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Imunologia 3ª Fase – Fernando Netto Zanette – Med. UFSC 13.2 Distúrbios de hipersensibilidade Não obstante a imunidade inata desempenhe importante papel no combate a organismos invasores, as resposta imunológicas – quando demasiadas - possuem também a capacidade de acarretar lesão tecidual e doenças. Os distúrbios causados pela resposta imunológica recebem a denominação de doenças de hipersensibi- lidade. Causas de doenças de hiper- sensibilidade De modo geral, as reações de hipersensibili- dade requerem um estado pré-sensibilizado (imune) do hospedeiro para que se manifestem. As respostas imunológicas contra antígenos de diferentes fontes podem ser causa subjacente de distúrbios de hipersensibilidade. Autoimunidade: a falha dos me- canismos normais de autotolerância resulta em reações contra células e tecidos próprios, o que é chamado de autoimunidade. As doenças causadas pela autoimunidade recebem a denominação de doenças autoimunes. Estima-se que as doenças autoimunes afetem cerca de 2% a 5% da população de países desenvolvidos, com o número crescendo cada ano. Muitas dessas doenças são comuns em indivíduos com faixa etária entre 20 e 40 anos, além de se mostrarem mais comuns no sexo feminino. As doenças autoimunes são crônicas e debilitantes e apresentam um enorme custo médico e econômico. Reações contra microrganismos: respostas imunológicas contra antígenos microbianos podem causar doenças se as reações forem excessivas ou se os microrganismos forem incomumente persistentes. A resposta medida por células T contra microrganismos persistentes pode originar uma inflamação grave, certas vezes, com formação de granulomas; essa é a causa de lesão tecidual na tuberculose e algumas outras infecções crônicas. Caso anticorpos sejam produzidos contra antígenos microbianos, os anticorpos podem se ligar aos antígenos produzindo complexos (os imunocomplexos, aprofundados adiante), que se depositam nos tecidos e desencadeiam inflamação. Mais raramente, no entanto, anticorpos ou células T contra microrganismos podem provocar uma reação cruzada com o tecido hospedeiro. Em algumas doenças que envolvem o trato intestinal – denominadas doença intestinal inflamatória – a resposta imunológica é dirigida diretamente contra bactérias comensais que normalmente residem no intestino e não acarretam nenhum dano. Algumas vezes, a resposta imunológica que causa a doença pode ser totalmente normal, contudo, no processo de erradicação da doença, os tecidos hospedeiros sofrem lesão. Ilustração esquemática de exemplos de doenças autoimunes recorrentes Reações contra antígenos ambientais: a maioria dos indivíduos saudáveis não reage contra substâncias ambientais comuns, em geral, inofensivas. Contudo, cerca de da população responde de forma anormal a uma ou mais dessas substâncias. Esses indivíduos produzem anticorpos imunoglobulina E (IgE), que provocam doenças alérgicas. Alguns indivíduos tornam-se sensíveis a antígenos ambientais e químicos, quando em contato com a pele, e desenvolvem reações mediadas por células T que desencadeiam inflamação mediada por citocinas, resultando em sensibilidade de contato. Em todas essas ocasiões, os mecanismos de lesão tecidual são os mesmo que normalmente apresentam a função de eliminar patógenos infecciosos. Esses mecanismos incluem resposta imunológica inata, anticorpos, linfócitos T, várias outras células efetoras e mediadores de inflamação. O problema nas doenças de hipersensibilidade é que a resposta é desencadeada e mantida de forma inadequada. Como o estimula para essa resposta imunológica anormal é difícil ou impossível de ser eliminado, e o sistema imunológico possui muitos mecanismos de retroalimentação positivos (mecanismos de amplificação), uma vez que a resposta imune patológica inicia, é difícil controla-la ou interrompê-la. Por isso essas doenças de hipersensibilidade tendem a se tornar crônicas e a progredir, tornando-se grandes desafios terapêuticos para a medicina clínica. Classificação das reações de hipersensibilidade (Gell-Coombs) As doenças de hipersensibilidade costumam ser classificadas de acordo com o tipo de resposta imunológi- ca e o mecanismo efetor responsável pela lesão celular e tecidual. Hipersensibilidade do tipo I (imediata) Também denominada de anafilática, esse tipo de hipersensibilidade tem como mediadores IgE específicos para antígenos solúveis ambientais e mastócitos, sendo que essa reação sofre amplificação ou modificação pelas plaquetas, neutrófilos e eosinófilos. A hipersensibilidade imediata enquadra-se como o tipo de doença de hipersensibilidade mais prevalente do mundo e recebe comumente a denominação de alergias ou desordens atópicas. Esse tipo de desordem constitui o protótipo das doenças causadas pela ativação da subpopulação de células TH2 de linfócitos T auxiliares (helper), em que as células T estimulam a produção de IgE e inflamação. As reações de hipersensibilida- de imediata – também chamadas de atopias ou alergias - podem causar uma gama muito grande de sintomas, desde desconfortos e inconveniências mínimas até a morte. Essas reações tendem a ocorrer entre 15-30 minutos após o contato com o antígeno, não obstante, às vezes, possa ter um início mais demorado, de 10 a 12 horas. O mecanismo de reação envolve produção preferencial de IgE em resposta a certos antígenos (mais precisamente, os alérgenos). Ativação de célu- las Th2 Deve-se ressaltar, aqui, a importância das células Th2. Células dendríticas nos epitélios por onde os alérgenos adentram o corpo – como olfatório – capturam esses antígenos, processam-nos e os apresentam a células T CD4 + virgens (naïve), as quais se diferenciam em células Th2. Estas, então, induzem a células B - por meio de ações do ligante CD40 e das citocinas IL-4 e IL-13 - a produzir IgE específicos para o antígeno em questão. Esquematização dos mecanismos e efeitos por trás da hipersensibilidade de Tipo I ou imediata O IgE produzido se liga a receptores específicos nos mastócitos (Fcε) e nos basófilos. Quando esses anticorpos IgE associados às células realizam ligação cruzada – imprescindível para a ativação celular - com um antígeno conhecido, as células sofrem ativação (degranulação) para liberar rapidamente uma variedade de mediadores, os quais, coletivamente, promovem um aumento da permeabilidade vascular, vasodilatação e contração do músculo liso brônquico e visceral. Esses mediadores se responsabilizam, logo, pela resposta alérgica do indivíduo. Os mastócitos podem, ainda, ser iniciados por meio de outros estímulos não alergênicos, tais como o exercício, estresse emocional, agentes químicos, anafilotoxinas (C4a, C3a, C5a). Essas, todavia, não se qualificam como reações de hipersensibilidade, não obstante produzam os mesmos sintomas clínicos. Uma produção acentuada de anafilotoxinas, como a C5a, pode desencadear um quadro de choque anafilático. Nucleotídeos cíclicos apresentam um papel significante sobre a intensidade e efeitos da hipersensibilidade imediata, embora sua função exata ainda não esteja completamente compreendida. Substâncias que alteram os níveis de AMPc e GMPc modificam de modo significativo os sintomas alérgicos. Dessa maneira, substâncias que aumentam AMPc intracelular – como a teofilina e o isoproterenol, para tratamento de asma – parecem aliviar os sintomas alérgicos, sendo utilizados terapeuticamente. Por outro lado, agentes que diminuem AMPc ou estimulam GMPc tendem a agravar as condições alérgicas. A hipersensibilidade imediata pode ser dividida por meio de duas fases: Reação de fase rápida: originária dos mediadoresmastocitários, como a histamina princi- palmente, que promove todo o espectro celular e molecular já explicado, com aumento da vascularização local, por exemplo. As primeiras mudanças clínicas perceptíveis se demonstram pela reação de pápula e de halo eritematoso (borda vermelha característica) para a injeção intradérmica de um alérgeno. Isso tudo tende a ocorrer entre 5 a 10 minutos após a exposição ao antígeno conhecido; Reação de fase tardia ou lenta: caracterizada pelo acúmulo de neutrófilos, eosinófilos, basó- filos e células CD4 + Th2. Processa-se entre 2 a 4 horas após a reação imediata de pápula e eritema. As citocinas proveniente desta subpopulação de Thelper e os mastócitos – bem como os mediadores lipídicos produzidos por estes – responsabilizam-se por essa reação. Essa reação se encontra mediadas por leucotrienos. Testes diagnósticos para hipersensibilidade imediata incluem testes de pele (perfuração e intradérmico), e por uma modificação do ensaio imunoenzimático (ELISA), em que se mede os níveis de anticorpos IgE totais e anticorpos IgE específicos para o antígeno. Estudos revelaram que há certa predisposição genética ao desenvolvimento de alergias e doenças atópicas, estando mutações no próprio MHC humano (HLA) envolvidas com essa hipersensibilidade. Podemos citar, como exemplo, a associação de mutações no MHC de classe II com o desenvolvimento de asma. O tratamento sintomático dessas doenças, usualmente, conse- gue-se por meio de anti-histamínicos que bloqueiam os receptores de histamina. Juntamente a isso, o uso de anticorpos IgG contra porções Fc de IgE que se ligam a mastócitos tem sido aprovado no tratamento de certas alergias, visto que bloqueia a sensibilização de mastócitos. Como já falado, nos casos de reação alérgica se costuma utilizar antiistamínicos – já que a