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TOXICIDADE RENAL Fabio Mesquita Reações Tóxicas dos Rins I) ANATOMIA FUNCIONAL: A secção sagital de um rim revela três áreas anatômicas: o córtex, a medula e a papila. O córtex recebe cerca de 90% do fluxo sanguíneo em comparação com a medula (~6 a 10%) ou a papila (1 a 2%). Quando uma substância tóxica originária do sangue chega aos rins, uma alta porcentagem desse material irá para o córtex, tendo mais chances de influenciar as funções corticais do que as funções medulares e papilares. O néfron, pode ser divido em três partes: o elemento vascular, o glomérulo e o elemento tubular. Reações Tóxicas dos Rins I) ANATOMIA FUNCIONAL: O túbulo proximal consiste em três segmentos distintos: S1 (pars convoluta), S2 (transição entre pars convoluta e pars recta) e S3 (pars recta). O túbulo proximal reabsorve aproximadamente 60 a 80% do soluto e da água filtrada no glomérulo, Aproximadamente 25% do Na+ e K+ filtrados e 20% da água filtrada são reabsorvidos pelos segmentos da Alça de Henle. O túbulo distal posterior, o túbulo coletor cortical e o ducto coletor medular realizam a regulação final e o ajuste do volume e da composição da urina. O Na+ é reabsorvido junto com K + e H + no túbulo distal posterior e no túbulo coletor cortical. A combinação de hipertonicidade medular e papilar e a ação do hormônio antidiurético (vasopressina/ADH) servem para aumentar a permeabilidade da água do ducto coletor medular. Reações Tóxicas dos Rins II) RESPOSTAS FISIOPATOLÓGICAS: “INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA (IRA)” A insuficiência renal aguda (IRA), é caracterizada por um declínio abrupto na TFG, resultando em azotemia ou em acúmulo de resíduos de hidrogênio no sangue. A lesão renal aguda (LRA) descreve todo o espectro da doença e é definida como uma condição complexa que engloba fatores causais múltiplos com manifestações clínicas que variam de elevação mínima da creatinina sérica até insuficiência renal anúrica. Reações Tóxicas dos Rins II) RESPOSTAS FISIOPATOLÓGICAS: “INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA (IRA)” Mecanismos da IRA quimicamente induzida Reações Tóxicas dos Rins Após trauma, as alterações podem ocorrer no citoesqueleto e na distribuição normal de proteínas da membrana como Na+, K+ –ATPase e integrinas b1 em células tubulares renais subletalmente atingidas. Essas alterações resultam em perda de polaridade celular, integridade da junção oclusiva e adesão célula-substrato. As células letalmente atingidas passam por oncose ou apoptose, e tanto as células mortas como as viáveis podem ser liberadas dentro do lúmen tubular, que pode resultar em formação de cálculo, obstrução tubular e comprometer ainda mais a TFG Reações Tóxicas dos Rins II) RESPOSTAS FISIOPATOLÓGICAS: “INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA (IRC)” Reações Tóxicas dos Rins III) TOXICIDADE: Uma substância química pode disparar uma lesão celular por meio de vários mecanismos: - Reatividade intrínseca com macromoléculas celulares; - Bioativação renal ou extrarrenal para um intermediário reativo ou - Iniciar a lesão indiretamente ao induzir estresse oxidativo pela produção au mentada de ROS (ânions superóxido, peróxido de hidrogênio e radicais hidroxil), que podem atacar proteínas, lipídeos e DNA para induzir toxicidade, como as espécies reativas de nitrogênio do óxido nítrico. IV) MODIFICAÇÕES: 1) Volume Celular e Homeostase Iônica: Fenômenos rigidamente regulados e essenciais para as propriedades de reabsorção das células epiteliais tubulares. Geralmente ocorre a ruptura do volume das células e a homeostase iônica tanto pelo aumento da permeabilidade iônica como pela inibição da produ ção de energia. A perda de ATP provoca inibição dos transportadores da membrana que mantêm o equilíbrio iônico interno. 2) Citoesqueleto e Polaridade Celular: Substâncias tóxicas podem causar alterações precoces na integridade da membrana, como perda da bordadura em escova, formação de bolhas na membrana plasmática ou alterações na polaridade da membrana. 