 3.2.3 Padrão alimentar e saúde ................................................................................................................................................ 64 3.3 Padrão alimentar na vida adulta ......................................................................................65 3.3.1 Padrão alimentar saudável .............................................................................................................................................. 65 3.3.2 Consumo de alimentos e estilo de vida .......................................................................................................................... 66 3.3.3 Perfil qualitativo da alimentação .................................................................................................................................... 67 3.3.4 Perfil quantitativo da alimentação .................................................................................................................................. 68 3.4 A globalização alimentar ..................................................................................................69 3.4.1 Influência da globalização nas escolhas alimentares .................................................................................................... 70 3.4.2 Oferta e demanda de alimento no cotidiano.................................................................................................................. 71 3.4.3 Perfil qualitativo da alimentação globalizada ................................................................................................................ 71 Referências ..............................................................................................................................73 Capítulo 4 Alimentação, cultura e subjetividade ..................................................................................... 75 4.1 Alimentação/Mitos e tabus .............................................................................................. 76 4.1.1 Conceito de tabus alimentares ........................................................................................................................................ 76 4.1.2 Os tabus alimentares mais populares ............................................................................................................................. 76 4.1.3 Tabu segmentar, tabus de método e tabus históricos .................................................................................................... 78 4.2 Religiosidade e alimentação ............................................................................................79 4.2.1 Práticas religiosas e escolhas alimentares....................................................................................................................... 79 4.2.2 Rituais alimentícios e religião ......................................................................................................................................... 80 4.2.3 Crenças alimentares ......................................................................................................................................................... 83 4.3 Intervenção mística na alimentação ................................................................................84 4.3.1 Antropologia e alimentação ........................................................................................................................................... 85 4.3.2 Alimentos sagrados ......................................................................................................................................................... 85 Referências ..............................................................................................................................87 Capítulo 5 Especificidades da gastronomia pelo mundo ........................................................................89 5.1 Gastronomia francesa .......................................................................................................90 5.1.1 Comer e beber na França ................................................................................................................................................. 91 5.1.2 A harmonia entre queijos e vinhos ................................................................................................................................. 92 5.1.3 Inovações e tendências.................................................................................................................................................... 93 5.1.4 Destaques da culinária francesa ...................................................................................................................................... 94 5.2 Gastronomia italiana ........................................................................................................96 5.2.1 Comer e beber na Itália ................................................................................................................................................... 97 5.2.2 A harmonia entre queijos e vinhos ................................................................................................................................. 98 5.2.3 Inovações e tendências....................................................................................................................................................99 5.2.4 Destaques da culinária italiana ....................................................................................................................................... 99 5.3 Gastronomia japonesa ....................................................................................................101 5.3.1 Comer e beber no Japão ................................................................................................................................................ 103 5.3.2 A harmonia dos alimentos e bebidas ........................................................................................................................... 104 5.3.3 Segredo no preparo de peixes ....................................................................................................................................... 104 5.3.4 Destaques da culinária japonesa................................................................................................................................... 105 Referências ............................................................................................................................108 Capítulo 6 Gastronomia e etiqueta ........................................................................................................109 6.1 Regras à mesa ................................................................................................................ 110 6.1.1 História das regras de comportamento à mesa ............................................................................................................ 111 6.1.2 Montagem e utilização do mise-en-place .................................................................................................................... 112 6.1.3 Show-plate (ou sousplat) ............................................................................................................................................. 113 6.1.4 Pratos, talheres e copos ................................................................................................................................................. 113 6.2 Tipos de serviços gastronômicos .................................................................................... 115 6.2.1 Serviço americano ......................................................................................................................................................... 115 6.2.2 Serviço à inglesa ............................................................................................................................................................ 116 6.2.3 Serviço à francesa/diplomata ....................................................................................................................................... 116 6.2.4 Serviço à americana/buffet/self-service ....................................................................................................................... 