Buscar

Online 4

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 5 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Online 4
AS MANIFESTAÇÕES POPULARES E OS CANAIS NÃO OFICIAIS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
Introdução
De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho ― autor dos importantes livros Os bestializados e A formação das almas, nos quais analisa os primeiros anos de vida da República brasileira ―, nossa experiência republicana destoou do conceito tradicional de republica, baseado no princípio das liberdades públicas e no primado da participação popular formal nos assuntos políticos. Para o autor, a República brasileira, em vez de estimular a participação popular, restringiu-a, representando por isso um retrocesso em relação à monarquia naquilo que se refere às práticas políticas democráticas. Carvalho acredita que, em 1881, quando o Brasil ainda era governado pelo regime monárquico, foi estabelecido um mecanismo jurídico que se tornou fundamental para a futura restrição do eleitorado a uma parcela irrisória da população brasileira: a exigência da alfabetização para o pleno exercício do voto. Em um país que, na época, para utilizar as palavras do próprio autor, era um “mar de analfabetos”, uma restrição dessa natureza contribuiu bastante para diminuir ainda mais o tamanho da população eleitoralmente ativa. Como os primeiros governos republicanos não se preocuparam em resolver esse problema, o novo regime aprofundou ainda mais as diferenças ― já observadas durante grande parte do século XIX ― entre o “Brasil real” e o “Brasil representado” no voto. Era como se os resultados das eleições não traduzissem a verdadeira opinião popular, mas sim a dinâmica dos acordos e das negociatas daqueles que controlavam as altas esferas do poder político. No entanto, seria um erro supor que tal fato significou que os setores mais populares, justamente aqueles que não conseguiam se manifestar por meio do voto, eram indiferentes às ações do Estado republicano ou destituídos de qualquer capacidade de influência política. Fazê-lo significaria propor uma concepção bastante estreita de participação política, como se isso se resumisse apenas à formalidade dos rituais eleitorais. É exatamente esse o aspecto central da reflexão desenvolvida por Carvalho. O autor, certamente um dos mais importantes para as questões examinadas nesta quarta aula, afirma que, na República, os setores mais pobres encontraram mecanismos alternativos de participação política, extrapolando as vias formais e se fazendo ouvir por meio da revolta e do tumulto, o que nos leva a repensar os tradicionais lugares-comuns que apresentam o povo brasileiro como “passivo”. O tema desta aula são justamente esses mecanismos não formais de participação política, destacando-se dois casos específicos nos primeiros anos de vida da República brasileira: a Guerra de Canudos (1897) e a Revolta da Vacina (1904). Nesses eventos, precisamos ver algo além de simples radicalismo religioso ou ignorância popular. Precisamos ver exemplos de participação política; tudo bem que fora dos canais formais, mas nem por isso menos participativa e influente.
Perspectiva: João do Rio
O escritor Paulo Barreto, mais conhecido como João do Rio, foi um dos principais cronistas em ação no Rio de Janeiro nos primeiros anos do século XX.
Na obra de João do Rio, a cidade não é apenas o espaço físico a sofrer as transformações resultantes das mudanças políticas (“Quase todos os rufiões e os rufistas do Rio têm na mão direita, entre o polegar e o indicador, cinco sinais que significam as chagas. Não há nenhum que não acredite derrubar o adversário dando-lhe uma bofetada com a mão assim marcada. O marinheiro Joaquim tem um Senhor crucificado no peito e uma cruz negra nas costas. Mandou fazer esse símbolo por esperteza. Quando sofre castigos, os guardiões sentem-se apavorados e sem coragem de sová-lo. Parece que estão dando em Jesus! A sereia dá lábia, a cobra atração, o peixe significa ligeireza n’água, a âncora e a estrela o homem do mar, as armas da República ou da Monarquia a sua compreensão política. Pelo número de coroas da Monarquia que eu vi quase todo esse pessoal é monarquista.” (Barreto, 2008, p. 67)e da modernização(No conto “Os tatuadores”, João do Rio afirma: “Da tatuagem no Rio faz-se o mais variado estudo da crendice. Por ele se reconstrói a vida amorosa, social e as predileções políticas de toda a classe humilde, a classe dos trabalhadores, dos viciados, das fúfias de porta aberta, cuja alegria e cujas dores se desdobram no estreito espaço das alfurjas e dos chombergas [sic], cujas tragédias de amor morrem nos cochicholos sem ar, numa praga que se faz de lágrimas. A tatuagem é a inviolabilidade do corpo e a história das paixões. Esses riscos nas peles dos homens e das mulheres dizem as suas aspirações, as suas horas de ócio e fantasia da sua arte e a crença na eternidade dos sentimentos ― são a exteriorização da alma de quem os traz.” (Barreto, 2008, p. 63) Para o cronista, as tatuagens nos corpos dos populares que vagavam pelas ruas do Rio de Janeiro nos primeiros anos do século XX mostravam que, pelo menos no imaginário popular, a monarquia ainda levava vantagem sobre a República.). A cidade é o palco para as lutas entre as representações político-simbólico rivais que marcaram a transição da monarquia para a República e os anos da consolidação do novo regime.
