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África: culturas e sociedades - Guia temático para professores 
Salum, Marta Heloísa Leuba (Lisy) 
Texto do guia temático para professores África: culturas e sociedades, da série Formas 
de Humanidade, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São 
Paulo.Escrito em janeiro de 1999 e revisto e adaptado em julho de 2005 para publicação 
no site Arte Africana. 
 
 
1ª. Parte - África: cultura material e história 
 
Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão 
que se impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até sua "descoberta", 
fosse esse continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena 
barbárie, numa luta entre Homem e Natureza. 
 
De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda humanidade: a da 
sobrevivência material, mas também espiritual, intelectual e artística, o que ficou à 
margem da compreensão nas bases do pensamento ocidental, como se a reflexão entre 
Homem e Cultura fosse seu atributo exclusivo, e como se Natureza e Cultura fossem 
fatores antagônicos. 
 
E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente africano, atingisse 
também os povos que ali habitavam. De acordo com as ciências do século XIX, 
inspiradas no evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os africanos 
estariam num estágio cultural e histórico correspondente aos ancestrais da Humanidade. 
Dotados do alfabeto como instrumento de dominação não apenas cultural, mas 
econômica também, os europeus estavam em busca de suas origens, sentindo-se no 
vértice da pirâmide do desenvolvimento humano e da História. Vem daí as relações 
estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa distorção. 
 
Por isso, a história da África, pelo menos antes do contato com o mundo ocidental, em 
particular antes da colonização, não pode ser compreendida tomando-se como 
referência a organização dominante adotada pelas sociedades ocidentais. Normalmente 
fica no esquecimento, dado ao fato colonial, que não existe uma África anterior, a que 
se convencionou chamar África tradicional, diversa e independente, com suas 
particularidades sociais, econômicas e culturais. 
 
As sociedades ocidentais, assim chamadas por oposição às não-ocidentais (não-
européias), se estruturaram fundamentalmente sob o modo de produção capitalista. 
Além disso, o modo de produção dominante (não existe apenas um) numa sociedade 
pode nos dizer muito sobre a vida dessa sociedade, mas certamente não comporta 
explicações de todas as dimensões de como os homens que a constituem compreendem 
sua vida e modelam sua existência. 
 
A degeneração da imagem das sociedades africanas, de suas ciências, e de seus produtos 
é resultado do projeto do Capitalismo, que difundiu a idéia de que o continente africano 
é tórrido e cheio de tribos perdidas na História e na Civilização. É resultado também do 
etnocentrismo das ciências européias do século XIX. É necessário, pois, ver de que 
História e de que Civilização se trata. E do ponto de vista histórico-econômico, o 
imperialismo colonial na África é meio e produto do Capital, uma das grandes 
invenções que vem desde a era dos Descobrimentos reforçada ainda mais pela 
consolidação do Liberalismo. 
 
O viés econômico da História é um importante instrumento da Ideologia do 
Desenvolvimento, tipicamente ocidental. Dentro dessa linha de raciocínio, o Capital 
emerge de fora das sociedades de que tratamos para regrar suas atividades econômicas 
de modo diferente, conforme interesses externos aos dessas sociedades produtoras e dos 
povos que as constituem, modificando as relações sociais e impondo um novo modelo 
de pensar e agir. 
 
As sociedades africanas tradicionais (ou pré-coloniais) tinham em suas atividades 
econômicas uma das formas de sobrevivência, de acordo com o meio ambiente em que 
viviam, de suas necessidades materiais e espirituais, e de toda uma tradição anterior de 
várias técnicas e tipos de produção. Havia muitos povos nômades, que precisavam se 
deslocar periodicamente, e havia povos sedentários, que fundando seus territórios, 
chegaram a constituir grandes reinos, desenvolvendo atividades econômicas produtivas, 
tanto de bens de consumo como de bens de prestígio (em que se destacam várias de suas 
artes de escultura e metalurgia). 
 
O que a história oficial procurou velar é que os africanos desenvolveram várias formas 
de governo muito complexas, baseando-se seja em uma ordem genealógica (clãs e 
linhagens), seja em processos iniciáticos (classes de idade), seja, ainda, por chefias 
(unidades políticas, sob várias formas). Algumas grandes chefias, consideradas Estados 
tradicionais, são conhecidas desde o século IV (como a primeira dinastia de Gana), 
mesmo assim posteriores a grandes civilizações, cuja existência pode ser testemunhada 
pela arte, como a cerâmica de Nok (Nigéria), datada do século V a.C. ao II século d.C. 
Aliás, ela é uma das produções mais atingidas pelo tráfico do mercado negro das artes 
na África que coloca em risco toda uma história ainda não completamente estudada (cf. 
esse assunto e dois exemplares da cerâmica de Nok dos mais célebres clicando aqui). 
 
Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África ocidental durante toda a 
Idade Média européia; reinos da África oriental e central (como os Lunda e Luba) se 
disputam entre os séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados de 
modelo monárquico ou imperial. Outros estados centralizados marcam relações de 
longa data com o exterior, como o reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é 
importante relativizar o peso conferido ao continente africano enquanto um dos 
territórios das "descobertas", como também é o caso das Américas. Em ambos os casos, 
a história dos povos que lá e aqui habitavam era considerada como inexistente pelos 
europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura - a européia. 
 
Normalmente se esquece de pensar que a "ação civilizadora" européia era para tirar suas 
elites da emergência de sua própria falência econômica: os europeus precisavam se 
apropriar de novas terras e mercados para alcançar hegemonia. E fizeram isso na 
perspectiva da exploração, sob pretexto de "descobrir" o que estava "perdido", tanto no 
globo terrestre (como se fosse seu quintal) como na história (como se ela fosse um 
produto acabado), sendo eles os sujeitos, no presente, do tempo e do espaço - passado e 
futuro. Ignoraram que os africanos já mantinham contatos seculares (provavelmente 
milenares) com outras civilizações: a egípcia, por exemplo, é africana, apesar das 
relações estabelecidas, e reconhecidas historicamente, com o Mediterrâneo antigo. 
 
Devemos ainda lembrar que a penetração árabe no território africano vem do século VII, 
enquanto os primeiros contatos dos europeus com os africanos foram estabelecidos a 
partir do século XV. E tais contatos foram de viajantes e mercenários, do lado ocidental, 
e chefias bem estruturadas, do lado africano, resultando, em alguns casos, e durante 
alguns séculos, num comércio ativo, dada a força de grandes estados tradicionais na 
África, num clima muito diferente da situação colonial que sobreveio apenas no fim do 
século passado. Essa exploração teve o apoio da Etnologia da época, mas tornou-se um 
dos fundamentos da Antropologia, cujo desenvolvimento, através de várias teorias sobre 
as relações do Homem com a Natureza e a Cultura, permite-nos perceber as diferenças 
como características e valores fundamentais para a permanência e dinâmica da 
Humanidade. 
 
É através dela que se permitiu reconhecer que os estados tradicionais africanos não 
foram apenas instrumentos de governoeficazes e agentes da história, mas estimularam a 
produção de grandes patrimônios materiais.É o caso das artes de Ifé e Benin, bem como 
das artes luba e kuba. 
 
Confira uma terracota de ifé cuja réplica já foi exposta no Brasil clicando aqui). Da arte 
de Benin e arte luba confira as FIG 1 e 2, a sobre a arte kuba veja uma de suas estátuas 
mais célebres clicando aqui). 
 
FIGURA 1:Figura de rei, arte de Benin, Nigéria, acervo MAE-USP 
 
FIGURA 2: Estatueta do tipo chamada "de ancestral", arte luba-hemba, Republica 
Democrática do Congo, acervo MAE-USP 
 
Há muitas outras modalidades da arte africana que dominam, junto com essas, a gênese 
de uma história da arte africana, mesmo que sempre apartada da história universal da 
arte. Por isso, não deixe de conferir a linha do tempo da história da arte no continente 
africano proposta pelo Museu Metropolitano de Nova Iorque clicando aqui. 
 
O fato de não terem escrito sua história anteriormente, não quer dizer que os africanos, 
bem como os povos autóctones das Américas e da Oceania, não tinham história, muito 
menos que não tinham escrita. Objetos de arte considerados apenas decorativos estão 
plenos de mensagens codificadas por signos e símbolos que podem ser "traduzidos", ou 
interpretados verbalmente, como é o caso de muitos objetos proverbiais (FIG 3). 
 
FIGURA 3: Pesos de latão para medição de pó de ouro, arte ashanti, acervo MAE 
 
Confira também o artigo de Lucia Harumi Borba Chirinos neste site. (LINK4A) Além 
disso, na tradição oral, ou no registro oral da história dos povos africanos, podemos 
constatar que o tempo é marcado pelo evento, e que esse evento não se situa num vazio: 
ele supõe um lugar exato, um instante único (p. ex., a queda de um cometa célebre, uma 
enchente inusitada, marcando feitos de um governo determinado, de um chefe 
conhecido e nominado). Do mesmo modo, podemos pensar na revalidação da 
informação histórica em objetos que expressam, através de mesclas de estilo ou da 
própria iconografia, deslocamentos das comunidades africanas, formando grandes 
correntes migratórias pelo continente, seja de caráter cultural, comercial ou outro. 
 
Esses contatos, determinando combinações de elementos originais de um povo com 
outro(s), promoveram um dinamismo externo e explicam a unidade cultural da África. 
Por outro lado, a história desses povos pelo continente é uma história de conquistas, de 
legitimação do território a ser habitado e cultivado, explicando a diversidade cultural 
existente. 
 
A mudança social provocada pelo fato colonial faz parte dessa história, mesmo que a 
intenção da colonização era acabar com ela. O período colonial africano é recente, 
durando de 1883-1885 até pouco mais da metade do século XX. Nesse período, os 
governos europeus dividiram e reagruparam as sociedades tradicionais da África em 
colônias, cujas fronteiras não correspondiam aos seus territórios originais. 
 