117 6.3 Personagens e cargos no restaurante ............................................................................. 118 6.3.1 Maître ............................................................................................................................................................................ 118 6.3.2 Cozinheiro ...................................................................................................................................................................... 119 6.3.3 Garçom ........................................................................................................................................................................... 119 6.3.4 Sommelier ..................................................................................................................................................................... 120 6.4 Peculiaridades dos serviços de vinho ............................................................................. 121 6.4.1 A escolha do vinho x refeição ........................................................................................................................................ 122 6.4.2 O anfitrião e sua importância ao servir o vinho ............................................................................................................ 123 6.4.3 Uso de taças ................................................................................................................................................................... 124 Referências ............................................................................................................................ 126 Capítulo 7 Globalização alimentar ......................................................................................................... 127 7.1 A atualidade e a facilidade de acesso aos alimentos .....................................................128 7.1.1 Acesso aos alimentos no cotidiano: perfil da oferta alimentícia ................................................................................. 129 7.1.2 Facilidade de acesso aos alimentos: pontos positivos e negativos .............................................................................. 130 7.1.3 Padrão comportamental e a relação com escolhas alimentares .................................................................................. 131 7.2 Reflexos da globalização ................................................................................................ 133 7.2.1 Demandas para uma nova comensalidade .................................................................................................................. 133 7.2.2 Reflexos da globalização na cultura alimentar ............................................................................................................. 134 7.2.3 O impacto nas mudanças alimentares urbanas ........................................................................................................... 136 Referências ............................................................................................................................ 139 Capítulo 8 Gastronomia e saúde ............................................................................................................ 141 8.1 Perfil alimentar e fast-foods ...........................................................................................143 8.1.1 Alimentação e saúde ..................................................................................................................................................... 145 8.1.2 A relação das escolhas da alimentação e praticidade .................................................................................................. 146 8.1.3 O prazer gastronômico atrelado aos fast-foods ............................................................................................................ 146 8.2 Escolhas alimentares ...................................................................................................... 147 8.2.1 A rotina profissional: escolhas alimentares .................................................................................................................. 148 8.2.2 Psicologia e alimento .................................................................................................................................................... 149 8.2.3 Praticidade e alimentação ............................................................................................................................................. 150 Referências ............................................................................................................................152 Quando se fala em gastronomia, no seu sentido mais amplo, podemos dizer que ela nasceu juntamente com o homem. Todo ser vivo precisa se alimentar para sobreviver, mas somente o homem transformou essa prática em algoprazeroso e elaborado. As técnicas e preparações que envolvem alimentos estão em evolução constante. Quanto mais o homem aprendia sobre a vida, mais sua forma de se alimentar sofria alterações. Com o conteúdo apresentado na disciplina de História da Gastronomia, você poderá viajar aos tempos da pré-história, passando pelos principais marcos na alimentação humana até a gastronomia contemporânea. Os capítulos mostrarão que quanto mais os povos ex- ploravam novos lugares e conheciam novas culturas, a alimentação também mudava. Você verá que por trás do alimento que é consumido todos os dias, há riqueza de influências his- tóricas e culturais. Bons estudos! Apresentação A Autora A professora Mariana Amabile Waideman, é Mestre em Segurança Alimentar e Nutricional (2015, UFPR), especialista em Gastronomia (2008, Universidade Positivo) e graduada em Nutrição (2006, PUC-PR). Currículo Lattes: <lattes.cnpq.br/7676236165155491> Dedico esta obra aos meus professores da Pós-Graduação em Gastronomia, que despertaram meu interesse pelo tema. É gratificante estar construindo um material que poderá servir como incentivo para muitos alunos, frente às curiosidades peculiares da História da Gastronomia. Capítulo 1 História da alimentação Uma das primeiras rotinas em que o ser humano é inserido logo após nascer é a ali- mentação. Apesar de ser essencial para sobrevivência, ela já ultrapassou o conceito de que o homem precisa se alimentar apenas para viver. Atualmente, o ato de comer pode envolver técnica, conhecimento, história e prazer. Até a gastronomia da atualidade chegar ao patamar em que se encontra, passou por grandes evoluções e foi influenciada por, praticamente, todos os povos do mundo. Por isso, compreender todos esses processos de modificações e a grande carga cultura presente na alimentação é importante para o profissional da gastronomia. Para Cascudo (2005), a história da alimentação tem finalidade de comunicação, notí- cia e entendimento, com destaque para as particularidades alimentares dos povos nos dife- rentes momentos da história, com preservação das heranças e tradições de cada época. O autor ainda salienta que a evolução histórica da gastronomia permite a compreensão dos diferentes padrões alimentícios de cada localidade, auxiliando o entendimento da variedade alimentar entre as culturas, regiões e países, conforme está exposto no diagrama a seguir. História da Gastronomia20 Comunicação entre as culturas Compreensão padrões alimentares Variedade alimentarPreservação de herança HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO A partir do diagrama é possível notar que a história da alimentação envolve muito mais do que a forma como os pratos foram desenvolvidos. Ela está interligada com fatores que foram essenciais para a evolução humana como um todo. Nesse capítulo conheceremos mais a fundo como era a alimentação no período da pré-história e, partindo desse momento histórico, como aconteceu a evolução com o passar dos milênios até chegar à atuali- dade, onde a comida industrializada já faz parte do dia a dia da maioria das pessoas. 