Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Práticas comerciais abusivas Raquel Helena Hernandez Fernandes Introdução As relações de consumo envolvem práticas comerciais que possuem algumas peculiarida- des, as quais conheceremos ao longo desta aula. Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • entender o conceito de práticas comerciais; • identificar a oferta; • diferenciar publicidade abusiva e enganosa; • identificar a cobrança de dívidas e a inserção dos dados em bancos de dados. 1 Conceito de práticas comerciais Práticas comerciais são formas pelas quais o fornecedor coloca no mercado os seus produtos ou serviços. Segundo Benjamin (1998 apud EFING, 2004, p. 183-184), “[...] são procedimentos, meca- nismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de produtos e serviços até o destinatário final”. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) apresenta as práticas comerciais em seu Capítulo V, sendo elas: oferta, publicidade, práticas comerciais abusivas, cobrança de dívidas e banco de dados (BRASIL, 1990). E quem são seus alvos? Os consumidores, conforme o artigo 29 do CDC, que os define como todas e quaisquer pessoas determináveis ou não que estejam em situações de práticas comerciais. 2 Da oferta É importante que você não confunda promoção com oferta. A promoção é um desconto de preço, produto ou serviço que o fornecedor concede ao consumidor. FIQUE ATENTO! Para o Direito, oferta e promoção são diferentes. Já a oferta é a forma de comunicação que o fornecedor tem para seduzir ou atrair o consu- midor para que este adquira bens ou serviços, o que inclui informações sobre o produto e preço. Entre essas estratégias para atrair o consumidor, está a oferta de descontos. Figura 1 – Oferta de produto/serviço Fonte: creo77/Shutterstock.com O CDC traz os regramentos da oferta nos artigos 30 a 35 e dispõe que: “Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado” (BRASIL, 1990, s.p.). Lendo e refletindo sobre esse artigo, percebemos a presença dos princípios da boa-fé objetiva, o da trans- parência e o da vinculação. Este último traz a ideia de que há vínculo entre os produtos e serviços e a informação e publicidade sobre eles. EXEMPLO Como funciona, na prática, o princípio da vinculação? Suponha que uma oferta in- forma que certo brinquedo acompanha mais três peças. Se algum consumidor ad- quirir o brinquedo, ele também deve receber essas três peças. E como deve ser o conteúdo da oferta? O CDC responde a essa pergunta no artigo 31: A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, cla- ras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quanti- dade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. (BRASIL, 1990, s.p.). Assim, o consumidor deve ser informado completamente sobre o produto ou serviço que está adquirindo, de modo que não tenha dúvidas. Portanto, o conteúdo da oferta deve ser de fácil compreensão (TARTUCE; NEVES, 2017). Em relação à Responsabilidade Civil do fornecedor na vinculação da oferta, ela é de natureza objetiva (TARTUCE; NEVES, 2017), ou seja, não há necessidade de se comprovar a sua culpa. A oferta inclui a publicidade, que é o principal artificio para oferecimento de produtos ou servi- ços (TARTUCE; NEVES, 2017). A seguir, conheceremos seu conceito e suas peculiaridades. 3 Da publicidade A publicidade é qualquer forma encontrada para transmitir informações com o objetivo de provocar a aquisição de produtos ou serviços no mercado de consumo (TARTUCE; NEVES, 2017). Mas você já percebeu que publicidade, muitas vezes, é usada como sinônimo de propaganda? Isso está incorreto, pois são dois conceitos diferentes. FIQUE ATENTO! Publicidade e propaganda não são sinônimos! A publicidade tem por objetivo promover a circulação de produtos e serviços, com intuito de lucro. Já a propaganda visa circular ideias políticas, ideológicas ou sociais, sem intenção de lucrar. EXEMPLO Um fabricante de sabonetes promove a circulação de seu produto por meio de pu- blicidade transmitida por televisão. É diferente da propaganda política, por exemplo, que não divulga produtos e não tem objetivo de lucrar. Segundo Tartuce e Neves (2017), a publicidade é regida por três princípios fundamentais: • Princípio da Identificação: veda a publicidade mascarada (simulada ou dissimulada) ou clandestina; • Princípio da Veracidade: veda a publicidade enganosa; • Princípio da Vinculação: os produtos e serviços anunciados estão vinculados à oferta, portanto, devem ser obtidos integralmente pelo consumidor que adquiri-los. Na prática, o que isso significa? Para o Direito, a publicidade mascarada (também conhecida como simulada, dissimulada ou clandestina) não quer demonstrar a sua real intenção de ser publi- cidade. Como exemplo, podemos pensar no merchandising quase imperceptível que acontece em programas de TV (TARTUCE; NEVES, 2017). Esse tipo de publicidade é vedado pelo artigo 36 do CDC. Figura 2 – Publicidade Fonte: Syda Productions/Shutterstock.com E quanto à publicidade enganosa? Primeiramente, é preciso entender a distinção entre publi- cidade enganosa e publicidade abusiva. A primeira traz informações falsas que induzem o consu- midor ao engano e é proibida pelo parágrafo 1º do artigo 37 do CDC. A segunda é ilícita por trazer conteúdo com abuso de direito (TARTUCE; NEVES, 2017). Como exemplo, podemos pensar nas publicidades que agridem valores morais e éticos. 