Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Ângelo Marcos Vieira de Arruda Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb Arruda, Ângelo Marcos Vieira de. Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb / Ângelo Marcos Vieira de Arruda. -- Campo Grande, MS : A. M. V. Arruda , 2012. 120 p. : il.; 21,5 x 20,5 cm. ISBN 978-85-909782-1-3 1. Planejamento urbano – Campo Grande (MS). 2. Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Campo Grande, MS) – História. 3. Campo Grande (MS) – História. I. Título. CDD (22) 711.4098171 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Municipal de Campo Grande - MS Paulo Siufi Neto (presidente) VEREADORES Athayde Nery Carlos Augusto Borges Clemêncio Frutuoso Ribeiro Cristóvão Silveira Flávio César Mendes de Oliveira Grazielle Salgado Machado Herculano Borges Daniel Jamal Mohamed Salem João Rocha José Airton Saraiva Lidio Nogueira Lopes Loester Nunes de Oliveira Magali Marlon Picarelli Marcelo de Moura Bluma Marcos Alex Azevedo de Melo Mário César Oliveira da Fonseca Paulo Francisco Coimbra Pedra Rosiane Modesto de Oliveira Thais Helena Vieira Rosa Gomes Vanderlei da Silva Matos Campo Grande Mato Grosso do Sul 2012 EDIÇÃO DO AUTOR Ângelo Marcos Vieira de Arruda Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb Ângelo Marcos Vieira de Arruda Capa: Gutemberg Weingartner Revisão linguística: Lúcia Helena Paula do Canto Diagramação e editoração eletrônica: Marília Leite Finalização de imagens e de arquivos: Lennon Godoi Fotolito, impressão e acabamento: Gibim Gráfica e Editora Fotos: Acervo Planurb, Acervo Arca, Arquivos do autor e demais créditos referenciados Troféu comemorativo dos 25 anos de criação do Planurb, desenvolvido por Ângelo Arruda a partir do esquema ilustrativo do Plano de Massa do Plano Diretor de Campo Grande (ver p. 81). 5 O esforço de Campo Grande para instituir o seu órgão de planejamento ur- bano é rico de fatos interessantes e de pessoas idealistas, inteligentes e capazes. Em 1982 foram eleitos os vereadores da cidade, entre os quais eu me in- cluía. Antes do efetivo início do ano legislativo, que se daria no mês de fe- vereiro, nos reunimos e promovemos um seminário que tinha como tema o planejamento urbano de Campo Grande, cuja iniciativa havia amadurecido diante da evidente precariedade legislativa institucional para uma boa gestão nessa área. Eu e o vereador Fausto Matto Grosso lideramos essa iniciativa e realiza- mos um seminário, que propunha a implantação do órgão de planejamento urbano do município, em atendimento à imperiosa necessidade de dar o pon- tapé inicial, assegurando a democratização das decisões municipais e, ao mes- mo tempo, dotar o município, institucionalmente, de uma legislação urbana moderna, que atendesse a vocação de crescimento da cidade. O ordenamento inicial da malha urbana, contemplado no projeto de Nilo Javary Barém, havia se perdido no tempo em razão do crescimento desordena- do da cidade. Prefácio Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb Juvêncio César da Fonseca Ex-senador da República e ex-prefeito de Campo Grande 6 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb A continuar como vinha, nossa cidade seria ainda mais estrangulada, onerando os cofres pú- blicos em esforços que poderiam ser evitados. De 1983 a 1985, a Câmara Municipal trabalhou inten- samente para convencer o executivo da prática do necessário planejamento urbano, infrutiferamente. Em 1985 fui eleito prefeito municipal. O nosso sonho ganhou força e imediatamente começamos a trabalhar o projeto, que exigia uma equipe compe- tente, com cultura e conhecimentos técnicos à altu- ra das expectativas daquele momento. Finalmente, pensávamos nós, Campo Grande iria contar com uma estrutura legal que asseguraria o nosso cresci- mento mais ordenadamente. Ponto que destaco como importantíssimo foi a decisão de utilizar os recursos humanos locais. Não contratamos nenhuma empresa de fora, daquelas que vendem o seu pacote de ideias e abandonam o município após a conclusão do contrato. Apos- tamos na capacidade da nossa gente, funcionários que conheciam todas as nossas carências e que de- tinham a nossa cultura urbanística. Promovemos com o Instituto dos Arquite- tos do Brasil (IAB) e a Associação dos Geógra- fos do Brasil (AGB) um encontro com órgãos de planejamento de várias cidades brasileiras, como São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Goiânia, For- taleza, Vitória e outras, para trocar experiências, críticas e análises sobre o funcionamento e a for- ma de inserção administrativa desses órgãos. O re- sultado foi a criação da Unidade de Planejamento Urbano de Campo Grande, Planurb, considerada como um órgão de última geração, que poderia desenvolver um excelente trabalho. Seu primeiro presidente foi o arquiteto e urbanista Ângelo Mar- cos Arruda, que reuniu os melhores profissionais locais e envolveu a comunidade no nosso proje- to. Contratamos inicialmente apenas um ou outro técnico conhecido nacionalmente, sujeitando-se às regras de aproveitamento e valorização dos profis- sionais locais. Elaboramos até o final da nossa primeira ad- ministração, em 1988, o início do Processo de Pla- nejamento Urbano e a implantação do Sistema Mu- nicipal de Planejamento de Campo Grande. Foram preparados os projetos de lei de Ordenamento, Uso e Ocupação do Solo e dos Loteamentos Sociais. As decisões haveriam de estar de acordo com a vonta- de da população. Eis aí a razão por que instituímos o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urba- no (CMDU), órgão popular e consultivo, composto de quase duas dezenas de entidades da comunida- de. Nenhum projeto poderia, daí então, prosperar, ser encaminhado à Câmara, sem o parecer desse Conselho. Em diversas oportunidades, os projetos do Executivo foram substancialmente modificados pelo CMDU e para melhor, graças à democratização das decisões. O prefeito municipal é e será sempre uma figura forte, tem suas prerrogativas de iniciati- va das leis, mas nunca deve ser mais forte do que o desejo da população. Com esse procedimento, antecipamo-nos à Constituição de 1988 que, pela primeira vez, falou em processo de participação comunitária, de con- trole social na gestão pública. Os avanços alcan- çados até o final de nossa primeira administração (1988) adormeceram nos quatro anos seguintes. Os projetos foram abandonados e o esforço exercitado até então não mereceu continuidade. 7 Em 1992, novamente fui eleito prefeito mu- nicipal. Os projetos de desenvolvimento urbano e ambiental foram retomados. Em 1993, grande parte da equipe inicial voltou a ser reunida, sob o mesmo entusiasmo e dedicação de antes. Promovemos encontros com a participação de técnicos renomados e políticos. Buscamos a partici- pação dos ex-prefeitos Olívio Dutra, de Porto Ale- gre; Nion Albernaz, de Goiânia; e os prefeitos de Vitória, Fortaleza, além do economista Paul Singer e os arquitetos e urbanistas Raquel Rolnik, Ermínia Maricato e Sérgio Zaratin. Promovemos ainda vá- rios encontros regionais com o tema Campo Gran- de – que cidade queremos. As decisões finais repe- timos, sempre, sob a ótica nossa, da nossa cultura, da nossa memória, dos nossos sonhos de futuro. Os estudos desenvolveram-se em conjunto com o Plano Diretor, aprovado em dezembro de 1995, como o instrumento maior do Processo Per- manente de Planejamento, dentro do Sistema Muni- cipal de Planejamento Participativo, instituído pela Lei Complementar no 5, de 22 de janeiro de 1995. O Planurb é elevado à condição de Instituto, ganhando autonomia e mobilidade maior paracontinuar a tarefa do planejamento urbano da nos- sa cidade. O nosso segundo mandato de prefeito mu- nicipal estava se expirando. Tínhamos nas mãos tudo para melhor definir o futuro da cidade, com a continuidade das tarefas afetas ao Planurb. Prefei- to nenhum teria coragem daí por diante de gerir a cidade sem o concurso desse órgão. O trabalho do Planurb é contínuo, permanen- te, tal como se trata da saúde de um corpo que de- seja longevidade com qualidade de vida. Temos esperanças de que nossos administra- dores, como vem acontecendo, avançarão sempre mais e para melhor, inspirados na ideia de que a cidade é um ser vivo, que exige projetos que retra- tem essa preocupação de modo permanente. Erra- damente, pode-se pensar que agora é só executar obras e pronto. A cidade está salva para o homem. Sabemos que isto simplesmente não é verdadeiro. O Planurb tem que ser prestigiado e acionado constantemente como instrumento indispensável ao nosso desenvolvimento ordenado. As obras são importantes, indispensáveis, mas têm que obedecer a um propósito inteligente, que propicie o crescimento urbano, voltado sempre para a satisfação integral dos anseios da comuni- dade, sob a ótica da cidade sustentável. Esse pro- cedimento requer cuidados, é uma ciência, exige planejamento, razão de ser do Planurb, com seus 25 anos de intenso trabalho e que continua a ser o depositário das nossas esperanças de viver em uma cidade ainda mais humana. Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb AGRADECIMENTOS Neste momento de comemoração dos 25 anos de fundação do Instituto de Planejamento Urbano de Campo Grande, agradeço o apoio, para elaboração deste trabalho, ao Presidente da Câmara de Vereadores de Campo Grande Paulo Siufi e ao Vereador Marcelo Bluma; ao ex-prefeito e ex-senador da República, Juvêncio César da Fonseca; ao arquiteto Sérgio Zaratin, pelo texto que incorporei; ao arquiteto Gutemberg Weingartner, pela linda capa; ao Arquivo Histórico de Campo Grande, pela cessão de imagens; a Marília Leite, pela coordenação da editoração; ao amigo e arquiteto José Marcos da Fonseca; ao Planurb e aos colegas que trabalharam comigo na equipe técnica e administrativa, em especial Juares Echeverria, Rita de Cássia Belleza Michelini e Mara Márcia Fernandes de Moraes; ao pessoal da Coordenadoria de Apoio aos Órgãos Colegiados (CAOC); à esposa Ana Elizabete Arruda e aos filhos Moreno e Lucas Barros Arruda, pelo carinho sempre dedicado; e a Deus, pela vida. 9 No ano de 1987, por vontade política do Prefeito Juvêncio César da Fon- seca, foi criado o Conselho Municipal de Desenvolvimento e Urbanização (CMDU) e a Unidade de Planejamento Urbano de Campo Grande (Planurb). E eu participei direta e ativamente desses dois processos. Vinte e cinco anos depois me pego escrevendo sobre essa história. O livro que você vai ler conta a história da criação desses dois organismos públicos municipais e para que essa história fosse bem contada, cuidei de pro- cessar uma visão mais abrangente da cidade, de sua trajetória no planejamento e, com esse olhar mais 360°, acabei construindo uma trajetória do planejamento urbano em Campo Grande, e dei o nome de Raízes do Planejamento Urbano em Campo Grande e a Criação do Planurb. Durante anos, acalentei vontade de escrever este livro. Mas nunca fui in- fluenciado. Sempre achei que outro poderia escrevê-lo. Até que um dia algo aconteceu. E o que aconteceu foi ter somado 1987 com 25 e a conta ter dado 2012. Aí pensei. O Planurb que ajudei a criar completa 25 anos de fundação em 2012. Logo, é chegada a hora de fazer pesquisa e escrever algo. Vinte e cinco anos depois Ângelo Marcos Vieira de Arruda Arquiteto e urbanista e primeiro diretor-geral do Planurb em 1987 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb 10 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb Campo Grande é uma cidade que teve um comportamento político no planejamento urbano e uma trajetória urbanística, um pouco diferente de cidades de seu porte e sua época de instalação. Mais de 100 anos depois de sua fundação, em 1872, ela se transformou em capital de um novo Es- tado brasileiro – criado em plena ditadura militar, instalado pelo general Ernesto Geisel – e teve um surto de desenvolvimento urbano inesperado, fru- to das migrações e da necessidade de ultrapassar as fronteiras de cidade do interior do sul do Mato Grosso para capital do Estado de Mato Grosso do Sul em 1979. Esses são alguns bons motivos que fizeram de Campo Grande uma cidade em crescimento acima da média nacional, ganhando, por consequência, inúmeros problemas, como favelas, transporte ur- bano precário, necessidades de novas infraestrutu- ras e muitas instalações institucionais. A pressão desses problemas era enorme e cria- ram-se défices de atendimentos sociais jamais vis- tos e, com isso, a ferramenta do planejamento urba- no logo foi lembrada como essencial para estudar e resolver esses e outros tantos problemas urbanos encontrados nas décadas de 1970 em diversas capi- tais, mas que, em Campo Grande, foram ocorrer a partir de 1980. Nesse clima de novidades políticas, da nova capital se instalando e de uma nova Constituição federal em discussão e com ideias para um Es- tatuto da Cidade sendo processadas pela socie- dade, nascem o Planurb e o CMDU, organismos públicos municipais que considero fundamentais para dar sustentação às práticas técnicas e de- mocráticas de planejamento, sem os quais, certa- mente, não teríamos a qualidade de vida que se tem hoje. O livro está estruturado em cinco capítulos e anexos. O primeiro capítulo trata da evolução da legislação urbanística de Campo Grande e a traje- tória dos planos e normas do planejamento urba- no, de 1905 a 1995. O capítulo 2 articula as atitudes tomadas desde 1948, para se criar e estruturar o órgão de planejamento urbano da cidade, com as ações de diversos governantes municipais. No ter- ceiro capítulo, comentamos a evolução da demo- cratização e discussão das ideias do planejamento culminando com a criação do CMDU. No capítu- lo 4, abordamos os principais trabalhos pioneiros desenvolvidos pelo Planurb em 1987 e 1988 que deram unidade às ações daquele momento e, por fim, um texto atual, fruto da divisão regional da cidade de 1987 e de 1995, as regiões urbanas. Nes- se capítulo, uma análise da cidade de 2010, com as referências da divisão consagrada pelo plane- jamento. Ainda há muito para fazer em planejamento urbano em Campo Grande, inclusive o maior forta- lecimento do Planurb. Mas isso é conversa para ou- tro livro. Leia e conheça as raízes do planejamento urbano em Campo Grande. 11 Minha experiência no Planurb: um depoimento Foi com certa surpresa que, regressando ao Brasil em 1965, depois de um período de perto de três anos no exterior, e tendo de recomeçar minha vida profissional neste país, fui informado de que havia uma quantidade grande de trabalhos de planejamento urbano sendo contratados por escritórios e empre- sas do setor privado. Nos anos no exterior, eu tinha praticamente trabalhado apenas em pla- nejamento urbano e, quase nada, regional. Tinha sido o encarregado do pla- nejamento de todos os núcleos urbanos de uma região de 16 mil km2 (mais ou menos o dobro da Grande São Paulo), com exceção da capital da província, que se localizava também na região, e que tinha à frente de seu Plano um arquiteto dedicado exclusivamente a esse trabalho. A região sob minha responsabilidade contava com uma cidade de 95 mil habitantes, uma segunda com 55 mil, duas ou três com populações entre 20 e 30 mil, e, pelo menos, que me lembre, perto de cinco outras com populações ao redor dos 10 mil habitantes. Minha função, além de organizaras bases e elaborar os planos diretores desse conjunto de cidades, era fornecer as indicações para a localização, nelas, Sérgio Zaratin Arquiteto e urbanista e consultor da Unidade de Planejamento Urbano de Campo Grande em 1987 e 1988 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb 12 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb de todos os investimentos estatais para elas destina- dos pelo planejamento do País. Tratava-se, portanto, de um planejamento praticamente integrado on line, como hoje se diria, no qual a elaboração do Plano vi- nha acompanhada de imediato de sua implantação. Minha surpresa no regresso se dava pelo fato de ter ocorrido, há pouco mais de um ano, no Bra- sil, a famigerada, e autoproclamada, Revolução de 1964 (na verdade, um golpe – militar –, mas con- tando com o apoio estratégico decisivo dos órgãos mais poderosos da mídia, de amplos setores do em- presariado, do latifúndio, da classe média urbana e de altos dirigentes de igrejas). O regime instituído após o golpe, tendo como um dos pilares de sua ideologia a redução da participação estatal na eco- nomia, a privatização de diversos setores do capital e dos serviços, a abertura irrestrita ao investimento estrangeiro, a supressão de garantias trabalhistas instituídas até então, não parecia o mais propenso a incentivar o planejamento, em especial, o urbano. Minha primeira, e como iria verificar depois, equivocada, interpretação do aparente paradoxo era a de que, confrontado com as dificuldades en- contradas na implantação dos grandes conjuntos habitacionais, que começava a financiar, com o Ban- co Nacional de Habitação (BNH), de forma articula- da às alterações na legislação laboral, o regime opta- ra pragmaticamente por promover o planejamento das cidades, de forma a remover aqueles obstáculos. Na verdade, o que vim a saber, bem mais tarde, por depoimento pessoal de técnico e dirigente pú- blico ligado desde o início à montagem da pauta do governo da ditadura, é que teria havido intenção ex- plícita desta de incentivar o planejamento das cida- des brasileiras, de forma articulada ao planejamento estatal idealizado por Roberto Campos; confirmação disto vem dada no livro de Celson Ferrari dedicado ao Urbanismo, no qual menciona o intuito do Gover- no Castello Branco de criar um Sistema Nacional de Planejamento Local Integrado, intuito esse do qual não se acham indicações nos períodos posteriores. Como quer que seja, o certo é que o regime de exceção, em 1965, instituía um dispositivo de apoio técnico e financeiro à elaboração dos planos munici- pais, criando, para tanto, vinculado ao Ministério do Interior, e operando com recursos do BNH, o Servi- ço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau) que, por cerca de dez anos, até sua extinção em 1975, propiciou a elaboração de um número apreciável de planos municipais, com o que se consolidou uma experiência na matéria que não pode ser ignorada. Com duas linhas de ação, a do financiamento às prefeituras para a elaboração dos planos de seus municípios e a da provisão de assistência técnica es- pecializada – para a apreciação de pedidos daquele financiamento, a orientação e acompanhamento, no que coubesse da elaboração dos planos, sempre obri- gatoriamente contratados com a iniciativa privada – o Serfhau constituiu o núcleo mais ativo de siste- matização e inovação na disciplina do planejamento urbano no Brasil, no período. Pôde contar, para tan- to, com a colaboração de um nutrido grupo de pro- fissionais de diversas especialidades e provenientes de várias regiões do País, que procuraram trazer, de forma desinteressada, o melhor de seus conhecimen- tos e experiências na matéria, para consolidar a me- todologia que o órgão federal viria a adotar. A inovação mais efetiva assim introduzida se- ria a superação do conceito funcionalista, bastante mecanicista, que prevalecera na cultura urbanística 13 no Brasil até então, sob a influência das posturas do movimento