1.1 Alimentação na Pré-História A alimentação, desde a pré-história, sempre foi determinante nas atividades desenvolvidas pelo homem. Os registros de seus ancestrais mais antigos mostram a necessidade de percorrer grandes dis- tâncias em busca de alimento, uma vez que tecnologias como o plantio, a criação de animais e a conservação dos alimentos só apareceriam milhares de anos depois, sobretudo com a Revolução Neolítica. A seguir, veremos como o homem da pré-história se alimentava e quais eram as condições às quais ele precisava se subme- ter para conseguir alimento. © In G re en / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia 21 1.1.1 O homem primitivo e as descobertas alimentares A pré-história é o período compreen- dido entre o aparecimento dos primei- ros hominídeos, há aproximadamente 2,2 milhões de anos, e o surgimento da escrita, por volta de 3.000 a.C. Diversas espécies do gênero Homo desenvolveram-se ao longo de milhões de anos até a chegada à espécie do Homo sapiens, da qual os cientistas afirmam que nós, humanos contemporâneos, fazemos parte (CASCUDO, 2005). Segundo Abramovay (1996), vários destes cientistas também afirmam que a adoção de uma dieta baseada em proteína animal teria contribuído para a evolução dos seres humanos. 1.1.2 O período paleolítico: caça e pesca Durante o chamado período Paleolí- tico, uma divisão temporal que se esten- deu por cerca de dois milhões de anos – até, mais ou menos, 10 mil anos atrás –, o homem pré-histórico caracterizava-se como um indivíduo onívoro, cujas práti- cas alimentares derivavam da observação da alimentação de outros animais. Raízes, tubérculos e frutas eram mais facilmente adquiridas do que carcaças de animais, pois o homem demorou para desenvolver técni- cas de caça. Depois disso, com o desenvolvimento do hábito de se alimentar de proteína animal, decorrente da caça, da pesca e da coleta de mariscos (CAVALCANTI, 2007), ocorreu o aumento do consumo de carnes, já no cha- mado período paleolítico superior (10.000 A.C.) (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). © C ha n Th it id ec ha na nt / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia22 De acordo com Garcia (1995), o homem dessa época inventou ferramentas simples e descobriu a utilização do fogo. Com a descoberta de algumas ferramen- tas, realizou pinturas em cavernas, retra- tando animais da época e cenas do dia a dia. Nesse período, a caça e a pesca eram coisas imprescindíveis para sobrevivência, junto à colheita de frutas, consideradas as únicas formas de se obter alimento. O fogo foi considerado o primeiro tempero descoberto pelo homem. Devido aos incêndios frequentes nas florestas, os animais eram mortos pelas queimadas e suas carnes eram chamuscadas pela brasa, oferecendo sabor diferenciado. Com o fogo, o homem descobriu tam- bém o ato de cozinhar. Esse fato merece destaque, pois essa descoberta não mudou apenas o modo de transformar a comida, mas também revolucionou a sociedade, pois possibilitou a ingestão de alimentos mais nutritivos além de aumentar sua vida útil, permitindo seu transporte maiores distâncias. A seguir veremos como a carne foi incluída nas refeições do homem. 1.1.3 A época carnívora da humanidade A partir do momento em que o homem descobriu que poderia fabricar ferramentas como machados, facas e outros objetos de pedra ou madeira, passou a ser representada a fase do paleolítico superior, no período da pré-história em que a vida da comunidade era baseada na caça de animais, pescaria e coleta de alimentos plantados. Nesse período, conforme explica o paleoantropólogo Henry Bunn, a habili- dade de obtenção da carne e a forma de dilacerar a carcaça dos animais sofreram alterações. De acordo com Cascudo (2005) e Flandrin e Montanari (1998), a técnica que era emprega pelo homem pode ser dividida em três partes: © T om R ei ch ne r / / Sh ut te rs to ck História da Gastronomia 23 • Primeiramente, os chamados hominídeos retalhavam a carne dos ossos das car- caças de animais, usando alguns instru- mentos feitos de pedra ou de lascas de pedras. Esse primeiro período teria ocor- rido entre 2,6 e 2,5 milhões de anos atrás, indicando ainda uma capacidade pequena de obter alimentos com proteína animal. • Um segundo momento seria caracterizado por um procedimento mais comum de ma- nuseio da carne, desenvolvendo a habilida- de de se alimentarem a partir da quebra de ossos para usufruir do tutano presente em seu interior e carregarem as carcaças de animais para lugares distintosde onde haviam sido encontrados, ou abatidos. • O terceiro estágio chamado de Evolução Carnívora foi caracterizado pelo reta- lho extensivo dos restos dos animais, obtendo carcaças intactas, decorrentes de novas habilidades de apropriação de presas de outros carnívoros, ou mesmo decorrentes da prática da caça, que se tornava cada vez mais rotineira. Embora a carne não fosse o alimento exclusivo, passou a ter grande importân- cia na alimentação do ser humano (FLAN- DRIN; MONTANARI, 1998). Cabe destacar, no entanto, que a alimentação humana não se baseou somente em carne. A seguir, veremos um pouco da influência dos vege- tais na alimentação do homem. 1.1.4 A alimentação vegetal e carnívora O homem pré-histórico se alimentava a partir de insumos disponibilizados pela natureza. Com o desenvolvimento das téc- nicas de caça, os homens caçavam porcos, mamutes, coelhos, veados e outros ani- mais (BOURDAN, 2006). Nesse período, vivia-se em cavernas e as tarefas eram divi- dias entre homens e mulheres. Enquanto os homens dedicavam-se, basicamente, à caça, as mulheres colhiam frutos, nozes e raízes para complementar a alimentação. © B en Q ue en bo ro ug h / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia24 Anos mais tarde, na época chamada de Neolítica (aproximadamente 10 mil anos atrás), os seres humanos perceberam que poderiam domesticar animais e cultivar frutas e vegetais. Foi nessa fase da história que o homem começou a criar animais con- finados para o posterior abate e consumo, além de selecionar os que tinham melhor aparência e eram mais resistentes. Essa prática é considerada um grande avanço para a época (BOURDAN, 2006). Quanto ao estudo da evolução humana podemos citar duas ciências: a paleontologia, que estuda as etapas da evolução do homem por meio dos fós- seis, e a Taxonomia, que estuda a com- paração da biologia humana com os outros seres vivos. Da mesma forma que aconteceu com a domesticação dos animais, o homem criou técnicas para cultivar vegetais e frutos. Somente os mais produtivos eram selecio- nados e as áreas de plantio cresciam cada vez mais. De acordo com Cascudo (2005), investigações científicas indicam que as primeiras culturas foram de cevada, trigo, milho, batata, feijão, mandioca e arroz. Além de alterar a forma como a humanidade se alimentava e vivia em sociedade, o cultivo de plantas e criação de animais também despertou o lado artís- tico e estético do ser humano. Flandrin e Montanari (1998) afirmam que os primei- ros registros de pinturas em cavernas cal- cáreas, com representação de animais, são dessa época. Dessa forma, consegui- mos ter uma base sobre o que aconteceu à época da alimentação carnívora e vegetal da população do período. © P ic hu gi n D m it ry / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia 25 1.2 Gastronomia na Idade Antiga e Idade Média Com o passar do tempo, as desco- bertas alimentares foram ganhando novas e maiores dimensões. O uso de diferentes tipos de alimentos em diversas regiões do mundo deve-se à diversidade de plantas e animais de cada localidade. Gregos e roma- nos, por exemplo, consumiam em grande escala plantas comestíveis, azeites de oliva, e, além do consumo regional, ainda exportavam muitos desses alimentos. A partir da Idade Antiga, que com- preende o período de 3.000 a.C. (invenção da escrita) até 476 d.C. (queda do Império Romano), o consumo de especiarias e ervas aromáticas foi realizado em grande escala, sendo ingredientes muito comuns em ban- quetes das famílias mais nobres. A desco- berta de novos alimentos e ingredientes despertou em vários povos a vontade de apoderar-se dos centros produtores, con- tribuindo, assim, com a expansão econô- mica e política da região, sobretudo entre os romanos. Desta forma, na busca por conquistar novas oportunidades econômi- cas, houve intercâmbio de cultura, hábitos e culinária, agregando valores aos países e despertando interesse para as regiões (CASCUDO, 2005). A seguir, veremos um pouco mais sobre a evolução da culinária, começando com os povos que deram origem à cultura de grandes banquetes. 