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1 ARTIGO DE OCTÁVIO RODRIGUES “Sobre a Concepção do Sistema Centro-Periferia” Revista da CEPAL, primeiro semestre de 1977 Os estudos da CEPAL , os principais aportes à questão do desenvolvimento da América Latina, enquadram-se em quatro grandes âmbitos: i. A teoria da deterioração dos termos de troca; ii. A interpretação do processo de industrialização; iii. A análise dos obstáculos estruturais ao desenvolvimento; e iv. A teoria da Inflação. “Junto a esses aportes foram constituindo-se as contribuições ao campo da política econômica, desde as mais amplas, como os critérios gerais da política do desenvolvimento ou a cooperação internacional, até as mais específicas, como os critérios de proteção tarifária. Se denomina aqui pensamento da CEPAL ao conjunto de aportes à interpretação da evolução e funcionamento das economias latino-americanas, e ao desenho da política de desenvolvimento e da política econômica da região”. Ponto chave do artigo: Tratamento e definição da Concepção de Centro- Periferia que se constitui no fundamento do conjunto de idéias gerais sobre o subdesenvolvimento. CONCEPÇÃO CENTRO-PERIFERIA 1. Conformação e características estruturais. - O desenvolvimento econômico expressa-se no aumento do bem-estar material, normalmente refletido pela alta na renda percapita e condicionado pelo aumento na produtividade média do trabalho. Este aumento é dependente da adoção de métodos de produção “capitalistas”, isto é, métodos que incrementem a dotação de capital por trabalhador ocupado. Por sua vez, a maior densidade de capital vai acontecendo à medida que a acumulação ocorre e o avanço do progresso técnico a impulsiona e assegura a sua continuidade. - Assim, consideradas no maior nível de abstração, as idéias sobre o desenvolvimento econômico coincidem com as contidas em linhas gerais nas teorias de crescimento e origem neoclássica e keynesiana, que o concebem como um processo de acumulação de capital – estreitamente ligado ao progresso técnico – mediante ao qual se consegue uma elevação gradual da densidade de capital e um aumento da produtividade do trabalho e do nível médio de vida. - Entretanto, apesar do traço comum com as teorias neoclássica e keynesiana, esta concepção tem uma marca diferenciadora, pois ela procura elucidar que características assume este processo de acumulação, progresso 2 técnico e desenvolvimento no âmbito do sistema econômico mundial composto por centros e periferia. CENTRO = economias em que as técnicas capitalistas de produção penetraram primeiro; PERIFERIA = economias cuja produção permanece inicialmente atrasada, do ponto de vista tecnológico e organizativo. - O progresso técnico na periferia só ocorre localizadamente em setores que produzem alimentos e matérias-primas a baixo custo, com destino aos grandes centros industriais. - Centro e Periferia constituem-se historicamente como resultado da forma pela qual o progresso técnico propaga-se na economia mundial. - A estrutura produtiva da Periferia, ao constituir-se, adquire duas características fundamentais: a) especialização, já que uma parcela significativa dos recursos produtivos destina-se às sucessivas ampliações do setor primário- exportador, enquanto que a demanda por bens e serviços se satisfaz pela importação; b) heterogeneidade, pois convivem na estrutura produtiva ramos onde a produtividade é das maiores do mundo – setor exportador - com ramos onde a tecnologia utilizada é antiquada, nos quais a produtividade do trabalho é muito inferior a dos países centrais. - Em contraste com a estrutura produtiva da Periferia, a estrutura produtiva do Centro caracteriza-se por ser diversificada e homogênea. Entende-se que a estrutura produtiva está composta por setores produtores de bens e que a estrutura econômica está constituída, ademais, pela infra-estrutura física e pelos setores de serviços, inclusive os serviços que presta o Estado. No contexto cepalino, as características da estrutura produtiva condicionam as da estrutura econômica, de forma que só se faz referência à primeira aludindo-se à segunda quando é imprescindível. Para descrever o atraso tecnológico tem-se evitado a expressão “dualismo estrutural”, ou expressões similares, dada a conotação de atraso social que, em geral, acompanha ao conceito de dualismo na literatura sobre o subdesenvolvimento. A preferência é pela expressão heterogeneidade da estrutura produtiva, que incorpora tacitamente o conceito de “heterogeneidade estrutural”. Ainda que esta perspectiva tenha se desenvolvido mais adiante que os textos iniciais (a partir do artigo “Concentração do Progresso Técnico e de seus Frutos no Desenvolvimento Latino Americano, de Aníbal Pinto, Trimestre Econômico, No. 125, janeiro-março de 1965), este conceito tem a vantagem de referir-se com transparência aos baixos níveis relativos da produtividade do trabalho, perceptível nos mais diversos setores das economias periféricas. 