principal substância liberada pelos Esquematização dos mecanismos da asma alérgica Sintomatologia típica de reação anafilática mastócitos é a histamina – e corticoides. Por outro lado, no caso de choque anafilático, recomenda-se o tratamento com adrenalina/epinefrina pela via muscular, sendo considerado uma manobra emergencial. Por fim, a hipossensibilização (imunoterapia ou dessensibilização) qualifica-se como outra modalidade de tratamento bem sucedida para certas alergias, particularmente relacionado a venenos de insetos e, até certo ponto, pólens. O mecanismo ainda não está claro, no entanto existe certa correlação entre o aparecimento de anticorpos bloqueadores de IgG e o alívios dos sintomas. Além disso, células T supressoras (Treg) que inibem especificamen- te anticorpos IgG também participam dessa hipossensibilização. Não há cura para as reações de hipersensibilidade tipo I, apenas a profilaxia de não exposi- ção ao antígeno desencadeador da reação. Exemplos de reações alérgicas de tipo I: Reação alérgica sistêmica (anafilaxia). O tipo mais grave de anafilaxia – o choque anafilático – provoca inchaço e obstrução das vias aéreas superiores e/ou hipotensão imediata, e, caso não tratado, pode ser fatal; Asma atópica/alérgica; Urticária; Rinite alérgica; Dermatite atópica (ou eczema atópico); Alergias alimentares e farmacológicas; Gastroenterite; Hipersensibilidade de tipo II (citotóxica) A hipersensibilidade citotóxica tem com causa anticorpos IgG e IgM que provocam lesão tecidual por meio da ativação do sistema complemento, pelo recrutamento de células inflamatórias (leucócitos) e/ou por interferir nas funções celulares normais. Em outras palavras, são doenças causadas por anticorpos contra antígenos celulares e teciduais, atacando especificamente células ou tecidos onde os antígenos se encontram e, em geral, tais doenças não apresentam caráter sistêmico. Alguns desses anticorpos são específicos para antígenos de determinadas células ou da matriz extracelular, sendo encontrados ligados a células, tecidos ou anticorpos livres na circulação. Os antígenos desencadeadores dessa reação mostram-se, usualmente, de origem endógena, embora agentes químicos exógenos (haptenos) que conseguem se ligar a membranas celulares apresentam a capacidade de promover a hipersensibilidade tipo II. O tempo de reação costuma durar de minutos a horas. Anticorpos (IgG ou IgM) são direcio- nados contra antígenos nas células do próprio indivíduo ou contra anticorpos estranhos ao hospedeiro, como os adquiridos por meio de uma transfusão sanguínea. Isso pode desencadear uma ação citotóxica pelas células NK, ou uma lise mediada pelo sistema complemento. Esquematização dos três mecanismos da hipersensibilidade citotóxica Os anticorpos que causam doenças celulares ou teciduais específicas normalmente são autoanticorpos produzidos como parte de uma reação autoimune contra antígenos nessas células ou tecidos. Testes diagnósticos incluem detecção de anticorpos circulantes contra tecidos envolvidos e a presença de anticorpos e complemento no local da lesão (biópsia) por imunofluorescência. O padrão de coloração é normalmente suave e linear, tal como visto na nefrite de Goodpasture (membrana basal renal e pulmonar) e pênfigo (proteína intercelular da pele, desmossomo). O tratamento, de forma geral, envolve agentes antiinflamatórios e imunossupressores. Exemplos de doenças de hipersensibilidade tipo II: Anemia hemolítica autoimune; Síndrome de Goodpasture (cria anticorpos contra o constituinte de membrana basal dos glomé- rulos) A membrana basal das células pulmonares é semelhante ao dos glomérulos, podendo, assim afetar também os pulmões. Por isso é uma síndrome; Trombocitopenia hemolítica autoimune (púrpura trombocitopenia autoimune; tratamento com soro anti-Rh); Doença hemolítica do recém-nascido (eritroblastose fetal); Miastenia grave (produção de anticorpo contra o receptor de acetilcolina; sintoma principal é fraqueza muscular); Pênfigo vulgar; Vasculite causada por anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos (ANCA); Febre reumática aguda; Doença de Graves (estímulo dos receptores TSH; hipertireoidismo); Anemia perniciosa (bloqueio do fator intrínseco, diminuindo absorção de B12; eritropoi ese anormal); Tireoidite de Hashimoto (bloqueia os receptores TSH; hipotireoidismo); Diabetes insulina resistente; Hipersensibilidade de tipo III (por imunocomplexos) A hipersensibilidade responsável pelo lúpus eritematoso sistêmico (SEL) possui como causa principal os agregados antígenos-anticorpos conhecidos como complexos imunes ou imunocomplexos. Nesses casos, os imunocomplexos acabam por se formar na circulação e, subsequentemente, depositam-se nos tecidos, o que acarreta lesão. Citemos um exemplo clássico na literatura: anticorpos de um animal (um cavalo, por exemplo) introduzidos em nossa circulação – como nos casos de tratamento de veneno de cobra – funcionam como antígenos ao organismo, desencadeando uma resposta imunológica, com a consequente produção de anticorpos. Estes, unidos aos anticorpos do animal, acabam por formar os agregados ou imunocomplexos. A doença promovida por meio desses imunocomplexos (anticorpos e proteínas séricas do cavalo) ficou conhecida com doença do soro. Deve-se ressaltar que os imunocom- Ilustração esquemática do processo pelo qual os imunocomplexos acarretam a lesão tecidual plexos não se restringem, no entanto, a anticorpos ligados a antígenos estranhos, mas também abrangem anticorpos ligados a antígenos próprios. As características patológicas das doenças causadas por imunocomplexos refletem o local da deposição dos agregados, e não da fonte celular do antígeno. Dessa maneira, esse tipo de doenças tende a acometer múltiplos tecidose órgãos, apesar de que alguns se mostram particularmente mais susceptíveis, tais como os rins e a articulações. Os imunocomplexos de tamanho diminutos sofrem excreção renal; os maiores, destruição pelos anticorpos; por fim, os intermediários se depositam nos tecidos, essencialmente em vasos sanguíneos, serosas - pleura, pericárdio, membrana sinovial (articulações) - e glomérulos renais. Graças à ação da IgG e IgM, esses imunocomplexos ativam o sistema complemento, provocando inflamação e hipersensibilidade. A reação do tipo III pode ser classificada como geral (doença do soro) ou localizada, envolvendo órgãos individuais, como pele (lúpus eritematoso sistêmico, reação de Arthus), rins (nefrite do lúpus), pulmões (aspergilose), vasos sanguíneos (poliarterite), juntas (artrite reumatoide) ou outros tecidos. Os complexos antígeno-anticorpo são produzidos durante as respostas imunes normais, todavia eles causam enfermidade somente quando produzidos em quantidades excessivas, não são eliminados de forma eficiente e se depositam nos tecidos. A quantidade de deposição dos imunocomplexos se determina pela natureza do complexo e as característi- cas dos vasos sanguíneos. Complexos pequenos, muitas vezes, não sofrem fagocitose e tendem a se depositar nos vasos mais comumente que complexos grandes, os quais costumam ser eliminados pelos fagócitos. Os imunocomplexos tendem a se depositar nos rins e na sinóvia das articulações devido ao fato de o plasma nessas regiões ser ultrafiltrado (para formar urina e líquido sinovial, respectivamente) pela passagem através da parede dos capilares em alta pressão hidrostática. Além de se depositarem nos tecidos, os imunocomplexos apresentam a capacidade de se ligar a receptores Fc de mastócitos e leucócitos e ativar essas células para secretarem citocinas e mediadores vasoativos. Esses mediadores podem causar a deposição de mais imunocomplexos por aumentarem a permeabilidade vascular e o fluxo sanguíneo. A reação costuma levar de três a dez horas após a exposição ao antígeno (como na reação de Arthus), sendo mediada por complexos imunes solúveis – na maioria de classe IgG, embora IgM também possa estar envolvida. Os antígenos que compõem os complexos podem possuir caráter exógeno (bacteriano crônico, viral ou infecção parasitárias) ou endógeno (autoimunidade não órgão-específica). A deposição de imunocomplexos nas paredes dos vasos desencadeia uma inflamação mediada por receptores Fc e complemento, bem como lesão dos vasos e tecidos adjacentes. O diagnóstico envolve exame de biópsia do tecido para depósitos de Ig e complemento por imunofluorescência. A coloração imunofluorescente na hipersensibilidade tipo III é granular (ao contrário da linear no tipo II, como visto na Síndrome de Goodpasture). A presença de complexos imunes no soro e a diminuição do nível do complemento também são bons meios de diagnóstico. Turbidez mediada por polietileno-glicol (nefelometria), ligação de Gráfico ilustrativo resumindo as características principais dos três primeiro tipos de hipersensibilidade C1q e teste celular de Raji se utilizam para detectar imunocomplexos. O tratamento inclui agentes antiinflamatórios. Exemplos de doenças humanas/reações causadas por imunocomplexos: Poliarterite nodosa; Reação de Arthus (vasculite experimental); Glomerulonefrite pós-estreptocócica; Lúpus eritematoso sistêmico (SLE); Várias formas de nefrites e vasculites; Hipersensibilidade de tipo IV (tardia) Conhecida também como hipersensibilidade mediada por células ou DTH (Delayed Hypersensitivity Reactions), a de tipo IV tem sua causa localizada nos linfócitos T. A lesão tecidual por esses linfócitos pode ocorrer, basicamente, de duas