Perspectiva: José Murilo de Carvalho
A dificuldade encontrada pelos primeiros governantes republicanos para sensibilizar o imaginário popular também foi diagnosticada(Para quem a consolidação da República não teria sido completa sem um projeto simbólico destinado a justificar o regime, se não perante a totalidade da população, pelo menos diante de setores politicamente mobilizados.) por José Murilo de Carvalho.
Segundo Carvalho, os primeiros anos do novo regime foram marcados por disputas pelo controle da simbologia oficial republicana.
Para Carvalho, Tiradentes, ao contrário de outros candidatos a herói oficial ― como Floriano Peixoto, Benjamin Constant, Deodoro da Fonseca, Bento Gonçalves e Frei Caneca ―, não tinha sua imagem atrelada nem ao separatismo nem ao militarismo. Pelo contrário, o mito Tiradentes, que começou a ser construído ainda na década de 1880, estava diretamente relacionado à inconfidência mineira, um acontecimento libertário e civil.
Os grandes responsáveis por este embate, segundo este autor, foram os jacobinos e os positivistas. Os desenlaces finais destas disputas elevou Joaquim José da Silva Xavier. O Tiradentes, a posição oficial de herói da República Brasileira.
Perspectiva: José Murilo de Carvalho
Carvalho destaca ainda os esforços dos primeiros governos republicanos para criar uma simbologia oficial para o novo regime.
Para o autor, a tradição popular foi importante tanto na escolha do hino quanto na escolha da bandeira da jovem República, o que demonstra que o regime não esteve indiferente à opinião popular e tentou conquistar a adesão dos mais pobres.
Sobre o termo “bestializar”
Analisando os primeiros anos de vida da República brasileira, é possível propor a revisão do adjetivo “bestializado”. Aristide Lobo caracterizou a ação popular na ocasião da proclamação do novo regime.
Para esse propagandista, o povo, que deveria ser o protagonista na cena política do regime republicano, assistiu, bestializado, ao nascimento do novo regime, chegando mesmo a confundir a movimentação golpista liderada pelo Marechal Deodoro Fonseca com um desfile militar.
Concepção semelhante a respeito da comunidade política brasileira pode ser encontrada no comentário do francês Louis Couty, que, ao visitar o Brasil no início do século XX, disse “aqui não há povo”. Para José Murilo de Carvalho, “seus olhos franceses não conseguiam ver no Brasil aquela população ativa e organizada a que estava acostumado em seu país de origem” (1987, p. 10).
Em Os bestializados, Carvalho afirma que os diagnósticos críticos de Couty e Aristides Lobo traduzem apenas uma concepção de participação política, justamente aquela considerada ideal pela tradição ocidental. 
De acordo com essa concepção, a participação políticadeveria envolver o ativismo popular manifestado no voto consciente e na organização partidária.
O autor acredita, porém, que essa é apenas uma forma de pensar as relações entre o governo e a sociedade. Há outras, e, para Carvalho, os anos iniciais da história da República brasileira podem nos fazer refletir sobre a complexidade de termos como ativismo popular e participação política
Positivação do tumulto popular.
