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Parasitologia 3ª Fase – Fernando Netto Zanette – Med. UFSC 13.2 Tricomoníase Conceito A tricomoníase se caracteriza como uma doença da via genitourinária provocada pelo parasita flagelado denominado Trichomonas vaginalis. Ela se enquadra como a doença sexualmente transmissível não viral mais frequente do mundo. Embora existam outros dois gêneros de Trichomonas que parasitam o ser humano – T. tenax, presente na cavidade bucal, e T. hominis, habitante do trato intestinal -, daremos enfoque apenas ao T. vaginalis, pelo fato dos outros dois não apresentarem patogenia sobre o homem. Morfologia O Trichomonas vaginalis se apresenta como trofozoíta – única forma evolutiva existente, assim como em todos os tricomonadídeos – polimorfo, já que não possui, sob a membrana, estruturas de sustentação que o tornem rígido. O protozoário se apresenta, usualmente, elipsoide, piriforme ou oval. Ele possui bastante plasticidade, tendo a capacidade de formar pseudópodes, os quais são utilizados para capturar nutrientes e se fixar em partículas sólidas. Lembrando que não há forma cística. Essa espécie apresenta inúmeras estruturas que compõem o seu arcabouço: Quatro flagelos anteriores livres - desiguais em tamanho -, membrana ondulante e a costa, que se originam de uma depressão no polo anterior chamada de complexo granular basal anterior (complexo citossomal ou blefaroplasto). A extremidade posterior da costa se mostra usualmente encoberta pelo segmento terminal da membrana ondulante. Flagelo recorrente, fixado à margem livre da membrana ondulante. Esse flagelo fica voltado para trás, não chegando, no entanto, à extremidade posterior, e se estendendo somente ao longo dos dois terços anteriores do parasita; Axóstilo, uma estrutura rígida e hialina que se proje- ta através do centro do parasita, emergindo na extremidade posterior. O axóstilo se conecta anteriormente a uma pequena estrutura em forma de crescente, a pelta. Aparelho parabasal associado a dois filamentos parabasais, ao longo dos quais se dispõe o golgiossomo; Núcleo elipsoide próximo à extremidade anterior; Retículo endoplasmático ao redor da membrana nuclear; Ausência de mitocôndrias, apresentando, no entanto, Classificação científica Filo Sarcomastigophora Classe Zoomastigophora Ordem Trichomonadida Família Trichomonadidae Subfamília Trichomonadinae Gênero Trichomonas Espécie T. vaginalis Trofozoítos de T. vaginalis Ilustração morfológica do T. vaginalis hidrogenossomos paraxostilares e paracostais; Ciclo biológico O T. vaginalis localiza-se no trato genital feminino e na uretra e próstata do trato genital masculino, onde se replica por divisão binária longitudinal e produz a infecção. Por não apresentar forma cística, mostra-se incapaz de sobreviver no meio externo. Fisiologia O T. vaginalis mostra-se um organismo anaeróbio facultativo. Cresce perfeitamente bem na ausência de oxigênio, em pH entre 5 e 7,5 e temperaturas de 20 e 40ºC. Utiliza, como fonte de energia, glicose, maltose, glicogênio, frutose e amido. Sendo desprovido de mitocôndrias, possui grânulos densos, os hidrogenossos, portadores da piruvato ferrodoxina- oxidorredutase (PFOR), enzima capaz de transformar piruvato em acetato e liberar ATP e hidrogênio molecular. Ou seja, no T. vaginalis os hidrogenossomos se responsabilizam pela produção de energia. O T. vaginalis é capaz de manter em reserva o glicogênio e pode realizar a síntese de aminoácidos. Transmissão Enquadrada como uma doença venérea, a tricomoníase se transmite por meio da relação sexual, com o parasita apresentando a capacidade de sobreviver por mais de uma semana sob o prepúcio do homem sadio após o coito com mulher infectada. O homem se mostra vetor da doença; com a ejaculação, os tricomonas presentes na mucosa da uretra se propulsionam à vagina pelo esperma. Atualmente, admite-se que a transmissão não sexual é rara, e pode ser aceita para explicar a tricomoníase em crianças, recém-nascidos, e virgens. Estima-se que de 2 a 17% das meninas recém-nascidas de mães infectadas por T. vaginalis podem adquirir infecção no trato urinário ou na vagina. Patogênese O estabelecimento do T. vaginalis no sítio de infecção inicia com o aumento do pH, devido, essencialmen- te, à redução concomitante de Lactobacillus acidophilus – responsáveis pelo pH vaginal ácido – e um aumento na proporção de bactérias anaeróbicas. Um contato inicial entre T. vaginalis e leucócitos resulta na formação de pseudópodes e fagocitose das células imunes nos vacúolos fagocítico do parasita. A interação parasita-hospedeiro se mostra um processo complexo, com a expressão dos genes que codificam proteinases e adesinas – fatores de virulência – sendo modulada por fatores externos relacionados ao hospedeiro, tais como os níveis de cálcio e ferro. Por esse motivo, enquanto o número de organismos na vagina diminui durante a menstruação os fatores de virulência mediados pelo ferro contribuem para a exacerbação dos sintomas nesse período. Juntamente a isso, o T. vaginalis pode se revestir de proteínas plasmáticas do hospedeiro, escapando do reconhecimento imune. Patologia O T. vaginalis se enquadra como um dos principais patógenos do trato urogenital humano, estando associa- do a sérias complicações de saúde, como: Problemas relacionados à gravidez: a tricomoníase pode acarretar ruptura prematura de membrana, parto prematuro, baixo peso de recém-nascidos, endometrite pós-parto, natimortos e morte pré- Esquematização do ciclo biológico da tricomoníase natal. A resposta inflamatória pelo parasita pode conduzir direta ou indiretamente a alterações na membrana fetal ou decídua. Problemas relacionados à fertilidade: o risco de infertilidade se mostra quase duas vezes maior em mulheres com história de tricomoníase, pois a infecção destrói a estrutura tubária e danifica células ciliadas da mucosa tubária, inibindo a passagem de espermatozoides ou óvulos pela tuba uterina. Transmissão do HIV: a infecção por T. vaginalis acarreta uma agressiva resposta imune celular local com inflamação do epitélio vaginal, o que induz a uma grande infiltração de leucócitos – incluindo as células alvo do HIV, com as quais ele pode se ligar e ganhar acesso. Além disso, o parasita frequentemente causa pontos hemorrágicos na mucosa, permitindo o acesso direto do vírus à corrente sanguínea. Em uma pessoa HIV positiva, de modo semelhante, a inflamação e os pontos hemorrágicos podem aumentar os níveis de vírus nos fluidos corporais e o número de linfócitos e macrófagos infectados pelo HIV presente na região genital. Acredita- se que 24% das infecções pelo HIV se atribuem diretamente à tricomoníase. Sintomatologia O T. vaginalis apresenta uma alta especificidade de localização, possuindo a capacidade de produzir infecção apenas no trato urogenital humano, como já postulado, pelo fato de não se instalar na cavidade bucal ou no intestino como os outros dois Trichomonas citados. Mulher O espectro clínico da tricomoníase varia da forma assintomática ao estado agudo. O período de incubação varia de três a vinte dias após a infecção. O T. vaginalis infecta preferencialmente o epitélio do trato genital. Nas mulheres adultas, embora a exocérvice se mostre suscetível ao ataque do protozoário, em alguns poucos casos ele se encontra na endocérvice. Deve-se ressaltar que esse flagelado não causa corrimento endocervical purulento, podendo, no entanto, observar-se uma secreção cervical mucopurulenta em infecções genitais associadas a Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis ou herpes simples. A tricomoníase em si, por outro lado, provoca uma vaginite que secaracteriza por um corrimento vaginal fluido abundante de cor amarelo- esverdeada, branco ou cinza, bolhoso, de odor fétido, e mais comum no período pós-menstrual. O processo infeccioso do parasita se acompanha de prurido ou irritação vulvovaginal de intensidade variável, vermelhidão genital e dores no baixo ventre. Juntamente a isso, a mulher demonstra dor e dificuldade para relações sexuais (dispareunia de introito), desconforto nos genitais externos, dor ao urinar (disúria) e alta frequência miccional (poliúria). A vagina e a cérvice podem ser edematosas e eritematosas, com erosão e pontos hemorrágicos na parece cervical – conhecida como colpitis macularis ou cérvice com aspecto de morango. A tricomoníase se apresenta mais sintomática durante a gravidez ou entre mulheres que tomaram medicamento anticoncepcional. Homem A tricomoníase no homem se mostra usualmente assintomática ou se manifesta na forma de uma uretrite com fluxo leitoso ou purulento, juntamente a uma leve sensação de prurido na uretra. Pela manhã, antes da passagem da urina, pode ser observado um corrimento claro, viscoso e pouco abundante, com desconforto ao urinar (ardência miccional) e, algumas vezes, hiperemia do meato uretral. Durante o dia, a secreção se demonstra escassa. Ilustração esquemática do corrimento vaginal abundante e de odor fétido, característica marcante da tricomoníase O parasita se desenvolve melhor no trato urogenital do homem, onde o glicogênio é mais abundante. Nos portadores assintomáticos, o parasita permanece na uretra, podendo ainda se localizar na bexiga, vesícula seminal e próstata. As seguintes complicações são atribuídas a esse organismo: prostatite, epididimite, balanopostite e cistite. Diagnóstico Clínico O diagnóstico da tricomoníase não pode ter como base somente a apresentação clínica, devido ao fato de a infecção