internacional de arquitetura moderna, e que impregnara, por decorrência, o planejamen- to municipal, em favor de uma conceituação mais abrangente, que passava a abordar os fundamen- tos econômicos e sociais da organização municipal, procurando integrá-los, na elaboração do plano diretor, aos aspectos do assentamento territorial e da urbanização. Daí a expressão que passou a ser empregada para designá-lo, Plano Diretor de De- senvolvimento Integrado (PDDI). Acrescia, ainda, à integração pretendida, a abordagem e definição de propostas para a organização administrativa muni- cipal e a elaboração orçamentária. O roteiro organizado, das diversas contri- buições para a elaboração do PDDI, amplamente divulgado por manuais do próprio Serfhau e de entidades diversas estaduais, compreendia a pre- paração de um conjunto de elementos técnicos, assim dispostos: a) Estudo Preliminar, dedicado a orientar o Plano segundo as peculiaridades do mu- nicípio; b) Diagnósticos, desdobrados segundo os campos Econômico, Social, da Organização Terri- torial e da Organização Administrativa da Prefei- tura, incluída aí a Orçamentação; c) Prognósticos, nos campos da Economia e da Estrutura e Orga- nização Social; d) Problemática e Política Geral de Desenvolvimento do Município; e) Diretrizes, des- dobradas em Desenvolvimento Econômico, De- senvolvimento Social e Organização Territorial; f) elementos de formalização e implantação, compre- endendo o Plano Diretor Físico, o Manual de Orga- nização da Prefeitura e a chamada Instrumentação Legal do Plano. A disponibilização de recursos de financiamen- to para a contratação de entidades do setor privado para a elaboração dos PDDIs municipais e a adoção do roteiro padrão orientador dessa elaboração, pelo Serfhau, repercutiram incisivamente no mercado de consultoria, dando origem à expansão de escritórios e empresas do ramo existentes e a um grande núme- ro de novos, nem sempre devidamente aparelhados para as especificidades do planejamento, nem do- tados do capital de giro necessário às operações da espécie. Por outro lado, a exigência, então instituída pela administração federal, aos municípios, de um PDDI, à maneira de um pré-requisito, para que finan- ciamentos de infraestrutura pudessem ser liberados para as prefeituras, funcionou como um incentivo às iniciativas locais de elaboração dos planos. De fato, é enorme a quantidade de PDDI elaborado no período de 1965 a 1975. Mas, o que começou a se revelar, de forma alarmante, ao final do período, foi que a maio- ria desses planos, uma vez elaborados, não chegou a ser objeto de implantação nem a gerar processos de planejamento municipal de caráter permanente, sequer a influenciar de forma substantiva a forma- ção e tomada de decisões na esfera local. O que te- ria acontecido? Foi a pergunta que se colocou, ine- vitavelmente, aos profissionais mais comprometidos com a disciplina do planejamento; por quais razões a considerável massa de recursos financeiros e de aparelhamento administrativo disponibilizados pela administração federal para o planejamento munici- pal teria tido um resultado praticamente nulo na con- secução dos objetivos? Estava aberto o espaço para a crítica em profundidade da experiência do período Serfhau, uma crítica que se fazia, mais que necessá- ria, indispensável, para o empenho de se materializar a ação planejada nos municípios brasileiros. Tendo participado, seja na condição de mem- bro de equipes técnicas, seja como coordenador, de Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb 14 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb um número considerável de elaborações, completas ou parciais, de PDDI, e, mais, tendo podido viver, no exterior, a experiência da operaçãodo planeja- mento municipal como disciplina inserida no dia a dia da ação administrativa e de governo, o grau de minha insatisfação com o malogro da experiên- cia Serfhau era dos maiores. Talvez por isso, já em 1975, tenha construído, e procurado levar a debate, no que possível, a crítica a essa experiência. Posso dizer que dessa crítica deflui toda a minha atuação ulterior, em processos de planejamento municipais e regionais e no debate público das questões do de- senvolvimento municipal planejado no Brasil. Minha crítica à ação do Serfhau pode ser colo- cada sucintamente segundo os pontos que passo a enumerar. 1) Concentração do esforço e canalização de recur- sos apenas para o Plano Diretor – com o descaso con- sequente de incentivos e meios para a implantação e operação permanente do processo de planejamento; como é sabido, e da melhor doutrina, um Plano Di- retor só faz sentido e logra condições de eficácia se inserido em um processo permanente da disciplina do fazer planejado. O descaso com esse preceito, que se expressava na ausência de recursos para o custeio das ações de implantação, parece ter tido peso deci- sivo no malogro da experiência Serfhau. 2) Direcionamento dos recursos de financiamento apenas para o custeio de contratações da elabora- ção dos Planos com a iniciativa privada – conse- quentemente, ausência de incentivos e recursos para a qualificação e o treinamento das equipes locais, às quais caberia em definitivo a magna tarefa de levar as propostas dos planos à concretização; expressão provavelmente de uma visão econômica vulgar em- butida na ideologia do regime de exceção, de que medidas de cunho apenas financeiro seriam capazes e suficientes para promover mudanças estruturais. Esse segundo aspecto, com certeza, terá contribuído para o baixo resultado da ação do órgão federal. 3) Ausência de propostas concretas para a funda- mentação institucional da atividade de planeja- mento nos municípios – aqui também a indigência ideológica da ditadura se revela em sua plenitude; certamente não terá passado despercebido aos líde- res do regime que a instituição brasileira, a partir dos próprios textos constitucionais, não abrigava subs- tancialmente o exercício da política urbana, subsu- mida esta de forma genérica no quadro das compe- tências municipais; mas, ao inovar, mediante as duas reformas a que procedeu, em 1967 e 1969, na ques- tão urbana, o regime limitou-se a criar a figura das re giões metropolitanas, na verdade, formações de superestrutura da urbanização, deixando sem qual- quer tratamento específico a questão básica da polí- tica urbana mais corrente, e o possível avanço de sua gestão pela ação planejada nos municípios. Mais um fator de peso substancial a contribuir para a reversão de expectativas experimentada pelo autoritarismo na sua tentativa de promover o planejamento local. 4) Atomização da elaboração do Plano por um con- junto de estudos isolados, que não confluem para um documento institucional que o consubstancie materialmente – de ordem metodológica, esse aspec- to do PDDI do Serfhau chega a parecer paradoxal, na concepção que, com tanta pertinência, tinha pro- curado associar os aspectos econômicos e sociais do desenvolvimento do município aos aspectos físico- -territoriais; mas, na verdade, todos os Diagnósticos, Prognósticos, definições de Problemática e de Políti- 15 ca Geral de Desenvolvimento e as Diretrizes segundo os diversos campos temáticos, contemplados no ro- teiro padrão adotado, acabam por permanecer como documentos autarquizados, por assim dizer, autos- suficientes, que, carentes de previsão dos elementos que propiciariam sua articulação orgânica, de fato, não se integram; mais ainda, estando a formalização do Plano distribuída por outro conjunto de elemen- tos isolados (Plano Diretor Físico; e uma imprecisa e jamais especificada Instrumentação Legal do Plano), acaba por não haver um documento que expresse le- galmente o Plano propriamente dito; na verdade, o PDDI vem a ser um Plano que só se objetiva total- mente em seu processo de elaboração, e com esse processo se confunde. Consequência concreta desse aspecto problemático foi a alta autoridade municipal que, na maioria das vezes não versada na disciplina do planejamento, e não tendo podido contar com o assessoramento de um corpo técnico treinado quan- to à concepção Serfhau, acabou por ignorar o Plano como instrumento válido de orientação de sua ação administrativa, relegando o volumoso conjunto de documentos do PDDI à peça da biblioteca da Prefei- tura, quando existente esta, ou, mais frequentemente, a adorno das estantes de seu gabinete, servindo ape- nas para o cumprimento do papel de pré-requisito para a solicitação de outros financiamentos, estes, sim, de seu devido conhecimento e interesse. 