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1 Disciplina: Sistemas de Tratamento de Águas Residuárias I Notas de aulas – 2016/1 Profº MSc. José Alfredo Dallarmi da Costa Notas de aulas – Fundamentos da digestão anaeróbia FUNDAMENTOS DA DIGESTÃO ANAERÓBIA Processos de conversão da matéria orgânica em condições de ausência de oxigênio podem ser utilizados aceptores inorgânicos de elétrons como NO3 -1 (redução de nitrato), SO4 -2 (redução de sulfato) ou CO2 (formação de metano). A formação de metano não ocorre em ambientes onde o oxigênio, o nitrato ou o sulfato encontram-se prontamente disponíveis como aceptores de elétrons (CHERNICHARO, 2007). A produção de metano ocorre em diferentes ambientes naturais tais como pântanos, solo, sedimentos de rios, lagos e mares, assim como nos órgãos digestivos de animais ruminantes. Estima-se que a digestão anaeróbia com formação de metano seja responsável pela completa mineralização de 5 a 10% de toda a matéria orgânica disponível na Terra. A digestão anaeróbia representa um sistema ecológico delicadamente balanceado, onde cada microrganismo tem uma função essencial. As bactérias metanogênicas desempenham duas funções primordiais: elas produzem gás insolúvel (metano) possibilitando a remoção do carbono orgânico do ambiente anaeróbio, além de utilizarem o hidrogênio, favorecendo o ambiente para que as bactérias acidogênicas fermentem compostos orgânicos com a produção de ácido acético, o qual é convertido em metano (CHERNICHARO, 2007). A digestão anaeróbia de compostos orgânicos pode ser considerada um processo de dois estágios. No primeiro estágio, um grupo de bactérias facultativas e anaeróbias, denominadas formadoras de ácidos ou fermentativas, convertem os orgânicos complexos em outros compostos. Compostos orgânicos complexos como carboidratos, proteínas e lipídios são hidrolisados, fermentados e biologicamente convertidos em materiais orgânicos mais simples, principalmente ácidos voláteis. No segundo estágio ocorre conversão dos ácidos orgânicos, gás carbônico e hidrogênio em produtos finais gasosos, metano e gás carbônico. Esta conversão é efetuada por um grupo especial de bactérias, denominadas formadoras de metano, as quais são estritamente anaeróbias. As bactérias metanogênicas dependem do substrato fornecido pelas acidogênicas, configurando, portanto, uma interação comensal. Uma vez que as bactérias metanogênicas são responsáveis pela maior parte da degradação do resíduo, a sua baixa taxa de crescimento e de utilização dos ácidos orgânicos normalmente representa o fator limitante no processo de digestão como um todo (CHERNICHARO, 2007). MICROBIOLOGIA DA DIGESTÃO ANAERÓBIA A digestão anaeróbia pode ser considerada como um ecossistema onde diversos grupos de microrganismos trabalham interativamente na conversão da matéria orgânica complexa em metano, gás carbônico, água, gás sulfídrico e amônia, além de novas células bacterianas. MATÉRIA ORGÂNICA X BACTÉRIAS ANAERÓBIAS = CH4 (gás metano), CO2 (gás carbônico), H2O (água), H2S (gás sulfídrico), NH3 (amônia) e novas células. 2 Os microrganismos que participam do processo de decomposição anaeróbia podem ser divididos em três importantes grupos de bactérias com comportamentos fisiológicos distintos: O primeiro grupo é composto de bactérias fermentativas que transformam por hidrólise, polímeros (carboidratos, proteínas e gorduras) em monômeros (glicose, aminoácidos, ácidos graxos), e estes em ácidos orgânicos de cadeia curta, álcoois e também em acetato, H2, CO2, NH3; O segundo grupo é formado pelas bactérias acetogênicas produtoras de H2, o qual converte os produtos gerados pelo primeiro grupo (ácidos orgânicos e álcoois) em acetato, H2 e CO2; Os produtos finais do segundo grupo são os substratos essenciais para o terceiro grupo que por sua vez constitui dois diferentes grupos de bactérias metanogênicas. Um grupo usa o acetato, transformando-o em CH4 e CO2, enquanto o outro produz metano, através da redução de CO2. Embora o processo de digestão anaeróbia seja simplificadamente considerado como de duas fases, este pode ser subdividido em quatro fases principais: HIDRÓLISE; ACIDOGÊNESE; ACETOGÊNESE; METANOGÊNESE. HIDRÓLISE Uma vez que as bactérias não são capazes de assimilar a matéria orgânica particulada, a primeira fase no processo de degradação anaeróbia consiste na hidrólise de materiais particulados complexos (polímeros) em materiais dissolvidos mais simples (moléculas menores) os quais podem atravessar as paredes celulares das bactérias fermentativas. Esta conversão de materiais particulados em materiais dissolvidos é conseguida através da ação de exoenzimas excretadas pelas bactérias fermentativas hidrolíticas (amilases, proteases, lipases). Na anaerobiose, a hidrólise dos polímeros usualmente ocorre de forma lenta, sendo vários os fatores que podem afetar o grau e a taxa em que o substrato é hidrolisado (Lettinga et al., 1996 e Chernicharo, 2007): Temperatura operacional do reator; Tempo de residência do substrato no reator; Composição do substrato (ex.: teores de lignina, carboidratos, proteínas e gordura); Tamanho das partículas; pH do meio; Concentração de NH4 + -N; Concentração de produtos da hidrólise (ex.: ácidos graxos voláteis). ACIDOGÊNESE Os produtos solúveis oriundos da fase de hidrólise são metabolizados no interior das células das bactérias fermentativas, produzindo diversos compostos mais simples, os quais são então excretados pelas células. Os compostos produzidos incluem ácidos graxos voláteis (AGV), álcoois, ácido lático, gás carbônico, hidrogênio, amônia e sulfeto de hidrogênio, além de novas células bacterianas. 