poder ser confundida com outras DSTs, visto que o clássico achado da cérvice em aspecto de morango só se observa em cerca de 2% das pacientes e o corrimento espumoso somente em 20% das mulheres acometidas. Caso a clínica fosse utilizada isoladamente para o diagnóstico, 88% das mulheres infectadas não seriam diagnosticadas e 29% das não infectadas seriam falsa positivas. A investigação laboratorial, logo, se mostra necessária e essencial para o diagnóstico da tricomoníase. Laboratorial Para que os procedimentos de diagnóstico tenham sucesso, os homens deverão comparecer ao local da colheita pela manhã, sem terem urinado no dia e sem terem tomado nenhum medicamento há 15 dias. O parasita se encontra mais facilmente no sêmen do que na urina ou em esfregaços uretrais. A secreção prostática e o material subprepucial também são coletados. As mulheres não deverão realizar a higiene vaginal durante um período de 18 a 24 horas anterior à coleta do material, e não devem ter feito uso de medicamentos tricomonicidas - tanto vaginais como orais - há 15 dias. A vagina se mostra o local mais facilmente infectado, e os tricomonas são mais abundantes durante os primeiros dias após a menstruação. Tratamento O metronidazol se demonstra bem efetivo contra o T. vaginalis. Outros fármacos bastante utilizados são o tinidazol, omidazol, nimorazol, camidazol e secnidazol. Em gestantes esses medicamentos não devem ser usados via oral, somente pela aplicação de cremes. Profilaxia Por se tratar de uma doença sexualmente transmissível, as medidas profiláticas adotadas para a tricomoní- ase se mostram as mesmas às outras DSTs, como relação sexual protegida. Na abordagem dos pacientes com DST, dados sobre a data do último contato sexual, número de parceiros, hábitos e preferências sexuais, uso recente de antibióticos, métodos anticoncepcionais e história pregressa desse tipo de doença salientam-se essenciais. Convém destacar que a presença de uma DST compõe um fator de risco para o surgimento de outra. Preconizam-se estratégias de prevenção às DSTs, como: Prática do sexo seguro, que inclui aconselhamentos que auxiliam a população a fazer as escolhas sexuais mais apropriadas para a redução do risco de contaminação com agentes infecciosos; Uso de preservativos; Abstinência de contatos sexuais com pessoas infectadas; Administração de um tratamento imediato e eficaz não somente aos casos sintomáticos, mas também aos assintomáticos, como os parceiros sexuais de indivíduo infectado. Giardíase Conceito A giardíase se define como uma infecção intestinal provocada pelo parasita giardia duodenalis – também denominado g. lamblia ou g. intestinalis -, um protozoário flagelado que habito o intestino delgado de mamíferos. A giardíase ocorre em todas as regiões do mundo, essencialmente em climas temperados e tropicais. É comum acometer ambos os sexos, atingindo com maior intensidade crianças menores de dez anos – devido ao sistema imune pouco desenvolvido e aos poucos hábitos higiênicos. Da mesma maneira que outras parasitoses, a giardíase se apresenta mais prevalente em países em desenvolvimento, onde, usualmente, o tratamento de água é inadequado e as condições sanitárias precárias, embora ainda seja o parasita intestinal mais encontrado na população de países desenvolvidos. A giardíase se mostra como a maior causa mundial de diarreia transportada a partir de água e alimentos contaminados, sendo uma das causas mais comuns de diarreia entre crianças, podendo levar a complicações sérias como má-nutrição e retardo no desenvolvimento. Morfologia A G. lamblia apresenta duas formas evolutivas durante seu ciclo biológi- co: o trofozoíto e o cisto. O primeiro se responsabiliza pelos sinais e sintomas característicos da giardíase, ao passo que o segundo é sua forma infectante. Notam-se características biológicas marcantes no parasita, como ausência de mitocôndrias, golgiossomo, peroxissomos, o que torna mais difícil entender a patogenia da giardíase. O trofozoíto apresente aspecto piriforme, com face dorsal lisa e convexa, enquanto que a face ventral é côncava. Na face ventral aparece uma estrutura denominada disco adesivo, disco ventral ou disco suctorial, semelhante a uma ventosa. Essa estrutura é formada por microtúbulos e microfilamentos, que proporcionam a fixação do parasita às células epiteliais da mucosa intestinal. Ainda na face ventral aparecem os corpos medianos, estruturas paralelas em forma de vírgula, utilizadas também para a diferenciação de várias espécies. Os axonema em formações lineares negras que percorrem o corpo celular longitudinalmente, conferindo-lhe a simetria bilateral. Internamente, os trofozoítos apresentam dois núcleos ovoides idênticos, cada um com cariossomo e sem cromatina periférica, localizados no disco adesivo da região anterior, um ventral, um posterior e um par caudal. A atividade desses flagelos permite o deslocamento rápido e irregular do parasita. Os trofozoítos são encontrados principalmente na porção superior do intestino delgado, bem como no intestino grosso; nutrem-se por pinocitose e sua reprodução ocorre por divisão binária longitudinal. O cisto, por outro lado, apresenta-se como uma estrutura Classificação científica Filo Sarcomastigophora Subfilo Mastigophora Classe Zoomastigophora Ordem Diplomonadida Família Hexamitidae Gênero Giardia Espécie G. lamblia Imagem histológica de trofozoítos de G. lamblia Imagem histológica de cistos de G. lam- blia Esquematização ilustrativa dos principais componentes morfológicos do trofozoíto e do cisto de G. lamblia oval ou elipsoide. No seu interior, aparecem dois ou quatro núcleos pequenos e circulares, uma quantidade variável de axonema e os corpos escuros oucorpos em crescentes, localizados no polo oposto ao núcleo. Os cistos possuem uma membrana externa, a qual é bem destacada do citoplasma e tem natureza glicoproteica. Essa parede cística confere resistência às variações de temperatura e umidade e à ação de alguns produtos químicos – como o cloro presente na água para eliminar bactérias. Assim, caso ocorra uma contaminação de um reservatório de água, pode-se ter uma contaminação generalizada da população. Ciclo biológico A G. lamblia se qualifica como uma parasita monoxênico – apenas um hospedeiro para completar o ciclo - , de ciclo biológico direto. Como dito, a forma infectante do parasita é o cisto, responsável pela disseminação da doença. A ingestão de 10 a 100 cistos já se mostra suficiente para iniciar a infecção em um hospedeiro humano. Ao ser ingerido, o cisto alcança o estômago, onde o meio ácido inicia o processo de desencistamen- to. Esse processo se completa no intestino delgado – essencialmente duodeno e jejuno -, local em que ocorre o rompimento dos cistos e a liberação dos trofozoítos. Cada cisto maduro com quatro núcleos libera dois trofozoítos binucleados. Por meio da divisão binária longitudinal, os trofozoítos se multiplicam e colonizam o intestino. Eles se mantêm adesivos à mucosa intestinal por meio do disco suctorial. O ciclo se completa pelo encistamento, processo no qual o trofozoíto se retrai, condensa e secreta uma membrana resistente, composta inclusive de quitina. Já no interior dos cistos formados transcorre uma nucleotomia, originando cistos maduros tetranucleados que serão eliminados para o meio exterior. O processo de encistamento tem lugar na porção final do íleo e principalmente no ceco do hospedeiro. Os cistos sofrem excreção junto às fezes, embora não sejam eliminados de forma contínua (eliminação intermitente de cistos). Essa informação clínica se mostra importante pelo fato de poder levar a um resultado falso-negativo em indivíduos infectados, o que exige a repetição de novos exames parasitológico de fezes e outros exames. Eles se classificam como forma infectante, no entanto não se sabe ainda se necessitam de um período de maturação ou se já são infectantes logo após a excreção. Mantidos em condições favoráveis de temperatura e umidade, os cistos podem perdurar por até dois meses no meio ambiente. O elevado número de cistos eliminados pelas pessoas parasitadas, a alta resistência do cisto aos fatores ambientais e também a transmissão direta por contato com animais contaminados torna ainda mais preocupante a disseminação dessa doença. Transmissão Como dito, os cistos são as formas infectantes, com período de incubação entre três e sete dias, sendo que a transmissão se processa por via fecal-oral. A maioria das infecções processa-se por meio da ingestão de cistos presentes na água, nos alimentos ou no ambiente contaminado com fezes. 