Nas décadas de 1950 e 1960, depois das independências conquistadas individualmente, 
mas num grande movimento de solidariedade entre nações, as linhas de divisa colonial 
foram de modo geral absorvidas na configuração dos países atuais, a partir de então com 
seus próprios governos. Mesmo assim, até hoje são países que lutam com dificuldade, 
tentando recuperar suas origens ancestrais, e prosseguir suas vidas dentro do quadro da 
globalização imposto mundialmente. As lutas civis, e a presença de ditadores 
compactuados com potências estrangeiras na África atual refletem ainda os problemas 
que a exploração européia e a ideologia do desenvolvimento causaram aos povos 
africanos, esgotando seus minérios e suas florestas, degradando seu meio ambiente, 
alterando seu ecossistema, estabelecendo uma ordem completamente diferente sobre 
uma experiência secular de vida. 
 
É evidente que a exploração da África não se deu apenas na sua colonização, esta já tão 
truculenta em si mesma, lembrando que durante esse período os africanos não foram 
apenas usurpados em suas economias e territórios, mas em seus modos de existência e 
de pensamento, principalmente através de ações missionárias. Sabemos como a Igreja 
manipulou o Cristianismo sob pretexto de uma ação civilizatória compactuada com 
países europeus. 
 
Aqui estamos falando apenas daqueles que permaneceram no continente e não dos que 
foram sequestrados para a industria da escravidão que durou pelo menos quatro séculos. 
Podemos dizer que se o futuro de alguns africanos (os que foram feitos escravos) 
continuou aqui no Brasil (e nas Américas), e o passado de povos africanos na África 
ficou na memória coletiva e no silêncio da cultura material, temos muito a repensar 
sobre a nossa história em comum, encontrando, oxalá, nossos valores para o futuro. 
 
Por isso, não podemos admitir nada de primitivo na história e na cultura material dos 
povos africanos, vez que se trata de sociedades que têm atrás de si mesmas existência 
milenar. Temos testemunhos plásticos e iconográficos do séculos V, VI e até VII a.C. 
nos países do Mediterrâneo antigo, que demonstram não apenas a presença da 
civilização egípcia, como também das civilizações da África sub-saariana, esta chamada 
de África negra. Vê-se aqui a antiguidade das culturas africanas, bem como sua 
dinâmica, alimentada não apenas por fluxos internos, mas também externos, desde 
longa data. Ao lado de tudo isso, lembrar que descobertas arqueológicas vêm 
demonstrando a precedência da espécie humana e de suas indústrias no continente 
africano, antes dos seus vestígios em território europeu, como o caso do exemplar mais 
antigo do homo sapiens sapiens (nossa espécie) descoberto no Quênia, datado de 130 
mil anos atrás. 
 
É importante, portanto, ter sempre em vista que o continente africano é imenso, com 
centenas de grupos étnicos ou sociedades, que não devemos chamar de tribos, pois o 
sistema de parentesco, além de não ser a única forma de organização, manifesta-se em 
grande diversidade e complexidade na composição dos grupos culturais. Hoje as 
sociedades africanas são sociedades modernizadas, o que não quer dizer que antes elas 
não tinham organização. Com uma hierarquia de obrigações e direitos, e com uma 
tecnologia própria ditada pela sua economia, seja ela de subsistência ou de comércio, 
algumas sociedades tradicionais voltavam-se mais para a agricultura, outras para a caça 
e pesca, e não raro, essas atividades eram mescladas. Não há conhecimento de grupos 
africanos sem um tipo de organização, seja em pequenas chefias a grandes repúblicas e 
reinos, até que as grandes potências ocidentais invadiram e colonizaram o território 
africano. 
 
Em contrapartida, devemos também estar alertos para não nos valermos do que, entre 
nós, é tido como premissa de civilização, achando que com isso chegamos à 
compreensão de outros povos. Ao lado de técnicas de metalurgia ou cultivo, ao lado de 
chefias ou de um comércio ativo, cada sociedade, cada cultura tem um sistema de 
categorias próprias de pensamento e existência, sendo ele o que a diferencia das outras, 
e o que lhe dá real relevância perante a Humanidade. A cultura material e a arte, pelo 
seu caráter concreto (de "coisas", objetos), podem ser veículos eficientes para que tais 
categorias não fiquem tão vulneráveis à ação destruidora de nosso etnocentrismo, desde 
que sejam enfocadas como produtos de sociedades diferentes e não desiguais. 
 
2ª. Parte - África: cultura material e arte africana 
 
As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são produtos desenvolvidos 
ao longo de séculos. Sejam esculpidos, fundidos, modelados, pintados, trançados ou 
tecidos, os objetos da África nos mostram a diversidadede técnicas artísticas que eram 
usadas nesse continente imenso, e nos dão a dimensão da quantidade de estilos criados 
pelos povos africanos. 
 