3 Como os ácidos graxos voláteis são o principal produto dos organismos fermentativos, estes são usualmente designados de bactérias fermentativas acidogênicas. A acidogênese é efetuada por um grande e diverso grupo de bactérias fermentativas. Gêneros Clostridium, Micrococcus e Staphylococcus – produtores de lipases; Gêneros Bacteroides, Butyvibrio, Clostridium e outros – produtores de proteases; Gêneros Clostridium, Staphylococcus e outros – produtores de amilases; Clostridium constitui um gênero anaeróbio que forma esporos, podendo sobreviver em ambientes totalmente adversos. Gênero Bacteroides encontra-se comumente presentes nos tratos digestivos, participando da degradação de açúcares e aminoácidos. A maioria das bactérias acidogênicas são anaeróbias estritas, mas cerca de 1% consiste de bactérias facultativas que podem oxidar o substrato orgânico por via oxidativa. Isso é particularmente importante, uma vez que as bactérias estritas são protegidas contra a exposição ao oxigênio eventualmente presente no meio (Van Haandel & Lettinga et al. 1996 e Chernicharo). ACETOGÊNESE As bactérias acetogênicas são responsáveis pela oxidação dos produtos gerados na fase acidogênica em substrato apropriado para as bactérias metanogênicas. Dessa forma, as bactérias acetogênicas fazem parte de um grupo metabólico intermediário que produz substrato para as metanogênicas. Principais produtos gerados pelas bactérias acetogênicas: H2, CO2 e acetato. Durante a formação dos ácidos acético e propiônico, uma grande quantidade de H2 é formada, fazendo com que o valor do pH no meio aquoso decresça. De todos os produtos metabolizados pelas bactérias acidogênicas, apenas o hidrogênio e o acetato podem ser utilizados diretamente pelas metanogênicas. Porém, pelo menos 50% da DQO biodegradável é convertida em propianato e butirato, os quaissão posteriormente decompostos em acetato e hidrogênio pela ação das bactérias acetogênicas. METANOGÊNESE A etapa final no processo global de degradação anaeróbia de compostos orgânicos em metano e dióxido de carbono é efetuada pelas bactérias metanogênicas. As metanogênicas utilizam somente um limitado número de substratos, compreendendo ácido acético, H2, CO2, ácido fórmico, metanol, metilaminas e monóxido de carbono. Em função de sua afinidade por substrato e magnitude de produção de metano, as metanogênicas são divididas em dois grupos principais, um que forma metano a partir de ácido acético ou metanol, e o segundo que produz metano a partir de hidrogênio e dióxido de carbono, como a seguir: Bactérias utilizadoras de acetato (acetoclásticas); Bactérias utilizadoras de hidrogênio (hidrogenotróficas). 4 Além das fases descritas anteriormente, o processo de digestão anaeróbia pode incluir, ainda, uma outra fase, dependendo da composição química do despejo a ser tratado. Despejos que contenham compostos de enxofre são submetidos à fase de sulfetogênese (redução de sulfato e formação de sulfetos), conforme descrito a seguir: SULFETOGÊNESE A produção de sulfetos é um processo no qual o sulfato e outros compostos a base de enxofre são utilizados como aceptores de elétrons durante a oxidação de compostos orgânicos. Durante este processo, sulfato, sulfito e outros compostos sulfurados são reduzidos a sulfeto, através da ação de um grupo de bactérias anaeróbias estritas, denominadas bactérias redutoras de sulfato (ou bactérias sulforedutoras). As bactérias sulforedutoras (BRS) são consideradas um grupo muito versátil de microrganismos, capazes de utilizar uma ampla gama de substratos, incluindo toda a cadeia de ácidos graxos voláteis, diversos ácidos aromáticos, hidrogênio, metanol, etanol, glicerol, açúcares, aminoácidos e vários compostos fenólicos. As bactérias sulforedutoras dividem-se em dois grandes grupos: Bactérias sulforedutoras que oxidam seus substratos de forma incompleta até o acetato; Bactérias sulforedutoras que oxidam seus substratos completamente até o gás carbônico (Visser, 1995 e Chernicharo). 5 6 BIOQUÍMICA DA DIGESTÃO ANAERÓBIA Nos processos de digestão anaeróbia de compostos orgânicos existem diversos tipos de bactérias metanogênicas e acidogênicas, sendo que o estabelecimento de um equilíbrio ecológico entre os tipos e espécies de microrganismos anaeróbios é de importância fundamental para a eficiência do sistema de tratamento. Para a avaliação deste equilíbrio ecológico utiliza-se com frequência o parâmetro Ácidos Graxos Voláteis (AGV). AGV são produtos intermediários durante a degradação de carboidratos, proteínas e lipídeos. AGV de cadeia curta mais importantes resultantes da decomposição bioquímica da matéria orgânica: Ácido fórmico, ácido acético, ácido propiônico, ácido butírico e em menor quantidade, ácido valérico e o isovalérico. Quando uma população de bactérias metanogênicas se encontra presente em quantidade suficiente e as condições ambientais são favoráveis, elas utilizam os ácidos intermediários tão rapidamente quanto estes são formados. Como resultado, os ácidos não se acumulam além da capacidade neutralizadora da alcalinidade naturalmente