5) Descompasso entre os elementos analíticos da elaboração (Diagnósticos, Prognósticos, Problemáti- ca de Desenvolvimento do Município) e os elemen- tos propositivos estruturais (Política Geral e Diretri- zes de Desenvolvimento do Município) e os voltados à formalização das propostas (Plano Diretor Físico, Manual de Organização da Prefeitura, Instrumenta- ção Legal do Plano) – também ligado à metodologia, esse aspecto crítico, como que deriva das demais in- suficiências e dos desvios de perspectiva, embuti- dos no roteiro padrão da elaboração do PDDI, antes apontados (precariedade de previsões e descaso com o processo de planejamento e sua base institucional; atomização da elaboração por um conjunto de ele- mentos não articulados organicamente; e elaboração cominada exclusivamente às entidades privadas), combinados, praticamente induziam as entidades contratadas a se esmerarem burocraticamente, para atendimento às disposições contratuais, na elabora- ção dos aspectos menos polêmicos (Diagnósticos e Prognósticos) que naqueles mais complexos e que demandariam a reflexão mais complexa e criativa (Diretrizes, especialmente as físico-territoriais e ur- banísticas; elementos de formalização), resultando, assim, os PDDIs, em volumosos conjuntos de docu- mentos técnicos, dos quais, perto de 90% dedicados à parte analítica e apenas um percentual exíguo à parte propositiva; mais ainda, essa parte, principal- mente no segmento físico-urbanístico, com grande frequência, se definia dos cânones de projetos funcio- nalistas herdados da tradição técnica, sem guardar um mínimo de correspondência aos resultados das extensíssimas análises econômicas e sociais realiza- das, por mais este vício, frustrando as expectativas de integração que o método Serfhau tanto enfatiza- va. Seria quase o caso de se dizer, jocosamente, que a sigla PDDI se havia convertido em PDDD – Plano Diretor de Desenvolvimento Desconjuntado. Ter chegado, porém, a esse alentado quadro de conclusões, não teria sido suficiente para ultimar minha crítica ao formato Serfhau. É sabido que, em arquitetura e urbanismo, e, por decorrência, no pla- nejamento urbano, a crítica a um paradigma só se completa com a reproposição, com a apresentação Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb 16 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb de uma alternativa. Isto é o que me foi proporcio- nado com o convite da Administração municipal de Salvador, na gestão do Prefeito Jorge Hage, em 1976, para proceder à consultoria geral da elabo- ração do Plano Diretor daquele município. Assim, no período de 1976 a 1979, tive a oportunidade, no trabalho coletivo com a equipe do Órgão Central de Planejamento (Oceplan) da Prefeitura de Salvador, de levar minha crítica a sua consolidação final, com a reproposição dos conceitos e meios de elaboração e implantação do Plano Diretor. No mesmo período, foi-me propiciada, também, a oportunidade de consolidarminhas posições críti- cas e minha reproposição com respeito à legislação de zoneamento corrente, a qual começara a ser apli- cada em diversos municípios brasileiros, em 1966, no exercício, pela esfera municipal, do poder de polícia administrativa para o ordenamento do uso e ocupa- ção do solo. Decorridos dez anos, aproximadamente, da aplicação do instrumento do zoneamento como único, e hegemônico instrumento, desse ordenamen- to, as limitações e problemas desse instrumento já se patenteavam, como a seguir exponho. A) Rigidez das permissões e proibições de locali- zação de usos do solo com base apenas na definição de perfis, características e delimitações zonais, ten- dendo a impedir as coexistências de usos distintos, que podem ocorrer, como se passam na chamada cidade real, sem maiores problemas, e com enrique- cimento das oportunidades de encontro e convivên- cia humana e de atividades econômicas. B) Incapacidade do desenho zonal de dar conta das inovações emergentes na cidade, seja por conta da inovação tecnológica, seja pela diversificação de pro- dutos gerados pelo mercado e indústria imobiliários. C) Ausência de meios dinâmicos, na norma zo- nal, para internalizar e prover consequência a de- limitações e restrições, existentes e emergentes, emanadas de outros níveis de governo, que não o municipal, que também dispõem de competên- cias específicas para interferir na localização dos elementos que configuram uso e ocupação do solo (especialmente quanto ao patrimônio histórico, ar- tístico e monumental, ao meio ambiente, à infraes- trutura e à habitação de interesse social). D) Precariedade das classificações das categorias de uso, definidas, as mais das vezes, para fins de zoneamento, de forma pragmática e assistemática, com base na ontologia (perfil qualitativo) das ativi- dades e ações físicas que configuram o uso e ocupa- ção do solo, e não no que, de fato, importa, que é o seu impacto e demanda à estrutura do assentamen- to e ao meio ambiente. E) Ausência de entendimento devidamente ho- mogeneizado quanto aos institutos de que se vale o ordenamento, com confusão frequente en- tre os conceitos de aprovação de projetos, licencia- mento, autorização, permissão, conformidade de uso, tipologia de infrações, reservas legais de es- paços e elementos da estrutura urbana e do meio ambiente. F) Necessidade recorrente, em consequência des- ses problemas, de se proceder a sucessivas, fre- quentes, e muitas vezes, casuísticas, alterações na norma original, de forma a ajustá-la a situações de que não dá conta, tornando o corpo legislativo, em muitos casos, um emaranhado, de difícil entendi- mento e manuseio, seja para os interessados que devem atender à norma, seja para o funcionário a quem cabe sua aplicação. 17 No que respeita ao Plano Diretor, minha (re) proposição tinha início pela abordagem institucio- nal. Tratava-se de superar a indigência da ação da ditadura quanto a esse aspecto, procurando, por via legal, assegurar a existência, em caráter perma- nente, do processo de planejamento, o qual deveria abranger o Plano Diretor, os demais planos que com este interagem, os meios mediante os quais os pla- nos são levados à implantação, os regimes de ini- ciativa, debate, aprovação, revisão e atualização dos planos e demais instrumentos, o que deveria obri- gatoriamente abrigar a participação da comunidade em todas as instâncias do processo, retirando essa participação do contexto retórico em que, então, com frequência, se inseria, para consagrá-la como instituição material e direito concreto da cidadania. Surgiu daí a primeira minuta da lei que viria a ser denominada Do Processo de Planejamento e Participação Comunitária. Por esse diploma, esta- belecia-se no município: a) obrigatoriedade da manutenção de um processo de planejamento permanente; b) definição dos tipos de planos que devem inte- grar esse processo e de seus conteúdos mínimos ou típicos; c) definição dos vínculos de determinação e prece- dência entre os planos desses diversos tipos e da vinculação aos planos dos atos da Administração; d) definição dos tipos e funções dos diversos ins- trumentos de implantação das diretrizes contidas nos planos (legislação de ordenamento do uso e ocupação do solo; código de obras, edificações e instalações; código de posturas municipais; progra- mação orçamentária; programas de urbanização, equipamentos e serviços sociais e de infraestrutura; programações de comunicação social, treinamento e especialização profissional); definição das vincu- lações desses instrumentos aos planos; e) regime de planejamento, compreendendo a ela- boração e o debate público dos planos, as instân- cias da participação popular nesses processos, a periodicidade da elaboração e revisão dos planos e o ajuste dos instrumentos de implantação por oca- sião de cada revisão; f) sistema de planejamento, compreendendo o con- junto de unidades da Administração envolvidas no processo, incluindo colegiados com participação da comunidade, critérios para sua composição e suas respectivas funções naquele processo; g) obrigatoriedade de implantação e manutenção do sistema de informações municipal, de base geo rre ferenciada, servindo tanto ao processo de planejamento e de implantação quanto ao amparo às ações correntes da Administração. Considerada a lei assim concebida, a inova- ção se daria, em sequência, na montagem do Plano Diretor propriamente dito. Essa montagem come- çava por eliminar os Diagnósticos e Prognósticos, Diretrizes e Políticas Gerais e Plano Diretor Físico, do formato Serfhau, fazendo a elaboração confluir para um único documento final, que seria a lei do Plano Diretor. Não se tratava, obviamente, de eli- minar as análises de estado e evolução, e projeções correspondentes, principalmente de demandas, nos campos econômico e social, da organização territo- rial, dos serviços e equipamentos de infraestrutura e sociais; pois sem essas análises, não há plano que se fundamente. Mas se tratava de fazê-las tendo em vista expressamente a fundamentação e demandas a serem consideradas e atendidas pelas diretrizes e proposições – não mais como peças autônomas e autossuficientes. Tampouco há de levar a sério Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb 18 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb certas críticas formalistas e um tanto farisaicas que se fizeram ouvir à época, no sentido, óbvio, de que um plano não pode determinar quais valores de população, renda, estratificação social, crescimento econômico, tenham que ser atingidos no município. Mas o que o Plano deve conter, obrigatoriamente, é o quadro de fundamentos, projeções e demandas a serem atendidas por suas propostas, no mínimo, como uma satisfação que deve ser dada à cidadania à qual se dirige. Concebido dessa maneira, o Plano Diretor tinha restabelecida sua unidade, superan- do, de fato, o dualismo de que viera impregnado pela metodologia do Serfhau. No que respeita à legislação de ordenamento do uso e ocupação do solo, não se tratava, também, de rejeitar pela base o zoneamento como instituto; esse era conservado, porém, sem o caráter único e hegemônico de que desfrutara até então. Tratava- -se de utilizá-lo dentro das possibilidades limitadas que contém, instrumento rústico que é, apenas para conferir à estrutura do assentamento o desenho ge- ral dado pelo Plano, utilizando-se concomitante e concorrentemente dentro da mesma norma, os ins- titutos não zonais (exigências de reservas legais de espaços e atributos físicos, de distâncias mínimas ou máximas entre diferentes usos do solo, de trata- mentos de elementos do meio ambiente). Introdu- zia-se, também, para que a norma pudesse ajustar- -se ao longo do tempo, sem muitas alterações no desenhozonal, à emergência de