Tais estilos são a marca da origem dos objetos, isto é, cada estilo ou grupo de estilos 
corresponde a um produtor (sociedade, ateliê, artista) e localidade (região, reino, aldeia). 
Mesmo assim, devemos lembrar que os grupos sociais não podem ser considerados no 
seu isolamento, e, portanto, é natural que a estética de cada sociedade africana 
compreenda elementos de contato. Além disso, cada objeto é apenas uma parte da 
manifestação estética a que pertence, constituída por um conjunto de atitudes (gestos, 
palavras), danças e músicas. Isso pode determinar as diferenças entre a arte de um grupo 
e de outro, tendo-se em vista também o lugar e a época ou período em que o objeto 
estético-artístico era visto ou usado, de acordo com a sua função. 
 
Portanto, a primeira coisa a reter é que, na África, cada estátua, cada máscara, tinha uma 
função estabelecida, e não eram expostas em vitrines, nem em conjunto, nem 
separadamente, como vemos dos museus. Outra coisa deve ser lembrada: a arte africana 
é um termo criado por estrangeiros na interpretação da cultura material estética dos 
povos africanos tradicionais, diferente das artes plásticas da África contemporânea que 
se integram, como as nossas, brasileiras e atuais, no circuito internacional das 
exposições. 
 
Se hoje ainda há uma produção similar aos objetos tradicionais, ela deve-se no maior 
das vezes às demandas de um mercado turístico, motivado pela curiosidade e exotismo. 
 
Com referência aos objetos muito semelhantes aos tradicionais ainda em uso em rituais 
religiosos ou festas populares há, assim como no Brasil, na África atual, uma cultura 
material, que, apesar de sua qualidade estética, é considerada, também pelos africanos 
de hoje, "religiosa" ou "popular" nos moldes ocidentais, onde o antigo e moderno são 
historicamente discerníveis. Isso não quer dizer, no entanto, que, através de conteúdos e 
símbolos, a arte africana atual não esteja impregnada do tradicional, ainda que se 
manifestando em novas formas. Ao contrário, as especificidades da estética tradicional 
africana é visível também, nos dias atuais, nas produções artísticas dos países de fora da 
África, principalmente daqueles, como o Brasil, cuja população e cultura foram 
formadas por grandes contingentes africanos. 
 
Mas aqui, neste texto, estaremos tratando sempre dessas produções realizadas pelos 
africanos antes da ruptura entre tradição e modernidade. Daqui para frente, devemos 
relativizar o uso do tempo verbal, e lembrar que a expressão arte africana é, queiramos 
ou não, um reducionismo inventado por estrangeiros, mas que está cristalizada entre 
nós, relativa a toda produção material estética da África produzida antes e durante a 
colonização, até meados do século XX, trazida à Europa por viajantes, missionários e 
administradores coloniais. 
 
Não seria difícil encontrarmos nessa arte africana alguns elementos de aproximação 
com os de correntes da arte ocidental, do naturalismo ao abstracionismo. Mas esse tipo 
de comparação não é capaz de nos desvendar o verdadeiro sentido da arte africana 
tradicional, porque esta não foi feita para ser realista ou cubista, isto é, ela não era um 
exercício de reflexão sobre a forma, ou sobre a matéria, como nas artes plásticas entre 
nós. Apesar disso, podemos identificar na arte africana os elementos que permitiram a 
artistas, como Picasso, a revolucionar a arte ocidental. 
 
O cubismo, portanto, é uma invenção intelectual dos europeus, que nada tem a ver com 
a intenção dos africanos: enquanto no cubismo a representação do objeto se dá de 
diversos pontos de vista, em diversas de suas dimensões formais ao mesmo tempo, a 
estética africana busca, ao contrário, uma síntese do objeto ou do tema construído 
materialmente, plena de objetivo, inspiração e conteúdo. 
 
Uma estátua não representa, normalmente, um Homem, mas um Ser Humano integral, 
que tem uma parte física e espiritual - do passado e do futuro. Tem, por isso, um lado 
sagrado, ligado às forças da Natureza e do Universo. Uma máscara ou uma estátua 
concentram forças inerentes do próprio material de que são constituídas, ou que 
comportam em seu interior ou superfície, além de sua própria força estética. Elas não 
têm, portanto, uma função meramente formal. 
 
Ainda assim, podemos observar que algumas produções são mais realistas ou mais 
geométricas. O realismo ocorre com frequência nas estátuas, talvez por seu caráter 
representativo (de uma figura humana, da imagem onírica de um antepassado), 
enquanto que o geometrismo aparece muito nas máscaras, principalmente naquelas que 
representam espíritos e seres sobrenaturais, melhor dizendo, o desconhecido (mas 
existente no plano consciente e inconsciente). Mesmo assim, nada disso permite dizer 
ou não é isso que determina haver uma linha divisória clara entre uma forma e outra, ou 
um estilo e outro. 
 
