Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Capítulo 1 – O que é Psicolinguística Introdução Para o estudo da Psicolinguística, é importante mencionar que a disciplina é identificada muito mais por um agrupamento de estudos já existentes, e que tem alguma identidade científica, do que em função da formalização de um campo de pesquisas que contém um mesmo objeto e uma metodologia próprios. Estudiosos procuram, a partir de suas concepções e abordagens teórico-metodológicas, descrever e delimitar esse assunto de pontos de vistas diferentes. Para discorrermos sobre essa temática, apoiar- nos-emos em autores como Lyons (1987) e Baliero Jr. (2000). Pretendemos, neste capítulo, apresentar o percurso histórico e a evolução dos estudos da Psicolinguística e compreendê-la em relação a outros campos conexos, sobretudo, a Psicologia e a Linguística. Com isso você poderá compreender as raízes históricas e a evolução da Psicolinguística e situar a Psicolinguística em relação a outros campos, principalmente, em relação à Psicologia e à Linguística. Para que você possa compreender qual é o objeto de estudo da Psicolinguística é necessário que retome os estudos sobre o modelo gerativo de Chomsky, a fim de que possa apreender melhor esse período Linguístico. Os estudos da Psicologia também poderão auxiliá-lo na compreensão sobre o comportamentalismo e a Psicologia Cognitiva. 1.1 As raízes históricas da Psicolinguística Os primeiros estudos relacionados à Psicolinguística faziam parte de um campo interdisciplinar relacionado à Psicologia e à Linguística, intitulado Psicologia da Linguagem, e tinha como objeto de estudo o relacionamento entre o pensamento (ou o comportamento) e a linguagem. Nessa primeira fase, os pesquisadores procuravam muito mais responder às discussões comuns referentes às duas disciplinas, que ainda tentavam se firmar enquanto ciências propriamente ditas, do que apropriar-se de um conjunto de bases filosóficas e ADM Realce ADM Realce epistemológicas consistentes. Veja a figura a seguir para compreender os movimentos opostos: Psicologia Linguística Linguística Psicologia A Psicologia, segundo Baliero Jr. (2000, p. 173), almejava estabelecer as relações entre a organização do sistema linguístico e a organização do pensamento, por meio do recurso à teoria e à pesquisa Linguística, conforme demonstram os textos clássicos de Piaget (1923), Vygostsky (1934) e Skinner (1957). Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre as teorias de Skinner, sugerimos a leitura do texto Teoria Behaviorista-Estrutural, escrito pela professora Vera Menezes e que se encontra disponível no sítio <http://www.veramenezes.com/behaviorismo.pdf>. É só acessar e começar seus estudos sobre esta temática! Outra sugestão de leitura que indicamos refere-se ao texto de Santos, disponível em <http://www.faced.ufba.br/rascunho_digital/textos/305.htm> e cujo título é Vygotsky & Piaget e a questão da linguagem e do pensamento. Acesse este sítio eletrônico agora mesmo e dê continuidade aos seus estudos! Duas abordagens diferentes transitavam da Psicologia para a Linguística: a primeira, de origem europeia, era chamada de mentalista, procurava explorar o pensamento por meio do estudo da linguagem; a segunda, essencialmente comportamentalista, de origem norte-americana, tentava compreender o comportamento linguístico, reduzindo-o a uma série de mecanismos de estímulo-resposta. O inverso, da Linguística para a Psicologia, caminhava na tentativa de não psicologizar a Linguística, preocupação expressa por linguistas da época. Esse foi um momento importante para os estudiosos da linguagem graças ao nascimento da Linguística e do comportamentalismo na Psicologia. Segundo ADM Realce Scliar-Cabral (1991) citado por Baliero Jr (2000, p. 174), os comportamentalistas reduziam a linguagem a atos de fala observáveis, minimizando o papel de estruturas mentais ou cognitivas, enquanto os estruturalistas, especialmente Bloomfield (1993), acabaram por considerar a Semântica como não acessível à pesquisa Linguística. Esse tipo de concepção tornou-se insustentável, uma Psicologia que não pretendia estudar a mente e a uma Linguística que não aceitava estudar o significado. Comportamentalista: é o conjunto das teorias psicológicas que postulam o comportamento como único, ou ao menos mais desejável, objeto de estudo da Psicologia, propondo a observação de modo mais objetivo do comportamento, tanto humano quanto animal, dando atenção a comportamentos observáveis através de estímulos e respostas, não fazendo uso do método de introspecção. Saiba mais A definição acima está disponível no sítio <http://pt.wikipedia.org/wiki/Comportamentalismo#cite_note-abbagnano2-0>. Leia mais sobre esse assunto e veja sobre as bases epistemólogicas defendidas pelo Compostamentalismo. Nesse sítio você poderá, ainda, aprofundar a sua leitura conhecendo alguns dos principais teóricos dessa corrente de pensamento. Estruturalismo: coloca de início o princípio da imanência, limitando-se ao linguista o estudo dos enunciados realizados (corpus), tentando definir sua estrutura (arquitetura, a independência dos elementos internos). Outro traço importante do estruturalismo é a