maneiras: Devido ao desencadeamento de processos inflamatórios mediado por citocinas de células T auxiliares; Por meio da eliminação direta das células-alvo pelas células T citotóxicas; Inflamação mediada por citocinas Na inflamação imunomediada, as células Th1, Th2 e Th17 das células T CD4 + secretam citocinas que recrutam e ativam leucócitos – como a IL-17, produzida pela subpopulação Th17. A lesão tecidual, dessa maneira, resulta de produtos de neutrófilos e macrófagos ativados, como enzimas lisossomais, espécies reativas de oxigênio (ROS), óxido nítrico e citocinas pró-inflamatórias. A inflamação associada a doenças mediadas por células T se mostra, usualmente, crônica, no entanto episódios de inflamação aguda podem se sobrepor em um histórico crônico. As lesões inflamatórias crônicas, com frequência, acarretam fibrose como resultado da secreção de citocinas e de fatores de crescimento pelos macrófagos. Muitas doenças autoimunes específicas de órgãos são causadas pela interação de células T autorreativas com antígenos próprios, levando à liberação de citocinas e inflamação, como é o caso da artrite reumatoide, da esclerose sistêmica, do diabetes tipo I, da psoríase e de outras doenças autoimunes. As reações das células T contra microrganismos e outros antígenos estranhos também podem levar à inflamação e lesão tecidual nos locais da infecção ou de exposição do antígeno. A tuberculose se mostra um bom exemplo de doença infecciosa na qual a lesão tecidual se deve principalmente à resposta imunológica do hospedeiro. Grande parte da dispneia associada à tuberculose u infecção fúngica crônica pulmonar tem origem na substituição de tecido pulmonar normal por tecido fibrótico devido à resposta inflamatória exagerada. Ilustração dos processos responsáveis pela hipersensibilidade tardia mediada por citocinas As doenças cutâneas resultando de exposição tópica a substâncias químicas e antígenos ambientais - denominadas sensibilidade de contato – devem-se a reações inflamatórias, presumivelmente desencadeadas por neoantígenos formados pela ligação das substâncias químicas a proteínas próprias. Temos, como exemplos, o rash cutâneo por hera venenosa e carvalho venenoso, e o eritema induzido/dermatite de contato pelo contato com substâncias químicas, com o tiuram (utilizado na confecção de luvas de látex). Algumas dessas reações se tornam crônicas e, clinicamente, recebem a denominação de eczema. As linfocinas importantes envolvidas na reação da hipersensibilidade tardia incluem fator quimiotático dos monócitos, interleucina-2 (IL-2), interferon-gama (IFN-gama) e TFN alfa/beta. Eliminação direta via linfócitos T citotóxicos As células T citotóxicas possuem como função vital eliminar microrganismos intracelulares – como vírus - por meio da destruição da célula infectada. Dessa maneira, a resposta das células T citotóxicas a uma infecção viral pode desencadear lesão tecidual em decorrência da morte celular demasiada, mesmo que o vírus em si não apresente efeito citopático – ou seja, não lese diretamente a célula parasitada. Pode-se citar, como exemplo de infecção viral na qual as lesões se devem à resposta por CTL do hospedeiro, certas formas de hepatite viral. As células T citotóxicas, além disso, apresentam a capacidade de contribuir para o dano tecidual em distúrbios autoimunes causados em sua maior parte por células T CD4 + , como o diabetes tipo I. Existem poucos exemplos na literatura acerca de doenças autoimunes mediadas exclusivamente por CTL. Testes diagnósticos in vivo incluem reação cutânea tardia (por exemplo, Mantoux, teste intradérmico para avaliação da exposição ao Mycobacterium tuberculosis) e teste local (para dermatite de contato). Cita-se, como exemplos de teste in vitro para essa hipersensibilidade, resposta mitogênica, linfo-citotoxicidade e produção de IL-2.Para o tratamento dessas doenças, costuma-se utilizar corticosteroides e outros agentes imunossupressores. A hipersensibilidade do tipo IV se encontra envolvida na patogênese de muitas doenças autoimunes e infecciosas (como tuberculose, hanseníase, blastomicose, toxoplasmose) e granulomas devido a infecções e antígenos estranhos. Outra forma importante de hipersensibilidade tardia é a dermatite de contato (por hera venenosa, agentes químicos, metais pesados) nos quais as lesões se dispõem com característica papular. Várias formas de hipersensibilidade do tipo IV encontram-se na literatura: hipersensibilidade por contato (48-72 horas), hipersensibilidade tipo tuberculínica (48-72 horas) e hipersensibilidade granulomatosa (21-28 dias). Exemplos de doenças/reações por hipersensibilidade tardia: Doença de Crohn; Dermatite de contato; Hanseníase; Esquematização da hipersensibilidade tardia e seus principais mecanismos de ação; Tuberculose; Sarcoidose; Esquistossomose; Testes cutâneos mais relevantes A sensibilidade de um teste está relacionada à sua capacidade de detectar determinada substância a partir de sua concentração. Um teste que consegue detectar pequenas concentrações de determinada substância apresenta uma alta sensibilidade. Prick-test O teste de punctura ou puntura – também conhecido como “prick-test” – qualifica-se como o mais utilizado na prática clínica diária devido à sua fácil execução e alta segurança. Esse teste tem como objetivo a avaliação da hipersensibilidade mediada por IgE ou imediata. O local preferencial para a técnica é a face média ventral dos antebraços, limpando-se a pele não lesada do paciente com algodão e álcool etílico. Após a limpeza, uma gota de cada substância a ser testada, em duplicata, em cada antebraço, é colocada na epiderme do paciente. A pele, então, sofre perfuração perpendicularmente através da gota com uma lanceta individual para cada antígeno, fazendo-se pressão suficiente durante cinco segundos para que a ponta da lanceta penetre a epiderme. Imediatamente após, a pele é enxugada com papel toalha. Usualmente, utiliza-se um controle para eliminar falso-positivos (como soro fisiológico para a Tipo de sensibilidade Mecanismos imunopa- tológicos Mecanismos de lesão teci- dual e doença Exemplos Hipersensibilidade imedi- ata: Tipo I Anticorpos IgE; Mastócitos e seus mediado- res (aminas vasoativas, me- diadores lipídicos, citoci- nas); Anafilaxia, rinite alér- gica, dermatite atópica, asma atópica; Mediada por anticorpos: Tipo II Anticorpos IgM e IgG contra antígenos de superfície celular ou de matriz extracelular; Opsonização e fagocitose de células; Recrutamento e ativação de leucócitos mediados por receptor Fc e complemento; Anormalidades nas funções celulares; Rejeição hiperaguda a transplantes de órgãos, incompatibilidade sis- tema ABO em transfu- sões, Tireoidite de Hashimoto, Síndrome de Goodpasture; Mediada por complexos imunes: Tipo III Complexos imunes de antígenos circulantes e anticorpos; Recrutamento e ativação de leucócitos mediados por receptor Fc e complemento; Lúpus Eritematoso Sistêmico (SLE), rea- ção de Arthus, artrite reumatoide; Mediada por células T: Tipo IV Células T CD4 + (infla- mação mediada por citocinas); Células T CD8 + (citóli- se mediada por células T); Recrutamento e ativação de leucócitos; Morte celular direta, infla- mação mediada por citoci- nas; Dermatite de contato, asma crônica, tubercu- lose, Doença de Crohn, hanseníase, toxoplas- mose, leishmaniose; Ilustração do método cutâneo de prick-test substância controle, já que o soro dificilmente desencadeará alguma reação). A leitura se faz após 15 minutos à exposição do antígeno. As pápulas obtidas são delimitadas com uma caneta esferográfica de ponta fina, sendo considerados positivos os testes cujas pápulas apresentam diâmetro igual ou superior a 3mm. Teste intradérmico Esse teste possui a capacidade de ser utilizado para avaliação de hipersensibilidade imediata, hipersensibi- lidade mediada por imunocomplexos ou hipersensibilidade tardia a um determinado antígeno, o qual é injetado na derme superior com seringa e agulha apropriadas. O teste intradérmico se mostra indicado quando o teste de punctura for negativo. A via intradérmica não se recomenda para testes com alimentos pelo maior risco de reações anafiláticas. A preparação se mostra igual à para o teste de punctura, com o antebraço sendo sítio preferencial para a aplicação. Injeta-se 0,05 a 0,1 mL do antígeno com a agulha, e a leitura se faz após 15 a 30 minutos no caso da reação de Tipo I; após quatro a oito horas, na reação de Tipo III; ou após 24 a 48 horas, na reação de Tipo IV. Testes de contato (TC) O teste de contato – ou patch test - utiliza-se para detectar e definir possíveis agentes químicos exógenos que possam causar determinada dermatite alérgica de contato (reação de Tipo IV). O teste de contato é uma exposição experimental feita em condição especial, limitada local e temporalmente. Não se deve aplicar o TC em locais lesados ou com dermatites, sendo a região dorsal do tronco o sítio mais recomendado. A primeira leitura se faz após 48 horas, ao passo que a segunda se realiza após 96 horas da colocação do teste. As reações alérgicas de contato por hipersensibilidade tendem a aumentar entre a primeira e a segunda leitura, ao contrário das reações irritantes que, no geral, diminuem entre a primeira e a segunda leitura. Os pacientes não deverão estar em uso de corticoides sistêmicos ou imunossupressores 30 antes do Tc, enquanto que corticoides tópicos não devem ser aplicados no local da aplicação do TC pelo menos 72 