presente no meio e o pH permanece numa faixa favorável às bactérias metanogênicas e o sistema anaeróbio e considerado em equilíbrio. Entretanto, se as bactérias metanogênicas não estiverem presentes em número suficiente ou se estiverem expostas a condições ambientais desfavoráveis, estas não serão capazes de utilizar os ácidos voláteis na mesma taxa em que são produzidos pelas bactérias acidogênicas, resultando numa acumulação de ácidos no sistema. Nestas condições, a alcalinidade é consumida rapidamente e os ácidos livres não neutralizados provocam a queda do pH, situação normalmente referenciada como a de um reator azedo. Mais importantes AGV precursores da formação do metano: Ácido acético Ácido propiônico (resultado da fermentação de carboidratos e proteínas, sendo que 30% do composto orgânico é convertido neste ácido antes que possa ser convertido em metano). Formação do metano Embora as rotas individuais envolvidas na formação do metano ainda não estejam completamente estabelecidas, muito progresso tem sido conseguido nas últimas décadas em direção a este entendimento. Algumas espécies de bactérias metanogênicas são capazes de utilizar somente o H2 e CO2 para seu crescimento e formação do metano. Outras são capazes de utilizar: Ácido fórmico (H – COOH) H2 + CO2 CH4 + H2O Methanosarcina (metanogênicas acetoclásticas) Metanol CH3-OH CH4 7 Metilamina CH3-NH2 CH4 Clivagem do Ácido acético: onde o grupo metil é reduzido a metano e o grupo carboxílico é oxidado a gás carbônico. CH3 – COOH CH4 + CO2 Quando o H2 se encontra disponível, a maior parte do metano restante é formada a partir da redução do gás carbônico (aceptor de átomos de hidrogênio removidos dos compostos por enzimas). CO2 + 4 H2 CH4 + 2 H2O (metanogênicas hidrogenotróficas) A composição global do biogás produzido durante a digestão anaeróbia varia de acordo com as condições ambientais presentes no reator. Esta composição muda rapidamente durante o período inicial de partida do sistema e também quando o processo de digestão é inibido. Para reatores operando de maneira estável, a composição do biogás produzido é razoavelmente uniforme. Entretanto, a proporção de CO2 em relação ao CH4 pode variar substancialmente, dependendo das características do composto orgânico a ser degradado. No processo de digestão de esgotos domésticos as proporções típicas no biogás são: CH4 : 70 – 80% CO2 : 20 – 30% O metano produzido no processo de digestão anaeróbia é rapidamente separado da fase líquida, devido a sua baixa solubilidade em água, resultando num elevado grau de degradação dos despejos líquidos, uma vez que este gás deixa o reator com a fase gasosa. O CO2, ao contrário, é bem mais solúvel em água que o metano, saindo do reator parcialmente como gás e parcialmente dissolvido no efluente líquido. Características e tratabilidade dos esgotos A concentração dos despejos em termos de sólidos biodegradáveis é de fundamental importância e pode ser estimada a partir dos testes de DBO e DQO. Outro fator importante a considerar é a concentração relativa em termos de carboidratos, proteínas e lipídeos. Acrescente-se ainda outras características de importância como pH, alcalinidade, nutrientes inorgânicos, temperatura e eventual presença de compostos potencialmente tóxicos. 8 Balanço de DQO Compostos facilmente degradáveis: aqueles rapidamente fermentados por qualquer tipo de biomassa anaeróbia (adaptada ou não ao tipo de despejo); Compostos de difícil degradação: substratos complexos, os quais não são fermentados pelos microrganismos anaeróbios antes que ocorra um processo de adaptação ao substrato. O período de adaptação ao substrato reflete o tempo de crescimento de microrganismos especializados que podem fermentar o substrato complexo. Compostos orgânicos que são absolutamente impossíveis de serem degradados biologicamente em ambiente anaeróbios: sendo conhecidos como orgânicos inertes. DQO biodegradável: %DQObd = (DQObd / DQOtot) x 100 Remoção biológica de DQO %DQOremov = (DQOafl – DQOefl) / DQOafl) x 100 Degradaçãodo despejo e produção do metano A digestão anaeróbia pode ser considerada um processo de duas fases. Na primeira, uma diversidade de bactérias fermentativas transformam inicialmente os compostos orgânicos complexos em compostos solúveis e, por último, em ácidos graxos voláteis de cadeia curta. Na segunda fase, as bactérias metanogênicas utilizam os produtos fermentados na primeira fase, convertendo-os em metano. Se o hidrogênio não for produzido na primeira fase, a etapa de fermentação resulta em uma redução insignificante de DQO, uma vez que todos os elétrons liberados no processo de oxidação dos compostos orgânicos são passados a aceptores orgânicos, os quais permanecem no meio. Dessa forma, a etapa de fermentação, mesmo possibilitando a conversão de uma parte da fonte de energia em CO2 e de parte da matéria orgânica em novas células, não é um processo adequado, nem para o retorno do carbono orgânico para a atmosfera, nem para sua retirada do despejo. Todavia, quando H2 é formado, este representa um produto gasoso que escapa do meio, ocasionando, portanto, uma redução do conteúdo de energia do despejo. Muitos dos ácidos e álcoois produzidos na fase inicial de fermentação são convertidos em um gás bastante insolúvel, CH4, que escapa do meio, propiciando o principal mecanismo para a reciclagem do carbono orgânico em condições anaeróbias. Com exceção das perdas devido à ineficiência microbiana, quase toda a energia removida do sistema é recuperada na forma de gás metano. Entretanto, a formação do metano não completa o ciclo do carbono, a menos que este seja oxidado a CO2, biologicamente ou por combustão, de forma a se tornar disponível para a reciclagem através da fotossíntese. 