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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA KEROS GUSTAVO MILESKI O CONTEÚDO ESPECÍFICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA DE TESES E DISSERTAÇÕES: 1987 A 2004 MARINGÁ 2009 KEROS GUSTAVO MILESKI O CONTEÚDO ESPECÍFICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA DE TESES E DISSERTAÇÕES: 1987 A 2004 Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) apresentado à UEM - Universidade Estadual de Maringá - como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Educação Física. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosângela Aparecida Mello MARINGÁ 2009 KEROS GUSTAVO MILESKI O CONTEÚDO ESPECÍFICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA DE TESES E DISSERTAÇÕES: 1987 A 2004. Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) apresentado à UEM - Universidade Estadual de Maringá - como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Educação Física. Aprovado em ______ / ______ / ______ COMISSÃO EXAMINADORA ____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rosângela Aparecida Mello Universidade Estadual de Maringá - UEM ____________________________________________ Prof. Ms. Rogerio Massarotto de Oliveira Universidade Estadual de Maringá - UEM ____________________________________________ Prof.ª Ms. Telma Adriana Pacífico Martineli Universidade Estadual de Maringá – UEM DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a meus pais, Laércio e Neuza, que me ensinaram o apreço pelo conhecimento, o respeito à vida, com amor incondicional me ensinaram a ser humano. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, que por toda minha vida me deram suporte, foram para mim um porto seguro. A meu pai que pode me orientar quando questionamentos interiores puseram em cheque as opções que trilhei. As minhas irmãs pelo amor e compreensão. Em especial à minha mãe pelo amor incondicional. A professora Rosângela Aparecida Mello, pela paciência e orientação, tão importantes para a complementação de minha formação acadêmica, pelas sugestões, a confiança e o crédito depositados, pelo suporte essencial à realização deste trabalho. A professora Telma Adriana Pacífico Martineli, pelo incentivo decisivo a pesquisa científica, pelas discussões e conversas, e trabalhos realizados em conjunto e por toda a bagagem teórica que pude adquirir em suas orientações ao longo de minha caminhada na graduação. Agradeço o cuidado e carinho, a amizade a mim dispensada. Ao professor Carlos Henrique Ferreira Magalhães, cujas aulas iniciais de fundamentos despertaram em mim tamanha curiosidade acadêmica, questionamento, e a necessidade de buscar respostas. Aos conselhos, e amizade que me permitiu crescer ao longo desses anos de graduação. A professora Alda Lúcia Pirolo, cujas orientações no grupo EDUFESC contribuíram decisivamente para minha formação humana e acadêmica. Pelas tantas conversas e conselhos, pela amizade a mim dispensada. A todos os professores do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá pela contribuição a minha formação. Aos meus amigos Kleverson, Vanessa, Glauco, Tiscianne, Ronaldo e Diego, por fazerem parte de minha vida durante a jornada Acadêmica, por serem aqui em Maringá como uma família para mim. Aos amigos da Graduação, Érika, Alexandre, Luana, Alessandra, Michelly, Grasielle, Érica, Camila. A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho. "todo caminho da gente é resvaloso. Mas também, cair não prejudica demais - a gente levanta, a gente sobe, a gente volta!... O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela [a vida] quer da gente é coragem." João Guimarães Rosa "Grande Sertão: Veredas" MILESKI, Keros Gustavo. O conteúdo específico da educação física na produção científica brasileira de teses e dissertações: 1987 a 2004. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Educação Física) – Universidade Estadual de Maringá – UEM, 2009. RESUMO Este trabalho monográfico objetivou analisar o conteúdo específico da educação física, e como este conteúdo vem sendo tratado na produção científica brasileira de teses e dissertações do período de 1987 a 2004. A coleta destes trabalhos foi realizada no site da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Os trabalhos foram então categorizados por meio dos títulos, e a partir das categorias encontradas foi feita análise dos resumos. Contextualizamos o surgimento da educação física na era moderna, sob a influência das instituições médicas, militares e esportivas. A matriz teórica utilizada foi o materialismo histórico. Dos resumos analisados foi possível concluir que ainda existe uma abordagem biológica na educação física que se propõe ao desenvolvimento motor, formação do cidadão, formação crítica, ou até mesmo uma nova roupagem para o esporte. Finalmente julgo ser necessário um estudo pormenorizado das produções que se fizeram neste período para se constatar se houve, realmente, um salto qualitativo nas discussões e se os conteúdos da educação física encontram-se livres da roupagem médica-militar ou esportiva. Palavras-chave: Educação Física. Conteúdos. Médica-higienista. Militar. MILESKI, Keros Gustavo. The specific content of physical education in the Brazilian scientific production of theses and dissertations: 1987 to 2004. Work of Conclusion of Course (Graduation in Physic Education) – Universidade Estadual de Maringá – UEM, 2009. ABSTRACT This monograph work has as objective to study the specific content of Physical Education, and how this content is being addressed in the Brazilian scientific production of theses and dissertations from 1987 to 2004. The collection of these works was held at the site of CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). The papers were then categorized through their titles, and an analysis of abstracts was made from established categories. We contextualized the emergence of Physical Education in the Modern Era under the influence of medical, military and sports institutions. The theoretical framework that has sought to use was the Historical Materialism. From analyzes, we could conclude that there is still a biological approach in physical education who intend to motor development, education of the public, critical training, or even a new conception for the sport. To conclude, it seems be necessary a detailed study of the productions that were made during this period to realize if there is a productive insight in the discussions, and if this contents of physical education are free of medical military or sportive conception. Key-words: Physical Education. Contents. Medical-higienic. Military. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10 1 – A ORIGEM MODERNA DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A INFLUÊNCIA MÉDICA-MILITAR NO SEU CONTEÚDO ESPECÍFICO.................................. 14 1.1 - EDUCAÇÃO FÍSICA E SEUS CONTEÚDOS NO BRASIL ................... 20 2 – OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO PERÍODO DE 1945 – 1970: A EDUCAÇÃO FÍSICA PEDAGÓGICA E ESPORTIVA A SERVIÇO DA ELITE DOMINANTE .................................................................................................... 29 3 – AS TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA E SEUS CONTEÚDOS ESPECÍFICOS. ................................................................................................ 39 3.1 AS TENDÊNCIAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA. .................... 41 3.2 ESTUDOS NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO. ........................... 48 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 54 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 57 10 INTRODUÇÃO Desde os primórdios de sua existência a humanidade tem acumulado um conhecimento que é repassado de geração em geração. Aprender uma língua, ou as formas de pensamento lógico e matemáticos abstratos dependem, segundo Leontiev (2004, p. 284), “da apropriação dos resultados da atividade cognitiva das gerações precedentes.” É dessa forma, que esse conhecimento histórico produzido é repassado às gerações futuras por meio da interação das gerações atuais aos resultados produzidos pelas gerações passadas. O objetivo da educação, a formação dos sujeitos, contribui assim, para que o conhecimento historicamente produzido seja transmitido às futuras gerações. Assim, a educação se apresenta como uma ferramenta para a produção e reprodução da vida humana. A transformação da organização social tal qual a conhecemos hoje, ocorreu, segundo Hobsbawn (1981 apud ANDERY et al. 2004, p. 263), entre os séculos XII e a primeira metade do século XIX. Ao comentar a forma como o capitalismo se consolida, o autor menciona o “triunfo não da ‘indústria’ como tal, mas da indústria capitalista; não da liberdade e da igualdade em geral, mas da classe média ou da sociedade ‘burguesa’ liberal”. Continua seu pensamento, indicando que, por volta de 1948, nada impediria o avanço do sistema capitalista, o avanço da conquista ocidental sobre qualquer território que os governos ou os homens de negócios ocidentais achassem vantajoso ocupar, como se nada a não ser o tempo se colocava ante o projeto da iniciativa capitalista ocidental (HOBSBAWN 1981 apud ANDERY et al., 2004, p. 263). Esta relação social hegemônica1 se