2. Termos de Intercâmbio e Frutos do Progresso Técnico - Embora os conceitos de Centro e Periferia possam ser tomados como estáticos, possuem uma clara conotação dinâmica: destinam-se a apreender o 3 processo de desenvolvimento, partindo da hipótese fundamental de que a desigualdade é inerente ao mesmo, o que supõe que durante a evolução a longo prazo do sistema econômico mundial aumenta-se o hiato entre esses pólos, entre o caráter desenvolvido do Centro e o subdesenvolvimento da Periferia. - Os supostos relativos à evolução desigual de produtividade e renda médios constituem a expressão mais direta deste conteúdo dinâmico: o progresso técnico é mais acelerado no Centro que na Periferia; mesmo assim, postula-se que os aumentos de produtividade do trabalho – conseqüência da incorporação do progresso técnico ao processo produtivo – são mais intensos na indústria do Centro que nos setores primário-exportadores da Periferia, fato que por sua vez reflete-se na disparidade de ritmos de aumento das respectivas produtividades médias; admite-se, ademais, que a renda real média cresce também de forma descompassada, as taxas maiores nos países centrais em comparação com os países periféricos. - Do ponto de vista conceitual, as desigualdades de produtividade do trabalho e a diferenciação crescente das rendas médias vinculam-se entre si através das postulações relativas à deterioração dos termos de intercâmbio. Segundo se estima, é este um fenômeno comprovável, embora haja problemas estatísticos que tornem difícil medi-lo de maneira precisa. Deterioração dos Termos de Intercâmbio: Definição: queda no poder de compra uma unidade de bens primários em relação a uma unidade de bens industriais. Y = Lp . Pp / Li . Pi Lp = produtividade física média do trabalho na produção de bens primários Li = produtividade física média do trabalho na produção de bens industriais Pp = preço de bens primários Pi = preço de bens industriais Y = relação da renda real média de atividades primárias e da renda real média de atividades industriais. Se Yu, aceitando-se os pressupostos apresentados, há deterioração dos termos de intercâmbio dos países Periféricos em relação aos países Centrais. 3. Causas da Deterioração da Relação de Intercâmbio. - De acordo com as idéias gerais antes descritas, o desenvolvimento econômico é, em última instância, um processo de acumulação de progresso técnico, do qual resulta a elevação persistente do produto por homem ocupado. Mas, para a consecução de níveis mais altos de produtividade e renda, a transformação da estrutura setorial da produção e do emprego não é arbitrária. À medida em que aumentam esses níveis, a demanda cresce e se diversifica, modificando-se, ao mesmo tempo, sua composição: incrementa-se com maior intensidade a dos bens industriais e de serviços quea dos bens primários. A maior produtividade permite, ao mesmo tempo, satisfazer estas demandas de aumento, 4 mediante uma alteração na composição setorial da produção, que ao seu turno reforça uma alteração na composição setorial do emprego. Ambas, produção e ocupação, crescem a um ritmo maior nos setores secundário e terciário do que no setor primário. O progresso técnico neste último setor permite, ao tempo em que estimula, o maior crescimento da ocupação em outros setores mais dinâmicos. - No desenvolvimento da economia mundial, tampouco é arbitrária a composição setorial da produção e do emprego. É compreensível que, por ser o crescimento da indústria do Centro relativamente lento, e ademais muito escassa a mobilidade internacional do trabalho, tenda a gerar-se um excesso de mão-de- obra na produção primária periférica; aparte de que este excesso produz-se de maneira contínua, pois origina-se das forças dinâmicas do desenvolvimento. À medida em que os desajustes do emprego vão-se corrigindo no coração da economia periférica, seja pela transferência de mão-de-obra de setores atrasados para o setor exportador, ou deste a outros setores modernos insipientes, inclusive industriais, surgem inovações técnicas que voltam a incidir sobre os