novos arranjos das competências entre os níveis de governo e de pro- gramas diversos de natureza social, cultural e urba- nística, a figura das Áreas Sujeitas a Regime Espe- cífico. Tornava-se possível, dessa forma, manter a integridade da norma original, ao tempo em que se assegurando a necessária flexibilidade desta para incorporar inovações tecnológicas e de mercado, que estão a ocorrer constantemente. As inovações assim descritas vieram a ter- mo, em Salvador, pela aprovação e promulgação, respectivamente, em 1983, 1984 e 1985, da Lei do Processo de Planejamento e Participação Comuni- tária, da Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo e da Lei do Plano Diretor. Já ao longo desse período, a experiência da capital baiana era repli- cada, total ou parcialmente, a diversos outros mu- nicípios, como Cotia e Mogi das Cruzes, na Gran- de São Paulo, Registro e Mairinque, no interior do Estado paulista. Estava, por assim dizer, criado, sem que essa jamais tivesse sido minha intenção, o para digma alternativo à concepção e metodologia do Serfhau, que carregava embutida a expectativa de, enfim, se lograr a consolidação do planejamento como prática e disciplina material, inserida por in- teiro na ordem corrente dos assuntos da Adminis- tração. E, mais que tudo, com os instrumentos (re) criados, passível de ser cobrado dos governantes, como um direito, pela cidadania organizada. Minha experiência no Planurb tem lugar qua- se que concomitantemente à que assinalei no Esta- do de São Paulo. Inicia-se em 1986, quando recebi o honroso convite da administração do Prefeito Juvêncio Cé- sar da Fonseca para ser o consultor geral da elabo- ração do Plano que então se encetava. Entre 1986 e 1987, pude trazer, para o conhecimento da equipe formada pela Prefeitura para a elaboração, as pro- postas criadas em Salvador e aprofundadas com os municípios paulistas. Eu pouco conhecia de Campo Grande. Meus contatos com a cidade tinham sido poucos, apenas por ocasião de um projeto de arqui- 19 tetura que havia elaborado para o que viria a ser a futura universidade. No segundo e mais alongado contato é que se me foi revelando o perfil do muni- cípio – moderno, aberto à inovação e à qualidade, o que se expressava nas muitas oportunidades ofere- cidas para o trabalho técnico profissional. O mesmo perfil que encontrava na equipe mo- bilizada para os trabalhos do Plano, sob a direção do arquiteto José Marcos da Fonseca e a coordenação do também arquiteto Ângelo Marcos Vieira de Arruda. Foi de fato estimulante o trabalho que pude desen- volver com essa equipe, principalmente pelo espírito aberto que ela mostrava à apreciação das propostas que eu trazia, e pela desenvoltura com que estas iam sendo, pelo trabalho coletivo, progressivamente re- finadas e ajustadas às peculiaridades do Município. Foi igualmente digno de nota o clima constru- tivo e de tranquilidade em que se desenvolveu o debate público das propostas do Plano, da base de planejamento que se criava, e, por fim, da norma de uso e ocupação do solo. A decorrência natural desse processo viria a concretizar-se com a aprova- ção bastante expedita dos três diplomas legais em que se consubstanciou o resultado da elaboração: a chamada Lei do Processo, a Lei do Plano Diretor e a Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (LOUOS) como veio a ser denominada. Mas, o que, além do bom resultado obtido, vai estar para sempre gravado em minha lembrança são, na verdade, três fatos, ou episódios, que me permito brevemente relatar. O primeiro é o envol- vimento intenso da Administração e do Prefeito Ju- vêncio, em particular, nos trabalhos da elaboração. Envolvimento que se expressa de forma marcante pela reunião que promoveu, na tarde de um sá- bado, à sombra das frondosas árvores de sua pro- priedade, com a equipe técnica do Planurb, para discussão das propostas do Plano; reunião que se estendeu até que a chegada da noite obrigasse a sua conclusão, pois não fosse isso não se sabe até quando prosseguiria. Trabalho em planejamento, neste País e no exterior, há perto, hoje, em 2012, de cinquenta anos; e posso dizer que, ao longo desse alentado período, não consigo apontar um exemplo que fosse, de envolvimento da Administração com a elaboração do Plano, equivalente ao que pude presenciar em Campo Grande na década de 1980. O segundo episódio que conservo na lembran- ça é o do envolvimento e da contribuição aos tra- balhos da norma de ordenamento do setor imobi- liário do Município, particularmente na reversão do partido fortemente ideológico que tinha impregna- do o zoneamento até então, traduzido na previsão de uma estrutura de adensamento sob a forma de corredores dispostos ao longo de supostos traçados de transporte coletivo, que, na verdade, não se im- plantariam da forma prevista na concepção. De for- ma construtiva e acurada na interpretação da rea- lidade urbanística de Campo Grande, e, inclusive, com apoio em planilhas de simulação de formação de preços de mercado de terras, a contribuição do segmento imobiliário revelou-se de suma importân- cia no resgate da centralidade concreta da cidade no âmbito da administração do uso e ocupação do solo. O terceiro episódio que cabe destacar é o da geração da proposta para um grande parque cen- tral urbano estendendo-se ao longo do curso do Ribeirão Prosa. De forma totalmente imprevista, essa proposta, que evoluiu, quase que como uma antevisão, ao longo de trabalhos de definição do Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb 20 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb zoneamento para as áreas do Centro-Norte da ci- dade, acabou por dotar a esta de um equipamento de invulgar qualidade, que poucas cidades do País podem equiparar, e por se enriquecer tematicamen- te, de forma definitiva, com sua destinação às ati- vidades e manifestações das nações indígenas. Em minha vida profissional, esse episódio será sempre um dos que considero com o maior apreço. Não pude acompanhar o processo de implanta- ção das propostas do Planurb. Nos períodos poste- riores ao da década de 1980 a 1990, pude levar à prá- tica, de forma total ou parcial, a experiência iniciada em Salvador e desenvolvida em Campo Grande, em diversos municípios – Suzano, Embu, Ubatuba, São Sebastião, Mogi das Cruzes, Mairiporã, Santana de Parnaíba, Atibaia, no Estado de São Paulo, e, nova- mente em Salvador, de 1998 a 2004. A avaliação que posso, hoje, fazer, a respeito da aplicação do para- digma que desenvolvi, mostrará resultados variados – alguns processos concretizados e convertidos em práticas correntes, outros, interrompidos ou reverti- dos à quase completa paralisação. Posso ver com cla- reza o vezo iluminista com que me empenhei nessas experiências, e a crença de que a simples formulação legal quanto ao processo de planejamento, uma vez promulgada, teria por ela mesma um grande poder transformador. Na verdade, as coisas se passam de uma forma um tanto diferente – as formas e condu- tas tradicionais das administrações, caracterizadas pelo pragmatismo vulgar e pela incapacidade de lidar bem com o apoio técnico, têm mostrado forte resi liência, mostrando que um esforço para se tra- balhar com a cultura das organizações públicas, no sentido do avanço e da inovação, se faz estrategica- mente necessário. Por outro lado, no plano nacional, algumas inovações institucionais ocorreram, com a edição do Estatuto da Cidade, a criação do Ministé- rio das Cidades e a instituição, por este, de um novo paradigma, consubstanciado na metodologia do de- nominado Plano Diretor Participativo. A uma análise ainda bastante incompleta a que tenho procedido, tanto o Estatuto quanto o método do Plano Partici- pativo me causam alguma apreensão,por não conte- rem disposições mais concretas sobre o processo de implantação dos planos e a garantia da continuidade do planejamento municipal como processo perma- nente. Essas são, todavia, conclusões ainda muito preliminares, que cabem testar e desenvolver. Foi por essa razão que incluí, em programa de um pequeno curso-palestra que estou preparando para a Frente Parlamentar da Reforma Urbana e da Cooperação Regional, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, três módulos de crítica, respectivamente, ao paradigma Serfhau, ao que venho praticando nas últimas décadas e ao do Ministério. Espero que algu- ma luz se faça a partir dessas tentativas. Como terá evoluído a implantação do Pla- nurb? O evento a que fui convidado, e do qual pude participar, de comemoração dos dez anos de fun- cionamento do Conselho Municipal de Desenvolvi- mento Urbano (CMDU) parecia apontar a uma si- tuação de solidez e de continuidade do processo de planejamento em Campo Grande. Será correta essa impressão? Creio que a oportunidade que, hoje, nos une nesse evento, mais que uma comemoração dos 25 anos do Planurb, pode ser de imensa valia para uma avaliação, que é preciso acometer com fir- meza, do estado em que estamos no que respeita a essa disciplina do planejamento, tão valiosa para o desenvolvimento dos municípios brasileiros, mas, ainda, tão pouco assimilada no contexto sociopolí- tico de nossa sociedade e das administrações. 