3) Mitocôndrias: Diversos nefrotoxicantes causam disfunção mitocondrial ao comprometer a respiração e a produção de ATP ou algum outro processo celular. Podem levar a ocorrência de Apoptose ou Necrose (Oncose). Reações Tóxicas dos Rins IV) MODIFICAÇÕES: 4) Lisossomos: Acredita-se que os lisossomos causem lesão celular pela ruptura e liberação de enzimas de digestivas e substâncias tóxicas dentro do citoplasma, após acumulação excessiva de substâncias tóxicas reabsorvidas, como aminoglicosídeos, gasolina livre de chumbo e D-limoneno,. 5) Homeostase de Cálcio: O Cálcio é essencial para ativação celular. No caso das células renais, a manutenção da concentração normal de Cálcio é fundamentação para o funcionamento normal das proteínas transportadoras, assim como enzimas constitutivas. A alteração nessa concentração pode provocar ativação inespecífica de fosfolipases e proteinases, que podem produzir aberrações na estrutura e função dos elementos citoesqueléticos. 5) Alteração de Proteínas Específicas: A ativação inespecífica, de proteínas específicas, leva a ocorrência de fenômenos não relacionados a fisiologia normal do tecido. Dessa forma, alguns toxicantes podem promover a ativação de Fosfolipases, Endonucleases, Proteinases e Quinases de Sinalização, que promoveram lesão celular. Reações Tóxicas dos Rins V) NEFROTOXICANTES ESPECÍFICOS: 1) Metais Pesados: A natureza e a gravidade da nefrotoxicidade desses metais variam em relação a sua forma. Além disso, metais diferentes têm alvos primários distintos dentro dos rins. Os metais podem causar lesão celular renal por meio de sua capacidade de ligação com grupos sulfídricos de proteínas fundamentais dentro das células e, por meio disso, inibir sua função normal. Exemplos: Mercúrio - Os rins são o alvo primário para o acúmulo de Hg2+, e o segmento S3 do túbulo proximal é o local inicial de toxicidade. A nefrotoxicidade aguda induzida por HgCl2 é caracterizada por necrose tubular proximal e IRA dentro de 24 a 48 horas após a administração. Marcadores precoces de disfunção renal induzida por HgCl2 incluem aumento na excreção urinária das enzimas da bordadura em escova, tais como fosfatase alcalina e γ-GT. Conforme a lesão evolui, a reabsorção tubular dos solutos e da água diminui. Cádmio - O cádmio tem uma meia-vida acima de 10 anos em humanos e, dessa forma, acumula-se no organismo ao longo do tempo. Aproximadamente 50% da carga de cádmio no corpo humano pode ser encontrada nos rins. Produz disfunção tubular proximal e lesão que pode evoluir para nefrite intersticial crônica. Reações Tóxicas dos Rins V) NEFROTOXICANTES ESPECÍFICOS: 2) Hidrocarbonetos Halogenados: a) Clorofórmio - O alvo celular primário do clorofórmio é o túbulo proximal, sem lesão primária ao glomérulo ou ao túbulo distal. Proteinúria, glicosúria e aumento dos níveis de BUN (“Blood Urea Nitrogen”) são características de nefrotoxicidade induzida por clorofórmio. A nefrotoxicidade produzida por clorofórmio está ligada a seu metabolismo pelo citocromo renal P450, que biotransforma o clorofórmio em triclorometanol, o qual é instável e libera HCl para formar fosgênio, o qual reage de forma danosa com macromoléculas celulares. b) Tetrafluoretileno - O tetrafluoretileno é conjugado com a glutationa no fígado, e o conjugado GSH é secretado na bile e no intestino delgado, onde édegradado em conjugado S-cisteína, reabsorvido e transportado para os rins. Após o transporte para o túbulo proximal, o conjugado S-cisteína é um substrato para as formas citosólicas e mitocondriais da enzima cisteína conjugada b-liase. Os produtos da reação são amônia, piruvato e um tiol reativo capaz de fazer ligação covalente com macromoléculas celulares, causando lesão. c) Bromobenzeno - A biotransformação do bromobenzeno e de outros benzenos halogenados é essencial para sua nefrotoxicidade. O citocromo hepático P450 metaboliza o bromobenzeno e conjuga-o com a glutationa, liberando-o em uma forma que pode causar nefrotoxicidade. O conjugado diglutationa da hidroquinona é aproximadamente mil vezes mais potente do que o bromobenzeno para a produção de nefrotoxicidade, gerando as mesmas alterações patológicas no segmento S3 e aumentando a quantidade de proteína, glicose e enzimas celulares na urina. Reações Tóxicas dos Rins 3) Micotoxinas: As micotoxinas são produtos de mofo e fungos e costumam ser encontradas em milho e seus derivados. As fumonisinas B1 e B2 são micotoxinas comuns conhecidas pela produção de nefrotoxicidade em ratos e coelhos. As alterações em funções renais incluem aumento no volume de urina, diminuição da osmolaridade e aumento da excreção de proteínas de alto e baixo peso molecular. As fumonisinas podem produzir sua toxicidade por meio da interferência com o metabolismo es- fingolipídico. 