1 – Contaminação por ingestão do cisto viável; 2 – Desencistamento em meio ácido; 3 – Colonização do intestino delgado pela forma trofozoíta; 4 – Encistamento do parasita, principalmente no ceco; 5 – Eliminação do parasita para meio externo junto às fezes; 1 - Além da transmissão hídrica, a transmissão direta de pessoa a pessoa, por meio as mãos contaminadas, apresenta-se comum em locais de aglomeração humana. Nas escolas e creches, as crianças parasitadas constituem fontes de infecção, podendo transmitir o parasita às outras crianças e aos seus familiares, bem como contaminarem o ambiente. Além disso, a transmissão direta tem grande importância entre homossexuais masculinos que em geral se infectam pelo contato oral-anal. Por fim, há ainda a existência da transmissão zoonótica – de animais domésticos e silvestres ao homem - na disseminação do parasito. Patogenia A giardíase pode originar quadros clínicos como diarreia e má-absorção intestinal. Conhecem-se dois processos utilizados para a sobrevivência do parasita: variação antigênica e encistamento. O primeiro confere ao parasita uma alternância de antígenos de superfície específicos entre 6~13 gerações. O segundo promove a formação da parede cística de alta resistência. Ao colonizar o intestino, o trofozoíto adere à mucosa intestinal e, por meio da liberação de substâncias tóxicas, produz irritação, alterando a estrutura da mucosa e lesionando principalmente as microvilosidades. Essa lesão está associada à redução de lactase – o que pode explicar a intolerância à lactose que usualmente se desenvolve -, sucrase e maltase nas membranas. Dessa forma, a área de absorção da mucosa intestinal torna-se bastante reduzida, podendo acarretar um quadro de má-absorção. Na giardíase crônica, processa-se perda de função da barreira epitelial, a qual está também associada ao aumento das taxas de apoptose dos enterócitos. Em relação ao hospedeiro, a resposta imune é um dos fatores de maior destaque. Envolve mecanismos humorais e celulares que atuam diretamente no controle da infecção. Acredita-se que a IgA da mucosa intestinal, presente nos quadros de infecção, reconheça proteínas presentes no disco adesivo do trofozoíto e interfira na adesão do parasita à superfície intestinal. A variação antigênica do parasita, no entanto, confunde o sistema imune do hospedeiro, o que lhe rende maior prazo de parasitismo. A motilidade intestinal se mostra outro mecanismo de defesa do hospedeiro. O aumento espontâneo de colecistoquinina (CCK), induzido pelas contrações longitudinais da musculatura lisa – mediada principalmente pela degranulação dos mastócitos - causa aumento do trânsito intestinal e a eliminação dos trofozoítos. Juntamente a isso, quando presentes em grandes quantidades, os trofozoítos recobrem o duodeno, reduzin- do a ação das dissacaridades e prejudicando a absorção de vitaminas lipossolúveis, vitamina B12, ácidos graxos, ácido fólico, glicose, sódio e água. Com essa deficiência na absorção, acumula-se na luz do intestino um elevado teor de gorduras e outros elementos, o que pode acarretar um quadro de esteatorreia. Em infecções crônicas, pode ocorrer hipersecreção de cloreto na luz intestinal. Esse fator – associado à má-absorção – parece ser o responsável pelo acúmulo de liquido no intestino, resultando em diarreia grave e crônica. A infecção é mais severa em pacientes com acidez gástrica reduzida ou em indivíduos imunodeprimidos. Sintomatologia A giardíase apresenta um amplo espectro clínico: desde assintomática até sintomático com um quadro de diarreia aguda ou um quadro de diarreia persistente. A maioria das infecções (90%) se mostra na forma assintomática, e em cerca de 50% dos indivíduos a infeção se resolve de forma espontânea. Dentre as pessoas que ingerem os cistos da Giardia, de 5% a 15% apresenta a forma assintomática e o indivíduo pode eliminar cistos nas fezes por um período de até seis meses, ao passo que de 25% a 50% desenvolvem diarreia aguda autolimitante. A forma sintomática aguda da infecção por Giardia dura poucos dias e se manifesta com diarreia (89%) aquosa e explosiva de Sintomatologia típica de infecção por Giardia e outras infecções intestinais odor fétido, indisposição (84%), gases (74%), distensão, dores abdominais (70%), náusea (68%), anorexia (64%), perda de peso (64%), vômito e febre. A presença de muco e sangue nas fezes raramente ocorre. A forma sintomática crônica da giardíase, por outro lado, pode persistir por vários anos com a presença de episódios diarreicos contínuos, intermitentes ou esporádicos. Juntamente a isso, pode apresentar esteatorreia, perda de peso mais significativa e má absorção intestinal. As principais complicações da giardíase crônica estão relacionadas à má absorçãode gorduras e nutrientes como, por exemplo, vitaminas lipossolúveis, vitamina B12, ferro, xilose e lactose. Essas deficiências nutricionais raramente produzem danos sérios em adultos, todavia em crianças podem ter efeitos graves e comprometer o desenvolvimento físico e cognitivo. Diagnóstico Clínico As manifestações clínicas se apresentam das formas mais variadas e surgem de uma a três semanas após a infecção. A sintomatologia mais indicativa de giardíase é a diarreia com esteatorreia, irritabilidade, insônia, náuseas e vômitos, perda de apetite – acompanhada ou não de emagrecimento – e dor abdominal. Laboratorial Exame de fezes: o exame coproparasitológico salienta-se como a principal alternativa para diag- nóstico da giardíase, por ser de fácil execução, baixo custo e um procedimento não invasivo. Durante tal exame, nas fezes liquefeitas/diarreicas, devem-se pesquisar as formas de trofozoítos, ao passo que nas fezes formadas ou pastosas, procura-se a presença de cistos. Assim, os cistos são encontrados nas fezes da maioria dos indivíduos com giardíase. Sabe-se que os indivíduos infectados não liberam cistos continuamente e que o padrão de excreção varia de um indivíduo ao outro. Esse fato dificulta o diagnóstico, pois o “período negativo” – no qual os indivíduos parasitados não liberam cistos – pode levar a resultados falso-negativos. A fim de se evitar esse problema, recomenda-se o exame de três amostras fecais em dias alternados ou com intervalos de sete dias entre cada um, o que aumenta a positividade do exame. Entero-Test®: pouco utilizado no Brasil e de positividade não muito alta, esse método tem por objetivo a inspeção de amostras de fluido duodenal. O exame consiste na ingestão de uma cápsula gelatinosa com um fim de náilon enrolado, porém com uma das extremidades livres. Após quatro horas da ingestão, o fio é retirado pela ponta livre não ingerida e o muco aderido do duodeno é coletado para o exame a fresco (lugol) ou em esfregaços corados. Imunológico: caracteriza-se pela pesquisa de antígenos nas fezes utilizando principalmente a técnica imunoenzimática (ELISA) ou a imunocromatografia (ICT) qualitativa de fase sólida. Ambos os exames apresentam segurança e uma elevada sensibilidade e especificidade, embora ainda tenham um custo operacional alto. Por fim, mais recentemente, técnicas baseadas no reconhecimento do DNA da Giardia, como, por exemplo, PCR (Polymerase Chain Reaction), foram padronizadas para a detecção desse parasita nas fezes. Tratamento Os principais medicamentos utilizados no tratamento da infecção por Giardia são os derivados dos nitroi- midazóis, dos nitrofuranos e dos corantes de acridina. Os nitroimidazóis salientam-se como os mais empregados, devido ao seu baixo custo e elevada taxa de cura. Dentre os inúmeros nitroimidazóis, podemos destacar o metronidazol, o tinidazol, o ornidazol e o secnidazol. O metronidazol é a droga mais utilizada no tratamento da giardíase. A desvantagem do metroni- dazol é a presença de muitos efeitos colaterais como náuseas, vômitos, vertigens, cefaleia e, em alguns casos, toxicidade em relação ao sistema nervoso central. Alguns estudos têm mostrado, ainda, possíveis efeitos carcinogênicos e mutagênicos relacionados com esquemas terapêuticos prolongados com metronidazol. Juntamente a isso, a eficácia do metronidazol se demonstra reduzida em alguns casos, provavelmente devido à resistência de cepas de G. ao tratamento com esse medicamento. O albenazol – um derivado dos benzimidazóis – possui atividade giardicida e apresenta a vanta- gem de ser pouco absorvido pelo organismo do hospedeiro, reduzindo os efeitos colaterais. A nitazoxanida – um derivado dos 5-nitrotiazóis – destaca-se como outro medicamento disponí- vel que apresenta eficácia superior ao metronidazol no tratamento da giardíase. Profilaxia A fim de evitar a disseminação dessa parasitose -, recomendam-se medidas profiláticas, como: o acesso universal à educação, instruções de educação sanitária e higiene pessoal, saneamento básico adequado, tratamento de água para o consumo e destino adequado das fezes. Medidas simples – como a lavagem das mãos antes das refeições e após as evacuações, bem como a lavagem dos alimentos ingeridos crus – salientam-se de grande importância na prevenção da giardíase. Recomenda-se, além disso, a fervura da água para o consumo, pois, apesar de resistirem à cloração, os cistos sofrem destruição em água fervente. Por fim, o tratamento de casos assintomáticos de G. lamblia, bem como a detecção do parasita em animais domésticos com seus respectivos tratamentos, mostra-se fundamental para evitar a disseminação desinformada dos cistos. Criptosporidiose Conceito A criptosporidiose se classifica como uma parasitose descrita recentemente na espécie humana – em 1976, foram identificados dois casos dessa protozoose. Até então, era uma enfermidade somente registrada em animais. Sete das dezesseis espécies de Cryptospori- dium infectam humanos, no entanto as principais de interesse médico são C. hominis e C. parvum. Essas duas espécies diferenciam uma da outra principalmente no aspecto molecular. Além disso, a sintomatologia também varia nos dois casos. Sintomas não relacionados ao trato gastrintestinal – tais como artralgias, cefaleia e dor ocular, fadiga e vertigens – registram-se mais comumente entre os portadores de infecção por C. hominis do que por C. parvum. O protozoário do gênero Cryptosporidium apresenta alta capacidade de veiculação hídrica e, por isso, causa grande preocupação às empresas de saneamento, bem como à indústria da água. Apesar de também ocorrer em pacientes imunocompetentes, a criptosporidiose humana se qualifica como uma