1.2.1 Os povos dos grandes banquetes Há dúvidas de qual foi o primeiro cereal cultivado no Egito, no entanto, há registros de terem encontrado cevada em sítios pré-históricos datados de cerca de 4.000 a.C., e também trigo. O trigo e a cevada constituíam a base da alimentação do povo egípcio, e eram usados na fabrica- ção do pão e da cerveja. Os pães tinham formatos variados, redondos, ovais, triangulares, cônicos e eram utilizados em oferendas e na pre- paração de rituais religiosos (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). Fo nt e: © g iv ag a // Sh ut te rs to ck Admin Realce História da Gastronomia26 Outra característica histórica do pão que fazia com que ele reunisse pessoas, é que ele sempre foi muito apreciado em ceias juntamente ao vinho. De acordo com Giacometti (1989), esse costume é um marco sagrado, que tem o pão como um ali- mento não apenas do corpo, mas também da alma, sendo, então, o “pão da vida”. Além do pão, o aumento da relação com vizinhos, quando as pessoas passaram a se juntar para consumir carnes, e peixes, também contribuiu para a evolução dos banquetes. Entre as civilizações que inicia- ram essa prática, estão os gregos da anti- guidade. Esse povo tinha como prática a recepção de visitas em casa, aliada a jan- tares, o que levou ao requinte das prepara- ções. Como exemplo, podemos citar o fato de que as famílias mais providas financei- ramente consumiam carnes mais nobres, como boi, carneiro, cabras e porcos. Outra civilização importante para esse resgate histórico é a romana. Os cozi- nheiros dos banquetes desse povo eram pessoas importantes e reconhecidas e recebiam altos salários. O fato de uma família ter um cozinheiro desses era sím- bolo de ascensão social. Na sequência conheceremos um pouco mais sobre a contribuição romana para a história da gastronomia. 1.2.2 Civilização romana A gastronomia na Roma Antiga era constituída, praticamente, pelo consumo de frutas e vegetais. Os romanos consu- miam muito alho, cebola e nabo, além de frutas como laranjas, maçãs e uvas. O prato típico da região era constituído de mingau de água com cevada, e uma versão mais refinada do prato contava com a pre- sença de vinho e miolos de animais. As carnes eram consideradas artigos de luxo, privilégio das famílias mais ricas que faziam consumo de carneiro, porco, ganso e pato. Uma particularidade da gas- tronomia do local era a alimentação dos animais com figos, para que as carnes © m ou nt ai np ix / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia 27 ficassem perfumadas e mais macias. Além disso, os gansos eram criados de maneira especial para o preparo dos patês e os fran- gos eram alimentados com anis e especia- rias para que houvesse reflexo e melhorias no sabor da carne. De acordo com Cascudo (2005), as carnes eram conservadas por meio de uma técnica que utilizava sal e condimentos, pois essas civilizações não contavam com tecnologias de refrigeração, e, em tempos quentes, a degradação dos produtos ali- mentícios acontecia muito rapidamente. Outra característica dos romanos era o uso de especiarias fortes, o que culminava em sabores marcantes e únicos. Esses hábi- tos e costumes gastronômicos marcaram toda uma era e deixaram uma herança que ainda é observada na atualidade por meio dos pratos considerados “quentes”, devido ao sabor picante. Em linhas gerais, a evolução da gas- tronomia está ligada ao fato de que se ali- mentar é um ato que envolve prazer. Fato esseque será trabalhado a seguir. 1.2.3 Destaque para o cozinheiro dos reis: Taillevent Ao fim da Idade Antiga e durante a Idade Média, surgiram diversos chefs de cozinha. Porém, um deles merece desta- que, Guillaume Tirel, ou, como era conhe- cido, Taillevent, o cozinheiro dos reis. Nas- cido em 1310, em Pont-Audemer na França, o cozinheiro iniciou sua carreira ainda quando menino. Mesmo quando criança, suas preparações já se destacavam. Guillaume Tirel tinha o apelido de Taillevent devido ao seu grande nariz. Taillevent, em francês, significa “quebra- -vento”. Taillevent foi considerado um dos maiores chefs de cozinhas de todos os tempos na história, revolucionando, a sua maneira, o modo de pensar e fazer cozi- nha. O chef cozinhou para a corte francesa e escreveu reconhecidas obras culinárias, com enfoque aos molhos condimenta- dos (com presença de açafrão, gengibre, pimenta e canela). Também escreveu sobre diversos ingredientes, sobretudo carne. De acordo com Cascudo (2005), ele era adepto de assados e molhos, que sem- pre se sobrepunham ao sabor do ingre- diente principal. O renomado cozinheiro faleceu em 1395, mas suas influências culi- nárias estenderam-se por toda a Idade Moderna até a atualidade. História da Gastronomia28 1.3 Gastronomia na Idade Moderna A Idade Moderna, que compreende os séculos XV e XVIII, foi marcada pelas nave- gações portuguesas e espanholas e também pelo Renascimento, movimento que des- pertou a liberação dos prazeres, entre eles, o prazer gastronômico. A gastronomia na idade moderna, ainda que houvesse even- tual escassez de alimentos, era diversifi- cada, inclusive pelo intercâmbio decorrente das trocas de insumos entre Novo Mundo e a Europa. Durante este período, foi observado um declínio no consumo de carne e aumento no consumo de pão. Este fato deve-se à ocorrência de uma maior dispo- nibilidade de terras férteis ao plantio do trigo, essencial na produção do pão. As boas maneiras à mesa foram fruto do Renascimento, assim como o hábito de lavar as mãos, usar guardanapos e talheres. Foi somente neste período que o uso de talheres tornou-se um hábito comum, pois até então a comida era saboreada com as mãos. Outro ponto que também se sofisti- cou na Idade Moderna foi a confeitaria. A seguir, veremos quais foram as ino- vações surgidas na Idade Moderna. 1.3.1 A época das grandes inovações Apesar da escassez de alimentos pre- sente na época, a Idade Moderna propiciou diversas inovações técnico-científicas que contribuíram para a modificação de alguns costumes alimentícios. Segundo Mondini e Monteiro (1994), novos itens apareceram nos mercados, atrelados a melhorias nos setores de pro- dução de bebidas como vinho, cervejas, queijos e produtos lácteos. Os autores ainda destacam que os ramos de cultivo de plantas e de criação de animais contaram com avanços significa- tivos na área da genética, além de impor- tantes melhorias no campo com a mecani- zação agrícola. As inovações foram respon- sáveis pelo aumento no consumo de uma gama de alimentos, tornando os banque- tes mais refinados e sofisticados, exigindo boas regras de conduta à mesa. © fr ee sk yl in e / / S hu tt es to ck História da Gastronomia 29 Por esse motivo, o uso dos talheres foi intensificado e ganhou notória impor- tância. Falaremos mais sobre esse assunto no próximo tópico. 1.3.2 As boas maneiras atribuídas à época: uso de talheres A partir da Idade Moderna, a eti- queta passou a cumprir papel distintivo na sociedade. Luxo e ostentação firmaram-se como referenciais aos indivíduos, refle- tindo o contexto social da família. Ruhlman (2009) afirma que não bastava ter nobreza, o importante era portar-se como tal. A etiqueta foi con- siderada elemento importantíssimo aos pertencentes das classes dominantes, qualquer deslize poderia ser considerado ofensa à imagem pessoal. O autor ainda destaca que uma regra básica era que no momento em que todos estivessem se servindo de um determi- nado prato, deveria ser evitado servir-se antes que as pessoas da mais alta catego- ria. Outro ponto referenciado era quanto ao uso da colher, que deveria estar sem- pre limpa para retirar algum alimento de outro prato, pois os demais presentes em uma refeição não iriam apreciar o uso de uma colher já levada anteriormente à boca. Sendo assim, a regra era clara, trocar sempre de talher quando houver necessi- dade de servir-se de outro alimento. As regras quanto ao uso de talheres eram criteriosamente seguidas pela alta sociedade e exigidas como postura e eti- queta aos banquetes gastronômicos da época. Entretanto, as tabernas da cidade, pequenos bares, com aparência rústica e ambiente despojado, ofereciam à comuni- dade descontração e liberdade para apre- ciar a alimentação de modo rudimentar, apenas com bebidas quentes e petiscos. Veremos mais sobre esses estabeleci- mentos a seguir. 