distinção sobre diversas formas de um código linguístico (língua) e suas realizações (fala). Assim, o estruturalismo baseia a economia Linguística no funcionamento sincrônico do código. (DUBOIS, 1998, p. 248 e 249). Veja, no próximo tópico, sobre o período formativo, que ocorreu no período do pós-guerra, 1.2 Período formativo Logo após a Segunda Guerra Mundial, vários foram os inventos, descobertas, teorias e pesquisas que surgiram. Havia uma necessidade de sistematização de esforços entre os cientistas que trabalhavam com problemas e situações comuns. É inaugurada a fase chamada Período Formativo, que surgiu a partir do Seminário de Verão de Pesquisa em Ciência Social, realizado na Universidade Cornell, em 1951. A Psicolinguística surge, de fato, a partir de um segundo Seminário de Verão, realizado em 1953, coordenado por Osgood e T. Sebeok, que publicaram um texto intitulado Psycholinguistics: a survey of theory and research problems. Continuavam ainda os estudos da Psicologia orientados para a Linguística e pesquisas da Linguística orientadas para a Psicologia. Isso ocasionava uma dispersão teórica, pois não havia uma delimitação própria para o campo da Psicolinguística. 1.3 Período linguístico A partir da publicação da resenha do livro Verbal Behavior de Skinner, Chomsky, em 1959, tece diversas críticas ao comportamentalismo e ao estruturalismo vigentes na época. Esse autor propõe uma nova abordagem mais focada no racionalismo e no método dedutivo. Chomsky citado por Balieiro Jr (2000, p. 176) assinala que a ciência da linguagem deve partir de uma teoria forte, da qual deduz afirmações que devem ser testadas contra os dados, obtidos a partir de experimentos especialmente desenhados para efetuar tais testes. Todas essas críticas abalaram as bases da Psicolinguística até então discutidas pelos estudiosos. De forma gradual, elas minimizaram a influência do comportamentalismo e reavivaram o mentalismo, agora alicerçado em novas bases teóricas. Tem- se o início da fase chamada Período Linguístico. A partir daí, a Psicolinguística passa a ter como concepção teórico-metodológica o modelo gerativo chomskiano. Mentalismo: Chomsky e aqueles que, com ele, adotam os princípios do gerativismo reivindicaram o fato de que a linguagem fornece dados em favor do mentalismo: isto é, em favor de uma crença na existência da mente. O mentalismo chomskiano é voltado ao seu antifisicismo ou antimaterialismo e, mais particularmente, no contexto do que consistiu nas ideias previamente reinantes na Linguística e na Psicologiaamericanas, o seu antibehaviorismo. (LYONS, 1987, p. 223). Gerativismo: a gramática gerativa, elaborada por Chomsky, descreve uma teoria que procura dar conta da criatividade do falante, a partir de sua capacidade de emissão e compreensão de frases inéditas. Para ele, a gramática é um mecanismo finito capaz de gerar um conjunto infinito de sentenças gramaticais bem formadas de uma dada língua. Na concepção de Chomsky, uma gramática bem formada é composta de três partes: componente sintático, componente semântico e componente fonológico e fonético. Essa teoria Linguística teria como escopo de discussão a competência e não a performance. Competência: a competência linguística de um falante é aquela parte do conhecimento responsável pelo conhecimento linguístico propriamente dito. O falante, a partir dessa noção, é capaz de produzir um conjunto infinito de sentenças que constitui sua língua. Performance: é o comportamento linguístico determinado não apenas pela competência linguística do falante, mas também por uma variedade de fatores não linguísticos que incluem, por um lado, convenções sociais, crenças acerca do mundo e, por outro lado, o funcionamento psicológico e fisiológico envolvidos na produção dos enunciados. (LYONS, 1987, p. 215). Gramática Universal: tem como princípio estudar os mecanismos necessários e comuns a todas as línguas, ou seja, os universais linguísticos. Seu objetivo seria descrever uma Gramática Universal que pudesse permitir compreender como a linguagem surge e se diferencia, em línguas distintas, na mente humana. No gerativismo, o componente central é a sintaxe, deixando de fora dos estudos a semântica. No entanto, essa abordagem não obteve muito sucesso, pois as pesquisas foram demonstrando que a sintaxe não pode ser focada como o centro do processamento. Processamento aqui é entendido como o conjunto de passos ou operações mentais que se pressupõe que sejam importantes para que o falante-ouvinte ADM Realce possa elaborar, produzir ou interpretar mensagens linguísticas. Além do mais, a Gramática Gerativo Transformacional, nome dado à teoria de Chomsky, foi declinando pela rapidez com que foi submetida a várias revisões e modificações em seu modelo. Gramática Universal: tem como princípio estudar os mecanismos necessários e comuns a todas as línguas, ou seja, os universais linguísticos. 