sustenta por meio da desigualdade entre os homens como produto da consolidação do capitalismo 1 O conceito de hegemonia por Gramsci (1991, p. 28), se configura no processo permeado pelo consenso e a orientação cultural, nos quais não prevalece o uso da coerção, da força ou da ingerência "(...) legislativa e estatal ou policial". Segundo o autor, a instância a partir da qual se dá o exercício da hegemonia, quando 11 sob a direção burguesa. Enquanto classe, a burguesia se apropria dos meios de produção, tornando-os sua propriedade provada e impõe à sua classe oponente, o proletariado, a condição de vendedores de força de trabalho, como forma de “continuar existindo” ou de “sobrevivência”. Esse triunfo da burguesia, segundo Soares (1994. p. 11) “rompe e abole as relações feudais em toda a Europa Ocidental, e cria, com seu ideário, as condições objetivas para a construção desta nova sociedade regida pelas leis do capital”, o capitalismo. Nesse contexto, a educação não é um fenômeno social isolado, mas está atrelada ao desenvolvimento histórico dos demais fenômenos sociais, e das mudanças radicais nas relações sociais e de produção. A educação ainda no entendimento da autora (1994. p. 45), “integra de modo orgânico as formas de difusão de uma determinada mentalidade, homogeneizando as vontades, os hábitos e criando uma certa coesão social.” Juntamente com o desenrolar desse papel educacional a educação física, se desenvolve enquanto produto da realidade humana e resultado das transformações sociais. Como afirma Mello (2009, p. 10): ...a educação física não é um fenômeno social isolado, mas faz parte da totalidade social através da qual a história dos homens se realiza. À medida que a sociedade é transformada pelos homens, transforma-se a forma da educação física. Esta, portanto, não é um produto natural, mas sim o resultado do processo histórico através do qual os homens, a partir do seu trabalho, constroem a si mesmos e à sociedade em que vivem. Se a educação física, ao longo de seu processo de construção, foi transformada pela realidade social, acumulando um conjunto de conhecimentos que, inicialmente, estava fundamentado na área das ciências médicas e biológicas, hoje, passado mais de um século desde o seu ressurgimento e vivendo ainda sob as bases estruturais das relações capitalistas, está a Educação Física fundamentalmente alicerçada na área das ciências biológicas evidencia a existência de dois patamares superestruturais: "sociedade civil", conjunto formado pelos organismos denominados privados, e "sociedade política ou Estado". Ambos "(...) correspondem à função de 'hegemonia' que o grupo dominante exerce em toda sociedade e àquela de 'domínio direto' ou de comando que se expressa no Estado e no governo 'jurídico'. Tais funções configuram-se organizativas e conectivas" (Gramsci, 1979, p. 10-11). 12 e ciências aplicadas? Apesar do desenvolvimento histórico e científico na área da educação e o reflexo desse desenvolvimento na educação física, continua- se a pensar a Educação Física e seus conteúdos segundo uma visão médica, e militarista? No esforço de compreender a Educação Física como um fenômeno social, foi desenvolvido pelos acadêmicos Alexandre Paio e Keros Gustavo Mileski, em forma de Programa de Iniciação Científica – PIC, no período de 01/08/2006 a 31/07/2007, o projeto intitulado “A Produção Científica em Teses e Dissertações sobre a Formação Profissional em Educação Física de 1987 a 2004”. Processo nº 2736/06, Registro nº 1596 – PES, Livro nº 001/2003, sob a orientação da Professora Ms. Telma Adriana Pacífico Martineli. Nesse processo, buscamos respostas que transpassaram a instituição escolar, e preocupamo-nos com a questão da formação em nível superior, da pós-graduação em Educação Física, mas, especificamente, no que se refere à formação de professores. Portanto, esse trabalho nos possibilitou constatar que há um segmento da comunidade científica que produz sistematicamente sobre formação de professores, evidenciando uma preocupação como resposta a uma necessidade social e humana de mudanças no quadro educacional brasileiro, sobretudo no âmbito da educação física, a partir da prática docente. A coleta dos dados na pesquisa deu-se da seguinte forma: no site da Capes é possível empreender uma busca por meio de três categorias principais: autor, assunto (frases ou palavras desconexas), instituição, e ainda, a opção pela filtragem dos dados por nível de Doutorado ou de Mestrado, ou mesmo pela data de publicação. O material foi selecionado da seguinte forma: optou-se pela categoria assunto, realizando a busca por meio da expressão: “formação de professores na educação física”. Na primeira etapa escolhendo- se a opção “expressão exata” obteve-se como resultado um número de 34 dissertações e 1 tese produzidas no período de 1987 a 2004. Quando utilizei à opção “todas as palavras”, foiobtido como resultado um número de 385 dissertações produzidas no período em questão. O mesmo critério foi utilizado para encontrarmos 58 teses no nível Doutorado. 13 Continuei ao longo da pesquisa lendo, relendo e extraindo categorias dos dados levantados e apresentamos inicialmente um quadro geral do material encontrado (MILESKI et al., 2007, p. 5), “Para identificar as categorias, utilizamos como ferramenta palavras-chave encontradas nos títulos. Foi a partir desta análise que identificamos 77 dissertações e 14 teses que não são da área da educação física, mas constituíam pesquisas em outras áreas do conhecimento humano. Identificamos também 94 trabalhos, cujo título não expressava a temática investigada; 97 dissertações e 5 teses sobre educação física escolar; e, ainda, 1 dissertação e 4 teses sobre a educação física em espaço extra-escolar.” Minha participação no desenvolvimento desse projeto de iniciação cientifica foi o passo inicial dos questionamentos que me levaram a propor o objeto de estudo desta monografia. Estudar as questões que envolveram o contexto da re-construção da educação física moderna, suas relações com as instituições médica, militar e esportiva, além de sua utilização enquanto ferramenta de controle social e compensação (por horas de jornada de trabalho) me levaram a alguns questionamentos quanto ao conteúdo específico da educação física, como foi constituído historicamente. Estudar a crise da década de 1980, e as críticas que se fizeram a partir de então ao modelo tradicional de educação física, fomentou a busca pelas novas propostas na educação física. Entendo que se críticas são feitas ao conteúdo da educação física até então, novas propostas devem ser feitas, ou pelo menos apontadas. Partindo dos dados que levantamos no projeto de iniciação cientifica, busquei respostas para a questão norteadora deste trabalho, que está focalizada em quais aspectos do conteúdo específico da educação física vem sendo tratados na produção científica brasileira. 14 1 – A ORIGEM MODERNA DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A INFLUÊNCIA MÉDICA-MILITAR NO SEU CONTEÚDO ESPECÍFICO. No ressurgimento da Educação Física, não se trata mais da antiga educação guerreira ou da educação cortesã, mas da formação do cidadão moderno. Nesta educação, os exercícios físicos funcionariam como higienizadores, disciplinadores do caráter e da vontade, formadores do sentido patriótico que colaboraria na formação (Alemanha, Japão e Itália), manutenção e aperfeiçoamento (França, Bélgica, Inglaterra e Estados Unidos) dos Estados Nacionais. (MELLO, 2009. p. 103) Para se entender como ocorreu a construção dos atuais conteúdos da educação física e visualizar o contexto histórico moderno, é preciso voltar a atenção ao início do capitalismo enquanto sistema social. Quando um modo de produção social se encontra em declínio e outro está em ascensão, pode-se dizer que existe um período de transição no qual se encontra traços do antigo e do novo modo que se misturam. A transição do feudalismo para o capitalismo foi, segundo Andery et. al. (2004, p. 163), “o período em que um conjunto de fatores preparou a desagregação do sistema feudal e forneceu as condições para o surgimento do sistema capitalista.” Para a autora, “a transição do feudalismo ao capitalismo significou a substituição da terra pelo dinheiro como símbolo de riqueza” (Id., p. 163). E um longo processo de desapropriação de terras ocorre em toda Europa. Os cercamentos das terras comuns que começaram em fins do século XV e seguiram com efetiva ação violenta durante o XVI e o uso de meios legais, para “o roubo das terras pertencentes ao povo” (MARX, 1987. p. 840), até o século XVIII resultaram na extensiva expropriação do camponês de suas formas de subsistência. Esse processo levou a população camponesa, agora sem terras para subsistir, para as cidades, preparando o contexto necessário para o surgimento da revolução industrial. Foi durante as décadas de 1700, que a revolução industrial evoluiu a passos gigantescos e a consolidação do capitalismo trouxe grandes 15 transformações em toda a Europa, pois, sobretudo na Inglaterra2, surgem duas classes antagônicas; a burguesia até então protagonista da história moderna, suscita e não subsiste sem o moderno proletário industrial (MANACORDA, 2006. p. 270), foi esse o século que presenciou o deslocamento de inteiras populações do campo para as cidades, “tornando a população