21 Prefácio Vinte e cinco anos depois Minha experiência no Planurb: um depoimento Introdução As raízes do planejamento urbano em Campo Grande O processo de criação do Planurb A democratização do planejamento e o CMDU Os trabalhos pioneiros e a reforma urbana Quem é Campo Grande em 2012: a cidade e suas regiões urbanas Lei no 2.503, de 4 de julho de 1988 Pioneiros do planejamento urbano em Campo Grande Lista de siglas Referências Sumário 1 2 3 4 5 5 9 11 23 30 54 66 74 88 109 115 117 119 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb 23 A preocupação com o planejamento urbano e com o desenvolvimento de Campo Grande sempre esteve presente em diversos documentos – leis e planos – desde sua fundação, em 1872. Data de 1905 a primeira lei municipal que faz referências a temas da urbanização recente. O Código de Posturas de Campo Grande, daquele ano, tratava, dentre ou- tros assuntos, de saneamento e de limpeza urbana, localização das edificações e tamanhos dos lotes. A preocupação sanitária era a tônica da lei, pois a cidade, com pouco mais de 1.200 habitantes, segundo Themistocles Paes de Souza Brazil, em seu relatório de 1906, de que fala Paulo Coelho Machado, em seu livro “Rua Velha”, devia seguir o ritmo das outras capitais, principalmente Belo Horizonte, MG, que acabava de ter um Plano Urbanístico, elaborado no final do século XIX. Na primeira década do século XX, pela Resolução no 21, de 18 de junho de 1909, foi elaborada e aprovada a primeira planta urbana da cidade, pelo enge- nheiro-agrônomo Nilo Javary Barém, com lotes numerados de 1 a 382, onde tra- çava os passos iniciais para o ordenamento do crescimento urbano. Essa planta é o primeiro Plano Urbanístico de Campo Grande. A regularidade da malha ur- bana, usando a trama ortogonal, com uma grande avenida central, evidenciava a utilização de um traçado europeu das cidades do século XIX. Mas a grande formação do sítio atual estaria para acontecer com a de- marcação do rossio de Campo Grande, por meio do engenheiro militar The- Introdução Introdução A cidade de Campo Grande assistiu, durante muitas décadas, à elaboração de leis e normas urbanísticas, especialmente de uso, ocupação e parcelamento do solo, sem que houvesse a participação da comunidade técnica nem da empresarial, política ou popular. 24 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb mistocles Paes de Souza Brazil ajudado por Leonel Velasco. Na prática, o rossio da época equivale ao termo hoje conhecido como Perímetro Urbano de Campo Grande. O que foi aprovado e demarcado no começo do século, 6.540 hectares, é equivalente a 18% do atual perímetro de 2012, e quando a cidade só tinha 1.200 habitantes. O rossio de 1910, já era suficiente para abrigar a população de 2010, que era de 786 mil habitantes segundo a Fundação Instituto Brasileiro de Geogra- fia e Estatística (FIBGE). A Planta Urbana de Campo Grande e o rossio No início de 1909, o engenheiro francês Emílio Rivasseau esteve na vila. Era um agrimensor que prestava serviços à Companhia Matte Larangei- ra, desde 1894, na fronteira com o Paraguai e que se ofereceu ao Intendente municipal para os ser- viços de elaboração de um plano de alinhamento das ruas. Rivasseau não elaborou a planta da Vila, embora desde 1906 houvesse uma autorização da Câmara para contratar os serviços profissionais, mas fez vários levantamentos nas propriedades ru- rais circunvizinhas e desenhou muitas plantas de antigas divisões e demarcações de terras em Mato Grosso, sendo, inclusive, de sua autoria um dos pri- meiros mapas da parte sul do Estado de Mato Gros- so, em 1919, e uma definição cartográfica da região do Nabileque onde viviam os índios Guaicuru. Emílio Rivasseau trabalhou em Mato Grosso de 1890 a 1920 e foi funcionário da Repartição de Terras, Minas e Colonização do Estado. Por seu tra- balho de demarcar terras na fronteira, teve contacto com tribos indígenas e pôde dedicar-se a pesquisar os seus costumes descritos em livro, com desenhos em bico de pena, publicado em 1936, na coleção “Brasiliana”, editado pela Companhia Editora Na- cional com o título “A vida entre os índios guaicu- rus”, tomo 60. Contudo, quem acabou elaborando o projeto da planta de Campo Grande foi o primeiro enge- nheiro que residiu por aqui: Nilo Javary Barém, for- mado em agronomia no Rio Grande do Sul – pro- vavelmente na Escola de Agronomia e Veterinária de Porto Alegre –, contratado pela Intendência em 1o de junho de 1909, passando a ser, também, o pri- meiro engenheiro servidor público. Apesar de di- plomado em agronomia, Nilo Barém era perito em agrimensura e em construções rurais, advindas de sua formação na escola superior, o que lhe permitiu atuar como projetista e demarcador de terras. Com as reviravoltas políticas e com o entra e sai de alguns intendentes no início do século XX, Nilo Barém chegou, inclusive, a ocupar o cargo de Intendente municipal entre os meses de setembro e outubro de 1910. Seu grande trabalho foi elaborar os rumos urbanísticos para Campo Grande, que, até aquele momento, não dispunha de nenhum traçado de ruas. Na função de engenheiro municipal, responsabilizou-se, também, pela aprovação de projetos e expedição de alvarás de construção, na seção de engenharia, entre os anos de 1909 e 1920. Seu Plano de Alinhamento de Ruas e Praças de Campo Grande foi aprovado em 18 de junho de 1909, pela Resolução no 21, da Câmara de Vereado- res, cujo texto de denominação das ruas foi apre- sentado pelo vereador José Vieira Damas. A planta 25 era ortogonal, com uma avenida central e principal de 54,00 metros e as demais ruas de 20 e 25,00 m em quarteirões de 100 a 150,00 m. Os lotes projetados eram de 40,00x50,00 m ou de 40,00x60,00 m e nume- rados de 1 até 385. A denominação das ruas pela Resolução da Câmara de Vereadores tinha a seguinte descrição: partindo do sul para o norte, a primeira rua, Afonso Pena; a segunda, 7 de Setembro; a terceira, 15 de Novembro; a quarta, Av. Marechal Hermes; a quin- ta, [...]. Do nascente para o poente, a primeira rua, José Antônio; a segunda, 15 de Agosto; a terceira, Pedro Celestino; a quarta, 24 de Fevereiro; a quinta, 13 de Maio; a sexta, [...]; a sétima, D.Antônio; a oi- tava; a nona, [...] e a praça entre a Avenida Marechal Hermes e a Rua 15 de Novembro. Logo após a implantação da Planta Urbana e do Rossio em 1911, Eduardo Olímpio Machado, morando em Campo Grande, foi convidado a es- crever sobre nossa cidade para publicar no livro “Album Graphico do Estado de Matto Grosso”, editado em 1914 em Hamburgo, na Alemanha. Ele assim descreveu: A villa de Campo Grande está situada no planalto da Serra de Maracajú, n’uma altitude de 735 mtrs., pelos 20o 27’ 15” de latitude e 11o 36’ 53” de longitu- de o do Rio de Janeiro. Há pouco mais de dois anno, era um villajo insignificante, contando apenas cento e tantas casas, em sua maioria de páo á pique, e uns 1200 habitantes: actualmente possua cerca de 500 fo- gos, notando-se já um certo gosto nas construcções, e contando com uma população fixa de nunca menos de 5000 almas. O aspecto da villa, observada de qualquer das estradas que a demandam, é interessante e agradável á vista do viajante. O seu casario alegre e de feitio moderno, ain- da um tanto esparso, surgiu na bifurcação dos córre- gos “Prosa” e “Segredo”, e agora vai-se estendendo em terreno ligeiramente inclinado até o alto de aprasivel collina, d’onde se descortinam magníficos panoramas. As ruas e praças que obedecem á um intelligente tra- çado, são amplas, tendo duas avenidas – uma de 1200 metros de comprimento por 50 metros de largura, e a outra de 600 por 28 metros –, tudo em via de arbori- sação. A praça principal está sendo ajardinada e será em breves dias um formoso logradouro publico. Ain- da as arterias principaes de transito são illuminadas com luz á kerozene, porém, já está aberta a concur- rencia para a illuminação electrica. Existem já alguns edificios de importancia, como o predio do Governo Municipal e a Escola Publica municipal, e outros de residencias particulares: nota-se uma verdadeira febre de construcção, apezar da carestia e difficuldade na obtenção dos materiaes de construcção. As condições climatericas da villa, e de toudo o muni- cipio de Campo Grande, são as melhores possiveis. A temperatura media é de 24 gráos, elevando-se sómente excepcionalmente á 29, e descendo algumas vezes á zero e mesmo abaixo nos mezes de Maio a Agosto; as brisas constantes amenisam os dias calorosos, e mesmo na es- tação de maior calor as noites são agradabelissimas. Antes mesmo de encerrar a primeira década do século XX, Campo Grande já possuía os três instru- mentos básicos para o seu desenvolvimento ordena- do: um perímetro urbano definido por lei (rossio), um traçado urbano da vila (plano de alinhamento de ruas e praças) e um Código que determinava a forma de ocupação do solo e de construção de edifícios. O plano de expansão urbana já tinha suas di- retrizes básicas: ao norte, áreas de terra onde atual- mente se localizam a Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e a Lagoa da Cruz (Mata do Segre- do); à leste, até o atual Parque dos Poderes (Desbar- Introdução 26 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb rancado); à oeste, até o Bairro Amambay (quartéis) e ao sul, pouco após o Córrego Prosa. Com o rossio implantado, a cidade foi se estru- turando com edifícios públicos, instalações milita- res (quartéis, hospital) e, em 1921, foi aprovado um novo Código de Posturas contendo requisitos urba- nísticos importantes, tais como: a continuidade de vias com a mesma faixa de domínio e o primeiro bairro de Campo Grande – o Amambaí, interligan- do o sítio urbano aos quartéis do Exército, que se instalaram na parte oeste da cidade. A Resolução no 43, de 27 de abril de 1921, pro- mulgada por Arlindo de Andrade Gomes, Inten- dente municipal, estabeleceu o Código de Posturas do Município. Os projetos do Escritório Saturnino de Brito Foi com o Escritório Saturnino de Brito, con- tratado para elaborar projetos de saneamento bási- co, que a cidade, no final da década de 