1.3.3 Tabernas, estalagem e cozinha de rua Um aspecto relevante para o estudo das tabernas medievais é a questão da administração. Segundo Garcia (1996), em alguns casos, muitas tabernas da época eram controladas pela própria Igreja, que via nesses locais uma excelente fonte de rendimentos, mesmo conscientes que ali seriam cometidos alguns pecados aos olhos da religião. Mesmo conscientes das atitudes errôneas que poderiam ocorrer nas tabernas, o local continuou existindo e circulando grandes quantias financeiras para a região. Admin Realce História da Gastronomia30 Na Idade Moderna, as tabernas e estalagens funcionavam como espécie de local para pessoas confraternizarem, onde havia diversas opções de comidas. Flandrin e Montanari (1998) destacam que, enquanto bebiam, tanto os homens quanto as mulheres, acabavam muitas vezes até se expondo de maneiras mais vulgares, em troca de dinheiro, para auxi- liar obter lucros. Nesses locais as pessoas não se preocupavam muito com boas maneiras e regras, causando até mesmo arruaças pelas ruas, o que trazia como consequên- cia problemas com a lei, sendo que alguns chegavam a ser presos e julgados. Con- forme Garcia (1996) explica, a pena apli- cada ao ocorrido, normalmente, era emba- sada na assinatura de uma documentação. Esse documento funcionava como uma espécie de contrato, onde o responsável se comprometia em melhorar seu compor- tamento. Caso houvesse reincidência do ocorrido, a pessoa poderia passar até três meses em detenção. As tabernas eram propriedade de imi- grantes portugueses, e a freguesia vinha de todos os lados. Ela era formada por imi- grantes portugueses, italianos, escravos, de diversas classes sociais. Esse costume perdurou até a Idade Contemporânea, em meados do século XX. Após esse período, as tabernas foram consideradas locais mal fre- quentados, sinônimos de farra e bagunça, sendo extintas devido a essa concepção. Agora, vamos compreender um pouco mais da alimentação realizada nos mosteiros. 1.3.4 A alimentação nos mosteiros A alimentação nos mosteiros nos séculos XVII e XVIII, a princípio, era baseada em sardinha salgada (que era pre- servada por até dois anos) e broa de milho (sustento de grande parte da população do Norte de Portugal e da Galícia). Mas nos mosteiros haviam hortas, pomares e cria- ção de animais, além da produção de quei- jos, vinho e cerveja. Mosteiros, no geral, são locais onde as pessoas convivem em comuni- dade, normalmente membros de ordem religiosa em busca de remissão dos erros. Era praticamente o local onde monges se retiravam da vida corriqueira e consi- derada pecadora, para viver em estilo de penitências e jejuns prolongados. História da Gastronomia 31 Porém, conforme Savarin (1995), a vida de isolamento dos sacerdotese sacer- dotisas os fez despertar para o desenvolvi- mento no campo das ciências. Isso fez com que eles enriquecessem também a culiná- ria com a inclusão de receitas de confeitos, quitutes e vinhos que passaram a ser muito apreciados com o aprimoramento das técni- cas que hoje são consideradas tradicionais. 1.4 Gastronomia na Idade Contemporânea No final do século VXIII, juntamente com a Revolução Francesa, aconteceu o surgimento de uma nova era: A Idade Con- temporânea. Napoleão Bonaparte, figura de destaque do início desse período que governou a França por 15 anos, era adepto de pratos simples e tradicionais, sem o requinte do período anterior. Savarin (1995) destaca que nessa época grandes chefs de cozinha abriram seus próprios negócios, marco respon- sável por uma grande evolução na cozi- nha francesa. Porém, o monopólio gas- tronômico deixou de pertencer somente à França. Nova Iorque (Estados Unidos), neste momento, foi considerada o segundo maior centro gastronômico do ocidente, depois de Paris. A partir dos séc. XVII e XVIII, a cozi- nha francesa alcançou seu apogeu, e as suas receitas foram levadas aos quatro can- tos do mundo, por meio de filiais de gran- des restaurantes. A partir desse momento, profissionais da cozinha passaram a desen- volver técnicas e buscavam cada vez mais a perfeição. Continuaremos esse assunto no próximo tópico. 1.4.1 O caminho do aperfeiçoamento A tecnologia dos alimentos sem- pre esteve atrelada aos grandes adventos da humanidade, um exemplo disso foi a necessidade de se aperfeiçoar a conserva- ção e transporte dos alimentos para suprir as tropas quando em territórios distan- tes de sua produção durante guerras. Isso pôde ser observado desde o século XVIII. Devido ao cenário de guerra causado pela Revolução Francesa, a conservação dos alimentos passou a fazer parte das preocu- pações de Napoleão Bonaparte. De acordo com Mondini e Monteiro (1994), o impera- dor começou a oferecer prêmios com valo- res significativos para pessoas que apresen- tassem novas técnicas de conservação. Desse ponto em diante, técnicas como pasteurização, enlatamento, dentre outras, foram aperfeiçoadas ao máximo. Admin Realce Admin Realce Admin Realce Admin Realce História da Gastronomia32 1.4.2 Surgimento de técnicas de conservação A partir da Idade Contemporânea, a prática da agricultura passou a ser apre- ciada como oportunidade para estocar grandes quantidades de alimentos, afinal, quanto mais se plantava, mais alimento poderia ser armazenado. Desta forma, a preocupação evidenciada passou a se focar nas técnicas de preservação desses alimentos, para que não estragassem com facilidade e fosse evitado o desperdício. Por muito tempo, a conservação de alimentos foi limitada a técnicas de secar ao sol, defumação, ou uso de sal e açúcar. Para aplicação desses métodos, era neces- sário cuidado para que não houvesse perda de sabor, nem de valores nutricionais. As técnicas artesanais utilizadas durante os séculos XVII e XVIII baseavam-se nos conhecimentos rudimentares de que os organismos vivos se degradavam após a aplicação de frio ou de calor por determi- nados períodos de tempo. Por intermédio destas práticas elementares conseguia-se temporariamente controlar a capacidade destes seres se multiplicarem rapidamente, inibindo ou destruindo a sua proliferação no alimento. Até então, tinha-se a noção apenas de que as conservas preservavam os ali- mentos quando a eles se misturava mel ou açúcar, sal e vinagre, o que lhes conferia novas propriedades organolépticas (carac- terísticas que compreendem, além do aspecto visual do alimento, também sabor, aparência e odor), mas permitia mantê-los em condições de consumo durante meses. Conforme afirma Fernandes (2005), além das técnicas que utilizavam vidros de con- serva, ao longo do tempo também sur- giram os enlatados, métodos de pasteu- rização e esterilização. A partir desse momento, a indústria de alimentos ganhou mais espaço e a vida de prateleira dos ali- mentos foi aumentada, contribuindo com a economia dos países. A necessidade de conversão industrial dos excedentes e a sua manutenção por períodos longos de tempo, fizeram com que as técnicas de conservação evoluís- sem aliadas, também, à emergente indús- tria alimentar. Além disso, impunha-se na sociedade uma maior oferta, com recurso a alimentos que não fossem obrigatoria- mente produzidos localmente. Segundo Admin Realce Admin Realce História da Gastronomia 33 Bourdan (2006), esse fato permitiu que ali- mentação se tornasse mais variada e aces- sível às massas populacionais que habita- vam longe dos locais de origem das maté- rias-primas. Toda essa evolução também mudou a forma de como homem se alimentava, com destaque ao fato de que o que ele ingeria afetava diretamente sua saúde, assunto que discutiremos no próximo tópico. 