9 Estimativa de produção de metano a partir a composição química do despejo O conhecimento da composição química do despejo torna possível prever a quantidade de CH4 a ser produzida e, consequentemente, a quantidade de matéria orgânica degradada. Na presença de oxigênio (pouco provável) ou de doadores específicos inorgânicos (como nitratos, sulfato ou sulfito) a produção de metano decrescerá de acordo com as equações (Lettinga et al.,1996): 2 NO3 -1 + 10 H + 2 H +1 N2 + 6 H2O (considerando a presença de nitrato no despejo) SO4 -2 + 8H H2S + 2 H2O + OH -1 (considerando a presença de sulfato no despejo) Pela equação acima, observa-se que a redução de sulfato em um reator anaeróbio conduz a formação de H2S, gás que se dissolve muito mais em água que o CH4. Desta forma, a permanência parcial do H2S na fase líquida implicará numa menor redução da DQO afluente ao reator, quando comparada ao tratamento de despejos que não contenha sulfatos. Também quantidade de CO2 no biogás poderá ser bem menor que a esperada devido à elevada solubilidade deste gás em água. Estimativa de produção de metano a partir da DQO degradada Outra forma de se avaliar a produção de metano é a partir da estimativa de degradação de DQO no reator de acordo com a reação a seguir: CH4 + 2 O2 CO2 + 2H2O (16g) + (64g) = (44g) + (36g) Depreende-se que um mol de metano requer dois moles de oxigênio para sua completa oxidação a CO2 + 2H2O. Portanto, cada 16 gramas de CH4 produzido e perdido para a atmosfera correspondem à remoção de 64 gramas de DQO do despejo. Nas condições normais de temperatura e pressão (CNTP) isso corresponde a 350 mililitros de CH4 para cada grama de DQO degradada. A expressão geral que determina a produção teórica de metano por grama de DQO removida do despejo é como a seguir: Q (CH4)= DQO(CH4) / ƒ (t) Onde: Q (CH4)= vazão ou volume de metano produzido (L/d) DQO (CH4) = carga de DQO removida no reator e convertida em metano (kg DQO/d) ƒ (t) = fator de correção para a temperatura operacional do reator (kg DQO/m3) Sendo ƒ (t) = (P x K) / [R x (273 + t)] Onde: P = pressão atmosférica (1 atm) 10 K = DQO correspondente a um mol de CH4 (64 g DQO/mol) R = constante dos gases (0,08206 atm.L/molºK) t = temperatura operacional do reator (ºC) Considerando que a produção de metano pode ser facilmente determinada em um reator anaeróbio, esta constitui-se numa medida rápida e direta do grau de conversão do despejo e da eficiência do sistema de tratamento. Exemplo 1: Considere o tratamento de um despejo hipotético com as seguintes características: Temperatura: 26 ºC Vazão: 500 m3/d Composição dos despejos: Sacarose (C12H22O11): Conc. = 380 mg/l, Q= 250 m3/d CO = ? Ácido fórmico (CH2O2): Conc. = 430 mg/l, Q= 100 m3/d CO = ? Ácido acético (C2H4O2): Conc. = 980 mg/l, Q= 150 m3/d CO = ? Pede-se: - Concentração final dos despejos em termos de DQO; - Cálculo da produção teórica máxima de metano, assumindo-se os seguintes coeficientes de produção celular para as bactérias acidogênicas e metanogênicas: Yacid = 0,15 g DQOcel/gDQOremov Ymetan = 0,03 g DQOcel/gDQOremov 1. A concentração final dos despejos em termos de DQO: Cálculo da concentração de DQO da sacarose C12H22O11 + 12 O2 12 CO2 + 11 H2O 342 g ............384 g DQO 380 mg ..............S mg DQO S = 427 mg DQO/L Carga orgânica (CO) de DQO devido à sacarose CO = 250 m3/d x 0,427 kg DQO/m3 = 106,8 kg DQO/d Sendo CO (DQO/d) = Q (m3/d) x S (DQO/m3) Cálculo da concentração de DQO do ácido fórmico CH2O2 + 1/2 O2 CO2 + H2O 46 g ............16 g DQO 430 mg ..............S mg DQO S = 150 mg DQO/L Carga de DQO devido ao ácido fórmico CO (DQO/d) = Q (m3/d) x S (DQO/m3) 11 CO (DQO/d) = 100 m3/d x 0,15 kg DQO/m3 = 15,0 kg DQO/d Cálculo da concentração de DQO do ácido acético C2H4O2 + 2 O2 2 CO2 + 2H2O 60 g ............64 g DQO 980 mg ..............S mg DQO S = 1.045 mg DQO/L Carga de DQO devido ao ácido acético CO (DQO/d) = 150 m3/d x 1,045 kg DQO/m3 = 156,8 kg DQO/d Cálculo da concentração final do despejo em termos de DQO Sendo CO (kg DQO/d) = S (kg DQO/m 3 ) x Q (m3/d) CO (kg DQO/d) (carga total) = (106,8 + 15,0 + 156,8) kg DQO/d Conc. Final (S) = carga total / vazão total Conc. Final (S) = (106,8 + 15,0 + 156,8 kg DQO/d) / 500 m3/d Conc. Final (S) = (278,6 kg DQO/d) / 500 m3/d Conc. Final (S) = 0,577 kg DQO/m3 ou 557 mg DQO/l Cálculo da produção teórica máxima de metano, assumindo-se os seguintes coeficientes de produção celular para as bactérias acidogênicas e metanogênicas: Yacid = 0,15 DQOcel/gDQOremov Ymetan = 0,03 DQOcel/gDQOremov A produção teórica máxima ocorre quando há 100% de eficiência de remoção de DQO e não há redução de sulfato no sistema. Carga orgânica de DQO removida no sistema de tratamento: CO = 278,6 kg DQO/d (100% eficiência) Carga de DQO convertida em biomassa acidogênica: CO (DQOacidogênica) = Yacid x 278,6 = 0,15 x 278,6 = 41,2 kg DQO/d Carga de DQO convertida em biomassa metanogênica: CO (DQOmetanogênica) = Ymetan x (278,6 – 41,2) = 0,03 x 237,4 = 7,1 kg