agrícola disponível para a indústria” (MARX, 1987, p. 841). Mudanças de toda ordem ocorrem no sistema de produção, no modo de vida dos homens, em suas idéias e em suas formas de instrução (MANACORDA, 2006, p. 249). O modo de produção passa das oficinas associadas às oficinas simples, desta seguem-se as manufaturas quando ocorrem as primeiras divisões do trabalho, e por fim o sistema de fábricas e a indústria baseada nas máquinas, tudo isso ocorrendo sob a intervenção da ciência moderna (Id., p. 270). A transformação do produtor em assalariado, produzido pela expropriação de todos os meios de produção e das velhas instituições que lhe assegurava a existência, traz consigo o deslocamento populacional, conflitos sociais, transformações culturais e revoluções morais inauditas. A metamorfose da exploração feudal em exploração capitalista, do produtor rural ou camponês a vendedor de si mesmo (MARX, 1987, p. 831), leva o novo proletário industrial a surgir desprovido até mesmo de sua “pequena ciência”, como afirma Manacorda, referindo-se ao trabalhador que adentra a fabrica: Não possui mais nada: nem o lugar de trabalho, nem a matéria- prima, nem os instrumentos de produção, nem a capacidade de desenvolver sozinho o processo produtivo integral, nem o produto do seu trabalho, nem a possibilidade de vendê-lo no mercado. Ao entrar na fábrica, que tem na ciência moderna sua maior força produtiva, ele foi expropriado também da sua pequena ciência, inerente ao seu trabalho; esta pertence a outros e não lhe serve para mais nada e com ela perdeu, apesar de tê-lo defendido até o fim, aquele treinamento teórico- prático que, anteriormente, o levava ao domínio de todas as suas capacidades produtivas: o aprendizado. (2006. p. 271) 2 Em todos os países europeus o contexto de expropriação camponesa é parecido. Marx (1987) indica que um estudo sobre o que ocorreu na Inglaterra dos séculos XV a VXIII permite entender o contexto clássico: “A história dessa expropriação assume coloridos diversos nos diferentes países, percorre várias fases em seqüência diversa e em épocas diferentes. Encontramos sua formação clássica na Inglaterra, que, por isso, nos servirá de exemplo” (Id., p. 831). 16 Esse novo modo de produção, a divisão das tarefas, a divisão do trabalho, gera no trabalhador a ignorância e esse processo de expropriação do próprio conhecimento leva um problema ao industrial, como impedir que “as massas operárias se fossilizem nas operações das máquinas obsoletas”? A massa proletária precisava estar acessível às mudanças tecnológicas. Para atender as novas necessidades da moderna produção de fábrica era preciso solucionar o problema da instrução das massas operárias. Surge, aqui, o novo tema da pedagogia moderna: as relações instrução-trabalho ou da instrução técnico-profissional (MANACORDA, 2006, p. 272). Emergem, assim, as escolas científicas, técnicas e profissionais e com maior ênfase no século XIX, quando os sistemas educacionais estão sendo (re)construídos. ..., pode-se dizer que em todos os países europeus, de vários modos e em ritmos diferentes, sediscutia, se legisferava e se trabalhava para criar escolas. Enquanto vai desaparecendo o tradicional aprendizado da oficina artesanal, controlado pelas corporações de artes e ofícios (na Inglaterra foi criado por lei em 1381 e, por lei, abolido em 1814), a instituição escola vai atingindo todas as classes produtoras, recebendo novos conteúdos científicos e técnicos (MANACORDA, 2006, p. 288). Vale ressaltar que durante o Oitocentos, nesse contexto de (re)construção da escola e a preocupação com a formação do homem (trabalhador), um fator importante do mundo educacional moderno é o renascimento da educação física (MANACORDA, 2006, p. 288). Àquela entendida como parte essencial da formação do homem, que incorpora e passa veicular as idéias de “hierarquia, da ordem, da disciplina, da fixidez, do esforço individual, da saúde como responsabilidade individual” (SOARES, 1994. p. 20). Será construída como valioso instrumento para disciplinar a vontade, para adequar, para reorganizar gestos e atitudes necessários para manter a ordem. A educação física passa a fazer parte do conteúdo curricular assumindo o papel de tratar do corpo sob a luz da ciência positivista. Segundo os princípios da Ciência positivista, produzidos por Augusto Comte (1798 - 1857), conhecimento científico baseia-se na observação dos fatos e nas relações que o raciocínio estabelece a partir dos fatos. A 17 abordagem positiva da ciência exclui as “tentativas de descobrir a origem, ou uma causa subjacente aos fenômenos, e são, na verdade, a descrição das leis que os regem” (ANDERY et al., 2004, p. 381). Estas leis são segundo o pensamento de Comte, imutáveis e traduzem o que ocorre na natureza, descobri-las serve para satisfazer a curiosidade humana, entretanto, o conhecimento científico deve ter uma aplicação prática, deve ser útil. O conhecimento científico não admite dúvidas e indeterminações, e deve se desvincular de todo o conhecimento especulativo. “Esta abordagem de ciência, calcada nos princípios da observação, experimentação e comparação” (SOARES, 1994, p. 11), juntamente com o “liberalismo3, entendido como liberdade de pensamento e ação individuais” (Id., p. 45), dão sustentação à burguesia, ao seu método escolar institucionalizado. No qual a educação física está centrada à saúde biológica e busca a construção de corpos saudáveis, resistentes e livres de doenças e começa a ser veiculada como uma necessidade, integrante das normas de cuidados com o corpo. Protagonista de um projeto maior de higienização da sociedade, a educação física, seria aquela capaz de resolver os problemas colocados pela sociedade industrial, seria o elemento capaz de neutralizar os conflitos sociais e “equilibrar a vida no mundo do trabalho”. Servindo aos interesses sociais da época pretendia a promoção da “saúde”, por meio de exercícios físicos, de valores e costumes morais, traz consigo um referencial carregado de intenções eugênicas (SOARES, 1994 e 1992). A educação física tomou a ciência positivista como a base cientifica que irá legitimá-la no ambiente escolar. 3 O liberalismo é uma concepção filosófica que se associa aos burgueses, teve como um de seus mentores John Locke (1632-1704), que afirmava que tudo o que conhecemos e todas as idéias que temos, eram formadas no espírito, não eram inatas. Locke reduz o conhecimento científico ao conhecimento dos fenômenos por meio da percepção, e erigiu a experiência como critério de verdade para o conhecimento humano. Além de se preocupar com a produção do conhecimento, Locke também discutia a filosofia política. Ele supunha que os homens têm traços básicos, como a liberdade, a igualdade e a racionalidade. Ora se os homens nascem iguais devem ter direitos iguais, e estes devem garantir-lhes a subsistência. Estes direitos estão intimamente ligados à noção de propriedade, e o homem deve se apropriar de tudo aquilo que lhe garante a satisfação de suas necessidades básicas. A partir da idéia de criação do homem por Deus, e por associação a idéia de que o homem deveria trabalhar para satisfazer as suas necessidades, Locke estabeleceu o trabalho como um direito do homem. Defendia também um governo em que os homens pudessem pela participação garantir seus direitos. Para viver em sociedade os homens renunciariam a sua liberdade natural para viver sob um contrato social, onde Locke mais uma vez reafirma o direito à propriedade, atribuindo à sociedade o dever de ser a sua guardiã. Basicamente em suas idéias liberalistas, o homem é livre enquanto indivíduo, preso a um contrato social o qual escolheu e deve respeitar, defendendo a propriedade privada e o trabalho como direitos dos homens. (ANDERY et al. 2004, p. 221-236) 18 O processo de institucionalização escolar da educação física é um momento em que essa sofre influência médica e militar, conforme comentado por Soares: [...] confunde-se em muitos momentos de sua história com as instituições médicas e militares. Em diferentes momentos, estas instituições definem o caminho da Educação Física, delineiam o seu espaço e delimitam o seu campo de conhecimento, tornado-a um valioso instrumento de ação e de intervenção na realidade educacional e social (SOARES, 1994, p. 85). A influência médica na educação física, por meio do movimento higienista, possuía uma abordagem positivista de ciência e moral burguesa em sua base de proposta para disciplinar os corpos, os hábitos, e a vida dos indivíduos (Id., p. 86). Citando Foucault (1985), Castellani Filho (1988, p. 40) comenta como a medicina ganha esse espaço e poder na Europa do fim século XVIII, ao apontar que o objetivo da então política médica era “a organização da família”, a “medicalização dos indivíduos” e dessa forma, “o corpo sadio, limpo, válido, o espaço purificado, límpido, arejado (...) constituem algumas das leis morais essenciais da família”. A educação física é vista pelos higienistas como aquela que pode educar o corpo, prepará-lo para o seu papel social, para que este possa ser explorado. O conteúdo da educação física ressalta, nesse momento, a uma necessidade social gerada pelo desenvolvimento da forma de produção capitalista, em que o “trabalhador se transforma em simples acessório das máquinas e necessita, cada vez mais, atenção e saúde