1930, já com mais de 20.000 habitantes, possuiu seu primeiro plano de uso do solo, ao lado do planejamento de expansão da rede de água e de esgotamento. Por força da Lei federal de 1937 e pelas dire- trizes do trabalho de Saturnino de Brito, em 1941, é editado o Código de Obras da cidade, que deter- mina o primeiro zoneamento dos usos e diretrizes para loteamento. Esse dispositivo legal foi aplicado a todos os empreendimentos da cidade até o final da década de 1960. O Decreto-lei no 39, de 31 de janeiro de 1941, assinado pelo Prefeito Eduardo Olímpio Machado, trouxe grandes novidades para Campo Grande, em termos urbanísticos: dividiu a cidade em zonas de construção, criou a Zona Central ou Comercial, a Industrial, a Residencial e as Zonas Mistas. A questão do parcelamento do solo foi tratada em seu artigo 7o quando determina a testada míni- ma do lote em 12,00 m e a profundidade de 30,00 m, exceção para a área central, que poderia ser de 10,00 m (na região central as subdivisões de lotes, antes desta lei, eram de 20,00 m, no mínimo). A ori- gem do padrão do lote de 12x30 m de Campo Gran- de data, portanto, de 1941. Mais importante que o tamanho do lote é o que está escrito no parágrafo segundo, do Art. 9o: “nos arruamentos deverão ser observados as áreas de 20% (vinte por cento) para ruas e 20% (vinte por cento) para as praças e jardins”. Como no final da década de 1930, além das quadras originais de 1909 só havia o Bairro Amam- baí (década de 1920) e o Cascudo (1936), atual São Francisco, esse dispositivo foi importante para re- gular as áreas de praças dos loteamentos aprova- dos de 1941 até a década de 1970. 1948: marco do planejamento democrático e participativo É de 1948 – com a aprovação da Lei municipal no 24, de 6 de abril, assinada por Fernando Correa da Costa –, a data de criação da Comissão do Plano da Cidade de Campo Grande, com várias atribui- ções, dentre elas, “elaborar o Plano Diretor para o desenvolvimento e melhoramento da cidade” e “fi- xar as condições de loteamentos de terrenos para a 27 formação de vilas”. Nascia o embrião do Planurb e do CMDU de hoje, em um só órgão municipal. A Comissão era formada pelo Prefeito, dois ve- readores, dois funcionários e seis cidadãos e pode- ria se servir de encarregados e solicitar “a admissão de urbanistas, sob contrato, para orientação geral”. O termo “urbanista” aparece pela primeira vez em lei municipal – até então eram só os engenheiros –, reforçando a tese de que, com o crescimento urbano rápido, havia necessidade de se socorrer com con- sultores externos, fato que acompanha a trajetória da cidade até os dias de hoje. Em 1959, na administração do Prefeito Wilson Martins, pela Lei no 663, de 30 de dezembro, que estabelece uma nova estrutura administrativa de Campo Grande, é criada uma estrutura colegiada muito parecida com o atual CMDU: o Conselho de Planejamento e Urbanismo (CPU), como órgão au- tônomo de aconselhamento do governo para ques- tões de planejamento e do Plano Diretor. O CPU era composto de nove pessoas repre- sentando a sociedade – Associação Comercial, Acri- mat, Lions Club, Rotary Club, proprietários de imó- veis, Associação das Indústrias, engenheiros, OAB e associação dos médicos; e quatro do setor público – prefeito, secretário de Obras e Viação, chefe do Setor de Obras e Urbanismo e chefe do Setor de Es- tradas de Rodagens. Com a criação do setor de Obras e Urbanismo, a questão da análise e aprovação de loteamentos passou a ser administrada por esse órgão. Em 1965, pela Lei Legislativa no 26, de 31 de maio de 1965, a cidade passa a ter um novo Código de Obras, que trata de zoneamento, uso do solo, lo- teamento e posturas municipais. Em 468 artigos, deli- mitou zonas (definiu termos técnicos, núcleos indus- triais, zonas agrícolas) e deu normas para construção de todos ostipos, e, do artigo 423 em diante, tratou de loteamentos definindo que todos os projetos, antes de aprovados, ficariam sujeitos a diretrizes da muni- cipalidade – o lote da área central baixou para 8,00 m a testada e os demais, para 10,00 m; a área mínima continuou em 300,00 m2; as ruas mínimas com 9,00 m de largura e leito carroçável de 6,00 m; as áreas de re- creação obedeceriam ao índice de 16 m2 de área verde por habitante do futuro loteamento; e a quadra máxi- ma ficou estabelecida em 300,00 m de comprimento. A partir da década de 1940, a população urba- na de Campo Grande passou a dobrar a cada dez anos. Em 1950, eram 31.708 habitantes; em 1960, dobrou para 64.934; em 1970, passou para 131.110 habitantes; e em 1980, já havia 283.653 habitantes na cidade. O Plano da Hidroservice de 1968 e de Jaime Lerner de 1977 No final da década de 1960, impulsionado pelo planejamento do governo militar central, o municí- pio de Campo Grande contratou seu primeiro Plano Diretor, elaborado pela empresa Hidroservice Con- sultoria. Plano Diretor de Desenvolvimento Integra- do (PDDI), esse era o nome técnico adotado na época. O PDDI traçou um extenso diagnóstico da cida- de, em todas as áreas da administração. Deu diretri- zes para várias obras que foram realizadas ao longo dos anos, por exemplo, a Via Norte-Sul (margeando o Córrego Segredo e Anhaduizinho) e o minianel rodoviário; localizava a central de abastecimento de Introdução 28 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb água da cidade (a atual Guariroba); propunha uma reserva onde atualmente se localiza o Parque dos Po- deres (Parque do Leste); e criava o Núcleo Industrial. Do ponto de vista da política urbana, o PDDI, apesar de burocrata e de ter sido elaborado sem a participação popular, pode ser considerado progres- sista, pois propunha uma lei de uso do solo urbano baseada nos princípios da normatização por zonas de uso; uma nova legislação de parcelamento do solo urbano que passou a exigir infraestrutura básica nos empreendimentos de loteamento e outros. Todas essas propostas viraram texto legal con- tido na Lei municipal no 1.429, de 24 de janeiro de 1973, e suas alterações posteriores. O arquiteto paranaense Jaime Lerner que, como Prefeito de Curitiba e ex-diretor do Instituto de Pes- quisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), tinha levado a cabo, naquela cidade, propostas urba- nas que a grande imprensa divulgou como exitosas, veio a Campo Grande, em 1977, a convite do prefeito da época, engenheiro Marcelo Miranda Soares, e ela- borou um Plano de Diretrizes de Estruturação Urba- na de Campo Grande, que contemplava a prioridade no uso do solo combinado com um sistema viário e de transporte urbano por meio de corredores, que resultou na Lei no 1.747 de 29 de maio de 1978. Lerner elaborou uma proposta com a partici- pação de alguns arquitetos locais que à época tra- balhavam no setor público, mas, o município não possuía, ainda, um órgão de planejamento urbano que pudesse acompanhar e monitorar a execução das propostas, o que acarretou modificações seto- riais na supracitada lei, todas com a finalidade de alterar o zoneamento, considerado rígido e implan- tado por meio de obras públicas. A ocupação do solo urbano da capital de Mato Grosso do Sul foi deixando de ser uma atividade coletiva, de todos os moradores, para se transfor- mar em um comércio de índices e de manchas urba- nas. Mudar a legislação para atender empresários que queriam instalar seus empreendimentos em área cuja lei não permitia, era fato corriqueiro na década de 1980, quando a cidade explodia, em ter- mos de crescimento demográfico, por conta da sua nova condição de capital. PLANURB e o CMDU: 1987 A cidade de Campo Grande assistiu, durante muitas décadas, à elaboração de leis e normas urba- nísticas, especialmente de uso, ocupação e parcela- mento do solo, sem que houvesse a participação da comunidade técnica nem da empresarial, política ou popular. O processo de planejamento ocorrido foi pu- ramente tecnocrático: contratava-se uma empresa para elaborar planos para a cidade crescer e se de- senvolver calcada nos ideais obreiros da época: pla- nos havia para dar sustentação às obras que seriam executadas com dinheiro público, a fundo perdido. Nessa lógica, não havia necessidade de um ór- gão de planejamento urbano para pensar e repensar a cidade; não havia a necessidade de construir um corpo técnico voltado para a formação em planeja- mento público. Dessa forma, se não havia planeja- mento urbano municipal, não havia também diretri- zes para loteamento, grandes edificações e outras. A cidade foi crescendo e, sem acompanha- mento ou monitoramento para corrigir as distor- ções geradas pelas normas urbanísticas, mudanças foram feitas na legislação, atendendo a interesses já citados. Ao mesmo tempo, já na década de 1980, os índices de crescimento demográfico batiam nas 29 nuvens (8,02% ao ano): a migração se intensificara com a nova situação de capital de Mato Grosso do Sul e novo governo estadual se instalara na cidade, aumentando a procura por imóveis e áreas. Com esse quadro, era possível prever o que acontecia naquele período: favelas surgiam da noi- te para o dia, em várias partes da cidade; não havia transporte coletivo suficiente, muito menos energia e água potável; a rede de educação e de saúde não estava preparada para atender a demanda criada. O caos urbano se deveu, de um lado, à locali- zação dos conjuntos habitacionais distantes do cen- tro urbano e, do outro, à inexistência de infraestru- tura básica e de equipamentos sociais, como escola, posto de saúde, posto policial, contribuindo para, ao invés de resolver a questão habitacional, criar mais problemas para a administração municipal, aumentando investimentos em transporte