infecção oportunista devido à sua grande prevalência em indivíduos imunodeprimidos, como os portadores de HIV/AIDS. Nesses pacientes, a diarreia provocada pela doença é grave e recorrente. Classificação científica Filo Apicomplexa Classe Conoidasida Subclasse Coccidiasina Ordem Eucoccidiorida Subordem Eimeriorina Família Cryptosporidiidae Gênero Crypstosporidium Espécie C. parvum ou C. hominis Imagem histológica de cistos de Cryptosporidium parvum Morfologia Os esporozoítas e merozoítas pertencentes ao gênero Cryptosporidium possuem um complexo apical (visível apenas ao microscópio eletrônico) constituído por estruturas como roptrias, micronemas, grânulos densos, microtúbulos subpeculiares e anéis apicais. Devido a isso recebem a classificação no filo Apicomplexa. O conteúdo das organelas secretórias do complexo apical participam na adesão, invasão e formação do vacúolo parasitóforo, bem como da reorganização do citoesqueleto da célula hospedeira. Os oocistos apresentam um formato que varia de esférico a ovoide, variando de tamanho de acordo com a espécie. Em sua maioria, dispõem de uma parede cística dupla e espessa, todavia 20% deles possuem parede fina que se rompe ainda dentro do hospedeiro. Internamente a eles, há quatro esporozoítos que sofrem liberação – ou nas fezes ou no tubo digestivo do hospedeiro – após a dissolução da sutura presente em sua parede. O esquizonte aparece no intestino já sem complexo apical. É esférico, apresenta núcleo volumoso e nucléolo evidente. O Cryptosporidium se desenvolve, preferencialmente, nas microvilosidades de células epiteliais do trato gastrintestinal, embora possa colonizar outras partes do corpo, como o parênquima pulmonar, a vesícula biliar, os ductos pancreáticos, o esôfago e a faringe. Ele parasita a parte externa do citoplasma da célula e dá a impressão de se localizar fora dela (localização intracelular extracitoplasmática). Ciclo biológico Esses protozoáriospossuem ciclo monoxênico e não dispõem de especificidade de hospedeiro. O ciclo é composto por: Merogonia ou esquizogonia: reprodução assexuada; Gametogonia: reprodução sexuada com formação de gametas; Fertilização: formação do zigoto; Esporogonia: formação do oocisto e liberação de esporozoítos. A infecção humana se faz por via fecal-oral, quando os oocistos são ingeridos. No estômago há dissolução de sua membrana e liberação de quatro esporozoítos. O protozoário apresenta a capacidade de se romper fora do trato gastrintestinal – como no trato respiratório, na conjuntiva do olho e no sistema reprodutor. Ilustração de morfologia típica de um Apicomplexa Os esporozoítas possuem o complexo apical, importante para sua aderência às células epiteliais do intesti- no. Após o estabelecimento do parasita nas células epiteliais, processa-se a diferenciação em trofozoítos unicelulares. Ocorre, então, a merogonia ou esquizogonia, que é um processo de muitas divisões nucleares que produzirão merozoítos a partir de merontes. Tal processo dá origem a oito merozoítos alongados (merontes do tipo I) que sofrem liberação no intestino e infectam outras células. Essa segunda geração se mostra capaz de formar quatro merozoítos cada (merontes do tipo II). Estes possuem a capacidade de repetir o ciclo assexuado ou produzir gametócitos (gametogonia). A gametogonia produz um macrogametócito e cerca de 16 microgametócitos. A união deles resultará no zigoto que progredirá para oocisto. Usualmente, dois tipos de oocistos com quatro esporozoítos se formam: um de parede espessa – que sofre excreção ao meio ambiente juntamente às fezes – e um de parede delgada – o qual se rompe no intestino e se responsabiliza pelos casos de autoinfecção. Os oocistos esporulam no interior do hospedeiro e já apresentam o poder infectante quando eliminados ao meio ambiente. A duração do ciclo biológico se mostra curta, variando, em média, de dois a sete dias. Transmissão A infecção humana via fecal-oral transcorre por meio da ingestão ou inalação de oocistos ou pela autoinfecção. A transmissão da criptosporidiose se faz pelas seguintes vias: Pessoa-pessoa: observada em ambientes com alta densidade populacional – como creches e hospitais -, e por meio do contato direto e indireto, possivelmente incluindo atividades sexuais; Animal-pessoa: processa-se como consequência do contato direto de pessoas com animais que se encontram eliminando oocistos; Ambiente-pessoa: ingestão de água e/ou alimentos contaminados com o oocisto; A contaminação do meio ambiente com fezes infectadas pode atingir alimentos e fontes de água usadas para consumo – poços artesianos, cisternas, reservatórios e redes de distribuição -, para recreação – piscinas e represas – ou para irrigação e processamento de alimentos, como frutos e verduras, o que resulta em surtos de criptosporidiose, apontados em diferentes países. A contaminação por criptosporidiose se demonstra relativamente comum em países europeus, em decorrência de seu hábito da utilização de piscinas coletivas boa parte do ano. Esquematização do processo de transmissão e do ciclo biológico do Cryptosporidium Patogenia A patogenia e o quadro clínico da criptosporidiose sofrem influência de inúmeros fatores, dentre os quais podemos citar idade, competência imunológica e a associação a outros patógenos. As alterações provocadas pelo parasitismo de Cryptosporidium nas células epiteliais da mucosa gastrintestinal interferem nos processos digestivos e resultam na síndrome da má absorção. A infecção dos enterócitos causa transtornos no epitélio, o que acaba por desencadear diarreia. Esta pode ser causada, também, indiretamente pelo acúmulo de células inflamatórias que produzem fator de necrose tumoral (TNF) e prostaciclinas. Tais substâncias se responsabili- zam por alterações bioquímicas, morfológicas e funcionais que resultam na diarreia. A sede preferencial do parasita se localiza no intestino delgado, não obstante infecções do esôfago ao reto tenham sido documentadas. O mecanismo íntimo da diarreia não está totalmente esclarecido, no entanto acredita-se que, devido à semelhança com a diarreia da cólera, há a produção de uma toxina que provocaria hipersecreção de fluidos e eletrólitos. Sintomatologia Em indivíduos imunocompetentes, a doença se caracteriza por diarreia aquosa – três a dez evacuações diárias, representando de um a três litros por dia -, com duração de um a 30 dias (média de 12 a 14 dias), anorexia, dor abdominal, náusea, flatulência, febre baixa e cefaleia. O quadro clínico, usualmente, mostra-se benigno e autolimitante. Em crianças, os sintomas são mais graves e podem ser acompanhados de vômito e desidratação. A grande frequência de oocistos em fezes de crianças imunocompetentes com diarreia tem levado a se acreditar que as espécies de Cryptosporidium sejam importante agente patogênico envolvido na diarreia infantil. Em indivíduos imunodeficientes, os sintomas se apresentam de forma crônica, caracterizando-se por vários meses de diarreia aquosa (três a seis litros por dia, em média) refratária a qualquer medicação antimicrobiana e acentuada perda de peso. Processam-se desequilíbrio eletrolítico, má absorção, emagrecimento acentuado e mortalidade elevada, essencialmente em indivíduos com AIDS. Além disso, o parasita pode ser encontrado fora do trato gastrintestinal – como fígado, pâncreas e vesícula biliar. Isso tende a acarretar casos de cirrose, pancreatite, colangiopatia, colangite esclerosante, colangocarcinoma, apendicite aguda, colite. Quando se localizam no trato respiratório, podemos notar tosse, rouquidão, falta de ar e até pneumonia. As espécies de Cryptosporidium se consideram como algumas das responsáveis pela diarreia de verão e pela diarreia dos viajantes em várias localidades do mundo. Diagnóstico Clínico O diagnóstico clínico se faz por meio da detecção dos principais sintomas já citados da criptosporidiose, como diarreia aquosa, dor abdominal epigástrica em cólica, perda de peso, anorexia, flatulência e indisposição geral. Podem ainda estar presentes náuseas, vômito e mialgia. A diarreia e dor abdominal são exacerbadas pela alimentação. As manifestações extraintestinais são principalmente a colestase devido ao acometimento da árvore biliar e manifestações pulmonares como tosse crônica, febre e dispneia pelo acometimento pulmonar. Laboratorial Feito por meio da demonstração de oocis- tos nas fezes, em material de biopsia intestinal ou em material obtido de raspado de mucosa. O exame coproparasitológico se faz após utilização de métodos de concentração (flutuação centrífuga em solução saturada de sacarose, por exemplo) ou emprego de métodos especiais de coloração. O diagnostico pode, ainda, ser feito pela pesquisa de anticorpos circulantes, utilizando técnicas sorológicas como testes de anticorpos policlonais fluorescentes, reação de imunofluorescência indireta, ELISA, entre outros. Métodos moleculares por PCR também se mostram viáveis. Tratamento A cura se evidencia altamente dependente do sistema imunológico individual. O tratamento visa a, basicamente minimizar a sintomatologia da doença, aliviando os efeitos da diarreia e da desidratação. Pacientes imunocompetentes acabam se curando sozinho, todavia os imunodeficientes acabam apresentando problemas graves no tratamento. Nos portadores da síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS), o tratamento antirretroviral específico para o HIV foi responsável por uma redução de 90% na incidência da criptosporidiose nos EUA. A maioria dos fármacos testados