1.4.3 Instalação do comodismo alimentar Na primeira década do século XIX, os conhecimentos confirmavam a importân- cia que alimentação tinha sobre a saúde humana e verificou-se uma tendência progressiva para a moderação alimentar, nomeadamente no consumo de menor quantidade de alimentos, que conferia inú- meros benefícios à saúde, entre eles, maior longevidade, bem-estar e disposição. Cascudo (2005) afirma que, a partir dessa constatação, a classe média perce- beu um momento oportuno para não se sentir inferiorizada pelas refeições prodi- giosas realizadas pelas classes mais endi- nheiradas da sociedade. Na verdade, pela falta de pessoal doméstico qualificado, por possuírem menos recursos econômicos e pela incapa- cidade de igualarem a culinária das casas mais ricas, as classes médias acolheram com satisfação as recomendações divul- gadas pelas classes mais favorecidas. Estas apelavam ao consumo moderado, à dimi- nuição da ingestão de carne e das especia- rias (usadas displicentemente nos banque- tes burgueses), à recusa da aquisição de alimentos exóticos e realização de refei- ções grandiosas que culminavam no grande esbanjamento alimentar. Lentamente, os modelos alimentares nas classes médias e altas foram se modi- ficando, com tendência crescente para a preocupação acerca dos efeitos da alimen- tação na saúde e para o abandono progres- sivo das refeições luxuosas. A partir desse momento, a industrialização dos alimentos ganhou algumas novidades e os alimen- tos começaram a ter maior durabilidade nas prateleiras e nas residências, fato que abordaremos a seguir. História da Gastronomia34 1.4.4 A industrialização dos alimentos A revolução industrial (1ª etapa de 1760 a 1860 e 2ª etapa de 1860 a 1900) aplicada aos alimentos permitiu que o cenário mundial passasse da escassez à abundância de insumos, sendo que este é um aspecto positivo da industrialização alimentar. Em poucas décadas, a revolução industrial aumentou consideravelmente a produção agrícola, enquanto o processo de urbanização contribuiu para a modernidade alimentar do ser humano, levando-nos a modificar nossa relação com os alimentos. De acordo com Arnaiz (2005), esse processo de industrialização levou a cadeia de produção agroalimentar a quase se extinguir, pois se perdeu a noção da origem real dos alimentos, os procedimentos e técnicas para sua produção, conservação, armazenamento e transporte, levando-nos a consumir alimentos que são autênticos mutantes, que pouco se parecem com suas versões originais. Entretanto, o autor ressalta que a industrialização da alimentação permitiu que vários aspectos positivos surgissem em relação ao acesso ao alimento dos indivíduos. A ampliação das redes de distribuição e transporte de alimentos possibilitou que houvesse melhora no acesso aos alimentos, sendo que se tornou praticável levar diversostipos de produtos para várias partes do mundo. Apesar de a população ter passado a consumir os alimentos indus- trializados, considerando que a maior parte não é nutricionalmente balanceada, há a possibi- lidade de uma diversificação alimentar, fato que permitiu o consumo de nutrientes variados, o que não seria possível em uma dieta alimentar com pouca variedade. Ao longo desse capítulo, pudemos resgatar as principais descobertas gastronômicas e acontecimentos ocorridos ao longo dos anos, trazendo importantes considerações de cos- tumes e práticas alimentares vivenciados pelos povos desde os tempos mais antigos, permi- tindo assim uma compreensão geral sobre o tema. História da Gastronomia 35 Referências ABRAMOVAY, R. A. A. Atualidade do método de Josué de Castro e a situação alimentar mun- dial. In: CYRILLO, D. C. et al. Delineamento da pesquisa na nutrição humana aplicada. São Paulo: IPE/USP, p. 57-76, 1996. ARNAIZ, M. G. Em direção a uma Nova Ordem Alimentar? In: CANESQUI, A. M.; GARCIA, R. W. D. Antropologia e nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005. CASCUDO, L. C. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2005. CAVALCANTI, P. A pátria nas panelas: história e receitas da cozinha brasileira. São Paulo: SENAC, 2007. FERNANDES, C. Viagem gastronômica através do Brasil. 07. ed. São Paulo: SENAC, 2005. BARRETO, R. L. P. B. Passaporte para o sabor: tecnologias para a elaboração de cardápios. São Paulo: SENAC, 2000. BOURDAN, A. Afinal, as receitas do Les Halles – New York: histórias e técnicas. São Paulo: Melhoramentos, 2006. FLANDRIN, J. L.; MONTANARI, M. História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. GARCIA, R. W. D. Notas sobre a origem da culinária: uma abordagem evolutiva. Campinas. Rev. Nutr. PUCCAMP 8 (2), 1995. GIACOMETTI, D. C. Ervas condimentares e especiarias. São Paulo: Nobel, 1989. MONDINI, L.; MONTEIRO, C. A. Mudanças no padrão de alimentação da população urbana bra- sileira. Rev. Saúde Pública, 28 (6), 1994. SAVARIN, B. Fisiologia do gosto. Tradução: P. Neves, São Paulo: Companhia das Letras, 1995. RUHLMAN, M. Elementos da Culinária de A a Z: técnicas, ingredientes e utensílios. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. SPITZ, B. Aprendiz de Cozinheiro: separar, viajar e... cozinhar na França e Itália. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. Capítulo 2 Gastronomia pelo mundo A gastronomia, inegavelmente, compõe e reforça a identidade de um povo e é tão impor- tante quanto às danças, às religiões, às festas que fazem parte da cultura de uma população. Segundo Ramos e Silva (2016), ela é considerada um bem comum imaterial eengloba o modo de viver e tradições das comunidades. Além do fator nutricional dos alimentos, um in- divíduo alimenta-se, também, pelo prazer e para fortalecer suas relaç ões sociais. A partir do momento em que passamos a avaliar os alimentos por este lado, pelo seu papel social, esta- mos falando de gastronomia. © Africa Studio / / Shutterstock História da Gastronomia38 A gastronomia é algo que surgiu com o homem. Lutando por sua sobrevivência, nossos ancestrais tiveram de caçar, aper- feiçoar as técnicas de preparo, de armaze- namento e de conserva dos alimentos. Pas- sando este período, aprenderam a plantar e a colher, fazendo da agricultura base de sua alimentação, juntamente à criação de ani- mais. Do excedente de sua produção, passa- ram a fazer trocas, fazendo surgir, assim, o comércio e as primeiras cidades. Há na Me- sopotâmia o primeiro registro de cozinheiro da história, que é datado de 2.000 a.C. (FREIXA; CHAVES, 2012). No contexto da gastronomia, vere- mos agora como ela se desenvolveu em território brasileiro e quais foram suas maiores influências. 2.1 História da Gastronomia no Brasil O próprio descobrimento do Brasil re- mete à culinária, pois as caravelas portu- guesas que aqui desembarcaram estavam em busca de especiarias nas Índias. A gas- tronomia brasileira resulta de vasta mis- tura de sabores, ingredientes e culturas. Além da herança portuguesa, houve, também, a combinação de alimentos dos indígenas nativos e de todas as correntes de imigração que ocorreram no período do descobrimento, entre elas, cita-se também a africana (SENAC, 1998; BRASIL, 2014). A seguir, falaremos mais sobre a che- gada dos portugueses ao Brasil e como isso influenciou a gastronomia do país. 2.1.1 A chegada dos portugueses: início da construção da identidade alimentar no país O primeiro contato do índio nativo com a culinária portuguesa ocorreu no des- cobrimento. Pero Vaz de Caminha, escrivão da expedição de Cabral, descreve em seus relatos que foi dado aos índios pão e peixe cozido, confeito, fartel (bolo de origem portuguesa), mel e figos passados. © je fr as / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia 39 No entanto, de acordo com Cascudo (1983), os índios não quiseram comer quase nada e, se provavam algo, jogavam fora. Ofereceram-lhes, também, vinho, mas não gostaram e não quiseram mais. Inclusive a água que lhes foi oferecida foi jogada fora. Entretanto, após alguns dias de con- vivência entre nativos e portugueses, os ín- dios cederam e acabaram experimentando vinho, presunto defumado e cozido, peixe cozido, pão, figos, confeitos de açúcar e fartel (SENAC, 1998). O escrivão informou, também, que os homens da terra descoberta não tinham lavoura nem criavam animais. Não havia bois, vacas, galinhas, cabras nem qualquer outro animal criado para fins de alimenta- ção. Os índios somente comiam inhame e frutos dados pelas árvores. Cascudo (1983) ressalta que o portu- guês prestou duas contribuições supremas ao domínio do paladar: valorizou o sal e revelou o açúcar aos africanos e amera- bas (neologismo que tem a mesma lógica de ameríndios) do Brasil. Nesse ponto, é importante destacar que o sabor doce do açúcar foi apresentado aos índios nativos e aos negros pelas mãos da mulher portu- guesa, que se utilizava de açúcar, ovos (que o índio ignorou e o escravo desconhecia), farinha de trigo, leite e manteiga. Em contrapartida, as mulheres portu- guesas também passaram a utilizar vários ingredientes da culinária indígena e criaram suas próprias preparações. Como exem- plo, podemos citar o manjar doce feito com cará, além de o cozinharem com carne. Com as castanhas, faziam conservas doces e preparavam o caju cozido no açúcar e co- berto de canela. De acordo com Fernandes (2000), pode-se afirmar que o colonizador português trouxe ao Brasil uma nova ma- neira de entender a cozinha: preparar, tem- perar e armazenar os alimentos. Na sequência, veremos que, além dos portugueses, o início da culinária brasileira contou com a influência de outros povos. 