4 Das práticas abusivas Antes de conhecer as práticas abusivas, é necessário que você conheça o abuso de direito, conceituado pelo artigo 187 do Código Civil (CC) como qualquer prática executada pelo titular de um direito que exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (BRASIL, 2002). Assim, podemos entender que o abuso de direito é um ato ilícito. O CDC entende as práticas abusivas como abusos de direito e, em seu artigo 39, lista em seus incisos alguns que constituem práticas abusivas nas relações consumeristas. Para compre- ender melhor, vamos conhecer e interpretar o seu inciso I.: ““Art. 39. É vedado ao fornecedor de pro- dutos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela lei 8.884/94):I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; “ Figura 3 – Práticas Abusivas Fonte: elwynn/Shutterstock.com De acordo com esse inciso, um exemplo de prática abusiva é condicionar o fornecimento de determinado produto ou de serviço ao de outro ou a certos limites quantitativos sem justa causa (BRASIL, 1990). Interprete o inciso e responda: você já ouviu falar em venda casada? Venda casada ocorre quando o consumidor só consegue adquirir um produto ou serviço condicionando a aquisi- ção conjunta de outro produto e/ou serviço. É o caso, por exemplo, de cinemas que não permitem a entrada de pessoas com pipoca diferente da fornecida pelo próprio estabelecimento. Em relação aos limites quantitativos, fica claro quando pensamos no exemplo de um lojista que faz promoção de “leve 3 e pague 2”. A promoção é legal e válida só se o consumidor tiver a opção de adquirir os produtos separadamente (TARTUCE; NEVES, 2017). Assim, limite quantitativo ocorre quando o fornecedor exige que o consumidor adquira algo da mesma qualidade em quantidade maior. SAIBA MAIS!Para conhecer outros exemplos de práticas abusivas, leia o artigo 39 do CDC, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. 5 Cobrança de dívidas e o cadastro em banco de dados Provavelmente você já ouviu alguém falar que está com o nome sujo e não consegue crédito no mercado. Isso ocorre por causa dos bancos de dados nos quais os consumidores podem ser incluídos. Segundo o parágrafo 4º do artigo 43 do CDC, os cadastros e bancos de dados de consu- midores são entidades de caráter público que armazenam informações sobre eles (BRASIL, 1990). Entretanto, são práticas diferentes. O banco de dados armazena informações do consumidor sem seu consentimento, que podem ser transmitidas à terceiros, ou seja, a divulgação é externa (TARTUCE; NEVES, 2017). Um exemplo é justamente o dos bancos de dados de consumidores inadimplentes. SAIBA MAIS! Para conhecer melhor os bancos de dados de consumidores, visite o site da Serasa Experian, disponível em: <https://www.serasaexperian.com.br/>, que mantém ban- cos de dados de inadimplentes. Já o cadastro é efetuado com o consentimento dos consumidores para orientar negociações entre eles e as empresas. Diferentemente do banco de dados, portanto, os dados não são divul- gados externamente e utilizados apenas pela empresa que o mantém (TARTUCE; NEVES, 2017). Como exemplo, podemos pensar em instituições bancárias que possuem informações sobre con- sumidores que são devedores e, diante delas, decidem se concedem ou não empréstimos. FIQUE ATENTO! Banco de dados e cadastro de consumidores são práticas diferentes! Vimos que consumidores que têm dívidas podem ser incluídos em bancos de dados e cadas- tros. Mas como cobrá-los? Isso só pode ser feito se as dívidas realmente existirem. Figura 4 – Dívidas Fonte: Joachim Wendler/Shutterstock.com Suponhamos que um fornecedor insere o nome de determinado consumidor em um banco de dados, mas sua dívida é inexistente. Nesse caso, o parágrafo 3º do artigo 43 do CDC determina que ele deverá retirar o nome do consumidor no prazo de cinco dias úteis (BRASIL, 1990). Caso isso não ocorra, o fornecedor precisará pagar indenizações de ordem moral, uma vez que há viola- ção de um direito da personalidade (TARTUCE; NEVES, 2017). O mesmo ocorre se a dívida existir, mas for quitada pelo consumidor. Assim que o valor devido é pago, o fornecedor deve retirar o nome do consumidor do banco de dados no mesmo prazo (TARTUCE; NEVES, 2017). Se isso não ocorrer, a situação também ensejará indenização de ordem moral. Por fim, o que acontece se um consumidor for cobrado indevidamente de uma dívida e pagá- -la? O artigo 42 do CDC determina que ele tem direito a receber do fornecedor o dobro do valor pago, configurando repetição de indébito. Fechamento Conhecemos um pouco sobre as normas que regem as práticas comerciais no Brasil. Nesta aula, você teve a oportunidade de: • conhecer o conceito de práticas comerciais; • entender que oferta, publicidade e propaganda são práticas comerciais distintas; • saber o que são práticas abusivas; • entender a diferença entre banco de dados e cadastro de consumidores e suas respec- tivas peculiaridades. Referências BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, 12 set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 7 set. 2017. ______. Presidência da República. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406. htm>. Acesso em: 5 out. 2017. EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das relações de consumo. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004. SERASA EXPERIAN. 2017. Disponível em: <https://www.serasaexperian.com.br/>. Acesso em: 10 out. 2017. TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual do Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. art10
Compartilhar