para suportar as intermináveis horas sem descanso e em posições nocivas ao seu corpo” (SOARES, 1994, p. 64). Na Europa a partir de 1800, surgem em diferentes regiões, as diferentes escolas, ou métodos ginásticos, correspondentes aos seus países de origem, tais como na Alemanha, na Suécia, na França e na Inglaterra. A escola Inglesa de ginástica priorizava o esporte como método ginástico. De caráter liberal e positivo, a educação física teceu, “regras para os esportes modernos”, e com muita propriedade usou da “concepção de homem 19 como ser biológico e orgânico” (SOARES, 1994, p. 62). Deu ao esporte uma roupagem universal, permitindo que todos pudessem ser vitoriosos e, por extensão, vitoriosos na vida por seus esforços. Presenteou os homens com um determinismo genético e hereditário que precisa ser adestrado, disciplinado. Nesses meandros, as outras escolas apresentavam um caráter médico higienista, e, de modo geral, como aponta Soares, [...] possuíam finalidades semelhantes: regenerar a raça (não nos esqueçamos do grande número de mortes e de doenças); promover a saúde (sem alterar as condições de vida); desenvolver a vontade, a coragem, a força, a energia de viver (para servir a pátria nas guerras e na indústria) e, finalmente, desenvolver a moral (que nada mais é do que uma intervenção nas tradiçõese nos costumes dos povos) (1994, p. 65). O conteúdo da educação física nesse momento pode ser identificado a partir da Escola Alemã como Exercícios Livres sem aparelhos, e Exercícios de Suspensão, de Apoio, e Ginástica Coletiva, segundo Soares (1994, p. 67). “Para formar o ‘homem total’ a ginástica deveria estimular a aplicação de jogos”, dava importância às lutas, a utilização de “obstáculos artificiais”, que darão origem aos “aparelhos de ginástica” (id., p. 67). A Escola Sueca preconizava a divisão da ginástica em 04 partes, de acordo com os fins visados, sejam elas, a ginástica pedagógica ou educativa, a ginástica militar, a ginástica médica e ortopédica e a ginástica estética. E a partir dessas divisões seguiam-se as formulações de exercícios de ordem, séries de exercícios de pernas, extensão da coluna vertebral, equilíbrio, passo ginástico ou marcha, saltos, entre outros (SOARES, 1994, p. 72). Na Escola Francesa têm-se fortes expressões liberais, a ginástica nesse método se baseou nas idéias dos Alemães, mostrando “preocupações básicas com o corpo anátomo-fisiológico e um forte traço moral e patriótico” (Id., p. 75). O desenvolvimento das aulas seguiam exercícios elementares ritmados, exercícios de saltar em profundidade, altura e largura, exercícios de 20 transposição de obstáculos naturais, exercícios de trepar, de nadar, tiro ao alvo, entre outros (SOARES, 1994, p. 77). Compreende-se então, que a educação física institucionalizou-se na Europa moderna e serviu num momento de formação dos estados capitalistas, ao propósito de preparar o corpo adestrado e disciplinado do homem moderno para o trabalho. A educação física possuía expressões liberais e positivas cujo objetivo era formar o homem total, com senso patriótico, moral e cívico. Portanto, os métodos ginásticos influenciaram grandemente o desenvolvimento da educação física, não somente na Europa e nos emergentes países capitalistas dos séculos XVIII e XIX como, também, influenciaram a construção do modelo de educação física brasileira na atualidade. 1.1 - EDUCAÇÃO FÍSICA E SEUS CONTEÚDOS NO BRASIL É sabido que o positivismo logrou alcançar êxito entre nós pelo fato de sofrer o Brasil – face a um processo de colonização bancado por um Portugal em muito atrasado no cenário cultural europeu da época – uma síndrome de insuficiência filosófica exacerbada, haja vista apenas existir naquela época no país uma fundamentação filosófica de ordem Tomista, implantada pela Igreja Católica. Interage a esse fator, aquele outro pertinente aos anseios de progresso próprios de um país jovem, ansioso por crescer. A filosofia Comteana veio atender, assim, às necessidades de um Brasil ressentido com um componente filosófico contundente, e em busca de um referencial teórico-filosófico que fosse ao encontro de sua disposição para o progresso. (CASTELLANI FILHO, 1988. p. 37) A educação física, em sua gênese moderna, incorporou os vestígios da sociedade burguesa em ascensão e, assim como as demais instituições que nasceram na sociedade capitalista, respondeu em determinado momento e em determinada necessidade histórica. É impossível falar de educação física na sociedade moderna brasileira sem mencionar a sua relação direta com as Instituições militares, pois seu surgimento foi fortemente influenciado por tal instituição. 21 Foi em 1810, por ato expresso em Carta Régia que D. João VI instituiu o começo do “exercício sistemático da ação educadora do Exército no Brasil” (FERREIRA NETO, 1999, p. 13, CASTELLANI FILHO, 1988, p. 34), o objetivo era a formação geral do homem das armas e uma constante preocupação com defesa e segurança dos domínios territoriais portugueses. Já no século XX as preocupações com os conteúdos curriculares entram em debate e, conforme Motta4 (1976), citado por Ferreira Neto (1999. p. 15) “em todos os Regulamentos do Ensino no Exército, entre 1905 a 1945, há um componente curricular de Instrução Física, Ginástica ou mesmo Educação Física”, e que continua mencionando “que às vezes a Instrução Física aparece na seção teórico-prática dos diversos cursos oferecidos pelo sistema de ensino militar. Por sua vez, a Ginástica e a Educação Física sempre aparecem na seção prática.” Tanto para o estudante militar quanto para o estudante civil, era necessária uma articulação entre os projetos educacionais. Tentou-se que todos os programas de ensino, fizessem alusão à “educação dos deveres militares, no sentido de despertar, nas novas gerações, o respeito às “classes armadas”, dentro da defesa da noção da civilização” (FERREIRA NETO, 1999. p. 19). Formar o cidadão disciplinado, ordeiro e submisso que se enquadre as novas necessidades sociais, que se ajuste ao progresso de um país jovem em processo de desenvolvimento, comenta a doutrina do exército quando extrai um texto de A Defesa Nacional de 1920; “Quem é disciplinado cumpre incondicionalmente o dever militar proclamado pelas leis, regulamentos e ordens gerais do Exército. Essa disciplina é a disciplina moral que une os segmentos sociais constituídos pelas Forças Armadas” (Id., p. 22). As preocupações com as formas de ensino no Exército vão levar a uma Pedagogia que, segundo o autor, “aplicada no interior do Exército está condenada a favorecer à manutenção da hierarquia e da disciplina militar”, ele menciona ainda, que, esta pedagogia, deve atender a especificidade institucional, “deve coadjuvar para elevar o nível de preparação da tropa para fazer a guerra; e a ser uma Pedagogia da ação prática” (Ibid., p. 25). 4 MOTTA, J. A formação do oficial do exército. Rio de Janeiro: Editora Companhia Brasileira de Artes Gráficas, 1976. 22 Em relação à didática “o regulamento de 1918 repudia totalmente o ensino teórico. Agora, só existe ensino teórico-prático e prático” (Ibid., p. 28). Uma forte influencia de oficiais que estagiaram no Exército Alemão, e a valorização dos assuntos especificamente militares e práticos. Já em 1924 com a implantação de novo currículo ocorre o retorno de disciplinas teóricas combinadas com conteúdo prático, “surgem os estudos teóricos do “Regulamento de Instrução Física”, “Noções de Higiene” e “Noções de Anatomia e Fisiologia”. O pólo prático é marcado pela “Instrução Física”. A Educação Física recebe destaque no ensino, no Exército” (FERREIRA NETO, 1999, p. 29). No currículo de 1940, a Educação Física aparece tanto no Curso Fundamental como no Curso Profissional de todas as armas, acompanhada das disciplinas Equitação, Esgrima, Anatomia, Fisiologia, os Socorros de Urgência e a Higiene Militar e, segundo o autor, “todas as disciplinas, exceto a Equitação, continuam presentes na maioria dos Cursos de formação de professores civis do país, na atualidade, com breves modificações no ementário e/ou na denominação da disciplina.” (Id., p. 33) A ênfase à metodologia do ensino de influência Americana pode ser vista na “reforma de 1942” (Ibid., p. 34) que altera pequenas coisas ao que já estava posto pelo Regulamento de 1940 e esta influência se deve aos oficiais recém-chegados de estágios nos Estados Unidos. Ferreira Neto (Ibid., p. 35) grifa duas formulações dos Regulamentos do ensino no Exército: “a objetividade do ensino e a praticidade dos métodos e processos”. Esses últimos, segundo o autor, levariam ao ensino do “fazer para aprender” à utilização incessante do “laboratório”, do “trabalho de campo”, da “experimentação”, do “exercício aplicativo”. O que de acordo com o autor, leva a corporificação de uma “doutrina didática moderna”, segundo a “Escola Ativa”e atenta à orientação advinda da Psicologia da aprendizagem. Os avanços da institucionalização da Educação Física no exército e no meio civil, vão ocorrer sistematicamente a partir de 1919 e é durante a década de 1920 que segundo Ferreira Neto (1999, p. 41) “cria-se uma Escola, prepara-se pessoal e implementa-se a Educação Física na tropa e na sociedade civil. Existem, inclusive, várias propostas. Trata-se de viabilizar esforços político-administrativos para executá-las”. Assim o ensino