A República brasileira, acredita Carvalho, teria sido diferente; teria sido marcada por outras modalidades de ativismo popular e participação política. O autor crê que as relações entre o Estado e a sociedade precisam ser vistas como uma via de mão dupla, que não é obrigatoriamente equilibrada.
De acordo com essa interpretação, o “povo” brasileiro (É possível, sim, ver esse “povo” como uma comunidade política ativa e participativa que soube muito bem se fazer ouvir, tentando limitar as ações do Estado republicano sempre que essas pareceram evasivas demais. Tudo bem que o “povo” brasileiro agiu de forma bem peculiar, mostrando que a “participação política” não se esgota na ação eleitoral e no associativismo voluntário tão prezados pela tradição republicana ocidental. ) dos anos finais do século XIX e dos primeiros anos do século XX não precisa ser visto obrigatoriamente como uma massa acéfala sem nenhuma capacidade de discernimento e facilmente manipulada pelos detentores do poder.
Assim, o que propomos nesta aula é a positivação do tumulto popular. Quando falamos em “positivação do tumulto”, queremos dizer que a manifestação popular não é motivada pela falta de instrução, de educação ou de valores civilizatórios, mas sim pela presença de uma insatisfação que se torna forte o bastante para provocar a mobilização coletiva.
É nessa chave interpretativa que trataremos a Guerra de Canudos (1897) e a Revolta da Vacina (1904).
OBS: O autor quer dizer que as manifestações populares não foram geradas pela ignorância, pela falta de instrução ou de educação, muito menos por valores relacionados a civilização. Estas foram causadas pela insatisfação das classes populares com a falta de participação e inclusão delas, em relação aos processos político-sociais , o que mobilizou uma ação coletiva.
A Revolta de Canudos (1897)
De acordo com o historiador Douglas Teixeira Monteiro (2006), desde meados de 1893, formava-se no sertão norte da Bahia, em uma fazenda abandonada, uma povoação conhecida como “Arraial de Canudos”.
Seu líder era Antônio Vicente Mendes Maciel, mais conhecido como Antônio Conselheiro. Com o passar dos anos, Canudos se tornou uma sociedade alternativa, e o poder de Conselheiro um desafio às autoridades republicanas (Monteiro, 2006).
Os seguidores de Conselheiro foram se tornando uma ameaça à credibilidade do governo de Prudente de Morais.
No Rio de Janeiro, os jacobinos afirmavam que os sertanejos de Canudos contavam com o apoio logístico da família real, especialmente do Conde d’Eu, e tramavam a restauração da monarquia. 
O movimento liderado por Conselheiro surgiu em um contexto social marcado pela crise e pelas mudanças nas relações entre a Igreja católica e o poder público.
Segundo Teixeira Monteiro:
De um modo muito geral, e com incidências mais ou menos acentuadas em cada caso, essas transformações dizem respeito às mudanças no relacionamento entre o sistema local de mando e os círculos abrangentes de poder político, de administração e da economia (2006, p. 47).
Laicização do Estado
Entre todas as mudanças destacadas por Monteiro, certamente a mais importante para entendermos o caso de Canudos foi a institucionalização do Estado laico, que pôs fim ao padroado, que na monarquia definia a Igreja católica como uma instituição indiferenciada do Estado brasileiro.
De acordo com a Constituição republicana de 1891, o Brasil se tornava um Estado laico, no qual inexistia qualquer religião oficial, sendo o culto definido como assunto de foro pessoal.
A laicização do Estado foi vista com bons olhos tanto por setores do poder público quanto por membros da hierarquia eclesiástica que desejavam ter mais autonomia em suas ações. Nas regiões do interior do Brasil, porém, o fim do padroado foi considerado uma afronta aos desígnios divinos, aos quais os poderes humanos deveriam obedecer. 
Nesses lugares, a República passou a ser vista como um regime herético, infame e contrário à religião.
Em seu apogeu, o Arraial de Canudos chegou a contar com 20 mil habitantes e foi visto tanto pelas autoridades políticas locais quanto pelo governo do Rio de Janeiro como um movimento religioso formado por fanáticos que lutavam pela restauração da monarquia. 