não apresenta grande eficácia em decorrênciada elevada resistência do parasita. Estudos recentes mostraram que a nitazoxanida possui eficácia, e inclusive foi liberada para o uso no tratamento nos Estados Unidos pela Food and Drugs Administration (FDA). A droga diminui a duração e a severidade da doença nos imunocompetentes, e teve eficiência mediana em imunodeficientes, no entanto a paromomicina mostrou-se eficiente nestes indivíduos. Profilaxia Fazem-se por meio da adoção de medidas que previnam ou evitem a contaminação do meio ambiente, água e alimentos com oocistos do parasito e o contato de pessoas suscetíveis com fontes de infecção. Devem ser utilizadas fossas ou privadas para a evacuação, com proteção dos reservatórios de água para evitar a contaminação com fezes. Cuidados especiais de higiene pessoal e com o vestuário, utensílios e instrumentos devem ser adotados pelos indivíduos dos grupos de risco cujas atividades os colocam em contato direto com material contaminado, pessoas doentes ou animais infectados. As medidas de higiene precisam ser rigorosas em ambientes especiais – como creches e hospitais -, onde se processa uma alta densidade de indivíduos susceptíveis. Exames de imunofluorescência direta de oocistos de C. parvum Ciclosporíase Conceito Parasitose causada pelo Cyclospora cayetanensis, protozoário do grupo dos Coccidia, descrito recentemente como parasita humano. Nos indivíduos infectados, pode acarretar náusea, anorexia e cólicas abdominais discretas ou severas, além de diarreia aquosa. A ciclosporíase humana tem sido descrita em pacientes com doença diarreica nas Américas, Caribe, África, Bangladesh, Sudeste Asiático, Austrália, Inglaterra, Leste Europeu. Os seres humanos aparentam compor os únicos hospedeiros desse parasita. Morfologia Os oocistos possuem forma esférica, medindo de 8 a 10 µm, e com presença de uma membrana dupla. Cada oocisto contém dois esporocistos ovoides, com presença de corpos de Stieda e substieda. Cada esporocisto, por sua vez, apresenta dois esporozoítos. Estes possuem as típicas estruturas dos coccídia, incluindo organelas do complexo apical com roptrias, núcleo e micronemas. Ciclo biológico O C. cayetanensis se mostra um parasita intracelular obrigató- rio do intestino delgado, cujo ciclo de vida não está completamente conhecido. O ser humano parece ser o único hospedeiro e o ciclo aparenta o tipo monoxeno. O ciclo se inicia com a ingestão dos oocistos maduros encontrados principalmente em alimentos frescos, sendo semelhante ao de outros coccídeas protozoários. Os oocistos excistam no intestino delgado – principalmen- te no jejuno – e os esporozoítos em forma crescente são liberados e invadem as células epiteliais intestinais, transformam-se em trofozoítos uninucleados dentro de um vacúolo parasitóforo. Foram identificas duas gerações de merontes dos tipos I e II. Os merontes Tipo I dão origem a 8 – 12 merozoítos por reprodução assexuada bastante proliferativa, os quais são liberados e infectam novas células epiteliais vizinhas. Alguns desses merozoítos dão origem aos macrogametócitos que amadurecem e formam os macrogametas, enquanto que outros originam os microgametócitos que se transformam em microgametas flagelados. Após a fertilização dessas duas formas, o parasita forma o zigoto, ocorre a formação da membrana externa em volta da célula fertilizada criando os oocistos, que são liberados para o meio exterior ainda não esporulados. A esporulação dos oocistos se processa no meio ambiente por processo de esporogonia Classificação científica Filo Apicomplexa Classe Conoidasida Ordem Eucoccida Família Eimeriidae Gênero Cyclospora Espécie C. cayetanensis Esquematização do ciclo biológico do C. cayetanensis Imagem histológica de oocisto não esporulado de C. cayeta- nensis com a formação de dois esporocistos e dois esporozoítos dentro de cada esporocisto. O tempo de esporulação varia entre sete e treze dias. Esses oocistos apresentam-se resistentes a muitos desinfetantes, incluindo o nível de cloração utilizado em redes de tratamento de água. Transmissão A transmissão de C. cayetanensis pode se evidenciar via fecal-oral direta ou indireta, por alimentos frescos contaminados, água ou solo contaminados por oocistos maduros e pelo ar. Indivíduos infectados podem eliminar oocistos imaturos por uma a várias semanas. Sintomatologia Em indivíduos imunocompetentes, a ciclosporíase demonstra um período médio de incubação de uma semana, e a doença pode perdurar por até seis semanas. Indivíduos infectados podem se apresentam assintomáticos ou desenvolvem sintomas caracterizados por diarreia aquosa não sanguinolenta, às vezes alternada com constipação. Juntamente a isso, também podem se manifestar fadiga, cólicas abdominais, náuseas, vômito, anorexia, perda de peso, de apetite, flatulência, febre baixa, mialgia e artralgia. Considerada uma doença oportunista, a ciclosporíase pode infectar pacientes soropositivos para HIV. Os sintomas apresentados por esses indivíduos são semelhantes ao quadro de pacientes com criptosporidiose e isosporose: diarreia crônica severa ou intermitente que tende a durar várias semanas e perda de peso. Diagnóstico Pesquisa de oocistos não esporulados (imaturos) nas fezes: podem ser visualizados por meio de métodos de flutuação como o de Willis, Faust ou Sheater. Esses oocistos encontrados em amostras de fezes com tamanho e forma semelhante ao da C. cayetanensis devem ser confirmados após esporulação dos oocistos e a visualização característico de dois esporocistos e dois esporozoítos em cada um deles. Pesquisa por oocistos em amostras fixadas e coradas: utili- zam-se métodos com corantes ácidos - resistentes modificados, como Kynioun e Ziel-Neelsen modificado. Podem ser detectados, também, em microscopia de contraste de fase, autoimunofluorescência e PCR. Tratamento Para tratamento de uso corrente tem se usado, com eficiência, a combinação de trimetoprim e sulfametoxazol, tanto para pacientes imunocompetentes quanto imunodeficientes. Profilaxia As principais medidas profiláticas se baseiam em: Educação sanitária; Melhoramento das condições sanitárias com redução de exposição fecal – reduzindo conse- quentemente a contaminação da água e alimentos; Consumo de água engarrafa ou fervida e evitar alimentos frescos em áreas endêmicas; Micrografia de oocisto com fixação de Ziel- Neelsen modificado Monitoramento de frutas e verduras frescas importadas de áreas endêmicas em países como EUA e Canadá. Isosporíase Conceito Os membros do gênero Isospora se classificam como protozoários do grupo dos Coccidia, sendo que duas espécies têm disso encontradas parasitando o homem, todavia daremos apenas ênfase a uma delas: o Isospora belli. Este se apresenta como a espécie mais frequente e tem sido assinalada em diversos países, especialmente o Brasil. A isosporíase humana se mostra mais frequente em regiões quentes e onde as condições higiênicas são precárias. Morfologia A I. belli possui oocistos ovais, com extremidade afunilada, os quais sofrem eliminação juntamente às fezes sem esporular ou parcialmente esporulados. Os oocistos possuem dois esporocistos, sendo que cada um destes contém quatro esporozoítos. O processo de esporulação – necessário para se tornarem infectantes - transcorre no meio ambiente, em um período de um a três dias, dependendo das condições climáticas. Ao serem expulsos nas fezes, os oocistos ainda não completaram seu desenvolvi- mento: no interior da parece cística, de dupla camada, vê-se a massa citoplasmática nucleada e cheia de granulações; ela não preenche todo o espaço, deixandolivres as regiões polares. Esta célula única (zigoto) divide-se em duas, que serão chamadas de esporoblastos. Estes segregam cada qual uma membrana resistente em torno de si, transformando-se em esporocistos. O amadurecimento estará completo quando cada esporoblasto formar quatro esporozoítas, restando ainda no interior de cada um dos esporocistos certa quantidade de citoplasma residual, granuloso e sem núcleo, de cuja superfície se destacam os esporozoítas, no fim da esporogonia. Os esporozoítas apresentam forma encurvada (formato de banana) e de extremidades afiladas, numa das quais se encontra o aparelho apical. Em um dos polos do oocisto há um poro, ou micrópila, por onde os esporozoítas escaparão quando o parasita alcançar o tubo digestivo de outro hospedeiro. Ciclo biológico O ciclo assexuado tem início no momento em que o oocisto é formado e eliminado, sendo que após sua eliminação se processa a esporulação. Esta se caracteriza pelo aumento de volume do parasita e pela produção de esporozoítos no seu interior. Posteriormente à ingestão, o oocisto esporulado se rompe no intestino e libera os esporozoítos, os quais invadem os enterócitos. Classificação científica Filo Apicomplexa Classe Sporozoea Ordem Eucoccidiida Família Eimeriidae Gênero Isospora Espécie I. belli Oocisto de I. belli com dois espo- roblastos (oocisto imaturo) Microscopia de oocisto maduro de I. belli. Os esporoblastos foram transformados em dois esporocistos, cada um contendo quatro esporozoítos e um corpo residual No fim do crescimento do esporozoíto, o núcleo inicia múltiplas divisões – de forma assexuada -, o que resulta em uma forma multinucleada, o esquizonte. Depois da formação deste, transcorre uma repetição da etapa anterior, processo que passa a se denominar esquizogonia. Sua função é a de produzir merozoítos, permitindo a invasão de novas células hospedeiras. A partir desses merozoítos, outro