2.1.2 Gastronomia brasileira: originária da mistura de povos (portugueses, africanos e indígenas) Quando o colonizador português che- gou ao território brasileiro, ele precisou, além de se adequar às novas condições, re- criar o ambiente do modo que queria. Para isso, eles trouxeram os animais de criação, como vacas, touros, ovelhas, cabras, por- cos, galos, pombos e gansos, e também seu modo de plantar. Além disto, vieram o azeite de oliva, o trigo, a parreira, o figo, a romã, a laranja, a lima, o limão, a cidra e o melão. História da Gastronomia40 Ademais, os portugueses trouxeram as festas tradicionais e religiosas (Carnaval, Quaresma, São João, Natal, entre outras), juntamente às suas comidas típicas e novas formas de preparo, como a fritura, desco- nhecida, até então, por indígenas e africanos (CASCUDO, 1983; FREIXA; CHAVES, 2012). Apesar de o colonizador português ter apre- sentado novos alimentos ao índio nativo, aconteceu uma troca de conhecimento, pois os portugueses também experimentaram dos alimentoslocais, como os frutos das pal- mas, conhecidos como palmitos. Junto à vinda dos portugueses e de suas famílias para o Brasil, vieram também os escravos negros africanos, que trabalha- ram nos engenhos de açúcar, na mineração e em lavouras. Conforme afirma Cascudo (1983), os africanos apresentavam vasto conhecimento de criação de gado, de do- mesticação de animais e de irrigação. Na viagem, os negros vieram comendo milho, aipim, feijão, e, às vezes, peixe. Recebiam pouca água e, de vez em quando, davam- -lhes aguardente. Na chegada ao Brasil, os escravos ne- gros eram levados aos mercados e tratados como mercadoria. Porém, como estavam debilitados e enfraquecidos devido à via- gem, foram alimentados com frutas, em especial o caju por seu teor de vitamina C. Além disso, recebiam cana-de-açúcar e mastigavam para sugar seu sumo (SENAC, 1998; CASCUDO, 1983). No Brasil, o negro conheceu a farinha de mandioca e, como sua alimentação era servida pelo seu dono, ou seja, não recebia o alimento que queria e que mais agradava ao seu paladar, aprendeu a fazer o pirão. Essa preparação consistia em uma receita trazida pelos portugueses que utilizava ele- mentos da culinária do índio. Dessa forma, o negro tornou a farinha de mandioca um alimento essencial em sua dieta. O milho também marcou a alimentação do escravo no Brasil e, com ele, surgiram pratos como o angu, que é preparado com água e fubá (CASCUDO, 1983). O português nacionalizou a fari- nha de mandioca, alimento legítimo bra- sileiro. O pirão feito com a farinha só é encontrado no Brasil (SENAC, 1998). A comida do escravo negro e o mo- mento em que ele era alimentado variavam de acordo com sua atividade. Escravos que trabalhavam em plantações de açúcar, em fazendas de gado, da mineração, dos ca- fezais e dos trabalhos urbanos não tinham a mesma dieta. De acordo com Cascudo História da Gastronomia 41 (1993), o escravo do Norte recebia farinha de mandioca, com a qual conseguia garan- tir o pirão; no interior da Bahia, no centro e no sul do Brasil, o alimento recebido era o milho. O almoço dos escravos no norte do Rio Grande do Norte era feijão, farinha de mandioca, carne de bode e, às vezes, de gado e, no jantar, eram os mesmos alimen- tos com a adição do jerimum (abóbora). Na alimentação do escravo, havia muito peixe (fresco quando era o próprio escravo que pescava), feijão e pirão. As fru- tas eram consumidas somente quando con- seguiam pegar de algum plantio. Outra ca- racterística marcante é que as negras em- pregavam muito açafrão na comida, sendo que o arroz sem açafrão era destinado a pessoas doentes. O negro também inseriu elementos de sua culinária na cozinha brasileira. Den- tre eles, Freixa e Chaves (2012) citam: coco (juntamente à técnica utilizada em seu plantio), azeite de dendê, pimenta-mala- gueta, inhame, galinha d’angola e varie- dades de banana, como a nanica, a maçã, a prata e a ouro. Todos esses ingredientes são largamente empregados na gastrono- mia do Brasil. Alguns dos pratos que retra- tam a miscigenação da cozinha negra com a brasileira são: acarajé, moqueca, vatapá, cuscuz, arroz-de-coco e mungunzá. Para garantir a alimentação, os índios que viviam no território do Brasil caçavam, pescavam e coletavam alimentos. Não ti- nham horário fixo para as refeições, co- miam apenas quando sentiam fome. Pos- suíam amplo conhecimento de plantas e de ervas medicinais, sendo que estes conheci- mentos são utilizados até hoje por fabri- cantes de medicamentos. Freixa e Chaves (2012) salientam que a base da alimenta- ção do indígena era a mandioca e o índio, profundo conhecedor das espécies, sabia muito bem diferenciar a mansa da brava, tendo ciência de que para consumir a brava deveria retirar seu caldo venenoso. Da mandioca mansa, até hoje, são feitos pra- tos como a tapioca, o beiju e o pirão. © P au l_ B ri gh to n / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia42 A mandioca brava contém uma substância chamada linamarina, que, no estômago, transforma-se num ácido mortal, o cianídrico. Por isso, deve-se consumi-la na forma de fécula ou de farinha. A mansa também contém essa substância, mas em concentrações baixas, que não são capazes de causar intoxicação. Ainda antes da colonização, o ín- dio conhecia várias frutas, entre as quais predominavam goiabas, abacaxis, cajás, ara- çás, maracujás, mamões, pitombas, umbus e cajus. A única variedade de banana que existia em terras brasileiras e que era con- sumida pelos índios era a banana-da-terra, pois, como já visto, as outras variedades vie- ram por meio dos escravos africanos. Outros alimentos comuns ao índio eram o peixe e as carnes de caça (capivara, pacu, veado, ma- caco, entre outros) (FREIXA; CHAVES, 2012). No quadro a seguir, estão demonstra- dos os principais ingredientes da culinária nativa, africana e portuguesa. Heranças Ingredientes Nativa Abacaxi, açaí, amendoim, araçá, bacuri, banana-da-terra (pacova), batata-doce, buriti (pal- meira), cacau, cajá, caju, castanha-do-pará, cupuaçu, erva-mate, feijão-de-corda, feijão-preto, goiaba, graviola, guaraná, guabiroba, jenipapo, mamão, mandioca/farinha de mandioca, man- gaba, maracujá, milho, pequi, pimenta capsicum, pitanga, pitomba, umbu, urucum. Africana Banana, jiló, inhame, quiabo, coco, melancia, dendê, pimenta-malagueta, galinha d’angola. Portuguesa Alface, arroz, alho, azeite de oliva, azeitona, chá, carneiro, cabra, couve, coentro, cenoura, cana-de-açúcar, cebola, cebolinha, cravo-da-índia, carambola, farinha de trigo, figo, gali- nha, laranja, limão, lima, marmelo, manjericão, pimenta-do-reino, porco, pato, pepino, salsa, tangerina, sal, uva, vaca, vinho, melão, agrião, espinafre, chicória, mostarda, hortelã, alfavaca, gengibre. Fonte: FREIXA; CHAVES, 2012. (Adaptado). Fora os ingredientes nativos, os outros dizem respeito ao povo que os trouxe para cá e não necessariamente a sua origem. Exemplos: arroz e cana-de-açúcar são de origem asiá- tica, mas chegaram ao Brasil graças aos portugueses, bem como o coco, também asiático, que veio pelas mãos dos africanos. História da Gastronomia 43 Porém, dentre todos esses alimentos, existem dois que fazem parte da rotina de boa parte do povo brasileiro: o feijão e o arroz. Trataremos mais sobre essa prefe- rência nacional a seguir. 