DQO/d Carga de DQO convertida em metano: CO em DQO(CH4)= carga total – carga convertida em biomassa 12 CO em DQO (CH4) = 278,6 – 41,2 – 7,1 = 230,3 kg DQO/d Estimativa de produção de metano: Através da equação: ƒ (t) = (P x K) / [R x (273 + T)] Onde: P = pressão atmosférica ( 1 atm) K = COD correspondente a um mol de CH4 (= 64 g DQO/mol) R = constante dos gases (0,08206 atm.L/molºK) T = temperatura operacional do reator (ºC) Determina-seo valor de K (t): ƒ (t) = 1 atm x 64 g DQO/mol / 0,08206 atm.L/molºK x (273 + 26ºC)K (t) = 2,61 g DQO/L Através da equação Q (CH4) = CO em DQOCH4 / ƒ (t) ou V(CH4) = DQO CH4 / K (t) Onde: Q (CH4) = volume de metano produzido (L/d ou m 3 /d) DQO (CH4)= carga de DQO removida no reator e convertida em metano em kg DQO/d ƒ (t) = fator de correção para a temperatura operacional do reator (g DQO/L ou kg DQO/m3) Determina-se o valor de Q (CH4) = DQO (CH4)/ ƒ (t) = 230,3 kg DQO/d / 2,61 g Produção teórica de metano (CH4) = 88,2 m 3 /d Exemplo 2: Considere o tratamento de um despejo hipotético com as seguintes características: Temperatura: 22 ºC Vazão: 100 m3/d Composição dos despejos: Sabão à base de palmitato de sódio (CH3(CH2)14-COO - Na+) Conc. = 300 mg/l, Q= 100 m3/d CO = ? CH3(CH2)14-COO - Na+ Pede-se: - Concentração final dos despejos em termos de DQO; - Cálculo da produção teórica máxima de metano, assumindo-se os seguintes coeficientes de produção celular para as bactérias acidogênicas e metanogênicas: Yacid = 0,15 g DQOcel/gDQOremov Ymetan = 0,03 g DQOcel/gDQOremov 1. A concentração final dos despejos em termos de DQO: Cálculo da concentração de DQO do sabão disperso em água Como o sabão está disperso em água, será considerado o peso molecular do ânion disperso: 13 CH3(CH2)14-COO - CH3(CH2)14-COO - + 22,75 O2 16 CO2 + 31/2 H2O 255 g ............728 g DQO 300 mg ..........S mg DQO S = 856,47 mg DQO/L Carga orgânica (CO) de DQO devido ao sabão disperso palmitato de sódio CO = 100 m3/d x 0,8564 kg DQO/m3 = 85,64 kg DQO/d Cálculo da concentração final do despejo em termos de DQO Concentração em termos de DQO (S) = 0,8564 kg DQO/m3 ou 856,47 mg DQO/l Cálculo da produção teórica máxima de metano, assumindo-se os seguintes coeficientes de produção celular para as bactérias acidogênicas e metanogênicas: Yacid = 0,15 DQOcel/gDQOremov Ymetan = 0,03 DQOcel/gDQOremov A produção teórica máxima ocorre quando há 100% de eficiência de remoção de DQO e não há redução de sulfato no sistema. Carga orgânica de DQO removida no sistema de tratamento: CO = 85,64 kg DQO/d (100% eficiência) Carga de DQO convertida em biomassa acidogênica: CO em DQOacidogênica = Yacid x 85,64 = 0,15 x 85,64 = 12,84 kg DQO/d Carga de DQO convertida em biomassa metanogênica: CO em DQOmetanogênica = Ymetan x (85,64 – 12,84) = 0,03 x 72,8 = 2,18 kg DQO/d Carga de DQO convertida em metano: CO em DQO(CH4)= carga total – carga convertida em biomassa CO em DQO(CH4)= 85,64 – 12,84 – 2,18 = 70,62 kg DQO/d Estimativa de produção de metano: Através da equação: ƒ (t) = (P x K) / [R x (273 + t)] Onde: P = pressão atmosférica ( 1 atm) K = DQO correspondente a um mol de CH4 (= 64 g DQO/mol) R = constante dos gases (0,08206 atm.L/molºK) T = temperatura operacional do reator (ºC) 14 Determina-se o valor de K (t): ƒ (t) = 1 atm x 64 g DQO/mol / 0,08206 atm.L/molºK x (273 + 22ºC)K (t) = 2,64 g DQO/L Através da equação Q (CH4) = CO em DQO(CH4) / ƒ (t) ou V(CH4) = DQOCH4 / ƒ (t) Onde: V(CH4)= volume de metano produzido (L ou m3) DQO(CH4) = carga de DQO removida no reator e convertida em metano em kg DQO/d ƒ (t) = fator de correção para a temperatura operacional do reator (g DQO/L ou kg DQO/m3) Determina-se o valor de Q (CH4) = DQO(CH4)/ ƒ (t) = 70,62 kg DQO/d / 2,64 g = 26,75 m3/d Produção teórica de metano (CH4) = 26,75 m 3 /d 15 ASPECTOS TERMODINÂMICOS Nas águas residuárias há uma grande variedade de compostos orgânicos que pode ser degradada nos reatores anaeróbios por uma população bacteriana muito diversificada. A conversão destes compostos em metano pode, potencialmente, seguir um número enorme de caminhos catabólicos. Entretanto, estes caminhos só são possíveis caso seja produzida energia livre em cada um dos processos de conversão, ou seja, energia aproveitável para o microrganismo atuante na reação. Em outras palavras, para cada reação da cadeia de conversões do material orgânico primário ao produto final (metano), é necessário que o processo catabólico gere energia aproveitável para a bactéria responsável pela reação em particular, suficiente para que esta possa realizar seu anabolismo. Se o processo catabólico não gerar energia, o processo anabólico não ocorre e o metabolismo se torna inviável. Para saber se a reação catabólica libera energia livre usam-se conceitos de termodinâmica. Quando ocorre a liberação de energia, o processo é denominado exergônico e a energia livre padrão (Go) é menor que zero. Quando as reações consomem energia são denominadas endergônicas e a energia livre apresenta valores positivos. Reações Processo Energia livre padrão (Go) Liberam energia Exergônico < 0 Consomem energia Endergônico > 0 Energia livre da reação tabelada sob condições padrão: T = 25°C, pH = 7, P = 1 atm (101 KPa), soluções aquosas de concentração de 1 mol/kg A energia livre de uma reação normalmente se encontra tabelada sob condições padrão, ou seja, temperatura de 25°C, pH = 7 e pressão