nas escolas 23 deverá ser feito por meio de instrutor militar, que será o educador físico, esse ensino deve “caminhar para a formação de grupos de ‘gymnastica esportiva’” (FERREIRA NETO, 1999, p. 42). Data de 1922 a fundação do Centro Militar de Educação Física (C.M.E.F.), que fica desativado devido a “revolução” de 1922, mas é reaberto no governo de Washington Luís. Os trabalhos são entregues aos tenentes Ignácio de Freitas Rolim e Virgilio Alves Bastos que selecionam turmas de sargentos e professores públicos do Distrito Federal para formar o curso “fundador”. Existe, a partir de então, uma preocupação com a educação física nas escolas civis e, também, uma preocupação concernente ao profissional capacitado para atuar com esta disciplina nas escolas (Ibid., p. 46). Em 1933 o Centro Militar de Educação Física é por meio decreto nº 23.252 transformado em Escola de Educação Física do Exército, e esta continuaria com os objetivos do “velho” Centro, ao “proporcionar o ensino do método da Educação Física regulamentar e orientar e difundir a aplicação do método” (Ibid., p. 51), a formação de instrutores e monitores de Educação Física, especialização em Educação Física para médicos, a graduação de massagistas esportivos, entre outros formaria “recrutados” do meio civil para aturarem na Educação Física incrementando a prática da Educação Física e dos desportos. Por ausência de método próprio, o Exército Brasileiro adotou o Método Francês “implantado por lei no país em 12 de abril de 1921 através do decreto nº 14.784” (SOARES, 1994, p. 82). Em trecho extraído do Estado Maior do Exército de 1934, Ferreira Neto (1999, p. 59) evidencia que: A publicação deste regulamento, tradução integral do Regulamento Geral de Educação Física francês pela Escola de Educação Física do Exército, é motivada pela falta de um guia orientador da educação física nos corpos de tropa e estabelecimentos militares. Não sendo, pois, um regulamento nacional, a sua aplicação irá encontrar certas dificuldades que a Escola de Educação Física do Exército na medida de suas possibilidades e com a pratica já adquirida procurará remover [...], por isso que é esse metodo, que em suas características científicas, apresenta as maiores probabilidades de perfeita adaptação ao nosso caso particular. 24 O método francês adotado era possuidor de objetivos, conteúdo, formas de transmissão e avaliação próprias. Os conteúdos clássicos do método francês são nesta ordem: os jogos que são mais apropriados para as crianças; a ginástica, predominantemente utilizada na instrução física militar, que nesse, caso é composta dos flexionamentos, dos exercícios educativos e das aplicações que, por sua vez, compõem a lição de Educação Física5, os esportes individuais e os esportes coletivos. O conteúdo predominante nas sessões era a ginástica, embora os esportes individuais (natação, atletismo) e esportes coletivos (basquetebol, futebol, rugby e waterpolo) fossem preconizados em menor escala (FERREIRA NETO, 1999, p. 63). Nota-se que o método compreendia exercícios físicos cuja prática racional e metódica propiciariam obter aperfeiçoamento físico, tratava-se de disciplinar movimentos e contrair hábitos adaptáveis às aplicações úteis da vida, de caráter religioso, médico, militar, econômico e profilático. A preocupação “de controlar as energias corporais e carreá-las para o mundo do trabalho”, não era prioritariamente, preocupação militar, conforme indica Ferreira Neto (1999, p. 62): “do início do Período Republicano (1889) até o fim do Estado Novo (1937-1945), é conhecida a atuação dos médicos-higienistas, Exército e Igreja Católica na produção de uma “pedagogia do corpo”. Nesse âmbito, a influência médica é, também, descrita por Lino Castellani Filho (1988, p. 39) quando menciona que “esse entendimento, que levou por associar a Educação Física à Educação do Físico, à Saúde Corporal, não se deve exclusivamente e, nem tampouco, prioritariamente, aos militares” (grifo do autor). O autor aponta, ainda, que o país que estava começando a construir um próprio modo de vida, por estar “saindo de sua posição de colônia portuguesa, no início da segunda década” do século XIX. 5 Em nota ao pé da página Amarílio Ferreira Neto, comenta que: A lição de Educação Física é composta de sessão preparatória, lição propriamente dita e volta à calma. Uma lição adequadamente planejada e contínua, alternada, graduada, atraente e disciplinada. É contínua em relação ao esforço físico durante sua execução; alternada quando põe em ação regiões e grupamentos musculares variados, objetivando evitar a fadiga precoce; graduada, na intensidade que deve ser articulada de modo crescente, de acordo com a parte da aula, devendo atingir o ápice após a metade da lição propriamente dita; atraente, quando é realizada com entusiasmo e alegria pelo grupo; disciplinada, pelo comando sem hesitação dos exercícios planejados pelo instrutor. 25 Nesse contexto, outra instituição que no Brasil se coloca como a detentora dos conhecimentos necessários para a consolidação da nova sociedade: aos militares, “juntavam-se os médicos que mediante uma ação calcada nos princípios da medicina social de índole higiênica, imbuíram-se da tarefa de ditar à sociedade, através da instituição familiar, os fundamentos próprios de reorganização daquela célula social” (CASTELLANI FILHO, 1988, p. 39). De posse de uma posição privilegiada, os higienistas, a partir da década de 1830, segundo Costa6 (1983), impõem “à família, uma Educação Física, Moral, Intelectual e Sexual inspirada nos preceitos sanitários da época” (apud CASTELLANI FILHO, 1988, p. 42). Vêem na educação física um importante papel, “o de criar o corpo saudável, robusto e harmonioso organicamente” (Id., p. 43), e por isso voltam seus olhos para a escola, entendendo a educação escolar como uma extensão da educação em família. Soares (1994) ao tratar do período de 1850 a 1930, menciona que, ao utilizar um conjunto de conhecimentos e teorias desenvolvidas na Europa, “os médicos desenharam um outro modelo para a sociedade brasileira e contribuíram para a construção de uma nova ordem econômica, política e social”, e que segundo a autora “o pensamento médico higienista [...] construiu um discurso normativo, disciplinador e moral.” (Id., p. 86) Atribuindo um caráter científico à Educação Física, desenvolveu-se nesta, um importante papel quanto à eugenização da raça brasileira. O cunho Eugênico é amplamente sustentado nos escritos de Ruy Barbosa7(1849-1923), defensor veemente da implantação da Educação Física nos projetos de ensino e instrução pública, e também por Fernando de Azevedo (1894-1974) o qual produz grande volume de conhecimento dedicado à questão da Eugenia entendida como “estudo das medidas sociais-econômicas, sanitárias e educacionais que influenciam, física e mentalmente, o desenvolvimento das qualidades hereditárias dos indivíduos e, portanto, das gerações” (CASTELLANI FILHO, 1988, p. 47). Tomada como medida profilática, higiênica, educativa e social, dizia ser “a aplicação de uma educaçãoenérgica para a 6 COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. 2ª Ed. Rio de Janeiro, Graal, 1983. 7 MARINHO, Inezzil Penna. História Geral da Educação Física. 2ª Ed. São Paulo, Brasil Ed., 1980. Parecer de Rui Barbosa ao Projeto n.º 224, 1882, 26 conquista da plenitude das forças físicas e morais” e concluía seu pensamento de maneira poética dizendo que Eugenia é: [...] o revigoramento do povo, por uma sábia política de educação, de defesa sanitária e de cultura atlética, que o impulsione, a todo pano, dos lagos mortos onde jaz estacionário, para o esplêndido tumultuar da vida intensamente vivida em pleno ar, acrisolada do ouro do sol [...] (1960, apud CASTELLANI FILHO, 1988, p. 55). Se o objetivo é a eugenia da raça, o raciocínio é simples: para construir uma pátria de homens fortes e aptos a defendê-la, para gerar filhos saudáveis é preciso que hajam mulheres fortes e sadias. O autor continua na defesa do aperfeiçoamento da raça, ao afirmar que: “[...] a perfeição física de um povo, por igual, da beleza e saúde do homem e da mulher, (sendo que) a sua perfeição moral e intelectual está na razão direta da que possuem um e outro sexo [...]” e ainda, “O que é, pois, preciso, é ver na menina que desabrocha, a mãe de amanhã: formar fisicamente a mulher de hoje é reformar a geração futura [...]” (CASTELLANI FILHO, 1988, p. 57). Portanto, o conteúdo da educação física então passa a ter a preocupação de fornecer agora, às mulheres atividades compatíveis com seu papel social, atividades de ginásticas que “atinassem para a harmonia de suas formas feminis e às exigências da maternidade futura”, e deveria ser a educação física “integral, higiênica e plástica, abranger com trabalhos manuais os jogos infantis, a ginástica educativa e os esportes menos violentos e compatíveis com a delicadeza do organismo das mães” (Id., p. 58). O período que segue a década de 1930 marca um contexto de grandes mudanças no Brasil e definem os rumos do capitalismo industrial no país. A transição de uma sociedade rural para uma sociedade de base urbano- industrial. Os rumos educacionais, de acordo com Paiva8 (1983 apud CASTELLANI FILHO, 1988, p. 82) indicam que “com o Estado Novo, a Política educacional se transforma, pois o novo regime de autoridade tinha diretrizes definidas e ideologia própria a ser difundida pela Educação...” Esta nova 8 PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. 