horas antes destes. Método de teste de contato, ou patch test Imunodeficiência A imunodeficiência se caracteriza como a falha do sistema imunológico em proteger o corpo contra doenças ou malignidades. A imunodeficiência pode ser dividida em imunodeficiência primária – causada por defeitos no desenvolvimento do sistema imune ou mutações genéticas – e em imunodeficiência secundária ou adquirida – composta pela perda da função do sistema imune mediante resultado da exposição a agentes de doenças, fatores ambientais, imunossupressão ou envelhecimento. A principal consequência da imunodeficiência é um aumento da susceptibilidade à infecção. A imunidade humoral deficiente, por exemplo, acarreta maior facilidade à instalação de infecções por encapsulados, bactérias de formação de pus e alguns vírus, ao passo que os defeitos na imunidade mediada por células levam às infecções por vírus e outros microrganismos intracelulares. Pacientes imunodeficientes costumam apresentam quadros de infecções que, em indivíduos imunocompetentes, se resolveriam espontaneamente, as chamadas infecções oportunistas. Além disso, indivíduos imunodeficientes possuem maior susceptibilidade também ao desenvolvimento de certos tipos de câncer, como aqueles provocados por vírus oncogênicos. A maior causa de imunodeficiência em escala global é a desnutrição. Os linfócitos B costumam ser os mais afetados na imunodeficiência primária. Cerca de 50% das imunode- ficiências primárias, logo, afetam os anticorpos. A IgA se mostra a mais comprometida, devido ao fato de se encontrar em todas as mucosas do organismo. Imunodeficiência primária Como dito, as imunodeficiências primárias – também denominadas imunodeficiênciascongênitas – provém de defeitos herdados do sistema imune. A anormalidade etiológica nesse tipo de imunodeficiência pode residir em componentes do sistema inato, em estágios diferentes do desenvolvimento dos linfócitos, ou nas respostas de linfócitos maduros à estimulação antigênica, participando nos mecanismos específicos ou não específicos. Os defeitos se classificam com base no local da lesão nas vias do desenvolvimento ou de diferenciação do sistema imune. Defeitos no sistema imune específico Existe uma variedade gigantesca de imunodeficiências que resultam de defeitos Esquematização dos principais exemplos de imunodeficiência adquirida Ilustração das principais causas de imunodeficiências na diferenciação de células-tronco e envolvem células T, células B e/ou imunoglobulinas de diferentes classes e subclasses. Um defeito no início da hematopoiese que envolve células-tronco resulta em disgenesia reticular que acarreta defeitos imunes gerais e subsequente susceptibilidade a infecções. Tal condição se mostra frequentemente fatal, mas muito rara. Imunodeficiência Combinada Grave A imunodeficiência combinada grave (SCID) caracteriza-se como uma desordem imune marcada por deficiência de células T e prejuízo direto ou indireto de células B. Esse quadro – que pode acometer a imunidade na infância – advém de diferentes causas genéticas, as quais promovem uma resposta inadequada a processos infecciosos. Em cerca de 50% dos pacientes de SCID a imunodeficiência se encontra relacionado ao X – manifestando-se mais comumente, logo, indivíduos do sexo masculino -, ao passo que na outra metade a deficiência possui caráter autossômico. Ambas se caracterizam por uma ausência de imunidade por células T e B e consequente ausência ou redução no número de linfócitos circulantes T e B. A SCID ligada ao X é devida a um defeito na cadeia gama da IL-2 que também é compartilhada com IL-4, IL-7, IL-11 e IL-15, todas elas envolvidas na proliferação e/ou diferenciação linfocitária. Por outro lado, as SCIDs autossômicos ocorrem por defeitos em genes da ADA ou da PNP, que levam ao acúmulo de dATP ou dGTP, e causam toxicidade em células tronco linfoides. Em suspeita de SCID, o paciente não deve receber vacinas com vírus atenuado, pois isso levará ao desenvolvimento da doença. O diagnóstico se baseia na enumeração de células T e B e na medida da imunoglobulina. As imunodeficiências combinadas graves podem ser tratadas por meio do transplante de medula óssea. Desordens de células T Síndrome de DiGeorge Essa síndrome se qualifica como a mais claramente definida imunodeficiência de células T, sendo também conhecida como aplasia tímica congênita ou imunodeficiência com hipoparatireoidismo. A síndrome está associada com hipoparatireoidismo, doença cardíaca congênita, orelhas de implantação baixa e boca pequena. Em pacientes com DiGeorge severamente imunodeficientes, as vacinas atenuadas podem acarretar infecções progressivas. Síndrome de Wiskott-Aldrich A Síndrome de Wiskott-Aldrich salienta-se como uma doença ligada ao X que leva à disfunção da proteína Wiskott-Aldrich (Wap), essencial para inúmeros processos de maturação e funcionalidade de células hematopoiéticas. O espectro clínico da doença se mostra com manifestação de eczema, trombocitopenia e susceptibilidade à infecção bacteriana. Algumas das anormalidades nesse distúrbio podem ser atribuídas à ativação defeituosa das células T – a qual piora progressivamente com a doença, não obstante a perda intrínseca da função das células B também contribua para a patogênese. Exemplo de mecanismo envolvido na manifestação de SCID (note a não diferenciação dos percursores linfoides com consequente ausência de células NK e células T) Síndrome do Linfócito Desnudo A síndrome do linfócito desnudo - conhecida também como deficiência de MHC II – caracteriza-se por anormalidades de expressão do complexo de histocompatibilidade de classe II, levando à ausência da molécula em inúmeras APC. Isso pode resultar na diminuição de células T CD4 + por falhas nos processos de ativação e amadurecimento celular dependentes da apresentação de antígenos ligados ao MHC II para esses linfócitos no timo. Os indivíduos afetados se demonstram deficientes nas respostas de hipersensibilidade tardia e nas respostas dos anticorpos aos antígenos proteicos dependentes das células T. A doença surge no primeiro ano de vida e, a menos que seja realizado um transplante de medula óssea, possui caráter fatal. Distúrbios multissistêmicos com imunodeficiência: Ataxia-Telangiectasia A ataxia-telangiectasia (A-T) classifica-se como uma deficiência de células T associada a uma ausência de coordenação de movimentos (ataxia) e malformações vasculares (telangiectases), déficits neurológicos aumento da incidência de tumores e imunodeficiência. Células T e suas funções se encontram reduzidas em vários graus, e a doença pode afetar também as células B. Os defeitos imunológicos humorais mais comuns são deficiência ou redução pronunciada nos níveis de IgA e IgG2. O espectro da doença ocorre devido a mutações no gene da proteína ATM, a qual se encontra envolvida na proteção da célula contra danos genéticos Desordens de linfócitos B Algumas das doenças nesse grupo podem surgir pelos defeitos no desenvolvimento das células B, ao passo que outras provêm da ativação anormal de células B e produção de anticorpos. De modo geral, a anormalidade primária nas desordens de células B reside na síntese dos anticorpos. Agamaglobulinemia ligada ao X A agamaglobulinemia ligada ao X (ALX) – também denominada Doença de Bruton – salienta-se como uma imunodeficiência humana provocada por mutações ou deleções no gene que codifica uma enzima chamada Bruton tirosina cinase (Btk), o que resulta em uma falha no amadurecimento de células B além do estágio da célula pré-B na medula óssea. Observa-se, assim, uma redução (hipogamaglobulinemia) ou ausência (agamaglobulinemia) dos isotipos de imunoglobulinas no soro – em especial IgG -, todavia a imunidade dependente de células T se encontra normal nessa condição patológica. A ALX se destaca como uma das imunodeficiências congênitas mais comuns e o protótipo de uma falha da maturação das células B. Frequentemente, quadros de infecções bacterianas se evidenciam. Medidas terapêuticas recorrentes envolvem a reposição de imunoglobulinas – anticorpos pré-formados contra os patógenos comuns, fornecendo imunidade passiva eficaz - e o controle dos processos infecciosos. Hipogamaglobulinemia transitória da infância A hipogamaglobulinemia transitória da infância (HTI) caracteriza-se pela acentuada e prolongada hipogamaglobulinemia fisiológica que se processa no inicio da vida – entre os três e seis meses de idade -, momento no qual há decréscimo dos níveis de IgG materna, e a criança – com sistema imunológico ainda em desenvolvimento – não produz de maneira adequada seus anticorpos próprios. As crianças saudáveis tendem a iniciar a produção de suas próprias IgG por volta do terceiro mês de vida, ao passo que em crianças acometidas, contudo, a síntese pode não começar antes dos dois ou três anos. A recuperação espontânea tende a ocorrer entre os 18 e 36 meses de idade. Crianças com HTI podem permanecer assintomáticas ou desenvolver recorrentes infecções sinusais e pulmonares. Casos de infecções graves, no entanto, mostram-se raras. Imunodeficiência variável comum A imunodeficiência variável comum (IDVC) consiste no grupo heterogêneo de alterações marcadas na deficiência na síntese de imunoglobulinas, respostas prejudicadas de anticorpos a diversas moléculas antigênicas, e aumento da incidência de infecções. Essaimunodeficiência requer uma grande atenção médica. A IDVC pode se manifestar em qualquer idade, caracterizada