Mas podemos distinguir uma arte produzida na África ocidental e a produzida na África 
central. E dentro dessas grandes áreas geográficas, podemos distinguir estilos seja pelos 
detalhes, seja pelo tema ou tipo do objeto produzido. Por exemplo, as produções 
artísticas dos Dogon e Bambara são muito distintas embora situadas, por alguns autores, 
dentro de uma mesma faixa estilística (chamada de "sudanesa"), já que elas apresentam 
uma certa continuidade formal ou temática, além do fato de que tais sociedades ocupam 
territórios contíguos permeados por identidades históricas, geográficas e ambientais. No 
entanto, as portas de celeiro são renomadas entre os Dogon (FIG 4 ), e o tema do 
antílope é mais reconhecido, embora não exclusivo, na arte Bambara (FIG 5). 
 
FIGURA 4: Porta de celeiro, arte dogon, Mali, acervo MAE-USP 
 
FIGURA 5: Topo de máscara "tyi-wara", arte bambara, Mali, acervo MAE- USP 
 
Esse tipo de objeto (porta de celeiro) e esse tema (antílope) celebram a arte dos Dogon e 
dos Bambara respectivamente não apenas porque foram encontrados em abundância 
entre eles, mas também porque são considerados por esses povos como signos 
específicos de sua cultura em circunstâncias dadas na sua tradição oral. 
 
É oportuno lembrar que a distinção entre os estilos só pode ser determinada por uma 
série de estudos interdisciplinares que apoiam a análise morfo-estilística. Entre essas 
disciplinas estão a arqueologia e etno-história, que, apesar de suas especificidades, estão 
intimamente ligadas à etnografia e à Antropologia. 
 
Os procedimentos técnicos e a matéria-prima usados na produção material podem 
"falar" muito sobre o estilo, assim como sobre o meio ambiente em que determinadas 
sociedades vivem. A madeira era muito usad-a nas regiões de floresta. É por isso que a 
estatuária africana está concentrada na chamada África ocidental e na África central, 
regiões onde predominava a floresta equatorial e tropical, e onde se conservam apenas 
partes dela hoje em dia. 
 
O uso do metal, embora tenha sido corrente em todo o continente, caracterizou as 
produções artísticas da savana, onde floresceram grandes reinos, tanto na África 
ocidental quanto na central, onde a arte era fundamentalmente ligada à organização 
social e política, a serviço de mandatários, através de ateliês oficiais - caso da chamada 
"arte de côrte" de Ifé e Benin (já ilustrada acima) ou da escultura da associação Ogboni 
fieta pelo sofisticado processo de fundição pela cera perdida (FIG 6). 
 
FIGURA 6: Ilustração das etapas da fundição de um par de "edan" pela técnica da cera 
perdida, arte ogboni/ioruba, Nigéria, acervo MAE-USP.Junto a essas produções de metal devemos mencionar a escultura em marfim, renomada 
não apenas entre povos do Golfo da Guiné e do Benin (como os ioruba) mas também 
entre os da embocadura do Rio Congo (como os Bakongo), que desde o século XV era 
requerida pelos "gabinetes de curiosidade" da Europa (veja clicando aqui). Bruto ou 
trabalhado, o marfim, assim como o cobre, era considerado precioso em todas as 
sociedades africanas, desde muito antes do tráfico (desde a antiguidade, pelo Vale do 
Nilo e pelo Saara), mas é certo que o contato com o mundo ocidental, desde o 
Renascimento europeu, promoveu um desenvolvimento de uma arte africana em marfim 
já voltada para o comércio e turismo como a da atualidade. 
 
Outras artes, como a cerâmica, cestaria, adornos corporais, eram feitas tradicionalmente 
por todas as sociedades, respondendo às necessidades cotidianas e rituais, sendo que 
podemos destacar algumas em que essas técnicas eram mais usadas do que a escultura, 
de acordo com o modelo de organização social e as formas de expressão estética. 
Nesses casos, os recursos gráficos eram mais aplicados do que os recursos 
representativos da escultura. Aqui podem ser compreendidos, particularmente, os 
produtos de sociedades situadas em regiões semi-áridas, que, em busca periódica de 
novos territórios, não podiam transportar com facilidade bens móveis de grande porte. 
Mas às vezes esses modelos de análise se mostram arbitrários, pois a arte decorativa 
pode imperar também onde as figurativas e realistas são muito destacadas, e onde a 
produção estética está voltada à legitimação de um poder monárquico e centralizado 
como dos Bakuba (FIG 7), e que também comporta uma importante estatuária conforme 
ilustrado acima. 
 
FIGURA 7: Montagem de objetos utilitários com decoração típica, arte kuba, Republica 
Democrática do Congo, acervo MAE-USP. 
 
Assim, o material nem sempre era usado por sua abundância ecológica e a escolha do 
material não era arbitrária: como o objeto que iria ser produzido, o material tinha um 
valor simbólico em cada centro de produção. Algumas máscaras e estátuas deveriam ser 
esculpidas em madeira de árvores determinadas; a confecção de adornos implicava no 
uso de determinadas fibras e sementes, e, em alguns casos, de tipos diferentes de contas, 
se não de um tipo de liga metálica, de marfim e outros materiais de origem inorgânica e 
animal. 
 