4) Agentes Terapêuticos: a) Paracetamol - A nefrotoxicidade por paracetamol é caracterizada pela necrose tubular proximal com aumentos no BUN e na creatinina plásmica, diminuições na TFG e clearance do para-aminohipurato, aumentos na excreção fracional de água, sódio e potássio, além de aumentos de glicose, proteínas e enzimas da bordadura em escova na urina. Embora o citocromo renal P450 atue na ativação do paracetamol e na nefrotoxicidade, os conjugados de glutationa do paracetamol também podem contribuir para sua nefrotoxicidade. b) AINEs - Ao menos três tipos diferentes de nefrotoxicidade: - IRA (dentro de horas a partir de uma alta quantidade de AINEs) - Normalmente reversível com a suspensão da administração e caracterizada pela diminuição do FSR e da TFG, além de oligúria (Prostaglandinas vasodilatadoras é inibida, a vasoconstrição causada por catecolaminas circulantes e angiotensina II fica sem resistência, resultando em diminuição do FSR e isquemia). - IRC (consumo crônico de AINEs e/ou paracetamol por um período superior a 3 anos): Resulta em nefrotoxicidade frequentemente irreversível, conhecida como nefropatia analgésica. A lesão primária nessa nefropatia é a necrose papilar com nefrite intersticial crônica. O mecanismo não é conhecido. - Nefrite Intersticial (Mais raro): Os pacientes normalmente apresentam um nível elevado de creatinina sérica e proteinúria. Se a administração de AINEs for suspensa, a função renal melho- ra entre 1 e 3 meses. V) NEFROTOXICANTES ESPECÍFICOS: Reações Tóxicas dos Rins V) NEFROTOXICANTES ESPECÍFICOS: 3) Aminoglicosídeos: A disfunção renal por aminoglicosídeos é caracterizada por insuficiência renal com TFG reduzida, aumento na creatinina sérica e BUN e poliúria. A primeira lesão observada após doses clinicamente relevantes de aminoglicosídeos é um aumento no tamanho e no número de lisossomos, que contêm fosfolipídeos. Considera-se que a fosfolipidose renal produzida pelos aminoglicosídeos ocorre por meio de sua inibição de hidrolases lisossômicas, como esfingomielinase e fosfolipases. Exemplos: - Anfotericina B: A anfotericina B é um agente antifúngico eficaz causador de nefrotoxicidade caracterizada por poliúria resistente a ADH, acidose tubular renal, hipocalemia e insuficiência renal tanto aguda como crônica. Ocorre alteração da integridade funcional do glomérulo e das porções distal e proximal do néfron, resultando em diminuição do FSR secundariamente à vasoconstrição arteriolar renal. - Ciclosporina: Pode se manifestar como (1) disfunção renal aguda reversível (Induz vasoconstrição, resultando em diminuição no FSR e TFG e aumento no BUN e creatitina sérica); (2) Vasculopatia Aguda ou Microangiopatia Trombótica Pós-Tratamento, afeta as arteríolas e os capilares glomerulares, sem componente inflamatório, resultando em trombos de fibrinas e plaquetas e hemácias fragmentadas ocluindo os vasos; (3) Nefropatia Crônica com Fibrose Intersticial, que é resultado de tratamentos a longo prazo; -Cisplatina: Agente anti-neoplásico. Induz insuficiência renal crônica e aguda, diminuição do magnésio renal e poliúria. Reduz de 10 a 30% de sua função renal em pacientes. O alvo celular primário associado à IRA é o túbulo proximal. A insuficiência renal crônica observada com a cisplatina deve-se à exposição prolongada e é caracterizada por necrose focal em inúmeros segmentos do néfron sem um efeito significativo sobre o glomérulo. A cisplatina pode produzir nefrotoxicidade por meio de sua capacidade de inibir a síntese do DNA, assim como das funções de transporte. - Agentes de radiocontraste: Meios de contraste por iodo utilizados para obtenção de imagens de tecidos apresentam uma osmolalidade muito alta (> 1.200 mOsm/L) e são potencialmente nefrotoxicantes, sobretudo em pacientes com problemas renais preexistentes, diabetes ou insuficiência cardíaca que estejam recebendo fármacos nefrotóxicos. Os mais novos agentes de contraste não iônicos (p. ex., iotrol e iopamidol) apresentam menor nefrotoxicidade. A nefrotoxicidade desses agentes deve-se a alterações hemodinâmicas (vasoconstrição) e lesão tubular (via ROS).