de 1 atm (101 KPa). Em soluções aquosas, a condição padrão de todos os reagentes e produtos de uma reação é uma concentração (atividade) de 1 mol/kg, enquanto a condição-padrão da água é o líquido puro. Para um bom desempenho dos reatores anaeróbios é imprescindível que os compostos orgânicos sejam convertidos em precursores imediatos de metano, ou seja, acetato e hidrogênio. Não havendo esta conversão, tampouco haverá metanogênese, ocorrendo o acúmulo dos produtos da fase de hidrólise e fermentação do reator. A acetogênese, etapa essencial na conversão de compostos intermediários em acetato, é termodinamicamente desfavorável, isto é, não ocorre espontaneamente no sentido da formação de acetato e H2, a menos que estas espécies químicas sejam removidas do meio (por exemplo, por metanogênese), deslocando, assim, o equilíbrio da reação no sentido da formação desses produtos. Os cálculos associados às reações acetogênicas permitem determinar que estas reações só são termodinamicamente favoráveis (isto é, ocorrem no sentido da formação do acetato) quando a 16 pressão parcial do H2 no meio é muito baixa (10 -4 atm para a conversão do propionato e 10 -3 atm para o butirato). Portanto, uma vez formados os ácidos propiônico e butírico como produtos intermediários, a conversão em acetato só será possível mediante a existência de populações capazes de remover, de forma rápida e eficiente, o H2 formado nas reações acetogênicas. Isto é conseguido graças à ação das bactérias que removem o H2 do meio, quais sejam, as bactérias metanogênicas hidrogenotróficas e as bactérias redutoras de sulfato. 8H + SO4 -2 H2S + 2 H2O + OH -1 Caso os nitratos estejam disponíveis no meio, o que é raro, as bactérias redutoras de nitrato também agirão de forma favorável à acetogênese. O entendimento dos aspectos termodinâmicos envolvidos resultou na elucidação de alguns mecanismos de autocontrole do processo. 10H + 2 H +1 + 2 NO3 -1 N2 + 6 H2O (considerando a presença de nitrato no despejo) Quadro 1: Comparação energética de reações comuns na degradação anaeróbia O conhecimento da acetogênese foi significativamente ampliado pelo entendimento dos aspectostermodinâmicos envolvidos, tendo resultado na elucidação de alguns mecanismos de autocontrole do processo. 17 O estudo das trocas de energia que ocorrem em reatores anaeróbios é difícil não apenas porque o processo é por si só complexo; mas, também, pela dificuldade de se medirem os produtos finais e intermediários que se apresentam em concentrações muito baixas. Assim, as considerações sobre a termodinâmica do processo se restringem à análise da variação da energia livre padrão das principais reações. No Quadro 2 são apresentadas algumas relações redox importantes no processo de digestão anaeróbia. O Quadro 2 mostra claramente que, em sua maioria, as reações bioquímicas acetogênicas são termodinamicamente desfavoráveis ( ΔGo > 0) nas condições padrão. Isto é, caso as espécies químicas indicadas à direita estejam presentes nas concentrações indicadas pela reação, ela se dá no sentido de formar as espécies químicas à esquerda. Quadro 2: Reações importantes nos processos anaeróbios Como a metanogênese depende da disponibilidade de acetato, é importante que o equilíbrio das reações acetogênicas seja deslocado para a direita, o que é conseguido com a remoção contínua de H2, através das reações recebedoras de elétrons. Conforme Quadro 2, a reação de conversão por oxidação de ácido propiônico a acetato torna-se termodinamicamente favorável somente à pressão parcial de H2 menor que 10 -4 atm, enquanto que a oxidação de ácido butírico a acetato torna-se favorável à pressão parcial de H2 igual ou menor que 10 -3 atm. Similarmente, as oxidações de etanol e lactato a acetato são inibidas à pressão parcial de H2 próxima a 1 atm ( Harper e Pohland, 1986). Portanto, os cálculos termodinâmicos associados às reações acima indicam: Reação Pressão parcial de H2 Oxidação do ácido propiônico a acetato termodinamicamente favorável Menor que 10 -4 atm Oxidação do ácido butírico a acetato termodinamicamente favorável Menor que 10 -3 atm Oxidações de etanol e lactato a acetato são inibidas Menor que 1 atm 18 A avaliação da energia livre das reações possíveis de ocorrer no meio informa não só sobre a viabilidade e condições em que ocorrem, mas, também, indicam quais reações, dentre as que utilizam o mesmo substrato, são mais favoráveis, estabelecendo ordenamento hierárquico entre elas, em função dos valores de ΔG0. Assim, entre duas reações do mesmo substrato, a de menor ΔG0 deverá prevalecer. Embora outros fatores ambientais possam influir no processo como um todo, essa ordem hierárquica tem sido confirmada experimentalmente para a maioria das reações mostradas no quadro acima. Conforme Quadro 2, observa-se, por exemplo, que a redução de sulfato a sulfeto sem a presença de acetato é mais favorável que a metanogênese do bicarbonato. Pode-se constatar também que para pressões de H2 acima de 10 -4 atm, a respiração metanogênica do bicarbonato é mais favorável que a metanogênese a partir do acetato. Verifica-se ainda que do ponto de vista termodinâmico, a redução de sulfato a partir do acetato é mais favorável que a metanogênese acetoclástica. Cabe ressaltar, no entanto, que essa preferência, amplamente reportada em ambientes marinhos, não tem sido confirmada em