frequentemente por infecções bacterianas recorrentes – especialmente nas vias aéreas -, distúrbios autoimunes e neoplasia. A maioria dos casos se classifica como esporádico, e por volta de 10% de caráter familial com predomínio de formas autossômicas dominantes. Essa doença apresenta prejuízos quanto à sobrevivência de células B, número de células B de memória CD27 + circulantes, ativação de células B, sinalização de células T e expressão de citocinas. O variado leque sintomatológico se deve à diversidade das causas dessa enfermidade. Abaixo, aprofundamo-nos na imunoglobuli- na mais afetada pela IDVC e pelas imunodeficiências primárias, a IgA. Deficiência de IgA A deficiência de IgA é apontada como a mais comum de todas as imunodeficiências – visto que se encontra em, basicamente, todas as mucosas do corpo -, caracterizada pela ausência ou níveis muito baixos de IgA sérica. Pacientes deficientes em IgA apresentam alta susceptibilidade a infecções das mucosas em geral, como gastrintestinais, oculares e nasofaríngeas. O diagnóstico laboratorial se baseia na medição de IgA. Defeitos na ativação das células B dependentes da célula T: Síndromes de Hiper- IgM A síndrome de Hiper-IgM ligada ao X se classifica como uma imunodeficiência primária composta por níveis normais ou elevados de IgM no soro, com ausência ou níveis extremamente baixos de IgA e IgG. Esse fato decorre de mutações da molécula CD40L, expressa em células T, prejudicando sua interação com a molécula CD40 de células B. O comprometimento dessa ligação molecular leva a defeitos no processo de recombinação na troca de classes de imunoglobulinas (Igs) e falhas a imunidade celular. Os pacientes afetados tendem a desenvolver infecções semelhantes àquelas observadas em outras hipogamaglobulinemias, e devem ser tratados com gamaglobulinas intravenosas. Na imunodeficiência de células T e na imunodeficiência de imunoglobulinas, os exames la- boratoriais de triagem são, respectivamente, hemograma e eletroforese de proteínas (EFP). Defeitos no sistema imune inato As imunodeficiências primárias do sistema imune específico incluem defeitos nas células fagocitárias, células NK e no sistema complemento. Doença granulomatosa crônica A doença granulomatosa crônica (DGC) resulta de mutações genéticas nas proteínas do sistema NADPH oxidase – um complexo enzimático localizado na membrana de células fagocitárias, capaz de gerar íons superóxido a partir de oxigênio molecular. A produção defeituosa das espécies reativas de oxigênio resulta em falha para matar microrganismos fagocitados. Ilustração dos mecanismos por trás da doença granulomatosa crônica. As mutações na NADPH oxidase permitem a sobrevivência de microrganismos no interior dos fagócitos, levando à formação do granuloma Essa enfermidade rara afeta cerca de 1 em 1 milhão de indivíduos. A maioria dos casos se detecta antes dos cinco anos de idade – 90% diagnosticados antes dos 15 anos – pelo histórico recorrente e infecções persistentes. Pacientes com essa doença apresentam defeitos nos fagócitos respiratórios, acarretando a incapacidade de inativar certos microrganismos. A forma mais comum de DGC – em cerca de 60% a 65% dos casos – apresenta mutações em uma proteína ligada ao X. Dentre o espectro clínico da doença, podemos citar como principais sintomas a formação de granuloma, linfadenite, pneumonia e hepatoesplenomegalia. A doença se mostra frequentemente fatal, mesmo com a terapia agressiva à base de antibióticos. O trans- plante de medula óssea e seu aperfeiçoamento por meio de engenharia genética de células-tronco hematopoiéti- cas autólogas demonstram futuras implicações da terapia gênica para o tratamento da doença. Deficiência de adesão leucocitária As deficiências de adesão leucocitária (LAD) classificam-se como um grupo de distúrbios autossômicos recessivos provocados por defeitos nas moléculas de adesão leucocitárias e endoteliais, com consequente falta de adesão de leucócitos – em especial neutrófilos – ao endotélio, e o não recrutamento deles aos sítios inflamatórios, acarretando aumento na susceptibilidade a infecções. Diferentes genes se encontram envolvidos nos tipos diferentes de deficiência de adesão leucocitária. Na patogênese desses distúrbios, observam-se infecções de pele recorrentes – sem secreção purulenta, apesar da leucocitose crônica – e aumento do número de neutrófilos circulantes, ainda que estes se mostrem incapazes de se aderir efetivamente ao endotélio dos vasos. Deve ser oferecido aconselhamento genético aos doentes e aos seus familiares. A orientação clínica depende do tipo de LAD. O tratamento deve ser focado no controle das infecções e inclui o uso de antibióticos sendo, em diversos casos, recomendado o transplante de medula óssea. Defeitos nas células NK e em outros leucócitos: Síndrome de Chédiak-Higashi A Síndrome de Chédiak-Higashi se classifica como um distúrbio autossômico recessivo de caráter raro provocada por mutações no gene que codifica a proteína reguladora do tráfico lisossômico LYST. Como resultado, há fusão defeituosa do lisossomo com o fagossomo em neutrófilos e macrófagos (provocando resistência reduzida a infecções), formação defeituosa de melanossoma nos melanócitos (acarretando albinismo), e anormalidades lisossômicas nas células do sistema nervoso (desencadeando defeitos nos nervos) e plaquetas (levando a distúrbios hemorrágicos). De forma geral, os neutrófilos, monócitos e linfócitos desses pacientes contêm lisossomos gigantes. Estes se formam nos neutrófilos durante a maturação destas células de precursores mieloides, sendo que alguns dos precursores acabam por morrer prematuramente, o que resulta em leucopenia moderada. Os sobreviventes podem conter níveis reduzidos de enzimas lisossômicas que normalmente funcionam na morte microbiana. Desordens do sistema complemento Anormalidades nos diversos constituintes do sistema complemento também levam à susceptibilidade aumentada a infecções. A mais severa entre elas é a deficiência de C3, que surge a partir da baixa síntese de C3 ou deficiência no fator I ou fator H. Imunodeficiência secundária As deficiências do sistema imune muitas vezes se desenvolvem devido às anormalidades que não possuem caráter genético, e sim adquiridas durante a vida. A mais relevante dessas anormalidades salienta-se como a infecção pelo HIV. As doenças de imunodeficiência secundária – também chamada de imunodeficiência adquirida – surgem por meio de dois tipos de mecanismos patogênicos. Primeiro, a imunossupressão pode ocorrer como uma complicação biológica de outro processo de doença; Segundo, as chamadas imunodeficiências iatrogênicas podem se desenvolver como complicações da terapia de outras doenças; Podemos listar, como os principais fatores que predispõem as imunodefici- ências secundárias, a desnutrição proteico-calórica (maior causa de imunodeficiências no mundo), as neoplasias e diversos tipos de infecções. Imunodeficiências associadas a infecções Vários tipos de infecções – além da provocada pelo vírus HIV - levam à imunossupressão, como é o caso do vírus do sarampo e do vírus linfotrópico das células T humanas (HTLV-1). Ambos podem infectar os linfócitos, que pode ser uma base para seus efeitos imunossupressores. Imunodeficiências associadas com o envelhecimento Essas incluem um decréscimo progressivo no córtex tímico, hipocelulari- dade e redução no tamanho do timo, um decréscimo nas funções celulares e, logo, um aumento na autorreatividade, além de uma diminuição nas funções das células CD4 + . Imunodeficiências associadascom neoplasias Um exemplo de imunodeficiência associada à neoplasia é a deficiência na função das células T comumente observada nos pacientes com uma doença denominada Linfoma de Hodgkin. Por outro lado, deficiências de células B têm sido notadas no mieloma múltiplo, macroglobulinemia de Waldenstrom, leucemia linfocítica crônica e em linfomas bem diferenciados. Juntamente a isso, a maioria dos agentes quimioterapêuticos que são utilizados no tratamento de malignidades também são imunossupressores. Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS ou SIDA) tem origem nos efeitos patogênicos do vírus da imunodeficiência humana (HIV), caracterizando-se por uma elevada susceptibilidade a infecções por patógenos oportunistas – em decorrência, principalmente, da queda pronunciada no número de células TCD4+ nos estágios mais avançados da doença. Tipos de imunodeficiência congênita Incidência Deficiência predominantemente de anticorpos 55.23% Imunodeficiência primária associada a outros defeitos maiores 15.78% Deficiências de fagócitos 8.33% Imunodeficiências combinadas de células T e B 7.83% Deficiências de Complemento 4.54% Síndromes autoimunes e desregulação autoimune 3.78% Síndromes autoinflamatórios 1.89% Defeitos na imunidade inata 0.82% Mecanismo simplificado do surgimento da AIDS por meio da infecção pelo HIV Imunologia do Transplante Um transplante se qualifica como o processo de retirada de células, tecidos ou órgãos – chamados de enxerto – de um indivíduo e a sua inserção em um indivíduo (geralmente) diferente. Aquele que oferece o enxerto se denomina doador, ao passo que o indivíduo que recebe se chama receptor ou hospedeiro. Tipos de enxerto Autoenxerto: o tecido do próprio indivíduo é transferido de um local para outro do organismo; Isoenxerto: tecido transferido en- tre indivíduos geneticamente idênticos (gêmeos univitelinos); Aloenxerto: tecido transferido entre membros geneticamente distintos de uma mesma espécie; Xenoenxerto: transferência de tecido entre diferentes espécies; Princípios do transplante Um hospedeiro imunocompetentes reconhece os antígenos estranhos em tecidos transplantados (ou células) e monta uma resposta imune, resultando em rejeição. Por outro lado, caso um hospedeiro imunocomprometido seja enxertado com células linfoides imunocompetentes, as células T imunorreativas no enxerto reconhecem os antígenos estranhos no tecido hospedeiro, levando ao dano do tecido do receptor. A importância do HLA se mostra em relação à duração do transplante, e não somente do trans- plante em si. Quanto maior a semelhante antigênica do MHC (como no caso de autoenxertos ou isoenxertos) maior a duração do enxerto sem que haja uma rejeição. Deve-se ressaltar como possíveis contraindicações para a realização de transplantes: Sistema ABO incompatível: a incompatibilidade provoca rejeição hiperaguda do órgão ou tecido transplantado. Os diversos tipos de rejeição serão melhor explicados mais adiante; Infecções por HIV ou hepatite C; Cross-matching positivo: conhecida como reação cruzada entre receptor e doador. Os anti- corpos do receptor desencadeiam resposta agressiva ao HLA do doador. Por sua vez, utilizando a exemplo o transplante renal, o doador pode ser classificado em: Doador Cadáver: a doação post mortem deve ser precedida de diagnóstico de morte encefálica. O dador cadáver precisa apresentar boa função renal, ausência de infecções (como sepse clínica), de doenças sistêmicas ou malignas, e o rim precisa ser doado no menor tempo possível após a morte. Parente vivo: o doador, nesse caso, necessita possuir os dois rins funcionais, ausência de doen- ças transmissíveis (como HIV e hepatite C), sistêmicas e malignas, de vasos sanguíneos anômalos, precisa se encontra em estado psicológico estável, além de um excelente estado de saúde. Para ambos os tipos, deve-se lembrar das contraindicações já citadas. Representação esquemática dos tipos de transplantes possíveis Reação hospedeiro versus enxerto (HGV) A duração da sobrevivência do enxerto segue a ordem decrescente de xenoenxerto, aloenxerto, isoenxerto e autoenxerto. Em outras palavras, quanto maior a diferença genética entre o enxerto e o hospedeiro, menor a sobrevivência do enxerto. O tempo de rejeição também depende da disparidade antigênica entre os doadores e o receptor. Antígenos de MHC salientam-se como os principais contribuintes no processo de rejeição. Como em outras respostas imunes, existe memória imunológica e resposta secundária em rejeição a enxertos. Dessa maneira, uma vez que determinado enxerto sofre rejeição pelo receptor (rejeição primária), um segundo enxerto do mesmo doador – ou um doador com mesmos antígenos de histocompatibilidade – será rejeitado em um tempo muito menor (rejeição secundária). Reação enxerto versus hospedeiro (GHV) Células linfoides histocompatíveis, quando injetadas em um hospedeiro imunocomprometido, são rapidamente aceitas. Todavia, os linfócitos T imunocompetentes entre as células enxertadas reconhecem os aloantígenos – antígenos do hospedeiro – e, em resposta, eles proliferam e progressivamente provocam danos aos tecidos e às células do receptor. Tal condição fica conhecida como Doença Enxerto Versus Hospedeiro (GHV), sendo, na grande maioria das vezes, fatal. Dentre as manifestações comuns da reação GHV, podemos citar diarreia, eritema, perda de peso, mal-estar, febre, artralgia, entre outras, culminando, finalmente, em óbito. Complexo de Histocompatibilidade O complexo de histocompatibilidade humano – conhecido como HLA - contém vários genes que controlam inúmeros antígenos, a maioria dos quais influenciando a rejeição de transplantes. Esses antígenos, bem como seus genes, podem se dividir em três grupos principais: classe I, classe II e classe III. MHC classe I Os genes das moléculas MHC I codificam para glicoprote- ínas expressas na superfície de praticamente todas as células nucleadas. Dentre suas funções – como a de reconhecimento celular -, a mais importante delas se é a apresentação de peptídeos antigênicos a linfócitos TCD8 + (citotóxico). A função efetora dos CTL CD8 + restritos à classe I consiste, basicamente, em eliminar as células infectadas por microrganismos intracelulares – como vírus -, bem como tumores que expressam antígenos tumorais. O MHC de classe I possui três classes principais de genes: HLA-A, HLA-B e HLA-C. Ilustração do processo de rejeição primária e rejeição secundária em camundongos. Note o terceiro quadro onde, embora seja o primeiro transplante da cobaia, a injeção de linfócitos B sensibilizados ao antígeno do enxerto promove a resposta de rejeição de modo muito mais rápido que na rejeição primária. Esquematização dos dois principais grupos de MHC e suas respectivas funções MHC classe II Os genes das moléculas de MHC II codificam para glicoproteínas expressas em células apresentadoras de antígenos (APCs), como células dendríticas, linfócitos B e macrófagos. A função mais importante dessa classe de MHC se mostra a apresentação de peptídeos antigênicos a linfócitos TCD4 + (Thelper). Os linfócitos TCD4 + auxiliares diferenciados após o contato com o antígeno funcionam principalmente para ativar os macrófagos a eliminar os microrganismos extracelulares que foram fagocitados e para ativar os linfócitos B a produzir anticorpos que também eliminam microrganismos extracelulares. O MHC de classe II possui quatro classes principais de genes: HLA-DP, HLA-DM, HLA-DQ e HLA-DR; O HLA-DM apresenta uma função de catalisar a ligação do peptídeo com moléculasde MHC classe II. MHC classe III Esses genes codificam várias proteínas com funções diferentes no sistema imune, como em proteínas séricas, incluindo componentes do sistema complemente e moléculas envolvidas na inflamação. Os antígenos produtos dessa classe de MHC não possuem papel na rejeição de enxertos. Antígenos MHC Especificidades de HLA são identificadas por uma letra por lócus e um número (A1, B5, B7), ao passo que os haplótipos (conjunto de genes em um cromossomo) identificam-se por especificidades individuais, exemplificado na imagem ao lado. Cada indivíduo possui dois cromossomos homólogos, logo há a presença de dois haplótipos (um paterno e um materno). As especificidades do MHC de ratos (H-2), por sua vez, identificam-se por um número. Levando em consideração que os ratos de laboratório são endocruzados, cada linhagem se mostra homozigota com o mesmo haplótipo. O haplótipo nessas linhagens se designa por meio de uma letra pequena (a, b, d, k, q, s); por exemplo, o haplótipo de MHC de rato Balb/c mice é H2 d . Herança Genes de MHC herdam-se como um grupo (haplótipo), um proveniente de cada progenitor. Dessa manei- ra, um humano heterozigoto herda um haplótipo paterno e outro materno, cada um contendo três loci de classe I (A, B e C) e três loci de classe II (DP, DQ e DR). Embora os haplótipos sejam, usualmente, herdados intactos, ocasionalmente há o processo de crossing over entre os cromossomos parentais, resultando em novos haplótipo recombinantes. Isso permite que uma vasta heterogeneidade na combinação de MHC em uma dada população. Rejeição de enxertos Com as características básicas do HLA explicadas, podemos entrar em um dos principais significados clínicos do MHC: o transplante de órgãos. Células e tecidos são rotineiramente transplantados por inúmeros motivos, seja por complicações de determinada doença, seja por funcionamento defeituoso ou insuficiente do órgão. Nesse mundo de transplantes, as reações do hospedeiro contra antígenos do Representação aleatória de dois haplótipos distintos. Haplótipo 1 (paterno): DR4, B43, Cw3, A23; Haplótipo 2 (materno): DR10, B7, Cw5, A33; Tabela esquemática dos tipos de rejeição de enxerto enxerto (HVG), como em aloenxertos, leva à sua rejeição, qualificando-se como o principal obstáculo no transplante de órgãos. O tempo de rejeição de um enxerto varia de acordo com a natureza antigênica do enxerto, bem como com a condição imunológica do hospedeiro. Com base na experiência com transplantes renais, podemos classificar os tipos de rejeição em hiperaguda, aguda, acelerada e crônica. Rejeição hiperaguda A rejeição hiperaguda se caracteriza pela oclusão trombótica da vasculatura do enxerto que se inicia minutos ou horas após o transplante e a anastomose entre os vasos sanguíneos do hospedeiro e do enxerto. Tal resposta inflamatória é mediada por anticorpos sensibilizados preexistentes na circulação do hospedeiro que se ligam aos antígenos endoteliais do doador, tendo a participação posterior, também, do sistema complemento. A rejeição hiperaguda de aloenxertos, quando se processa, é em geral mediada por anticorpos IgG dirigidos contra aloantígenos proteicos – como moléculas do MHC do doador – ou contra aloantígenos menos bem definidos, expressos nas células endoteliais vasculares. Tais anticorpos geralmente surgem como resultado de uma exposição prévia a aloantígenos mediante transfusão sanguínea, transplante prévio ou gestações múltiplas. Caso a titulação desses anticorpos alorreativos for baixa, a rejeição hiperaguda pode se desenvolver lentamente, durante vários dias. A rejeição hiperaguda por anticorpos anti-ABO se mostra muito rara devido ao fato de todos os doadores e receptores serem selecionados para que tenham o mesmo tipo ABO. Os transplantes renais se mostram muito susceptíveis à rejeição