2ª Ed. São Paulo : Loyola, 1983. 27 política visava exaltar a nacionalidade, criticar o beralismo, o anticomunismo e a valorização profissional (CASTELLANI FILHO, 1988, p. 82). Partindo dessas políticas alguns elementos se priorizam na educação, como aponta Castellani Filho (Id., p. 84) neste período surgem “a Educação Física e a Educação Moral e Cívica como elos de uma mesma corrente, articuladas no sentido de darem à prática educacional a conotação almejada e ditada pelos responsáveis pela definição da política de governo”. À educação física nesse período cabia a moralização do corpo por meio dos exercícios físicos, aprimorar a raça pelo aprimoramento eugênico, e também a preparação física e suas repercussões no mundo do trabalho, a militarização espiritual, uma política esportiva que permitiria cuidar da pátria. (Id., 1988, p. 85) Esperava-se que essa política esportiva pudesse contribuir para melhorar a capacidade física do Homem brasileiro (Ibid., p. 86), exercícios e atividades físico esportiva como natação, box, ciclismo, remo. (Ibid., p. 97). Em síntese, desde o seu surgimento na sociedade moderna, a educação física e seus conteúdos como qualquer outra instituição que surgiu na sociedade capitalista, reflete as características desta ordem social. E em diferentes contextos adquiriu uma roupagem que a justificava perante as necessidades sociais às quais ela respondia. No contexto social brasileiro a educação física adquire características médicas-higienisas, militares ou esportivas, dependendo do momento histórico. A partir da segunda metade do século XIX, a educação física é valorizada como importante “componente curricular com acentuado caráter higiênico, eugênico e moral.”. Esse caráter médico-higienista define a educação física como a precursora dos corpos saudáveis e “aptos” ao trabalho, “à preservação da Pátria e à dignidade da espécie...” (SOARES, 1994, p. 87; CASTELLANI FILHO, 1988, p. 53). Num segundo momento, mais especificamente na primeira metade do século XX, a educação física adquire um caráter militar, mesmo por que existe dentro do Exército um interesse em institucionalizar a prática da educação física, na sociedade civil, assim como em seu meio. E é durante toda a década de 1920 que, segundo Ferreira Neto (1999), “cria-se uma Escola, prepara-se pessoal e implementa-se a Educação Física na tropa e no meio civil,” ainda de acordo com o entendimento do autor (Id., p. 42), “existe uma 28 concepção de educação que compreende a disciplina como desdobramento das forças físicas e morais, intelectuais e psicológicas, segundo a doutrina do Exército.” A preocupação com a saúde individual e pública continua presente no discurso da educação física, mas numa visão militar o objetivo é antes uma educação que compreenda construção de um homem que vai defender a pátria e construir uma nação forte. Essa concepção militar tem forte influência sobre a educação física até o fim do Estado Novo, “após 1945, a Educação Física Militarista foi obrigada a se reciclar, despojando-se dos argumentos mais comprometidos com o espírito belicoso” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991. p. 27). Nesse sentido, é preciso ter em mente que as influências médico militares na educação física e as suas características em determinados períodos históricos, não surgem do nada ou, simplesmente, deixam o cenário histórico, como num passe de mágica, abrindo caminho para a tendência a seguir. Paulo Ghiraldelli Júnior (1991, p. 16) ao comentar seu estudo sobre as tendências e correntes da Educação Física brasileira, indica que as “tendências que se explicitam numa época estão latentes em épocas anteriores e, também tendências que aparentemente desaparecem foram, em verdade, incorporadas por outras.” 29 2 – OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO PERÍODO DE 1945 – 1970: A EDUCAÇÃO FÍSICA PEDAGÓGICA E ESPORTIVA A SERVIÇO DA ELITE DOMINANTE Entre 1930 e 1940 de acordo com Castellani Filho (1988. p. 92), ainda estava evidente o objetivo da promoção da “disciplina moral e do adestramento físico da juventude brasileira”. O autor expõe que, além da preocupação para com a defesa da nação, existia “a necessidade sentida de condicioná-la [a juventude brasileira] ao cumprimento de seus deveres com o desenvolvimento econômico brasileiro.” Ao mencionar o artigo 129 da Carta Constitucional de 1937, o autor evidencia “o princípio da responsabilidade do Estado para com o ensino profissional” (Id., p. 92), e faz uma relação com a “conjuntura sócio-político-econômica nacional e internacional” (Ibid., p. 92), num período em que o Brasil passa por um processo de industrialização necessário para suprir o mercado interno que sofre com os adventos da Segunda Guerra Mundial. O período que sucedeu o Estado Novo – que finda em 1945 – até o golpe Golpe Militar de 1964 é marcado pela continuidade das Diretrizes e bases da Educação Nacional. Nesse período a educação física adquire um caráter pedagógico e, passa a reclamar da sociedade o reconhecimento de sua nova roupagem. A educação física, passaa ser entendida, pela sociedade, “não somente como uma prática capaz de promover saúde ou de disciplinar a juventude, mas [...] como uma prática eminentemente educativa.” E ainda mais essa tendência pedagógica aponta que a “educação do movimento” é a única forma de promover a “educação integral” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 19). Ao longo desse período até a década de 50, o “Método Francês” ainda era obrigatório como diretriz da prática da Educação Física escolar brasileira, mas, a concepção pedagógica, começa a ganhar espaço e alterar a prática da Educação Física e vislumbrar essa como disciplina educativa por excelência, impregnado de modelos e teorias estrangeiras, escolanovistas. Passa a ser função do professor de educação física, cuidar “[d]as fanfarras da escola, dos jogos intra e inter-escolares, os desfiles cívicos, a propaganda da escola na comunidade”, e assim, a educação física “é capaz de cumprir o velho 30 anseio da educação liberal: formar o cidadão.” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 29) A ruptura política da década de 1960 garantiu a manutenção da ordem sócio-econômica, mas trouxe consigo a alteração do espírito liberalista, que caracterizava até então a educação, e o substituiu por uma tendência tecnicista. Comentando a respeito desse período de rompimento político, Lino Castellani Filho, utiliza do entendimento de Demerval Saviani, e aponta que, é importante entender o que ocorre nesse período em que se altera a estrutura política no país, para que a elite no poder possa preservar a ordem sócio- econômica. “Daí entende-se que, se no plano sócio-econômico não houve perda da solução de continuidade, tal fato tenha se repetido também no plano educacional” (1988, p. 103). Pode-se entender, então, que a manutenção da “ordem sócio- econômica em vigor”, ou seja, do Capitalismo, exige e significa a manutenção de todas as estruturas e instituições que corroboram para a perpetuação do mesmo. Fica, assim, implícito a necessidade de manutenção das estruturas educacionais exatamente como estão. E, por extensão, se entendermos que o “plano educacional” é uma estrutura que, foi criada na, e para a manutenção da sociedade capitalista, compreendemos o fato de que a Educação Física, obedecendo a essa lógica mantenedora do sistema, continua atuando no sentido de manutenção da prática de atividade física, objetivando a promoção da saúde, da moral e civilidade. O entendimento do sistema educacional nesse momento histórico brasileiro passa a ser a qualificação profissional e a preocupação gira em torno da formação técnico-profissionalizante, objetivando a qualificação da força de trabalho, “capaz de provocar efeitos a longo prazo sobre a economia” (FONSECA, 1995, p. 170). Em termos de política educacional, segundo Demerval Saviani (apud CASTELLANI FILHO, 1988, p. 104), a inspiração liberalista cede espaço a uma tendência tecnicista nas Leis de Diretrizes e Bases de 1968 e 1971. O que no entendimento de Castellani Filho (Id., p. 104) implica num “sistema educacional associado, quase que mecanicamente, à qualificação profissional, pautado em parâmetros fixados por uma formação técnico-profissionalizante respaldada na concepção analítica da educação”. 31 Diante desse novo espírito, a educação física continua sendo o instrumento pelo qual é forjada a preparação, a recuperação e a manutenção da força de trabalho. Castellani Filho (Ibid, p. 107, grifo do autor) reporta o 1º artigo do Decreto nº 69.450/71, que se refere à educação física como “...ATIVIDADE que por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando (constituindo-se em) um dos fatores básicos pra a conquista das finalidades da Educação Nacional...”