ciclo assexuado pode recomeçar ou a esporogonia (reprodução sexuada) pode ter início. O ciclo sexuado se inicia quando os merozoítos se diferenciam em gametócitos no interior do enterócito, sendo que aqueles que se destinam a produzir gametas masculinos se chamam microgametócitos, ao passo que os que se transformarão em gametas femininos recebem a denominação de macrogametócitos. Quando o microgametócito é liberado do enterócito, invade a célula onde está o macrogametócito formando o zigoto, que logo se encista, e por isso passa a se chamar oocisto. O tempo de esporulação depende das condições ambientais do solo onde se encontra o oocisto. Transmissão A transmissão de I. belli se dá, basicamente, pela ingestão de oocistos esporulados com água ou alimentos. Os esporozoítos liberados dos oocistos invadem o intestino delgado, onde se processa a evolução do parasita até a formação de oocistos novamente. Patogenia A patogenia da isosporíase envolve alterações na mucosa do intestino delgado, o que resulta na síndrome da má absorção. Microscopicamente, evidencia-se atrofia das vilosidades e hiperplasia das criptas devido à destruição das células epiteliais, além de infiltração de células plasmáticas, linfócitos e leucócitos polimorfonucleares. Em pacientes com AIDS, a I. belli também pode ser localizada na vesícula biliar, onde tende a causar quadros agudos e crônicos de difícil tratamento. Sintomatologia Em geral, as infecções humanas se apresentam benignas, e os pacientes tendem a se curar espontanea- mente. Quadros clínicos graves da doença – às vezes fatais – têm sido postulados na literatura. Os sintomas relatados incluem febre, diarreia, cólicas abdominais, esteatorreia, vômitos, desidratação, perda de peso, astenia e emagrecimento. A presença de eosinofilia se mostra frequente nos casos de isosporíase. A doença se manifesta de modo mais grave em crianças e indivíduos imunocomprometidos. Nestes, a isosporíase se caracteriza por diarreia aquosa crônica de longa duração (vários meses), desidratação, acentuada Esquematização do processo de transmissão e do ciclo biológico do I. belli perda de peso e, comumente, requer hospitalização. As evacuações chegam a ser frequentes, com cólicas ou dores abdominais. O início pode ser súbito com febre, calafrios e, em seguida, diarreia. Nos pacientes com AIDS, a infecção costuma se apresentar de forma crônica e, na maioria das vezes, intermitente. Diagnóstico Feito por meio do encontro de oocistos não esporulados ou parcialmente esporulados nas fezes. Os processos de concentração salientam-se como métodos altamente indicados devido ao fato de, frequentemente, poucos oocistos estarem presentes nas fezes, além do fato da intermitência de eliminação do parasita. O aparecimento dos parasitas nas evacuações dá-se, em média, após duas semanas da infecção. Tratamento Nos casos de não cura espontânea, o tratamento se faz por meio da combinação de trimetoprim com sulfametoxazol. Outros medicamentos – incluindo o metronidazol, sulfadiazina-pirimetamina e sulfadoxina- pirimetamina – têm sido utilizados com bons resultados. Recomenda-se, juntamente a isso, a instituição de tratamento quimioprofilático em alguns casos, tal como se propõe à criptosporidiose. Profilaxia Evitar a contaminação da água e dos alimentos com fezes humanas se destaca como uma das principais medidas profiláticas da isosporíase, incluindo a melhoria das condições sanitárias. Medidas higiênicas – dentre elas a lavagem rotineira das mãos – também contribuem para diminuir as chances de transmissão fecal-oral desse protozoário. Amebíase Conceito A amebíase se caracteriza como uma infecção sintomática ou assin- tomática causada pelo protozoário Entamoeba histolytica. Atualmente, os pesquisadores distinguem duas espécies morfologi- camente idênticas, no entanto geneticamente distintas: a Entamoeba histolytica – invasiva e patogênica – e a Entamoeba dispar – não patogênica, responsável principalmente pelas infecções assintomáticas. Além dessas, outras espécies de ameba podem colonizar o intestino grosso do homem e nele viver em condições comensais, como a Entamoeba coli, Endolimax nana, Entamoeba hartmanni e Dientamoeba fragiles. Somente em determinadas condições essas espécies podem ser consideradas patogênicas, como associadas a quadros imunodeprimidos ou a algumas infecções. Classificação científica Filo Sarcomastigophora Classe Sarcodina Ordem Amoebida Família Entamoebidae Gênero Entamoeba Espécie E. histolytica Morfologia A E. histolytica apresenta-se em quatro formas evolutivas: o trofozoíto, o pré-cisto, o metacisto e o cisto. Trofozoíto: corresponde à forma vegetativa que habita a luz do intestino grosso e que pode, ocasionalmente, acarretar lesões na mucosa intestinal. Ele pode, ainda, originar a forma invasiva da doença ao penetrar a submucosa e alcançar outros órgãos do corpo, como fígado, pulmões e cérebro. O trofozoíto é uninucleado e se locomove pela emissão de pseudópodes. Seu ci- toplasma pode ser diferenciado em ectoplasma – hialino – e endoplasma – onde se encontram o núcleo e os vacúolos digestivos. Não possui mitocôndrias, retículo endoplasmático ou golgiossomo. Pré-cisto: fase intermediária entre o trofozoíto e o cisto. Tem forma oval ou ligeiramente arredondada, menor que o trofozoíto. O núcleo é semelhante ao do trofozoíto, e em seu citoplasma podem ser vistos corpos cromatoides, em forma de bastonetes, com pontas arredondadas. Metacisto: forma multinucleada que emerge do cisto no intestino delgado, onde sofre divisões, dando origem aos trofozoítos. Cisto: caracteriza-se como a forma de resistência,geralmente de aspecto esférico ou oval. Consiste em um citoplasma que apresenta de um a quatro núcleos, pequenos vacúolos e inclusões citoplasmáticas envolvidas por uma parede cística. Ciclo biológico O ciclo da E. histolytica se caracteriza como monoxênico e relativamente simples. O início do ciclo se processa a partir da ingestão dos cistos maduros junto à água e alimentos contaminados. O cisto passa, então, pelo estômago e pelo intestino delgado, resistindo à ação do suco gástrico, bem como das secreções intestinais. Na realidade, tais substâncias contribuem para a formação de uma fenda na parede do cisto, a qual permite o início do processo de desencistamento que tem lugar essencialmente na porção distal do íleo e no ceco. A partir daqui, libera o metacisto tetranucleados, o qual, por divisões binárias sucessivas, origina quatro e depois oito trofozoítos uninucleados, denominados trofozoítos metacísticos. Estes se multiplicam novamente por divisão binária e colonizam o intestino grosso, particularmente a região do ceco. Geralmente, os trofozoítos permanecem aderidos à mucosa do intestino grosso, vivendo como comensais e se alimentando de detritos e bactérias. Todavia, podem se desprender da parede e se transformarem em pré-cistos, dando continuidade ao ciclo. O pré-cisto secreta ao seu redor uma membrana glicoproteica - denominada parece cística – e origina o cisto uninucleado. Este se torna posteriormente tetranucleado e pode ser excretados juntamente às fezes do hospedeiro. Imagem histológica de trofozo- íto de E. histolytica Imagem histológica de cisto de E. histolytica Esquematização dos métodos de transmissão e ciclo biológico da E. histolytica Os trofozoítos, como já dito, podem penetrar a submucosa e cair na circulação sanguínea, afetando outros órgãos do corpo. Quando estão intimamente relacionados com os tecidos, eles não formam cistos, são hematófagos e muito ativos. Transmissão O homem se salienta a principal fonte de disseminação da E. histolytica. Moscas, baratas e outros artrópo- des atuem como vetores mecânicos e contribuem para a distribuição dos cistos do parasita, em especial nas áreas onde predominam condições de saneamento básico precárias. A transmissão da amebíase se processa por via fecal-oral e tem início a partir da ingestão dos cistos maduros do parasita. Mecanismos de Transmissão Direta A transmissão direta – de pessoa a pessoa – ocorre, geralmente, por meio de mãos sujas contaminadas com matéria fecal. Durante a higiene anal, as mãos e/ou as unhas podem reter cistos de E. hystolitica, os quais apresentam capacidade de permanecerem viáveis de cinco a 45 minutos em condições ambientes. Salienta-se importante ressaltar ainda que a forma de transmissão direta também transcorre por meio do contato oral-anal. Mecanismos de Transmissão indireta A transmissão indireta de E. histolytica se dá por meio da ingestão de água ou alimentos contaminados pelos cistos do parasita. Na água, os cistos conseguem se manter viáveis por até dez dias em temperatura ambiente. Se conservada a baixas temperaturas, os cistos resistem na água por até sete semanas. Os insetos também demonstram importância na transmissão indireta. Patogenia A patogenia da amebíase depende de inúmeros fatores, como fatores relacionados ao parasita (virulência e patogenicidade), ao hospedeiro (nutrição, imunidade, microbiota intestinal, sexo idade) e ao ambiente gastrintestinal (interação com a microbiota). A E. histolytica apresenta uma elevada capacidade citolítica. Nas formas invasivas, as lesões ocorrem em decorrência de lise celular, necrose tecidual e degradação da matriz extracelular. Logo, o principal mecanismo patogênico desse parasita é a reação citolítica. Existem três proteínas do parasita relacionadas a esse precesso. Proteínas de adesão: localizam-se na superfície do trofozoíto e dispõem da capacidade de reconhecer as