hiperaguda. Atualmente, esse tipo de rejeição pode ser prevenido detectando os anticorpos com cross-matching positivo antes da transplantação. Rejeição aguda A rejeição aguda – também conhecida como rejeição primária – caracteriza- se por um processo de lesão do parênquima do enxerto e dos vasos sanguíneos mediada por células T e anticorpos. Logo, podemos classificar essa rejeição em celular – que acarreta morte mediada por célula TCD8+ e leva à necrose do parênquima do enxerto – e em humoral – onde os anticorpos se ligam ao HLA promovendo a trombose intravascular. Antes da imunossupressão moderna, esse tipo de rejeição costumava levar de vários dias a algumas semanas após o transplante. O tempo retardado do início da rejeição se deve ao fato de células T efetoras alorreativas e anticorpos levarem tempo para serem gerados a partir de células T virgens ou de memória em repouso em resposta ao enxerto. Na prática clínica, episódios de rejeição aguda podem ocorrer muito mais tarde – até mesmo anos após o transplante – caso a imunossupressão seja reduzida por qualquer razão. As drogas imunossupressoras salientam-se como muito eficazes na prevenção desse tipo de rejeição. Rejeição acelerada A rejeição acelerada – também chamada de rejeição secundária – classifica- se como aquela que ocorre devido ao transplante de um segundo enxerto que Esquematização do processo básico por trás da rejeição hiperaguda e seu espectro clínico Esquematização do processo básico por trás da rejeição aguda e seu espectro clínico compartilha um número significativo de determinantes antigênicos com o primeiro, o que leva à rejeição rápida, entre dois e cinco dias. Isso se deve à presença de linfócitos T sensibilizados durante a primeira rejeição, sendo a rejeição secundária mediada pela produção imediata de linfocinas, ativação de monócitos e macrófagos e a indução de linfócitos TCD8 + . Rejeição crônica Com os avanços e sucessos no tratamento das rejeições agudas, a principal causa de falha dos aloenxertos e órgãos vascularizados tem sido a rejeição crônica. Esta se desenvolve insidiosamente durante meses ou anos, e pode ou não ser precedida por episódios de rejeição. Os mecanismos e causas responsáveis pela rejeição crônica ainda se mostram pouco compreendido, no entanto é provável que envolvam uma combinação de processos imunológicos e não imunológicos. Dentre as hipóteses, podemos listar infecções virais crônicas, perda de tolerância induzida pelo enxerto com ativação de células T alorreativas e secreção de citocinas, efeitos tóxicos de fármacos imunossupressores, entre ouras. Uma lesão dominante da rejeição crônica em enxertos vascularizados é a oclusão arterial como consequência da proliferação de células musculares lisas da íntima, e os enxertos falham no fim, principalmente devido ao dano isquêmico resultante. A rejeição crônica pode afetar os mais diversos órgãos do organismo. No rim e no coração, resulta na oclusão vascular e na fibrose intersticial; nos pulmões, em vias aéreas pequenas espessadas (bronquiolite obliterante); no fígado, em ductos biliares fibróticos e não funcionais – conhecido como síndrome do desaparecimento dos ductos biliares). Infelizmente não existe um tratamento padrão para rejeições crônicas. Locais e tecidos imunologicamente privilegiados Há certos locais no corpo em que os antígenos alógrafos não são prontamente rejeitados. Tais sítios incluem o cérebro, a câmara anterior dos olhos, testículos, túbulo renal, útero, entre outros. Esses tecidos recebem a denominação de tecidos privilegiados, e isso se deve ao fato de que tais locais não apresentam uma boa drenagem linfática. Dessa maneira, os aloantígenos do enxerto não sensibilizam os linfócitos do receptor, e o enxerto pode ser aceito mesmo naincompatibilidade entre HLAs. Prevenção e tratamento da rejeição de aloenxertos Caso o receptor de um aloenxerto apresenta um sistema imune plenamente funcionante, o transplante resulta, quase invariavelmente, em alguma forma de rejeição. Dentre as estratégias utilizadas na prática clínica para evitar ou retardar a rejeição, destacam-se a imunossupressão geral e a minimização da força da reação alogênica específica – por meio, por exemplo, da seleção de doadores adequados ou mais apropriados. Seleção de doadores Baseados nas variadas experiência com transplantes renais, certos guidelines podem ser obedecidos na seleção de doadores e receptores na preparação para a maioria dos transplantes de órgãos. O mais importante na escolha de doares reside na identidade de MHC com o hospedeiro, encabeçando os gêmeos idênticos como doadores ideais. Enxertos de um irmão HLA compatível apresentam boas chances de sucesso, sendo que o loci D do MHC II precisa ser compatível para o sucesso do transplante. Além disso, na escolha do doador, deve-se atentar à presença do sistema ABO-compatível (para evitar a rejeição hiperaguda) e o cross-match sérico negativo com os linfócitos T do doador. Esquematização do processo básico por trás da rejeição crônica e seu espectro clínico Teste de compatibilidade cruza- da Caso um doador potencial seja identificado, realiza-se um teste denominado teste de compatibilidade cruzada (crossmatching), onde se verifica a existência, no receptor, de anticorpos sensibilizados às células do doador. Faz-se o teste misturando o soro do receptor com os linfócitos sanguíneos do doador. Testes de citotoxicidade mediados por complementos ou avaliações por citometria de fluxo podem, então, ser utilizados para determinar se anticorpos no soro do receptor se ligaram às células do doador. Por exemplo, acrescenta-se o complemento à mistura de células e soro, e caso anticorpos pré-formados - normalmente contra as moléculas de MHC do doador - estiverem presentes no soro do receptor, as células do doador sofrerão lise. Este seria o cruzamento positivo, que indica que o doador não é adequado para aquele receptor. Imunossupressão A terapia de imunossupressão se mostra a parte essencial para transplantes alogênicos. Fármacos imunossupressores que inibem ou destroem os linfócitos T classificam-se como os principais agentes para o tratamento ou prevenção a rejeição de enxertos. Em decorrência disso, fica claro entender por que a imunossupressão sustentada necessária para a sobrevida prolongada do enxerto leva a um aumento na susceptibilida- de a infecções virais e tumores associados, já que promove a redução na produção e/ou funcionalidade das células T. Dentre os agentes recentes mais eficientes, podemos citar a ciclosporina A, FK506 (tacrolimus) e a rapamicina. A ciclosporina A e FK506 participam inibindo a síntese de citocinas – em especial a IL-2 – após a ligação do antígeno ao receptor, ao passo que a rapamicina interfere na transdução de sinal após a interação IL-2 com o receptor de IL-2. Dessa maneira, todos os três agentes possuem o poder de bloquear a proliferação de células T em resposta ao antígeno. Outros agentes químicos utilizados para impedir a rejeição de enxertos e seus efeitos generalizados listam-se na tabela ao lado. A irradiação de corpo inteiro apresenta papel especial em pacientes de leucemia antes do transplante de medula óssea. Anticorpos anti-células T (globulina antitimocítica: ATG) ou contra estruturas de superfície das células T (como CD3, CD4, C45) estão sendo utilizados também para conseguir imunossupres- são. Juntamente a isso, anticorpos monoclonais contra as moléculas de adesão de superfície celular ICAM-1 e LFA-1 salientam-se como outro alvo das terapias imunossupressoras. Utilizam-se rotineiramente também agentes inflamatórios (corticosteroides como a dexametasona e a prednisona) na prevenção e tratamento da rejeição de enxertos pelo seu efeito bloqueador de TNF e IL-1. Teste de compatibilidade cruzada entre receptor e doador. Em (a), a sensibilidade é aumentada ao se adicionar antiglobulina humana (AHG) antes de colocar o complemento no teste de compati- bilidade cruzada de citotoxicidade dependente de complemento (CDC). Em (b) temos o teste de compatibilidade cruzada por citometria de fluxo, a qual não depende da ativação do complemento para a detec- ção de anticorpos, além de apresentar sensibilidade muito maior do que o teste de CDC. PMBC: Células mononucleares do sangue periférico. P Transplante de medula óssea No transplante de medula óssea, o fator crucial na seleção do doador reside na compatibilidade com o MHC classe II. Mais uma vez, repete-se os gêmeos idênticos como doadores ideias. Adota-se o transplante para o tratamento de leucemias, certos linfomas, anemia aplásica, talassemia e doenças de imunodeficiência, como a imunodeficiência combinada grave (SCID). Para tal procedimento, necessita-se que o receptor esteja imunossuprimido, utilizando-se ciclofosfamida e irradiação de corpo inteiro para eliminar todas as células cancerosas ou defeituosas. Em casos de rejeição, manifestar-se-á no hospedeiro a doença enxerto versus hospedeiro (GVHD), já falada no começo desse capítulo. Para controlar a GVHD, usam-se metotrexato, ciclosporina e prednisona, como comentado mais acima. Associação do MHC com doenças Inúmeras doenças têm sido encontradas ocorrendo em frequências maiores em indivíduos com certos haplótipos de MHC. As mais proeminentes entre elas são a espondilite anquilosante (B27), a doença celíaca (DR23) e a Síndrome de Reiter (B27). Outras doenças associadas com especificidades diferentes do MHC listam- se na tabela ao lado. Imunidade tumoral A