. O autor faz a crítica a essa compreensão de educação física como “ATIVIDADE”, revelando ser essa uma “ação não expressiva de uma reflexão teórica,” como se a educação física não fosse detentora de um conjunto de conhecimento que foi historicamente acumulado ao longo de seu desenvolvimento. Enquanto matéria curricular, Castellani Filho (1988) indica que a educação física se apresenta como “mera experiência limitada em si mesma, destituída do exercício da sistematização e compreensão do conhecimento existente apenas empiricamente.” Ele aponta estar a educação física, “acoplada, mecanicamente, à “Educação do Físico”, pautada numa compreensão de saúde de índole bio-fisiológica” (Id., p. 108). O desenvolvimento das tendências da educação física acompanha o desenrolar histórico da sociedade e, como tal é possível encontrar sempre características de uma ou outra tendência, com uma delas se estabelecendo como hegemônica (GHIRALDELLI JÚNIOR 1991, p. 16). É nesse sentido que o Desporto de alto rendimento ganha espaço na sociedade a partir dos anos 1920 e 1930 e, progressivamente, vai abrindo lócus na educação física. Mas é nas décadas de 1960 e 1970 que, segundo Ghiraldelli Júnior (1991, p. 30), “cria-se uma situação inédita: o “desporto de alto nível” subjuga a Educação Física, tentando colocá-la como mero apêndice de um projeto que privilegia o Treinamento Desportivo”. Ao comentar sobre esse fato, Castellani Filho (1988) menciona o artigo 5.º da Lei n.º 6.251/75 indicando, que a legislação esportiva brasileira “no entendimento de saúde em seu aspecto bio-fisiológico”, tem o aprimoramento da aptidão física como um dos objetivos básicos da Política Nacional de Educação Física e Desportos. O autor evidencia ainda as “questões afetas à ‘performance esportiva’, simulacro, na Educação Física, da ordem da 32 produtividade, eficiência e eficácia inerentes ao modelo de sociedade no qual, a brasileira, encontra identificação”, a saber, a sociedade capitalista (CASATELLANI FILHO,1988, p. 109). Em meados da década de 1970 quando “o Plano Nacional de Educação Física e Desportos (Brasil, MEC, 1976) definiu, como objetivo para área do Desporto de Massa, desenvolver uma atuação capaz de contribuir para a melhoria da aptidão física do povo brasileiro” (CAVALCANTI, 1984, 98). Sobre essa política de aprimoramento da aptidão física, Castellani Filho (1988, p. 109) menciona que, aqui, se apresenta a nova faceta da educação física, “[...] voltada às questões afetas à “performance esportiva”, simulacro, na Educação Física, da ordem da produtividade, eficiência, inerentes ao modelo de sociedade no qual, a brasileira, encontra identificação.” E campanhas como a MEXA-SE9 em 1975 e o Esporte Para Todos em 1977, “[...] abriram definitivamente espaços para a penetração da ideologia do Esporte para Todos em todo o país” (CAVALCANTI, 1984, p. 85). A educação física passa, então, a assumir os códigos de outra instituição, que não a médica e a militar, mas assume os códigos do esporte (BRACHT, 1992). As afirmações de Bracht apontam que, em seu sentido prático a educação, e conseqüentemente, a educação física, tem sido utilizada como instrumento de controle e opressão social, reproduzindo e ampliando os valores políticos, econômicos e culturais do capitalismo. O autor argumenta que a educação física “manteve e mantém uma relação histórica com instituições como a militar e a esportiva, que pode ser caracterizada como de subordinação e que, portanto, não logrou desenvolver sua autonomia, vale dizer, reger-se por princípios e códigos próprios” (id., p. 33). Mas é possível na lógica capitalista que a educação, a educação física ou qualquer outra instituição venha a obter autonomia? Com essa roupagem a educação física passa a ter como conteúdo específico o esporte. A escola torna-se a base da “pirâmide esportiva”,na qual o talento esportivo vai ser descoberto, surgem nesse momento uma grande gama de “[...] livros que concentram-se no desenvolvimento de estratégias do 9 Em 1975, a Rede Globo de TV lança a Campanha “Mexa-se” que associou eventos de participação massiva com a mídia. A Campanha Esporte para Todos, iniciou-se em março de 1977, coordenada pelo DED/MEC, inspirada pela Carta Européia de Esportes para todos do início da década de 1970. (COSTA, 1977) 33 aprendizado do esporte, centrados quase que exclusivamente nos elementos técnico-táticos do aprendizado” (BRACHT, 1992, p. 22). Sobre a compreensão e retratação dos conteúdos da educação física nesse momento, pode-se evidenciar a compreensão de Negrine (1983, p. 3), que, ao escrever sobre a educação física no currículo, menciona, que “A Educação Física, esportiva e recreativa, deve integrar, como uma atividade escolar regular, o currículo dos cursos de todos os graus de qualquer sistema de ensino do País”. Interessante se faz notar a característica “esportiva e recreativa” que o autor atribui à educação física, evidenciando a tendência que está em foco na educação física, ele continha ainda caracterizando as atividades que devem ser utilizadas nas aulas, ele menciona: atividades físicas de caráter recreativo, de preferência as que favoreçam a consolidação de hábitos higiênicos, o desenvolvimento corporal e mental harmônico, a melhoria da aptidão física, o despertar do espírito comunitário, da criatividade, do senso moral e cívico, além de outras que concorrem para completar a formação integral da personalidade (NEGRINE, 1983, p. 3). Assim constata-se que a educação física continua atrelada aos seus objetivos primevos, já antes comentados, a saber: a promoção da saúde, da higiene, a formação moral e cívica, entre outros (SOARES, 1994, CASTELLANI FILHO, 1988, FERREIRA NETO, 1999, GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991). No entanto, a área figura neste contexto como esportiva e recreativa, tendo um sentido histórico de atenuação dos ânimos estudantis numa época em que o governo militar buscava instrumentos de controle e de disciplina populacional. Portanto, o regime militar vê na educação física o sustentáculo de uma desarticulação das massas estudantes e operárias. Em seu trabalho monográfico, Pelegrini (2005, p. 40) aponta que a educação física e seu caráter esportivo, são reconhecidos oficialmente como forma de canalizar anseios e frustrações pela Lei nº. 5540/68. E menciona ainda, o artigo 1º do Decreto-lei nº. 705/69, que estabelece a prática obrigatória a todos o níveis e ramos de ensino, com predominância esportiva no ensino superior. 34 Nesse âmbito Castellani Filho (1988, p. 121) identifica o papel da educação física ao ser implantada no ensino superior, como sendo o de, “colaborar, através de seu caráter lúdico-esportivo, com o esvaziamento de qualquer tentativa de rearticulação política do movimento estudantil”. O autor evidencia traços alienados e alienantes que passam a ser absorvidos pela educação física no momento em que ela é utilizada com o objetivo de enfreaquecer a consciência política ou revolucionária estudantil. Ora esse caráter lúdico-esportivo e essa esportivização da educação física traz em seu âmago o desenvolvimento técnico e este, em seus pressupostos teóricos, aponta e prioriza a tecnologia e tecnocracia própria da propaganda militar para o progresso do país, conforme comenta Ghiraldelli Júnior, O sustentáculo ideológico dessa concepção é a própria ideologia disseminada pela tecnoburocracia militar e civil que chegou ao poder em março de 1964. A ideologia do “desenvolvimento com segurança”, produzida e divulgada na Escola Superior de Guerra – ESG –, deu o tom principal para a idéia de uma tecnização da Educação e da Educação Física no sentido de uma racionalização despolitizadora, capaz de aumentar o rendimento educacional do país e, na área da Educação Física, promover o desporto representativo capaz de trazer medalhas olímpicas para o país (1991, p. 30). Claro se faz entender que este aparato técnico incorporado à educação física se faz necessário ao desenvolvimento educacional e industrial do país. Campanhas foram feitas com o intuito de incentivar a junção público- privado para a efetivação de uma “Política Nacional de Desportos”. Castellani Filho (1988, p. 113), relaciona a propaganda política da ACM, com o entendimento de Pires Gonçalves10 (1971), “da necessidade das grandes firmas dinamizarem o setor desportivo de seus funcionários e dirigentes”. Para Gonçalves um “importante papel social” das empresas seria garantir os meios físicos (quadras, piscinas, ou campos de futebol), para a prática desportiva nos arredores das mesmas, ainda, segundo o autor, deveriam existir convênios entre poderes públicos (Ministério de Educação e 10 GONÇALVES, José Antonio Pires. Subsídios para implantação de uma política nacional de desportos. Brasília, Horizonte,1971. 