1.4 Período cognitivo A partir das mudanças no modelo gerativo-transformacional, sobretudo as concernentes aos fatores pragmáticos e semânticos, desconsiderados no primeiro momento por Chomsky, possibilitaram transformações e evolução na teoria da Psicolinguística. Kess (1992) propõe nova fase, denominada de período cognitivo. Os cognitivistas tinham como proposta a subordinação da linguagem a fatores de ordem cognitiva. Balieiro Jr. (2000, p. 179) afirma que As estruturas linguísticas (ou sintáticas) não são adquiridas separadamente de conceitos semânticos e funções discursivas, além de estarem submetidas ao governo de princípios cognitivos. A aquisição da linguagem é explicada como o resultado da interação entre vários fatores, de tal forma que os sistemas linguísticos são, em uma ultima análise, um produto de estruturas cognitivas mais básicas e mais profundas. O paradigma cognitivo, então, rejeitou a centralidade e a independência da gramática, sustentando não somente que a capacidade cognitiva descrita pelos estudos da gramática sobre a competência é apenas uma das manifestações da linguagem humana, mas também que não é mais importante que, ou independente de, outros sistemas cognitivos ou comportamentais envolvidos na aquisição e no uso da linguagem. (grifo nosso). Os estudiosos desse período aproximaram a Psicolinguística das ciências cognitivas, assinalando a interdisciplinaridade com outras ciências conexas como a Psicologia, a Antropologia e a Filosofia da Linguagem, além de trazerem para o campo de trabalho a Inteligência Artificial e os seus modelos computacionais. 1.5 Como anda o atual estágio da Psicolinguística Kess (1992) denomina esse estágio de período da teoria da Psicolinguística, realidade psicológica e ciência cognitiva. Para o pesquisador, esse campo é um estado de transição, pois recobre estudos de várias áreas, como também a Psicologia e a Linguística. É um momento em que a Psicolinguística aponta a interdisciplinaridade e alguns modelos de caráter computacional, como duas grandes características promissoras desta nova fase de investigação. Apoiado nos estudos da gramática cognitiva, Kess (1992) afirma que a premissa principal da linguagem não é um sistema autocontido, desvinculado de outros sistemas cognitivos, e que, por isso, não pode haver separação entre os achados da Linguística e da Psicologia cognitiva. 1.6 Situações de níveis de análise e elementos Garman citado por Balieiro Jr. (2000), apresenta um modelo esquemático da cadeia da fala que ilustra o que ocorre entre um falante e um ouvinte e possibilita, também, distinguir três níveis de análise do processamento linguístico. • Nível linguístico: relaciona-se à ideia de codificação e decodificação da mensagem. Como exemplificação, é nesse nível que vamos identificar se o ouvinte compreendeu uma mensagem como “oia”, sendo, por exemplo, um apelo para que se olhasse para algo. • Nível fisiológico: relaciona-se à produção e à recepção da fala. É neste nível que devemos observar o aparelho fonoarticulatório no momento que o falante diz “oia” e constatar, por exemplo, que a substituição do lh por i diminuiu a utilização da articulação dos músculos, sendo visível a economia de energia. • Nível acústico: é nesse nível que se formam as ondas sonoras que constroem a ponte entre o falante e o ouvinte. É possibilitado, nessa fase, o discernimento de quais as peculiaridades físicas das ondas de som foram identificadas como “oia” e compreendidas como “olha”. Garman cita ainda três elementos fundamentais nesse processamento. • Sinal linguístico: refere-se a um conjunto de situações ambientais, acústicas no caso da fala e visuais no caso da escrita. • Atividade neurofisiológica: conjunto de operações que ocorrem no cérebro, órgãos sensoriais e aparelhos articulatórios dos indivíduos envolvidos na situação linguística. • Sistema linguístico: conjunto abstrato dos elementos que formam uma língua e aos princípios que governam as relações entre esses elementos. Esses três elementos que compõem o processamento linguístico não podem ser confundidos com os níveis de análise, mas podem ser entrecruzados com eles. Por exemplo, o sinal linguístico foia possui propriedades acústicas. É recebido por meio de atividades fisiológicas (sensoriais, motoras e cerebrais), e é sistematizado a partir de um código linguístico que compartilham o falante e o ouvinte. Isto quer dizer que quando o falante emite foia o sistema linguístico português admite o decaimento de lh por i, mas nunca por fora, pois, neste exemplo, o português não permite a troca de lh por r. Caso seja pronunciado fora, o falante-ouvinte da língua materna não poderia entender folha. Saiba mais Leia o texto A pesquisa em psicolinguística da linguista Joselaine Sebem de Castro que fomenta uma discussão sobre o percurso histórico e contextualizador da Psicolinguística. O artigo está disponível no sítio <http://www.pucrs.br/edipucrs/online/pesquisa/pesquisa/artigo13.html>. Neste primeiro capítulo, estudamos as raízes históricas e a evolução da Psicolinguística, bem como a situamos em relação a outros campos conexos, principalmente, quanto à Psicologia e à Linguística. Você deve lembrar, por fim, que embora a pesquisa Psicolinguística tenha sido fortemente influenciada pelo gerativismo nas últimas décadas, seria um equívoco pressupor que todosos psicólogos que pesquisam a linguagem tenham se preocupado com a validade deste ou daquele modelo gerativo do sistema linguístico.
Compartilhar