experimentos com reatores de bancada (Rinzena e Lettinga, 1986; Callado e Foresti, 1992). A redução de sulfato por H2 é mais favorável que a redução do acetato pelas BRS, para pressões de H2 acima de 10 -4 atm, com os demais reagentes nas concentrações indicadas. Fatores que influenciam a digestão anaeróbia. Vários fatores influenciam o desempenho da digestão anaeróbia das águas residuárias. Dentre os fatores ambientais se destacam a temperatura, o pH, a alcalinidade e a presença de nutrientes, capacidade de assimilação de cargas tóxicas, transferência de massa, sobrecargas hidráulicas, atividade metanogênica (CAMPOS, 1999). Os principais fatores que podem prejudicar a digestão anaeróbia são o desequilíbrio entre os microrganismos, o aumento repentino da carga orgânica, o grau de contato entre as bactérias e o esgoto, a mudança de temperatura e a influência de compostos tóxicos. pH e ALCALINIDADE O pH e alcalinidade de bicarbonato são fatores relacionados. Segundo Foresti (1993), o pH ótimo para a digestão anaeróbia é de 6,8 – 7,5, mas o processo ainda continua bem sucedido num limite de 6.0 - 8.0, embora numa taxa mais baixa. O principal fator de tamponamento num digestor é o sistema gás carbônico/bicarbonato. Uma quantidade adequada de alcalinidade de bicarbonato deveria sempre estar disponível para prevenir uma queda de pH abaixo de 6,0 devido à rápida formação de ácidos voláteis do material orgânico complexo e devido à metanogênese retardada (como por exemplo o resultado de uma queda de temperatura). Os ácidos voláteis não dissociados, que penetram na membrana celular mais facilmente, são a forma tóxica, porque uma vez dentro da célula, diminuirão o pH como um resultado de sua dissociação. 19 Os principais indicadores de distúrbios nos processos anaeróbios são o aumento na concentração de ácidos voláteis, aumento da porcentagem de CO2 no biogás, diminuição do pH, diminuição na produção total de gás e diminuição na eficiência do processo. A importância da alcalinidade é manter o sistema sempre em equilíbrio, para que não varie o pH mesmo com a produção de H + . Para o ajuste do pH é necessário que se adicione cal até se atingir o pH entre 6,8 e 7,0 (Souza, M.E.,1980). TEMPERATURA A temperatura é um dos fatores ambientais mais importantes na digestão anaeróbia, uma vez que afeta os processos biológicos através de alterações na velocidade do metabolismo das bactérias, equilíbrio iônico e na solubilidade dos substratos, principalmente de lipídios. A temperaturas inferiores a 20ºC, a solubilização de gorduras, material particulado e de polímeros orgânicos é lenta podendo se constituir na etapa limitante do processo. Caso estes constituintes não sejam solubilizados, serão arrastados do reator ou ficar acumulados junto à superfície ou nos sistemas de separação sólido/líquido/gás. As bactérias metanogênicas são bastante sensíveis a variações, especialmente a elevações de temperatura. Três limites de temperatura podem ser distinguidos no tratamento anaeróbio: termofílica, 50 - 65°C, e às vezes até mais alta, mesofílica, 20 - 40°C, psicrofílica 0 - 20°C. O processo pode ocorrer nas faixas mesofílica (15°C a 45°C ) ou termofílica (50°C a 65°C). As temperaturas ótimas são de 35°C a 37°C para mesofílicas e 57°C a 62°C para as termofílicas. NUTRIENTES Nitrogênio e fósforo são nutrientes essenciais para todos os processos biológicos. A quantidade de N e P em relação à matéria orgânica presente (expressa como DQO, por exemplo) depende da eficiência dos microrganismos em obter energia para síntese. A baixa velocidade de crescimento dos microrganismos anaeróbios, comparados com os aeróbios, resulta em menor requerimento nutricional. Em geral admite-se que a relação DQO:N:P de 500:5:1 é suficiente para atender às necessidades de macronutrientes dos microrganismos anaeróbios (SPEECE, 1996 apud CAMPOS, 1999). CAPACIDADE DE ASSIMILAÇÃO DE CARGAS TÓXICAS A sensibilidade dos processos anaeróbios a cargas tóxicas depende, significativamente, do parâmetro operacional tempo de retenção celular ou idade do lodo. Quanto maior o tempo de retenção celular, maior é a capacidade do reator de assimilar cargas tóxicas. CONCEITOS BÁSICOS SOBRE CINÉTICA MICROBIANA A análise de dados termodinâmicos permite estabelecer seuma reação catabólica é viável ou não sob um determinado conjunto de condições operacionais no reator anaeróbio. Todavia, a termodinâmica não fornece subsídios sobre a velocidade com que um determinado processo se desenvolverá. Esta velocidade é parâmetro fundamental para o conhecimento da cinética das reações. 