proliferação celular de nosso corpo sofre cuidadosa regulação por meio de inúmeros mecanismos e sistemas específicos. Todavia, nossas células – quando expostas a carcinogênicos químicos, irradiação e certos vírus – podem sofrer mutações em seus componentes, promovendo a proliferação e disseminação descontrolada, o que produz um tumor ou neoplasia. A neoplasia classifica-se como uma proliferação anormal do tecido, que foge parcial ou totalmente ao controle do organismo e tende à autonomia e à perpetuação, com efeitos agressivos sobre o hospedeiro. Classificação Podemos caracterizar os tumores, por meio de inúmeras características em dois grupos básicos: benignos e malignos. Tumores benignos Os tumores benignos tendem a apresentar um crescimento lento e expansivo determinando a compressão dos tecidos vizinhos, o que leva à formação de uma pseudocápsula fibrosa. Devido a esse crescimento lento, os tumores benignos também possuem estrema e uma rede vascular adequada - estruturas essenciais para a sobrevivência dos tecidos de modo geral – por isso raramente apresentam necrose e hemorragia. A morfologia dos tumores benignos – chamada de bem diferenciada – mostra-se semelhante à das células do tecido que lhe deu origem. Além disso, em tumores, o número de mitoses se encontra inversamente relacionado com o grau de diferenciação: quanto mais diferenciado for o tumor, menor será o número de mitoses observadas e menor a agressividade. Em tumores benignos, as mitoses se demonstram raras e têm aspecto típico. Por fim, em relação à antigenicidade tumoral, deve-se ressaltar que as células dos tumores benignos – por serem bem diferenciadas – não apresentam a capacidade de produzir antígenos. Tumores malignos Nos casos dos tumores malignos, o crescimento rápido,desordenado, infiltrativo e destrutivo não permite a formação da pseudocápsula, além de que – devido à rapidez e desorganização do crescimento, da infiltração e do alto nível de duplicação celular – os tumores malignos apresentam uma desproporção entre o parênquima tumoral e o estroma vascularizado. Isso acarreta áreas de necrose ou hemorragia, de graus variáveis com a velocidade de crescimento e a “idade” tumorais. Em relação à morfologia, as células dos tumores malignos – células pouco diferenciadas - perdem suas características do tecido de origem, têm graus variados de diferenciação e, portanto, guardam pouca semelhança com as células que as originaram. Em Ilustração das principais características de tumores benignos (A) e malignos (B) Muitos tipos de tumores benignos, por diversos motivos, podem se tornar agressivos e evoluírem para neoplasias malignas (cânceres), como represen- tado na figura neoplasias malignas, as mitoses ocorrem em maior número quando comparadas às benignas e são atípicas. Quanta à antigenicidade tumoral, as células malignas – pouco diferenciadas – conseguem produzir antígenos tumorais, o que permite o diagnóstico tardio e precoce de alguns tipos de câncer. Finalmente, evidencia-se importante salientar as duas propriedades principais das neoplasias malignas: a capacidade invasivo-destrutiva local e a produção de metástases. Por definição, a metástase constitui o crescimento neoplásico à distância, sem continuidade e sem dependência do foco primário. Evidência da reatividade imune a tumores Existem muitas evidências de que tumores podem disparar uma resposta imune. Tais evidências incluem: Tumores com infiltração mononuclear severa apresentam um melhor prognóstico do que os que não a tem; Certos tumores regridem espontaneamente (como alguns melanomas e neuroblastomas), suge- rindo uma resposta imunológica; Algumas metástases tumorais regridem após a remoção do tumor primário, que reduz a carga tumoral e, por essa razão, induz o sistema imune a matar o tumor residual (metastático); Não obstante a quimioterapia leve à rejeição de um grande número de células tumorais, as poucas que escapam da ação das drogas podem crescer muito mais e levar o hospedeiro a óbito; Há um aumento na incidência de neoplasias malignas em pacientes imunodeficientes, tais como os acometidos pela AIDS - os quais são susceptíveis a Sarcoma de Kaposi – e pacientes transplantados – que apresentam maior probabilidade em desenvolver o linfoma induzido pelo vírus Epstein Barr (EBV); Anticorpos tumor-específicos e linfócitos T (detectados nos testes de citotoxicidade e resposta proliferativa) têm sido observados em pacientes com tumores; A população infantil e de idosos demonstram uma incidência aumentada de tumores, muito provavelmente devido ao fato de esses membros da população possuírem frequentemente um sistema imune comprometido; Hospedeiros podem ser imunizados especificamente contra vários tipos de tumores, demonstran- do que antígenos tumorais podem disparar uma resposta imune. Antígenos associados a tumor Para que o sistema imune reaja contra um tumor, este deve ter antígenos reconhecidos como estranhos pelo organismo. Várias alterações na expressão de genes ocorrem em células durante a tumorigênese. Esta leva à expressão de novos antígenos – os neoantígenos – ou à alteração dos antígenos existentes que se encontram nas células normais. Esses antígenos incluem receptores de membrana – como o MHC -, reguladores do ciclo celular e apoptótico, ou moléculas envolvidas nas vidas de transdução de sinal. A primeira classificação de antígenos tumorais se baseou nos seus padrões de expressão, e os dividiu em duas classes A célula tumoral, usualmente, expressa antígenos estranhos ao organismo, os neoantígenos, que podem ou não ser reconhecido e eliminado pelas células imunes do organismo principais: Antígenos específicos de tumores: os quais se enquadram como antígenos expressos em célu- las tumorais, mas não em células normais. Alguns desses antígenos se mostram exclusivos a um tumor específico, ao passo que outros são compartilhados por tumores do mesmo tipo. Antígenos associados a tumores: esses antígenos se expressam não somente nas células tu- morais, mas também em células normais. Usualmente, esses antígenos são constituintes celulares normais cuja expressão se torna aberrante ou desregulada em tumores. Nessa categoria se enquadram os antígenos de transplante associados a tumor (TATA). A classificação moderna de antígenos tumorais se baseia na estrutura molecular e fonte de antígenos expressos por células tumorais que estimulam respostas de células T ou de anticorpos em seus hospedeiros. Incluem-se nos antígenos tumorais, ainda, antígenos de vírus oncogênicos, antígenos oncofetais (OFs), antígenos câncer-testículo (CTs), antígenos glicolipídicos e glicoproteicos alterados, antígenos de diferenciação tecido-específicos e antígenos hiperexpressados. Antígenos de transplante associados a tumor (TATA) Em sistemas experimentais, foi bem demonstrado que certas neoplasias apresentam antígenos na superfí- cie celular que impedem o transplante tumoral entre camundongos da mesma linhagem e, consequentemente, histocompatíveis. Essas substâncias indutoras da uma resposta imune eficaz recebem a denominação de antígenos de transplante associados a tumores (TATA). Antígenos oncofetais Os mais clássicos e estudos antígenos tumorais humanos são, na realidade, antígenos fetais ou oncofetais, os quais se expressam em altos níveis no feto e em células cancerosas, mas se encontram ausentes em tecidos de adultos. Eles são o antígeno carcioembriônico (ACE) e a alfa-fetoproteína (AFP). Antígeno carcioembriônico O antígeno carcioembriônico (ACE) foi descrito como sendo um marcador de adenocarcinomas do trato digestivo. Atualmente, sabe-se que os níveis séricos dessa proteína se mostram elevados em uma gama muito grande de afecções – malignas ou não. Por meio de métodos extremamente sensíveis de radioimunologia, o ACE secretado pela célula tumoral é detectado no soro dos pacientes. Os seus níveis séricos se encontram elevado em aproximadamente 75% dos casos de tumor colorretal e mais de 90% no de câncer de pâncreas, sendo que os níveis normais beiram os 2,5 ng/mL. O CEA (CD66) classifica-se como uma proteína integral de membrana altamente glicosilada, pertencente à superfamília das imunoglobulinas e funciona como uma molécula de adesão intercelular. Devido ao fato de os níveis séricos de CEA se demonstrarem elevados em pacientes com diversos tipos de carcinomas – como já dito -, eles são utilizados para monitorar a persistência ou a recorrência de tumores após o tratamento, bem como monitorar a eficácia do tratamento antitumoral. A utilidade do CEA como marcador diagnóstico para o câncer se salienta limitada pelo fato de o CEA sérico se elevar também em quadros de doenças não neoplásicas, como condições inflamatórias crônicas intestinais ou hepáticas. No entanto, na identificação a presença de neoplasia, anticorpos monoclonais anti-ACE radiomarcados têm sido utilizados experimentalmente para a detecção de metástases tumorais. Diagrama esquemático demonstrando como o antígeno carcioembriônico (CEA) induz respostas antitumorais mediadas por células T CD4+ e T CD8+ Alfa-fetoproteína A alfa-fetoproteína (AFP) – primeiro antígeno oncofetal identificado - enquadra-se como uma glicoprote- ína circulante normalmente sintetizada e secretada no desenvolvimento fetal pelo saco vitelino e pelo fígado, sendo que na vida adulta ela sofre substituição pela albumina. Níveis séricos de AFP podem estar significativa- mente
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