requerimentos de emprego. Em linhas gerais, esses requerimentos tendem a aumentar a menor ritmo do que o ritmo muito maior da oferta de mão-de-obra, originada pelo próprio avanço técnico, ao deslocar força de trabalho dos setores atrasados e ao incidir sobre a taxa de crescimento da população. - A geração contínua deste excedente de mão-de-obra constitui-se na causa fundamental da deterioração, pois, de acordo com o que sustenta a concepção Centro-Periferia, tal excedente pressiona constantemente os salários pagos na produção primária de exportação, e através deles, os preços desta mesma produção. - A tendência a deterioração manifesta-se através das flutuações cíclicas características do capitalismo. Influi no comportamento dos preços e na tendência que deriva dos mesmos, a maior qualificação da força de trabalho dos países centrais – devida à maior escassez relativa e à maior organização sindical –, para conseguir aumentos de salários ou evitar a sua compressão. Caminham na mesma direção as condições que têm os empresários dos países centrais em manter as suas margens de lucro. 4. A dinâmica do sistema: o desenvolvimento desigual - Há uma tendência para a desigualdade entre os pólos do sistema, inerente à sua própria dinâmica: por um lado, a desigualdade estrutural e, por outro, a diferenciação entre produtividades e rendas médias, interagem-se e reforçam-se mutuamente. 5. Desenvolvimento para Dentro. - Na concepção de Centro-Periferia, a industrialização é um fato real e um fenômeno espontâneo, e indica a existência de uma mudança no modelo ou pauta do crescimento periférico: do desenvolvimento para fora, baseado na expansão das exportações, ao desenvolvimento para dentro, baseado na ampliação da produção industrial. Para esta concepção, este fenômeno (a industrialização) está vinculado a transformações ocorridas na economia mundial, de particular importância na periferia. 5 Acontecimentos conjunturais: Guerras Mundiais, Crise de 1929. Acontecimentos estruturais: substituição da Grã-Bretanha pelos EUA como centro dinâmico principal Argumentos de maior nível de abstração: processo de desenvolvimento que distribui de forma inter-setorial a população ativa. Condição de especialização inicial interfere sobre a trajetória de desenvolvimento. 6. Contradições da industrialização na Periferia. - Os problemas econômicos da Periferia apresentam semelhanças importantes, especialmente na América Latina, pois são uma etapa a mais no processo de propagação universal da técnica produtiva, ou do processo de desenvolvimento orgânico da economia do mundo. Dois desses problemas comuns aparecem no âmbito das relações econômicos internacionais: a tendência ao desequilíbrio externo; e a deterioração dos termos de intercâmbio. - O primeiro problema guarda relação com as mudanças no Centro dinâmico principal e com as alterações no funcionamento do sistema econômico mundial que essas mudanças implicam. De outra parte, entende-se que a tendência ao desequilíbrio externo é inerente ao processo de industrialização da Periferia devido ao desajuste entre o elevado ritmo de aumento da demanda de importações induzido por este processo, e a taxa de crescimento relativamente reduzida da demanda por produtos primários de exportação da parte do Centro. Deste modo, sustenta-se que a tendência à deterioração se perpetua durante a nova etapa do desenvolvimento periférico, pela manutenção dos problemas de emprego subjacentes ao fenômeno. - Um terceiro grupo de problemas comuns à periferia vincula-se à inadequação das técnicas que foram desenvolvendo-se no Centro, em paralelo ao aumento sustentado da renda média. Quando a periferia atravessa a fase do desenvolvimento pela via da industrialização, torna-se necessário uma adaptação dessas técnicas de grande escala e elevada densidade de capital para condições de atraso na resposta dos níveis médios de renda e poupança, atraso que se traduz em problemas de utilização e acumulação de capital. - As principais dificuldades que enfrenta o processo de industrialização relacionam-se à inadequação da tecnologia, mas essas dificuldades têm a ver com a estrutura de propriedade e direitos de posse, em uma agricultura periférica onde coexistem o latifúndio e o minifúndio e proliferam formas precárias de posse, há uma tendência a gerar-se desocupação e limites à oferta agrícola. A excessiva concentração de terra dificulta sua plena ocupação, devido à grande magnitude do capital requerido para a sua exploração. Ao mesmo tempo, a manutenção de terras improdutivas é viável para proprietários que dispõem de grandes rendas, pois a consideram uma defesa eficaz contra a depreciação inflacionária da riqueza, além de considera-las fonte de prestígio pessoal. - De outra parte, há uma incapacidade do minifúndio de capitalizar-se e de aumentar os padrões de produtividade, dificultando a expansão da oferta e a retenção da força de trabalho. 