urbano, pavimentação e outros e jogando a população para locais distantes do centro de emprego. Mais do que isso: a inexistência de um órgão municipal de planejamento urbano, que pudesse elaborar as diretrizes urbanísticas necessárias para acompanhar o crescimento vertiginoso, contribuiu para que os mais de 120 loteamentos aprovados na década de 1980 desorganizassem o tecido urbano pela descontinuidade das vias públicas, demarca- ção das áreas destinadas à recreação e lazer e aos equipamentos comunitários futuros sem planeja- mento e admitindo sobras e pontas de quadra que hoje não servem para nenhuma construção pública. Desde o começo da década de 1980, diversas entidades de classe, dentre elas o Instituto de Ar- quitetos do Brasil - Departamento de MS, a AGB/ MS e a Associação de Engenheiros e Arquitetos de Campo Grande solicitavam do setor público mu- nicipal a criação de um órgão de planejamento ur- bano com finalidade de estudar a cidade e propor soluções para os problemas que estavam ocorren- do. Ao final de 1985, é realizado um seminário, co- ordenado pelo IAB/MS com o apoio da AGB/MS e da Prefeitura Municipal de Campo Grande, com a finalidade de discutir o modelo e o formato do ór- gão municipal de planejamento urbano. As propostas do Seminário foram concreti- zadas em 11 de março de 1987, com a criação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urba- no (CMDU) e, em 8 de maio do mesmo ano, com a criação da Unidade de Planejamento Urbano de Campo Grande (Planurb), vinculada à Secretaria Municipal de Planejamento. O CMDU, órgão composto de representantes de segmentos da sociedade e da municipalidade, e a Planurb, órgão técnico de planejamento urbano, preencheram a maior lacuna deixada por todas as administrações anteriores. Nascidos em um mo- mento de grande efervescência de desenvolvimen- to urbano e de crescimento desordenado, esses dois órgãos passaram a pensar a cidade, em todas as suas necessidadesurbanísticas. Depois de um ano de trabalho, a Planurb en- caminhou para discussão e aprovação, no CMDU, uma legislação urbanística para Campo Grande que contemplava, além do uso do solo urbano, o parcelamento, o perímetro urbano e um início de legislação ambiental e de proteção dos bens patri- moniais da cidade. Em dezembro de 1988, a Câmara de Verea- dores aprovou a Lei no 2.567, que modernizava os conceitos urbanísticos e entregava à sociedade uma norma legal moderna e mais realista, em relação às necessidades do município. Introdução 30 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb Ao alto, Rua 13 de Maio com primeiras instalações de comércio (década de 1910). Reprodução: Album Graphico do Estado de Matto-Grosso. Ao lado, Rua 14 de Julho (década de 1920). Acervo: Arquivo Histórico de Campo Grande (Arca). 31 As raízes do planejamento urbano em Campo Grande Antecedentes históricos Consta de diversos estudos sobre a ocupação de Campo Grande que tudo começou em 1872 quando o mineiro José Antônio Alves Pereira, seus dois fi- lhos – Joaquim e Antônio Luís – e mais quatro agregados chegaram no dia 21 de junho1 e, à margem esquerda do córrego Anhanduizinho, ergueram um pequeno rancho de palha. No dia 22 de junho encontraram-se com um casal de habitantes do lugar: o poconeano João Nepomuceno Ferreira e sua mulher Maria Abranches. Por- tanto, no ano da chegada do fundador da cidade, podemos afirmar que nove habitantes constituíram a primeira população de Campo Grande. Nesse mesmo ano de 1872, o Brasil fazia sua primeira contagem popula- cional: eram 9,9 milhões de habitantes e em Mato Grosso, 60.417 moradores distribuídos entre Cuiabá, Corumbá, Miranda, Poconé e outras localidades. Poucos meses depois, nos meados de 1873, José Antônio Pereira retornou a Monte Alegre, MG, e só voltou a Campo Grande em 14 de agosto de 1875 acompanhado de uma caravana com 62 pessoas. No local encontra um suces- 1 1. A data de fundação de Campo Grande deveria ser 21 de junho de 1872 e não a comemo- rada em 26 de agosto de 1899. As raízes do planejamento urbano em Campo Grande As raízes do planejamento urbano de Campo Grande estão presentes na história e em sua trajetória de desenvolvimento. As heranças culturais e urbanísticas são intensas em todos os momentos da cidade. 32 Raízes do planejamento urbano em Campo Grande e a criação do Planurb sor de José Nepomuceno: o mineiro Manoel Vieira de Souza que estava acampado com nove pessoas. As duas famílias montam nove ranchos, todos de- salinhados, nas redondezas da atual Rua 26 de Agosto e, assim, em 1875, a população de Campo Grande já era de 73 habitantes. O assentamento original da loca- lidade ocorreu à margem dos córregos Prosa e Segre- do, local agradável para os novos moradores. Desse assentamento surgia a vila de Campo Grande e a traje- tória do planejamento urbano da cidade. Os primeiros edifícios começam a ser ergui- dos. Dois anos depois, em 1877, José Antônio Pe- reira ergueu a primeira igreja do arraial, em esteio de aroeira e construção de pau a pique. A partir de então, o povoado passou a ser conhecido como San- to Antônio de Campo Grande da Vacaria. Em 1888, funda-se o primeiro cemitério, nos cruzamentos das atuais Ruas 15 de Novembro e 13 de Maio, ao lado da Praça Ari Coelho2. Em 1889, pela Lei estadual no 729, de 23 de no- vembro, foi criado o Distrito de Paz, pertencente ao município de Miranda. A região atraía contingentes migrantes de vários lugares, especialmente aqueles com negócios de gado. Nessa época, multiplicaram- -se as fazendas nos arredores do distrito e a base da economia local era a pecuária bovina, por causa da grande quantidade de terras disponíveis. Nesse ano, mais de 30 famílias já habitavam o lugar, seja nas fazendas do entorno ou em ranchos na Rua Velha. Assim, em 1889, dez anos antes da emancipação política de Campo Grande, algo em torno de 180 pessoas residiam aqui. A economia do lugar crescia com os negócios de gado do Triângulo Mineiro e de outras localida- des. Os primeiros migrantes europeus começaram a chegar ao arraial e as casas comerciais, escola, e outras necessidades humanas, foram implantadas. Em 26 de agosto de 1899, ocorreu a emancipa- ção política, por meio da Resolução estadual no 225, e nasceu o município de Campo Grande com um território de 105.000 km², desmembrado de Nioa- que, o sexto município do sul de Mato Grosso3 e o último a ser criado no século XIX. De acordo com diversos historiadores de Cam- po Grande, pode-se estimar, em função do número de eleitores registrados em 1892 e em 1898, que a população da sede do município em 1899 era de 328 habitantes. Esse assentamento surgiu de forma a ocupar as terras férteis da região e seus moradores ora habita- vam ranchos às margens dos dois córregos centrais ou estavam sediados em pequenas fazendas nas proximidades da vila. A origem rural e mineira do assentamento do território conduziu a ocupação social e urbana. Há- bitos e feitos nesse tempo eram todos vinculados à origem rural mineira do fundador e dos primeiros moradores. Ranchos foram erguidos na área mais urbana da vila, mas muitos mantinham suas terras rurais para a prática pecuária, marca cultural da cidade e de seu urbanismo: grandes propriedades cultuadas de família para família, extensões de ter- ra a perder de vista. 2. Esta Praça, antes de sua atual denominação, era chamada de Praça Municipal ou Jardim Público e depois Praça da Liber- dade. 3. Havia ainda Corumbá (1850), Paranaíba (1857), Miranda (1871), Nioaque (1890) e Coxim (1898). 33 O Plano de Alinhamento de Ruas e o Rossio A preocupação com o planejamento e o desen- volvimento de Campo Grande esteve sempre pre- sente em todos os documentos e planos existentes, desde sua fundação. Mas foi somente em 1905 que veio a aprovação da primeira lei municipal que faz referências a te- mas da urbanização recente. O Código de Posturas de Campo Grande da- quele ano tratava, como já foi dito, dentre outros assuntos, de saneamento e de limpeza urbana, loca- lização das edificações e tamanhos dos lotes. Outra medida urbanística veio com a aprova- ção da Resolução no 21, de 18 de junho de 1909, que aprova a primeira planta urbana da cidade. A regularidade da malha urbana, usando a trama ortogonal, com uma grande avenida central, como citada anteriormente, apareceu no urbanismo de Goiânia e de Belo Horizonte. A planta da cidade continha um conjunto de quarteirões com lotes médios de 2.500 m2, com testada de 40,00 ou 50,00 m, de traçado ortogonal, sendo a Avenida Afonso Pena – originalmente Marechal Hermes –, a via mais larga, com 50,00 m, enquanto as demais vias tinham 20,00 m de largura. Essa planta histórica tinha como referências urbanísticas o traçado modernista e a sua implan- tação obedeceu à lógica de instalação das pessoas na época, ou seja, utilizando os córregos Prosa, ao sul, e o Segredo, a oeste, como limites referenciais. A única rua povoada era a atual Rua 26 de Agosto, denominada de Rua Velha. A vila em formação se comunicava com as de- mais regiões do Estado de Mato Grosso e do país por meio de estradas boiadeiras, que penetravam o sítio original a partir de várias entradas, e uma das mais usadas era a estrada para o Pantanal, a oeste. As saídas boiadeiras eram os limites oficiais da Vila de Campo Grande e fortemente utilizadas, por conta do intenso comércio de gado, nos meados do século XIX e, depois disso, com o fim da Guerra do Paraguai, como caminho de passagem de pessoas e de comunicação com São Paulo e Minas Gerais. No ano de 1910, outro engenheiro, Themisto- cles Paes de Souza Brazil, capitão do exército e peri- to em matemática e geometria, inicia
Compartilhar