20 A cinética bioquímica estuda as velocidades de crescimento dos microrganismos, as velocidades de consumo de substratos e de formação dos produtos. Tais velocidades podem ser expressas em termos matemáticos por modelos que representam adequadamente a dinâmica destes processos. Muitos são os fatores que podem influenciar a cinética de populações microbianas. A cinética pode ser afetada pela composição, pH, reologia e temperatura do meio ou pelas características multicomponente, controles internos, adaptabilidade e heterogeneidade das populações celulares. Além disto, as interações entre massa celular e o ambiente (meio), como transferência de nutrientes, produtos e calor, são outros importantes fatores que também podem influenciar a cinética. Entretanto, não é pratico ou possível tentar formular um modelo cinético que inclua todos os aspectos e detalhes envolvidos na relação meio/biomassa. Consequentemente, devem ser feitas simplificações a fim de tornar o modelo aplicável. Muitos pesquisadores se dedicaram à derivação de expressões cinéticas para descrever o metabolismo bacteriano. Muitas destas expressões se baseiam no trabalho original de Monod (1949, 1950), que pesquisou a fermentação alcoólica de açucares em sistemas alimentados continuamente. Os resultados de Monod podem ser resumidos em três equações básicas: 1. A velocidade bruta de crescimento dos microrganismos é proporcional à velocidade de utilização do substrato: (dX/dt)c = Yx/s (dS/dt)u Nessa equação, X = concentração de microrganismos em mg SSV.L -1 S = concentração do substrato em mg DQO.L -1 t = tempo Yx/s = fator de crescimento ou a produção bruta de bactérias por unidade de massa de substrato em g SSV.g -1 DQO Índice c representa o crescimento das bactérias; Índice u representa a utilização do material orgânico. 2. A velocidade de crescimento dos microrganismos é proporcional à concentração dos mesmos e depende da concentração do substrato: (dX/dt)c = X. µ = X . µmax . [S / (Ks + S)] Na equação cinética de Monod, µ = velocidade específica de crescimento celular (T -1 ) µmax = velocidade específica máxima de crescimento celular Ks = constante de saturação do substrato, tendo o valor da concentração de substrato na qual µ atinge metade do seu valor máximo Pela equação acima observa-se que para concentrações elevadas de substrato, a razão [S / (Ks + S)] se aproxima da unidade e que, portanto, a velocidade de crescimento se torna independente da concentração de substrato, isto é, o crescimento é um processo de ordem zero. 21 Por outro lado, se a concentração de substrato for muito baixa, isto é, S<<Ks, a velocidade de crescimento se torna proporcional à concentração de substrato, o que caracteriza cinética de primeira ordem. 3. Paralelo ao crescimento de microrganismos devido à atividade anabólica, há também decaimento devido à morte de células vivas. A velocidade de decaimento pode ser formulada como um processo de primeira ordem: (dX/dt)d = - X. Kd Nesta equação, Kd = constante da velocidade de decaimento ou constante da morte celular e o índice d representa o decaimento da massa bacteriana Aplicações da cinética básica Os dados cinéticos, além de fornecerem informações sobre o crescimento e utilização do substrato por diversas culturas, podem ser úteis para análise dos sistemas de tratamento. Desta forma, parâmetros cinéticos e operacionais podem ser equacionados para a verificação das relações existentes entre tais parâmetros e, consequentemente, da influência da cinética sobre a operação. Esta análise pode ser obtida por meio de balanços de massa em reatores bioquímicos utilizados para tratamento de águas residuárias. Convém introduzir dois parâmetros importantes na análise de reatores contendo microrganismos: Tempo de detenção hidráulico (θh) θh = Volume do reator / Vazão = V/Q tempo de retenção celular (θc) θc = concentração de microrganismos no reator / taxa de retirada dos microrganismos ou θc = X / (ΔX/Δt) Tempo de detenção hidráulico (θh) representa o tempo médio que o líquido permanece no sistema de tratamento. Tempo de retenção celular (θc) representa o tempo médio de permanência dos sólidos biológicos no sistema de tratamento, também chamado de idade de lodo. A distinção entre θh e θc é de fundamental importância para os sistemas de tratamento biológico. Nos sistemas clássicos nos quais não há mecanismos de retenção de lodo, θh=θc. O parâmetro tempo de retenção celular ou idade do lodo pode ser calculado a partir da quantidade total de biomassa presente no reator e da quantidade de biomassa que deixa o reator (perdida com o efluente ou descartada como lodo excedente). Isto se aplica para reatores de mistura completa. Reatores com mecanismo de retenção de biomassa é possível controlar-se o tempo de residência celular no sistema, até certos limites, independentemente do tempo de detenção hidráulica. 22 No sistemas que não possuem mecanismos de retenção de biomassa, torna-se necessário manter θh=θc, sob pena de que a biomassa seja removida do sistema antes que tenha tempo para crescer. Exemplo: processos anaeróbios de alta taxa tem capacidade de reter grande quantidade de biomassa no sistema por elevados períodos de tempo, mesmo quando são operados com baixos tempos de detenção hidráulico (θc superiores a 30 dias), propiciando a estabilização do lodo no próprio sistema e a consequente redução do coeficiente de produção de biomassa (Y). Ainda apresentando quantidade de lodo descartado excedente bastante inferior ao que se observa em processos aeróbios. Sistemas sem mecanismos de retenção de sólidos: θc = θt Sistemas com mecanismos de retenção de sólidos: θc > θ Referências: CAMPOS, José Roberto. (Coord.) Tratamento de esgotos sanitários por processo anaeróbio e disposição controlada no solo. EDITORA: ABES – PROSAB. 1999, 443 p. CHERNICHARO, C. A. L. Princípios do Tratamento Biológico de Águas Residuárias. Vol. 5. Reatores Anaeróbios – Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental – UFMG, 2007. 2ª Edição, 380 p. CHERNICHARO, Carlos Augusto Lemos. (Coord.) Pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios. EDITORA: ABES – PROSAB. 544 p.