glicoproteínas na membrana da célula-alvo durante o processo de adesão, pré-requisito para o início da lise dos tecidos. Após se ligar à célula, o parasita libera as proteí- nas formadoras de poros a partir de grânulos citoplasmáticos. Essas proteínas afetam a integridade da membrana plasmática das células-alvo ao formar poros que provocam a lise celular. As cisteínas-proteases também sofrem libera- ção a partir de grânulos citoplasmáticos, e elas apresentam a capacidade de degradar componentes do muco e proteínas da matriz extracelular. As cepas patogênicas conseguem liberar maiores quantidades de cisteína-proteases do que as cepas não As úlceras no cólon e o abscesso hepático se mostram achados clínicos importantes de infecções amebianas intra e extraintesti- nais, respectivamente patogênicas, evidenciando, dessa forma, a importância dessa proteína no processo de invasão. Após a adesão e citólise, a E. histolytica inicia a fagocitose e a degradação celular, continuando a invasão tecidual. Posterior a esta, os trofozoítos se multiplicam nos tecidos e acarretam lesões nos órgãos. O ceco e o retossigmoide se mostram as principais regiões invadidas pelo parasita no intestino grosso. A lesão inicial se caracteriza por pequenas elevações nodulares com bordas hiperêmicas e congestas. Na submucosa, as amebas podem progredir em todas as direções, determinando inicialmente a típica ulceração chamada “botão de camisa” ou “colo de garrafa”. Nos estágios mais avançados, formam-se úlceras maiores e mais profundas. Ocasionalmente, os trofozoítos podem induzir uma resposta inflamatória proliferativa com formação de uma massa granulomatosa, denominada “ameboma”, não muito comum na amebíase. Os trofozoítos podem, ainda, invadir os vasos e, a partir da circulação portal, atingir primeiramente o fígado, que é o principal órgão com acometimento extraintestinal. A lesão mais característica nesse órgão é a necrose coliquativa aguda, conhecida como abscesso hepático amebiano. Juntamente a isso, em algumas áreas do fígado se processa a substituição do parênquima por material necrótico de coloração amarelada circundando o tecido conjuntivo. Secundária à amebíase hepática, pode ocorrer a invasão de outros órgãos a partir da ruptura do abscesso hepático ou da disseminação hematogênica dos trofozoítos. Sintomatologia A maioria dos indivíduos infectados por E. histolytica permanecem assintomáticos ao longo de todo o curso da infecção. Todavia, uma pequena parcela de indivíduos infectados desenvolve sinais e sintomas decorrentes da invasão intestinal e, em alguns casos, extraintestinal. A amebíase intestinal possui duas formas clínicas principais: a colite não disentérica e a colite disentérica – também denominada disenteria amebiana. Colite não disentérica: manifestação clínica mais comum entre os indivíduos sintomáticos. Ela se caracteriza por evacuações diarreicas ou não, com duas a quatro dejeções diárias. O indivíduo pode eliminar fezes pastosas ou moles e, eventualmente, com sangue ou muco. Ao longo da infecção, pode ocorrer alteração entre funcionamento intestinal normal e quadros de diarreia. Estão presentes na maioria dos casos, ainda, sintomas intestinais como flatulência, desconforto abdominal e cólicas. Pode ocorrer, em casos mais raros, febre. Colite disentérica: menos comum, tendo sido observada em apenas cerca de 10% infectados. Tal forma clínica possui evolução aguda, caracterizando-se pela presença de dores abdominais, cólicas intestinais intensas, diarreia líquida com evacuações mucossanguinolentas e febre moderada. Nesses casos, ocorrem entre oito e dez evacuações diárias, e os indivíduos também apresentam flatulência, inapetência, náuseas, vômitos e desconforto abdominal.Em alguns casos, a colite disentérica pode evoluir para formas agudas fulminantes, compostas por diarreias mucopiossanguinolenta profusa, desidratação intensa, prostração geral, dor abdominal e febre. As formas graves apresentam o risco de levar o paciente a óbito, principalmente em indivíduos imunodeprimidos ou crianças. O comprometimento do cólon devido à formação de úlceras profundas é causa do agravamento da colite disentérica. Tais úlceras tendem a gerar perfurações intestinais seguidas de um quadro de peritonite aguda. Um dos tratamentos para a disenteria grave é repouso, dieta rica em proteínas e vitaminas e hidratação oral ou parenteral. Endoscopia intestinal demonstrando úlceras em "botão de cami- sa" causada por E. histolytica Diagnóstico Clínico Na fase aguda, a amebíase pode ser confundida com disenteria bacilar, salmoneloses, síndrome do cólon irritado e esquistossomose. A retossimoidoscopia com exame imediato do material coletado apresenta bons resultados. Outros exames complementares – como radiografias, tomografias, ultrassonografias e ressonância magnética – compõem métodos de diagnósticos auxiliares que podem ajudar na identificação, localização, número e tamanho dos abscessos, bem como distingui-los de outras doenças. Os casos de abscesso hepático geralmente são caracterizados por uma lesão única localizada no hipocôn- drio direito. As manifestações clínicas tendem a ser inespecíficas, apesar de essa forma ter como característica uma tríade clínica: febre, dor e hepatomegalia. A dor abdominal se localiza, essencialmente, no quadrante superior direito. A hepatomegalia se apresenta associada com dor à palpação. Os pacientes podem, ainda, se queixar de fraqueza, prostração, perda de peso, inapetência, sudorese, náuseas e vômitos. Laboratorial Realizado com a coleta e análise microscópica de fezes – tendo por objetivo identificar trofozoítos ou cistos -, soros e exsudatos. Vários testes imunológicos podem ser utilizados, incluindo a aglutinação em látex, testes com anticorpo fluorescente e pesquisa de coproantígenos pelo ELISA, úteis quando o intestino não é afetado e o paciente não elimina amebas nas fezes. O método por ELISA se mostra extremamente promissor devido ao fato de poder diagnosticar, com certa segurança, tanto cisto como trofozoíto nas fezes, mesmo que em pequenas quantidades o que não seria facilmente detectado pelos exames de fezes comuns. Nas fezes formadas ou normais, o diagnóstico é feito por meio do encontro de cistos, utilizando-se técnicas de concentração. Em decorrência do fato de a eliminação dos cistos se processar de forma intermitente e irregular, aconselha-se a coletar as fezes em dias alternados e coloca-las em conservantes. Tratamento Para o tratamento das formas agudas e crônicas da amebíase intestinal e extraintestinal, recomenda-se o uso de medicamentos que podem ser agrupados em duas classes, de acordo com o sítio de ação: amebicidas luminais – que atuam na luz do intestino – e amebicidas tissulares – que agem nos tecidos invadidos pelo parasita. Entre os amebicidas luminais – principalmente os dicloracetamidas - podemos citar: Teclosan, Etofamida, Furamida e Clefamida. Os derivados de Nitroimidazóis são os quimioterápicos mais utilizados entre os amebicidas te- ciduais para o tratamento de formas invasivas. Entre eles, destacam-se: Metronidazol (mais utilizado), Tinidazol, Ornidazol e Nimorazol ou Nitrimidazina. Profilaxia A profilaxia da amebíase se baseia no controle da transmissão do parasita e inclui medidas de higiene pessoal, saneamento básico e educação sanitária. Estas visam, basicamente, a evitar a ingestão de água e alimentos contaminados com os cistos do protozoário, bem como a diminuir os riscos de contaminação do meio ambiente. Recomenda-se, à população sem acesso à água tratada, a fervura ou filtragem da água a ser consumida ou utilizada na lavagem de vegetais crus. Além disso, o combate a moscas e baratas a fim de evitar o transporte de cistos também se mostra medida eficaz. Amebas de vida livre As principais amebas de vida livre com importância na medicina, bem como suas doenças características e suas formas usuais de infecção, listam-se a seguir. Naegleria fowleri Ameba responsável pelo quadro clínico de meningoencefalite amebiana primária. Essa doença – de evolução clínica rápida e fatal, podendo levar à morte em três a sete dias – processa-se essencialmente em crianças ou jovens saudáveis. A principal maneira de se adquirir essa ameba se mostra pela cavidade nasal, por meio da aspiração de água contaminada, como a de piscinas ou lagos contaminados. Juntamente a isso, ressalta- se que a via de invasão do sistema nervoso central é o epitélio neuro-olfativo. A N. fowleri possui ciclo de vida que compreende os estágios de cisto, trofozoíto ameboide e forma biflagelada. Os cistos são esféricos, dispõem de dupla parede com um ou dos poros e um único núcleo com nucléolo volumoso. Os trofozoítos uninucleados se multiplicam por divisão binária e se movimentas por pseudópodes. Em meios aquosos pode ocorrer a transformação em formas biflageladas piriformes, as quais não se multiplicam. Entre os sintomas da meningoencefalite amebiana primária, podemos citar o desenvolvimento inicial de rinite, seguida por cefaleias, febre alta, rigidez nucal, náusea, vômito, confusão mental e outros problemas neurológicos, evoluindo rapidamente para o coma e morte. Amebas do gênero Acanthamoeba Dentre as quais podemos destacar A. polyphaga, A. castellanii, A. culbertsoni, A. rhysodes, A. divionensis, A. astronyxis e A hatchetti. Todas essas amebas apresentam como doenças clínicas características a encefalite amebiana granulomatosa (principalmente em paciente imunodeprimidos), uma afecção de curso clínico prolongado; e a