Certos detalhes morfológicos dos objetos, como a posição, o tamanho, a distribuição de 
cores, entre outros, são características diferenciais do estilo com que cada sociedade 
representa uma forma e um tema. Mas existe uma série de características culturais 
comuns entre os povos da África e diversas das de sociedades de outros continentes que 
permeiam suas artes tradicionais de uma forma singular: seus sistemas de pensamento e 
de crenças. 
 
3ª. Parte - África: cultura material, filosofia e religião 
 
Antes de mais nada, devemos lembrar que a dissociação entre Religião e outras esferas 
da Cultura existente no Ocidente, e na Modernidade, não faz parte da natureza da 
Humanidade. E, como vimos, as sociedades da África pertencem a complexos culturais 
muito antigos, reciclando valores arraigados pela Tradição, caracterizando-se por uma 
maneira de produzir bens espirituais e materiais de acordo com sua história e com o 
meio ambiente onde se formaram. 
 
Para compreendermos os sistemas de pensamento e de crenças das sociedades africanas, 
devemos ter sempre em mente a dinâmica tradição-modernidade, e, como fizemos com 
respeito à arte, relativizar o que pertenceu ao passado e o que, e sob que forma, 
permanece no presente. 
 
Cada cultura africana tinha, antes da ruptura social, sua forma de conceber o mundo, de 
explicar suas origens e de formular o que lhes convêm, conforme mostram os mitos e 
lendas, bem como o discurso das pessoas mais antigas, que viveram antes ou durante a 
situação colonial. Isso demonstra a grande diversidade cultural no continente, 
correspondente à diversidade de formas e estilos na arte tradicional. 
 
Apesar disso, no plano filosófico, podemos assinalar um aspecto que dá unidade aos 
povos da África tradicional: o indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente 
(é filho, neto de alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e 
existência é a perspectiva de seu descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção 
de morte está concretamente ligada à de vida : morrer significa não procriar. Sem filhos, 
a linhagem familiar se extingue - vida e morte não são apenas biológicas, mas sociais 
principalmente. A existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o que 
implica em tempo e espaço ou lugar) no mundo, através do cotidiano, no trabalho ou no 
lazer, sempre conectado ao universo social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo 
tempo, sendo impossível separar o que é concreto e espiritual, ou determinar o que é 
sagrado ou profano, na vida desses povos. 
 
Nesse contexto, o exercício da existência volta-se para questões que vão além do poder 
econômico, o que não exclui a preocupação social e individual com o status (disputado 
e atribuído a indivíduos de prestígio como sábios e dirigentes), já que ele é uma das 
chaves para que o grupo tenha uma estrutura para permanecer unido e forte visando ao 
advento de futuras gerações. 
 
Daí, a profusão de imagens antropomórficas esculpidas a que se chama de "ancestrais", 
já que normalmente, mas nem sempre como se divulga através de publicações, eram 
relacionadas, e usadas, no culto de antepassados. Os chamados "fetiches", aí colocados 
em oposição aos "ancestrais", são objetos, esculpidos ou não, constituídos de vários 
materiais agregados. O conceito de fetiche é discutível, pois, significando "coisa feita", 
é relacionado sempre à magia e a feitiçaria num sentido distorcido. 
 
FIGURA 8: Estatueta "buti", do tipo chamada de "fetiche", arte teke, Republica 
Democrática do Congo, acervo MAE-USP. 
 
Na verdade, os materiais dos "fetiches" entre os quais são também classificadas 
estatuetas dos Bateke (FIG 8, acima) - simbolizam partes dos mundos animal, vegetal e 
mineral, aludindo uma idéia de totalidade construída pelos africanos, baseada em seu 
conhecimento sobre as forças da Natureza (muitas vezes relacionados à cura medicinal) 
e do Cosmo. Isso explica porque muitas das estatuetas chamadas de "fetiches", em 
contrapartida, tinham relações diretas com o culto de antepassados, fundado na idéia de 
acúmulo de forças através de gerações sucessivas e da apropriação do território. 
 
Outras duas características nos sistemas filosófico e de crenças das sociedades africanas 
tradicionais é a consciência de periodicidade e infinitude, isto é, a idéia de que o 
descendente vem do ascendente e a idéia, que vem em decorrência disso, de que o 
passado está intimamente ligado ao futuro, passando pelo presente. 
 
Um indivíduo vivendo em sociedade em um determinado período histórico supõe a 
existência de outro ou outros indivíduos (filho, neto, bisneto, etc) em períodos 
subsequentes, graças à existência daqueles que vieram antes dele, e criaram regras para 
que seus contemporâneos e conterrâneos pudessem seguir vivendo, articulando-se 
conforme as condições de sobrevivência. Há um provérbio de origem africana em que 
podemos constatar essa característica de infinitude, de que a vida é infinita: "uma vez 
que é dia, depois noite, qual será o fim deles?". 
 