35 Cultura, Ministério da Fazenda, Ministério de Interior, Ministério da Indústria e Comércio) e a Indústria Privada, para garantir juntamente com “prática orientada (por meio de colônias de férias, ginástica de pausa, competição entre diversas fábricas, criação de praças esportivas, etc)”, a prática desportiva entre a população, a massa trabalhadora (apud, CASTELLANI FILHO, 1988, p, 113). Essa prática desportiva é vista por Gonçalves (apud, CASTELLANI FILHO, 1988, p, 114), como compensatória e ele aponta que, dentre os benefícios, estão o aumento do rendimento, o espírito de equipe, a produção e a cooperação. Um investimento que, segundo o autor, em “termos de humanismo”, torna-se evidente a preocupação com a disciplina e controle da massa trabalhadora, o objetivo de adestramento e a dissimulação hipócrita desse objetivo sob os termos do humanismo. Para Guiraldelli Júnior (1991, p. 30) a idéia central desse movimento se fazia em torno do ideal de uma política nacional de propaganda do Brasil- Potência, era preciso controlar as críticas ao governo ditatorial, deixar “transparecer um clima de prosperidade, desenvolvimento e calmaria”. O autor evidencia esse aspecto da educação física, do desporto, tal qual agente analgésico do movimento social. A preocupação com o aumento das horas de folga dos trabalhadores, incentiva o governo a utilizar o “desporto como a fórmula mágica” de entretenimento da população. O desporto passa a ser o carro chefe da educação física, a Revista Brasileira de Educação Física, do Ministério da Educação e Cultura, enfatizava a necessidade social do desporto como forma de canalizar as energias no meio operário. Em trechos extraídos por Guiraldelli Júnior, podemos identificar essas diretrizes esportivas tanto para a massa trabalhadora: Se fatigarmos o corpo e orientarmos o espírito sem rumo do desocupado, do ocioso, ele buscará a recuperação no leito, no descanso, e não no bar, nas esquinas [...] Se dermos ao operário cansado, após uma jornada laboriosa, uma atividade desportiva sadia, o seu repouso será bem reconfortante, sofreando nele, por vezes, a revolta contra os patrões, contra a própria atividade funcional (SOUZA, 1974, apud GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 32). Quanto para a escola: 36 “Se na escola aplicamos uma atividade física adequada, ajudamos os jovens a suportar os desajustes familiares. Quanto mais quadras de esporte, menos hospitais e menos prisões. Quanto mais calção, menos pijamas de enfermos e menos uniformes de presidiários” (SOUZA, 1974, apud GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991,p. 32). Utilizar o esporte como forma de controle social foi uma estratégia utilizada intensamente pelas políticas ditatoriais da época. Castellani Filho (1988, p. 115) menciona esse efeito catártico do esporte ao lembrar-se de um jargão ainda hoje cantado, “[...] Noventa milhões em ação, prá frente Brasil, salve a seleção!” o autor explicita a intencionalidade do esporte nesse contexto, evidenciando “sua capacidade de catarse, de canalizar em torno de si, para o seu universo mágico, os anseios, esperanças e frustrações dos brasileiros.” Com o desejo de convencer os segmentos menos favorecidos da sociedade brasileira, (que o desenvolvimento econômico tinha um correspondente social) a classe governante utilizava da mídia para fazer propaganda esportiva. Fazia-se, assim, parecer que toda a sociedade brasileira tinha acesso ao desenvolvimento social e isso era enfatizado pelo acesso às atividades físicas que até então não era possível a uma camada da população. A utilização do modelo esportivo, o atleta modelo, aquele que “defende” o país e a idéia de que qualquer um pode ser atleta e pode “vencer” na vida, foi um dos mecanismos que permitiram que o modelo esportivo se perpetuasse na escola, e assim passa a ser o berço do talento esportivo. A educação vem agora a voltar seu sistema de ensino para a formação do atleta. Discorrendo acerca de uma proposta para a educação física e os primeiros anos escolares, Negrine (1983, p. 5,) (grifo do autor) afirma que “o principal objetivo da Educação Física nos primeiros anos escolares é antes de mais nada, fazer com que a criança DOMINE SEU PRÓPRIO CORPO.” O autor (Id., p. 6-7, grifo do autor) ainda justifica cientificamente o uso da educação física como forma de disciplinar o corpo, vendo este de forma dualista, evidencia que o desenvolvimento intelectual precisa e se faz normal, quando existe um trabalho de desenvolvimento físico. Negrine (Ibid., p. 8) acredita que a educação física deve ser um meio de desenvolver habilidades nas crianças e que esta também deve aprender por 37 meio da educação física um ou mais esportes, e “[...] criar o hábito da ginástica como meio de conservação da saúde física e mental e que tem como objetivo principal a permanência do indivíduo no esporte ou em atividades físicas por toda a vida.” Para atender estas necessidades nas primeiras quatro séries escolares, Negrine (1983, p. 8) propõe o seguinte currículo: Exercícios de estruturação de um esquema corporal e de ajuste de postura; Exercícios globais de coordenação motora; Exercícios de percepção temporal; Jogos: recreativos, pré-desportivos e sensoriais. As afirmações do autor, ainda definem o esquema corporal como a “organização das sensações referentes a seu próprio corpo em relação ao mundo exterior”, propõe que para atingir este fim a criança deve ter, “afirmação de lateralidade e direção”, “conhecimento de tomada de consciência das diversas partes do corpo”, com a utilização de exercícios que trabalhem “formação corporal para os músculos dos braços, das pernas, do abdômen e dorso lombares”. Para a “diminuição ou desaparecimento da hipertonia muscular”, exercícios de relaxamento e respiratórios, e os exercícios de ajuste postural devem trabalhar os atributos de flexibilidade e equilíbrio. Seguindo a proposta de Negrine (1983) para os Exercícios globais de coordenação motora, deve-se trabalhar a coordenação dinâmica geral, que são, segundo o autor, um meio de “educar os automatismos e melhorar os distúrbios de ordem neurovegetativa ou motora” (Id., p. 9). A respeito da coordenação mencionando o trabalho com coordenação visomanual ou de motricidade fina, segundo afirma o autor, é de grande relevância no desempenho físico da criança. Prioriza-se os exercícios de recepção e de exercícios de lançar. Os exercícios de percepção temporal buscam a melhora da capacidade de compreensão dos aspectos perceptivos, desencadeiam o sentido cinestésico e pode-se adestrá-la segundo o autor, através de atividades rítmicas, dos brinquedos cantados e das danças folclóricas. Quanto aos jogos, Negrini (Id., p. 11), relata serem atividades que satisfazem a necessidade de movimento, e expressiva. Os pré-desportivos despertam as crianças para os esportes individuais e coletivos. Segundo o autor este tipo de jogo é um 38 recurso didático-pedagógico que permite corrigir atitudes anti-sociais e reformar a conduta. Este parecer do autor evidencia um caráter de formação de adestramento que sempre permeou as concepções teóricas que fundamentaram a educação física. Desde a influência militarista, passando pela influência médica até chegarmos à tendência esportiva tecnicista, o objetivo da educação física sempre esteve atrelado ao adestramento social, e a adaptação dos indivíduos à sociedade capitalista (SOARES, 1994, CASTELLANI FILHO, 1988, FERREIRA NETO, 1999, GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991). Vimos que a educação física a partir do Estado Novo (1945-1964) até os fins da ditadura militar no Brasil – meados da década de 1980 – adquiriu inicialmente caráter pedagógico e, posteriormente, esportivo. Entretanto, enquanto disciplina do currículo escolar, ela continuou exibindo traços médicos- higienistas e militares, caráter que definiu, ao longo de toda a sua história, a sua fundamentação teórica, o seu campo de conhecimento e legitimou a educação física na escola, por meio da utilização de seu conteúdo enquanto exercícios para aprimoramento das capacidades físicas, aprimoramento motor e com sentido eugênico. Portanto, utilizada como um instrumento de disciplina moral e cívica, a educação física de caráter esportivo, teve nesse período, a função de propagar a idéia de um país em desenvolvimento, em constante progresso e foi utilizada, também, como forma de controlar os movimentos estudantis, aproveitando-se do efeito catártico do esporte. Esse efeito que não deixou de ser visto pela elite dominante como meio de compensação pelas jornadas de trabalho, aumentando o rendimento produtivo, ao mesmo tempo em que permitia o controle da massa trabalhadora. No capítulo seguinte serão abordadas as tendências da educação física que surgiram a partir da década de 1980, e seus conteúdos predominantes. 39 3 – AS TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA E SEUS CONTEÚDOS ESPECÍFICOS. Nos fins da década de 1970 o processo de transição da ditadura militar para um governo dito ‘democrático’, sucedeu uma limitada reabertura político-social, o que possibilitou novas discussões no campo da educação. Tais discussões levaram os pesquisadores da educação física em busca da legitimação social e do desenvolvimento do conhecimento científico da área. Estes passaram a dedicar seus esforços no sentido de intervir na realidade da educação física no âmbito educacional. A partir da década de 1980, com a abertura política e o egresso de professores de educação física em programas de pós-graduação em nível Stricto Sensu, a educação física e seus conteúdos de modelo técnico esportivo, e militarista, passam por um processo de reflexão e crítica fundamentado nas ciências sociais (MILESKI et al., 2007). As ciências biológicas e as regras do sistema capitalista constituem o modelo hegemônico de educação física, e esse modelo reflete um contexto de ordem econômico e histórico, que passa a sofrer críticas, no entendimento de Mello (2009, p. 140): Entendo o “movimento crítico na educação física dos anos de 1980” como manifestação de uma consciência histórica que corresponde à organização da sociedade brasileira no período que compreende o fim da ditadura militar e o restabelecimento
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