ceratite amebiana crônica (CAK) por Achantamoeba, doença que acomete principalmente usuários de lentes de contato e indivíduos com uso prolongado de colírios à base de corticoide. Dispõem de ciclo de vida com as forma de cisto e trofozoítos, ambos uninucleados com grande nucléolo. Os cistos possuem parede externa e interna, esta com formato arredondado, oval, estrelado ou poligonal dependendo Ilustração dos mecanismos de transmissão e ciclo biológico de N. fowleri, Acanthamoeba spp. e B. mandri- allaris da espécie. Os trofozoítos, por sua vez, têm pseudópodes finos e filamentosos. Balamuthia mandrillaris Pertencente à família Leptomyxidae, também causa encefalite amebiana granulomatosa. Caracteriza-se pela presença de trofozoítos alongados e achatados, bem como cistos esféricos com parede dupla sem poros, sendo a mais externa destas ondulada. A encefalite amebiana granulomatosa tende a acometer principalmente indivíduos imunodeficientes. A infecção dá-se usualmente por via epitélio neuro-olfatório de modo semelhante à N. fowleri, embora também haja disseminação hematogênica a partir de sítios primários de colonização no trato respiratório ou de lesões cutâneas. Os sinais e sintomas se assemelham àqueles observados no caso de encefalopatia amebiana primária. A ceratite por Acanthamoeba resulta da colonização e ulceração da córnea humana pelo protozoário. As amebas invadem a córnea previamente lesada. Em usuários de lentes de contato, as pequenas lesões causadas pelo uso contínuo pode permitir a penetração das amebas, muitas vezes presentes na água de torneira. Lesões traumáticas por areia ou solo que contenham cistos também podem acarrear a doença. Os principais sintomas se listam como dor ocular intensa, fotofobia, conjuntiva inflamada e o típico infiltrado inflamatório em forma de anel. Caso não tratada, pode resultar na perfuração da córnea,diminuição ou perda da visão e até a necessidade de enucleação (retirada do olho). Diagnóstico A suspeita clínica para meningoencefalite ou encefalite granulomatosa por amebas de vida livre se mostra difícil de estabelecer. Precisam se considerar os sintomas, o histórico de doenças debilitantes, de imunodepres- são ou de banhos recentes em lagoas ou piscinas. A confirmação laboratorial pode ser realizada pela identificação de trofozoítos no LCR por exame direto a fresco. Outras opções para o diagnóstico salientam-se as técnicas imuno-histoquímicas e a reação em cadeia da polimerase (PCR) Na ceratite amebiana, a presença de ulcerações na córnea e o infiltrado em anel sugerem a infecção. Em alguns casos, a doença tende a se confundir com ceratite fúngica ou viral, as quais manifestam sinais semelhantes. O diagnóstico de certeza é a identificação de cistos ou trofozoítos em material raspada de córnea ou biópsia. Recentemente, a microscopia focal vem sendo utilizada como técnica menos invasiva. Tratamento Nas infecções do sistema nervoso central, anfotericina B, miconazol rifampicina, pentamidina, azitromi- cina e fluconazol salientaram-se como fármacos com algum efeito positivo. A via de administração pode ser oral, endovenosa ou intratecal de acordo com o medicamento. Na ceratite amebiana, os medicamentos mais empregados são o isotianato de propamidina, poli- hexametileno de biguanida e neomicina – todos de uso tópico –, ou cetoconazol e itraconazol – por via oral. Profilaxia Na profilaxia de infecções do sistema nervoso central, é difícil determinar medidas para evitar o contato com as amebas de vida livre, visto que elas se localizam presentes em todo o ambiente. No caso de N. fowleri, recomenda-se manter a cloração adequada de piscinas e evitar submergir a cabeça nos banhos em lagos ou fontes termais. A presença da ceratite por Acanthamoeba precisa levar em conta os cuidados higiênicos com lentes de contato, as quais não podem ser lavadas em água de torneira ou em soluções salinas antigas. Recomenda-se, também, evitar o uso delas em piscinas, chuveiro ou no mar. Doença de Chagas Conceito Também conhecida como tripanossomíase americana, a Doença de Chagas se qualifica como uma anfixenose – doença que circula indiferentemente entre humanos e animais – parasitária que tem como agente etiológico o protozoário Trypanosoma cruzi e, como principal vetor, o inseto triatoma infestans, conhecido como barbeiro. A doença apresenta curso clínico dividido nas fases aguda e crônica, podendo se manifestar de diversas maneiras. Foi descrita em 1909 por Carlos Chagas. Morfologia No hospedeiro invertebrado (Triatoma infestans), o Trypanosoma se encontra nas formas: esferomastigotas (arredondados com flagelos circundando o corpo, presentes no estômago e intestino do triatomíneo); epimastigotas (presentes em todo o intestino); e tripomastigotas (presentes no reto, sendo esta a forma natural da transmissão vetorial). Todas as três formas citadas interagem com células do hospedeiro vertebrado, e apenas as epimastigotas não apresentam capacidade de se desenvolver e se multiplicar nessas células. No sangue dos vertebrados, apresenta-se sob a forma de tripomastigota, e, nos tecidos, como amastigota. Tripomastigota Essa forma consiste no parasita em formato de C ou S, flagelado, com corpo celular longo e achatado, e circulante no sangue do homem e no reto do barbeiro. Possui uma espécie de nadadeira que auxilia na sua locomoção. O parasita permanece nessa forma por pouco tempo - pois o sistema imunológico logo o atacará – e adentra a célula, onde se transformará em amastigota. Mostra-se importante ressaltar que o tripomastigota se encontra presente na fase aguda da doença. Amastigota A forma amastigota se mostra intracelular, e pequena dimensão, circular, ovoide ou fusiforme. Possui núcleo proeminente, pouco citoplasma, corpo achatado, e tem movimento limitado, já que, ao entrar na célula, perde seu flagelo. Essa forma aparece presente na fase crônica da doença, e há existência de reprodução Classificação científica Filo Euglenozoa Classe Kinetoplastae Subclasse Metakinetoplastina Ordem Trypanosomatida Família Trypanosomatidae Gênero Trypanosoma Espécie T. cruzi Tripomastigota sanguíneo de Trypanoso- ma cruzi. Seta preta – cinetoplasma; vermelha – núcleo; azul – membrana ondulante; verde – flagelo. Corte histológico de tecido muscular, com ninho de amastigotas (seta amarela) no interior de fibras musculares. assexuada (por divisão binária). Essa fase intracelular demonstra caráter estratégico, visto que o interior das células dispõe de rica concentração de nutrientes, além de se proteger do ataque imunológico do hospedeiro. Epimastigota Essa forma se encontra no tubo digestório do Triamoma infestans. Possui flagelo e caráter alongado. Os epimastigotas se multiplicam por meio da divisão binária, dando origem à forma tripomastigota metacíclica, infectante para o homem. Ciclo biológico O ciclo biológico do T. cruzi se classifica como heteroxênico – necessidade de hospedeiro intermediário e definitivo para propagação – e possibilita que o parasita transite de uma fase de multiplicação celular (hospedeiro vertebrado) e multiplicação extracelular (vetor). Devido à sua multiplicidade de hospedeiros, o Trypanosoma cruzi pode ocorrer nos ciclos silvestre (gambá-triatomíneo-gambá); peridoméstico (ratos-triatomíneo-ratos) ou doméstico (humano-triatomíneo-humano; cães ou gatos-triatomíneo-cães ou gatos). Na forma vetorial da transmissão, tripomastigotas metacíclicos (forma infectante) do protozoário são liberadas juntos às excretas dos triatomíneos através da pele lesada ou das mucosas do ser humano, durante ou logo após a picada do barbeiro. Esse meio de transmissão se processa exclusivamente no continente americano. Ao picar o homem, o inseto defeca próximo local da picada. A saliva do barbeiro desencadeará uma reação alérgica, o que induzirá a pessoa a coçar a região e carregar, junto às fezes, o vetor. Nas fezes, há a presença do tripomastigota metacíclico, o qual, ao cair na corrente sanguínea, recebe a denominação de tripomastigota. Este permanece pouco tempo no sangue, atacando, logo em seguida, as células. Ao adentrar estas, ele perde o seu flagelo e se transforma em amastigota. A forma amastigota se multiplica por divisão binária simples e, em seguida, diferencia-se em tripomastigota, acarretando lise celular e, por consequência, a liberação dos parasitas para o interstício. Esses tripomastigotas circulantes alcançam a corrente sanguínea e podem parasitar outras células de qualquer tecido ou órgão para cumprir novo ciclo celular, serem destruídos por mecanismos imunológicos do hospedeiro ou, ainda, serem ingeridos por triatomíneos. No interior dos vetores (barbeiro), a forma tripomastigota migra e, em seu intestino, converte-se em epimastigota. Esta se multiplica por divisão binária e origina tripomastigotas metacíclicos no reto do inseto. O parasita, então, mistura-se às fezes do triatomíneo e, quando em contato com uma lesão na pele do hospedeiro vertebrado, dá continuidade ao seu ciclo biológico. Destacam-se como espécies mais importantes de triatomíneos hematófagos no Ilustração dos mecanismos de transmissão e ciclo biológico do T. cruzi Forma epimastigota do T. cruzi Brasil: Triatoma infestans, T. brasiliensis, Panstrongylus megistus, T. pseudomaculata, T. sórdida. Incluindo o homem, diversos mamíferos têm sido encontrados naturalmente infectados pelo T. cruzi, atuando como seu reservatório. Os mais importantes são aqueles que coabitam ou estão próximos
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