Esse tipo de pensamento comporta uma perspectiva dinâmica que não corresponde à 
idéia de que esses povos não teriam história antes dos europeus chegarem, e que eles 
viviam sempre do mesmo modo que seus avós ebisavós. Outro provérbio africano nos 
permite constatar essa característica de periodicidade, de que a vida é periódica - e 
histórica: "as coisas de amanhã estão na conversação das pessoas de amanhã". 
 
Vemos aqui uma preocupação em regrar o que acontece no presente, o que é uma 
responsabilidade dos que vivem para garantir a existência do futuro, e que não há nada 
de estático nisso, ao contrário, há uma previsão de mudança, uma consciência de que há 
um dinamismo na vida, na existência, não apenas por modificações ambientais naturais, 
mas também modificações técnicas e filosóficas determinadas pela sucessão de 
gerações. 
 
Desse modo, os africanos preservavam regras de sua Cultura, modificando-as quando 
necessário, sem precisar de outras normas vindas de fora, coisa que os Europeus não 
podiam entender, pois eles se consideravam superiores a todos os povos não-europeus. 
 
Esse sentimento de superioridade vem da constatação da diferença. Na visão judaico-
cristã, por exemplo, os africanos foram tidos como povos animistas, isto é, aqueles que 
atribuem vida às coisas e seres inanimados, e acreditando que plantas e animais são 
dotados de "alma", sendo portanto capazes de agir como seres humanos. Isso não é 
verdade e deturpa as formas autênticas de concepção do mundo dos africanos, 
colocando-os como inferiores, ou "primitivos". 
 
O que ocorre, na verdade, é que na África tradicional a concepção de mundo é uma 
concepção de relação de forças naturais, sobrenaturais, humanas e cósmicas. Tudo que 
está presente para o Homem tem uma força relativa à força humana, que é o princípio 
da "força vital", ou do axé - expressão ioruba usada no Brasil. As árvores, as pedras, as 
montanhas, os astros e planetas, exercem influência sobre a Terra e a vida dos humanos, 
e vice-versa. Enquanto os europeus queriam dominar as coisas indiscriminadamente, os 
africanos davam importância a elas, pois tinham consciência de que elas faziam parte de 
um ecossistema necessário à sua própria sobrevivência. As preces e orações feitas a uma 
árvore, antes dela ser derrubada, era uma atitude simbólica de respeito à existência 
daquela árvore, e não a manifestação de uma crença de que ela tinha um espírito como 
dos humanos. Ainda que se diga de um "espírito da árvore", trata-se de uma força da 
Natureza, própria dos vegetais, e mais especificamente das árvores. Assim, os humanos 
e os animais, os vegetais e os minerais enquadravam-se dentro de uma hierarquia de 
forças, necessária à Vida, passíveis de serem manipuladas apenas pelo Homem. Isso, 
aliás, contrasta com a idéia de que os povos africanos mantinham-se sujeitos às forças 
naturais, e, portanto, sem cultura. Os povos da África tradicional admitem a existência 
de forças desconhecidas, que os europeus chamaram de mágicas, num sentido 
pejorativo. Mas a "mágica", entre os africanos, era, na verdade, uma forma inteligente - 
de conhecimento - de se lidar com as forças da Natureza e do Cosmo, integrando parte 
de suas ciências e sobretudo sua Medicina. 
 
Esses elementos filosóficos podem ser vistos expressados graficamente nas decorações 
de superfície de esculturas, na tecelagem e no trançado, e na própria arquitetura, através 
de figuras geométricas (zigue-zagues, linhas onduladas, espirais - contínuas e infinitas), 
de figuras zoomorfas (cobras, lagartos, tartarugas - que, além de sua forma, estão 
associadas à idéia de vitalidade e longevidade). 
 
Trata-se de uma linguagem gráfica simbólica, equivalente a da figura antropomórfica 
em estátuas e estatuetas, onde se ressaltam cabeça, mãos e pés, seios, ventre, orgãos 
sexuais (todos considerados, de um modo geral, centros de força vitais). Elas 
expressam, do mesmo modo que os grafismos, aspectos relacionados ao tema da 
reprodução humana e à capacidade de produção do conhecimento necessário à 
perpetuação da espécie humana, mesmo que individualmente, venham a desempenhar 
funções e a expressar significados específicas(FIG 9). 
 
FIGURA 9: Estatueta "akua-ba", arte ashanti, Gana, acervo MAE-USP 
 
Temas como a fertilidade da mulher e fecundidade dos campos são freqüentes e quase 
que indissociáveis na expressão artística, estabelecendo a relação entre a abundância de 
alimento e a multiplicação da prole, um fator concreto em sociedades agrárias. O tema 
do duplo remete à relação de fatores complementares ou antagônicos (dia-noite, 
homem-mulher). Todas essas formas gráficas e representativas são um recurso para 
apresentar, sob forma material, um conjunto de idéias sobre a existência concebida 
visando ao equilíbrio e à perpetuação biológica e espiritual do grupo social. 
 