6 - Em síntese, durante o processo de industrialização persiste a deterioração; manifestam-se problemas de banco de pagamentos e absorção de mão-de-obra;produzem-se desajustes inter-setoriais da produção (car.ências de infra-estrutura, de oferta agrícola, etc.); e persistem as dificuldades na utilização e acumulação de capital. 7. Política de desenvolvimento e planificação. - Para que a industrialização seja intensificada e a produtividade e otimização dos recursos sejam aumentados significativamente, requere-se uma orientação do processo mediante a adoção de uma política deliberada de desenvolvimento. Ainda mais, dada a natureza estrutural dos problemas já mencionados, é necessário ordenar e racionalizar esta política recorrendo ao uso da programação. - Esta indicação de política não decorre de considerações relativas ao caráter anárquico do capitalismo e do seu modo de operação; tampouco decorre de considerações acerca da tendência do capitalismo de gerar oscilações conjunturais no nível de atividade econômica; mas surge da apreciação de condições estruturais específicas da periferia, que limitam sua capacidade de crescimento, quando as economias são deixadas ao curso espontâneo das forças de mercado. - A necessidade da condução deliberada do processo de industrialização substitutiva por meio da planificação constitui-se numa idéia-força, sobre a qual coloca-se muita ênfase nos primeiros documentos da CEPAL, já que esta condução é considerada como requisito indispensável ao desenvolvimento das economias periféricas. COMPONENTES DO PENSAMENTO DA CEPAL(quadro explicativo) AS CRÍTICAS DO PONTO DE VISTA ORTODOXO ALCANCES E LIMITAÇÕES DO ENFOQUE CEPALINO Obs. Os comentários fazem referência a um grupo de aportes que se destacam como “contribuições teóricas fundamentais”: a concepção Centro- Periferia; as três versões formais da teoria da deterioração dos termos de intercâmbio; e os vários corpos de análises que integram a interpretação do processo de industrialização. Em primeiro lugar, faz-se uma breve menção aos principais problemas de coerência que ainda subsistem nas contribuições; tenta- se precisar a natureza dos seus enfoques e a falta de um exame mais minucioso dos mesmos, contrapondo-as à economia convencional para mostrar que a unidade que alcançam essas contribuições é considerável, ao ponto de formar um esboço de uma teoria do subdesenvolvimento. Também por falta de uma revisão detalhada, recorre-se a um exemplo – a interpretação do desequilíbrio externo – com o fim de inferir dele algumas limitações do enfoque utilizado no grupo de aportes básicos. Assinala-se que se bem este enfoque pode explicar certas desproporções entre setores da produção material inerentes ao processo de 7 industrialização da periferia, não pode faze-lo com as relações sociais que têm como eixo a produção e impulsionam o mencionado processo. 1. Problema de coerência. - O exame cuidadoso das contribuições da CEPAL permitem afirmar que a ampla e complexa argumentação que contém ordena-se e articula-se, no essencial, em torno da explicação de três tendências que se consideram inerentes à industrialização substitutiva: a deterioração dos termos de intercâmbio, o desequilíbrio externo e o desemprego estrutural. - Deixando de lado as imperfeições nas argumentações e argumentações menores, o exame das contribuições revela que existe uma insuficiência significativa na interpretação dos problemas de emprego. - A partir desta imprecisão aparece uma segunda, que consiste com numa ausência de uma explicação integrada e coerente das três tendências, de maneira simultânea, de forma que nenhuma delas apareça durante o processo de industrialização substitutiva. 2. Enfoque utilizado. - O caráter estruturalista da concepção inicial pode ser percebido pela descrição feita da concepção Centro-Periferia. A concepção básica privilegia as peculiaridades da estrutura produtiva da periferia, definindo-a em função do nível de produtividade do trabalho nos distintos setores que compõem esta estrutura e o grau de complementaridade existente entre eles.
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