2.1.3 A unanimidade nacional: arroz e feijão Devido às diferenças de solo, relevo e clima, é difícil estabelecer um prato único que defina o Brasil. No entanto, muito comum nos pra- tos brasileiros, o arroz com feijão pode ser considerado unanimidade nacional (BRA- SIL, 2014). O prato básico (arroz e feijão) começou a ganhar terreno a partir do sé- culo XVIII, com características de que o ar- roz deve ser branco, soltinho e seco. Jun- tos, constituem a base do prato do brasi- leiro, aliando o baixo custo e uma mistura altamente nutritiva, sendo que o prato for- nece uma importante complementação de proteínas (PINHEIRO, B. da S., 2016). Os feijões utilizados em nossa gas- tronomia tornaram-se o prato predileto e típico dos brasileiros e ganharam maior prestígio a partir do século XIX, quando vi- raram símbolo nacional (SENAC, 1998). O produto foi considerado indispensável em todas as mesas, consumido diariamente, e, em algumas regiões, com toucinho e farinha de mandioca. Outro prato famoso no Brasil e deri- vado do feijão é a feijoada. Primeiramente ela era considerada comida de escravo e, portanto, teria nascido nas senzalas. Po- rém, há mais de uma linha teórica sobre sua origem. Segundo Cascudo (1983), a fei- joada deriva dos cozidos típicos europeus, sendo que este povo aprecia orelha, rabo, língua, pé e miúdos, utilizando-os ampla- mente em seus pratos. No Brasil,incorpo- rou-se à feijoada, além das partes do porco, linguiça e paio, sendo acompanhada © M ar ia m ar m ar / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia44 de couve, farofa e laranja, a chamada “fei- joada completa”. Não se sabe a data exata da elaboração da primeira feijoada com- pleta, no entanto, jornais mostram que o prato apareceu entre o final do século XIX e o começo do século XX no Rio de Janeiro. Outra característica, que estudare- mos a seguir, é a influência de cada região do Brasil na gastronomia do país. 2.1.4 Influência das regiões nos cardápios brasileiros Assim como já comentado, a gastro- nomia brasileira não é definida por um único prato, pois cada região do país tem suas particularidades com relação à gastrono- mia. O brasileiro teve que adaptar sua culi- nária de acordo com o tipo de solo, de clima e de vegetação presentes nos locais de cul- tivo, interferindo, dessa forma, na alimenta- ção das comunidades (BRASIL, 2014). A cozinha amazônica é considerada a mais autêntica do país e é constituída, prin- cipalmente, por elementos da culinária indí- gena e peixes como o sambaqui, o pirarucu, o tucunaré, entre outros, sendo que a maio- ria dos preparos que leva peixe é feita com leite de coco. O doce também está presente na gastronomia amazônica, principalmente em compotas e sorvetes preparados com frutas típicas da região, como açaí, cupuaçu, mangaba e murici (SENAC, 1998). Os sabores do Nordeste destacam-se devido ao sertanejo ser habituado a longos períodos de seca e ter desenvolvido técni- cas para armazenar e preparar alimentos durante esses tempos nos quais não dispõe de muitos recursos. Um exemplo clássico é © F ili pe F ra za o / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia 45 a carne de sol, em que o sal é utilizado para conservar a carne. Segundo Senac (1998), nessa região, também é comum o vasto uso de peixes na cozinha, que envolvem preparos como peixada, torta de camarão, casquinha e patinha de caranguejo e o ar- roz-de-cuxá (arroz que leva molho mara- nhense à base de vinagrete, gengibre, ca- marão seco e farinha de mandioca). Ainda no Nordeste, a cozinha baiana recebeu significativa influência africana e portuguesa, sendo rica em molhos e cheiros. Entre seus pratos típicos, podemos citar o acarajé, o cuscuz, o bobó, o xinxim, o abará, o vatapá e o caruru. A culinária da Bahia uti- liza muito peixe, camarão e outros frutos do mar, cebolinha, salsa, leite de coco, muita pi- menta e azeite de dendê (SENAC, 1998). Popularmente, acredita-se que os pratos baianos não dispensam as baianas, aquelas mulheres de roupa bem branca e engomada, pois, sem elas, a comida não tem a mesma sus- tança e nem guarda as tão faladas pro- priedades afrodisíacas (SENAC, 1998). O Centro-Oeste brasileiro apresenta uma preferência pelas carnes. Isso se deve ao fato de que a culinária é fortemente influenciada pela pecuária, principal ati- vidade da região. A presença indígena também traz o gosto pelas raízes. É im- portante ressaltar a influência latino-ame- ricana na região do Mato Grosso do Sul, que trouxe ingredientes como a batata para a culinária local, o que pode ser visto, principalmente, nos ensopados de peixe. De acordo com o Portal Brasil (BRASIL, 2014), devido à diversidade do Pantanal, a região conta com vasta variedade de pei- xes, como o pacu, o pintado e o dourado. Na região Sudeste, temos o povo mi- neiro, sua famosa hospitalidade e suas me- sas fartas e variadas. O costume de beber café é forte nas casas de Minas Gerais, e, no interior do estado, a rapadura substitui o açúcar para adoçar as bebidas. No Rio de © V in ic iu s Tu pi na m ba / / S hu tte rs to ck História da Gastronomia46 Janeiro e em São Paulo, não se pode dizer que há uma cozinha típica, pois, além da influência portuguesa, nestes dois locais a gastronomia também herdou traços da co- zinha italiana, francesa, alemã, japonesa, árabe e norte-americana (SENAC, 1998). As preparações que merecem destaque nesses dois Estados são o tutu de feijão, virado à paulista, moqueca capixaba, fei- joada, picadinho paulista e pão de queijo. A culinária da região Sul é marcada pelas correntes de imigração alemã e ita- liana. O Rio Grande do Sul ganha destaque devido ao famoso churrasco gaúcho e ao indispensável chimarrão, tomado na cuia. Com a chegada dos italianos, a região Sul também integrou ao seu cardápio o frango e a polenta. O Paraná, apesar da in- fluência italiana, conta também com traços da cozinha indígena, com alimentos como raízes e grãos. Conforme Senac (1998), no Paraná, é comum encontrar pratos como o arroz de carreteiro e guisado com charque, que também estão presentes na região Centro-Oeste do Brasil. 2.2 História da Gastronomia na Europa A culinária europeia fascina seus apre- ciadores devido ao requinte, à simplici- dade e à mistura de ingredientes fortes e característicos, que se tornam ainda mais especiais quando acompanhados pelos vi- nhos fabricados na região. Assim como as construções históricas e a infinidade de monumentos e de museus, uma das princi- pais atrações da Europa é a culinária. Com uma gastronomia rica e diversificada, o continente europeu é o lugar perfeito para quem quer experimentar pratos saborosos que demonstram sua cultura. A seguir, vamos conhecer um pouco mais sobre a história da gastronomia dessa parte do mundo. © w or ld in m ye ye s. pl / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia 47 2.2.1 Vestígios das civilizações: particularidades da França A culinária francesa está entre as mais reconhecidas do mundo e influenciou, pra- ticamente, todas as outras cozinhas oci- dentais. Após a Revolução Francesa que aconteceu ao final do século 18, houve o surgimento de grandes chefes de cozinha, e os vários restaurantes do país acabaram dando força à culinária francesa, que é ca- racterizada por sua extrema diversidade. Brenner (2013) afirma que, na Europa, a culinária francesa é conhecida por seu re- quinte e elegância. Atualmente ela é sólida e baseada em seus princípios e técnicas re- finadas, tornando-se modelo para todos os países do mundo. Além da afinidade com a cozinha, outro fator que contribuiu para a gastronomia na França é o apreço que o francês tem pela comida. Charles De Gaulle, um dos presi- dentes da França, dizia ser muito difícil governar um país com mais de 350 espé- cies de queijos, o que mostrava a grande diversidade do seu povo (SENAC, 1998). Na França, todas as regiões do país pro- duzem algo para agregar na culinária. Den- tre os produtos, podemos citar azeitonas, creme de leite, vinhos de alta qualidade, pei- xes e carnes. Essa contribuição regional é o que ajudar a manter a cozinha francesa fiel às suas tradições. Com relação aos frutos do mar, os mais comuns são: carpa, lagosta e ostras. As aves mais utilizadas são: galinhas, patos, gansos e perdizes (SENAC, 1998). A confeitaria francesa também tem to- ques de requinte e elegância. Segundo Ber- gamo (2009), no século XV, os chefs confei- teiros franceses formaram suas corporações, separando-se dos padeiros e promovendo grandes avanços no campo da confeitaria. Ao final do século XVIII, o açúcar passou a ser empregado exclusivamente no preparo de sobremesas e guloseimas e os doces © M an ue l A lv ar ez / / S hu tt er st oc k História da Gastronomia48 passaram a fazer parte das mesas europeias, sendo produzidos com grande variedade pela pâtisserie (confeitaria) francesa (FREIXA; CHAVES, 2012). A seguir, falaremos mais da história da gastronomia e das influências
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