Dizem que os africanos não tinham Deus, ou que tinham vários deuses, o que não 
parece ser muito preciso. Em quase todas as populações da África foram registrados 
depoimentos da criação do mundo, em que existe apenas um único "Deus". Trata-se de 
uma força primordial, um Criador que criou o Mundo e os Homens, colocou-os na 
Terra, e deixou-os ao seu Destino (FIG 10). 
 
FIGURA 10: Topo de máscara, arte senufo, Costa do Marfim, acervo MAE-USP. 
 
Essas histórias de origem podem ser chamadas de mitos porque se trata de seres não 
conhecidos em vida (que estão na memória coletiva), sendo por isso míticos, sem que se 
caia no erro de desconsiderá-los, como fizeram os ocidentais, como idéias sem valor 
científico e histórico. Tais mitos de origem comportam freqüentemente o relato de pares 
primordiais, de gêmeos ou duplas, que vieram para cultivar e povoar o mundo, e, muitas 
vezes, seres zoo-antropomorfos que, dotados da tecnologia (instrumentos agrários ou de 
caça), vieram para ensinar os Homens a produzir e obter alimento, para se 
multiplicarem, zelando, eles - os Homens -, pela sua própria permanência em vida. 
 
Uma das diferenças dessas idéias com relação às idéias de mundo cristãs é a consciência 
de que cada ser que está presente no mundo tem seu papel, e que a força dos Homens é 
humana, e não divina. Daí a necessidade de uma relação constante com os antepassados, 
visando às futuras gerações. Esse pode ser apontado como um significado substantivo 
das várias formas de culto de ancestrais. 
 
É por isso que a vida dos povos africanos é tida como muito mais ritualizada que no 
mundo cristão. O mundo material e o espiritual são concebidos juntos, quase que 
inseparáveis, o que implica em modelos de culto e religião completamente diferentes do 
que se adotou no Ocidente, que por sua vez serviu de modelo para outros povos 
formados na modernidade, como é o caso brasileiro. 
 
Os Candomblés (são várias as formas como essa religião brasileira de origem africana 
se apresenta) conservam formas de culto muito próximas às de cultos tradicionais da 
África ocidental (sobretudo dos Fon e dos Ioruba), adotando emblemas, nomes e outras 
características de suas divindades (e, às vezes, das divindades dos povos de línguas 
bantu, ou dos chamados Bantos, da África central), bem como a hierarquia de poder 
iniciático (FIG 11 a 13). 
 
FIGURA 11: Colar de babalaô, arte nagô, República Popular do Benim, acervo MAE-
USP 
 
FIGURA 12: Estátua de Iemanjá, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-
USP 
 
FIGURA 13: Opaxorô, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP. 
 
Mas, numa aproximação ainda que a grosso modo, eles teriam uma estrutura de panteão, 
como a das religiões grega e cristã. Isso quer dizer que existe um Criador e uma porção 
de outras divindades articuladas em camadas subalternas. Os cultos tradicionais da 
África, por sua vez, voltavam-se, em linhas gerais, aos antepassados ou a divindades da 
Natureza. Neste último caso, poderia ser enquadrado o Culto deOrixás - apelação dada 
às divindades de origem ioruba ou nagô (os voduns, inquices e caboclos são divindades 
de povos africanos de outras origens) -, em que se baseiam a maioria dos candomblés, 
muito embora muitas dessas divindades celebram chefes políticos sacralizados, com 
uma qualidade divina, de uma localidade (ou reino) determinado, onde são considerados 
como antepassados. 
 
Para concluir, grande parte da escultura antropomórfica seja da África ocidental, seja da 
central, é uma "presentificação" desses personagens míticos ou mesmo conhecidos em 
vida - antepassados fundadores de territórios, chefes de linhagem ou chefes eleitos 
renomados por feitos realizados durante seus governos. Em peças desse tipo transparece 
a grande relação entre política e religião, motivo pelo qual estátuas, bustos e cabeças, 
tendo uma força acumulada de vários níveis, não podiam ser vistas por todas as pessoas, 
se não os altos iniciados nos cultos, ou seja, aqueles que tinham status social e religioso, 
sendo que em muitas sociedades, o chefe político era também o sacerdote supremo. 
 
E, neste final, resta a contradição: grande parte da arte africana, que tanto nos mobiliza 
o olhar pelo impacto estético, era feita, antes de ser tirada de seu contexto, para não ser 
vista, a menos que houvesse uma ocasião precisa para isso. Está aí está a demonstração 
da grandeza e do poder de uma cultura material, depositária não de segredos, mas de 
fundamentos, a serviço da história e cultura dos povos africanos, que dentro e fora de 
seu território original, continuam sua existência, formando novos valores, como 
acontece entre nós, no Brasil. 
 
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