Vamos analisar a documentação da época?
Voltando ao calor dos acontecimentos
Moreira César não retornaria. Surpreendentemente aquele que era visto pelos jacobinos como o sucessor de Floriano Peixoto pereceu em combate na madrugada de 4 de março de 1897. 
A morte de Moreira César provocou grande agitação na capital da República; redações de jornais (O proprietário dos jornais Liberdade e Gazeta da Tarde, o Coronel Gentil de Castro, teve sua casa saqueada pelos manifestantes. Quando tentava fugir da cidade, ao lado do Visconde de Ouro Preto, foi trucidado a socos, pontapés e punhaladas por um grupo de aproximadamente trinta jacobinos na estação de São Francisco Xavier.) foram incendiadas, lojas depredadas, e casas de monarquistas invadidas.
Como mostram tanto a documentação de época quanto a bibliografia especializada, a repercussão de Canudos ultrapassou, e muito, as fronteiras do Estado baiano, chegando a ser um importante elemento nas disputas políticas que então movimentavam a capital da República.
A Revolta da Vacina (1904)
De acordo com José Murilo de Carvalho, a cidade do Rio de Janeiro sentiu de modo particularmente intenso as mudanças provocadas pelo advento da República. 
É exatamente na conjuntura dessas mudanças e nas políticas públicas modernizantes desenvolvidas pelos governos republicanos que propomos a análise da Revolta da Vacina. A primeira grande mudança foi de natureza demográfica:
A abolição lançou o restante da mão de obra escrava no mercado de trabalho livre e engrossou o contingente de subempregados e desempregados. Além disso, provocou um êxodo para a cidade proveniente da região cafeeira do estado do Rio e um aumento na imigração estrangeira, especialmente de portugueses (Carvalho, 1987, p. 16).
Com o aumento da população, os velhos problemas de abastecimento de água e de saúde pública se tornaram ainda mais graves. Fora isso, o autor destaca também a dinâmica da circulação de ideias e de valores políticos na capital da República:
“Liberalismo, positivismo, socialismo e anarquismo misturavam-se e combinavam-se das maneiras mais esdrúxulas na boca e na pena das pessoas mais inesperadas” (Carvalho, 1987, p. 42).
Naquilo que se refere às doutrinas políticas, a República aprofundou a leitura do ideário liberal que já havia sido desenvolvida na monarquia. Essa concepção tinha como postulado básico a distinção entre a sociedade civil e a sociedade política. O direito político não era considerado um direito natural, mas sim uma concessão da sociedade àqueles que ela considerasse merecedores, e o voto não era visto como um direito, mas sim um dever social, uma responsabilidade daqueles que eram capazes de manter a harmonia social.
Clique aqui para conhecer os envolvidos nesta revolta e para ver o que consta a documentação da época.
Voltando ao calor dos acontecimentos
Apesar de ter sido motivada por um único estopim, a obrigatoriedade da vacina, a Revolta de 1904 foi fragmentada e envolveu um amplo leque de interesses. Podemos ver, nesse evento, os seguintes grupos e motivações:
Os setores mais pobres da população carioca, justamente aqueles que moravam na região central da cidade e tiveram suas moradias destruídas pela política sanitária do Dr. Oswaldo Cruz. A insatisfação dessas pessoas era motivada tanto pela revolta de terem sido desalojadas de suas casas quanto pelo moralismo conservadorque considerava o corpo, sobretudo o feminino, inviolável.
Os jacobinos positivistas e florianistas liderados por Lauro Sodré e Barbosa Lima. Como vimos na última aula, esses grupos representavam a principal oposição ao governo das oligarquias civis. Representados também pelos alunos da Escola Militar da Praia Vermelha, os jacobinos viram, na Revolta da Vacina, a chance de restabelecer a ditadura positivista. De acordo com José Murilo de Carvalho: Lauro Sodré e Barbosa Lima deixavam claro em seus discursos qual era o seu objetivo: acabar com a república dos fazendeiros, a república prostituída. O apelo à regeneração da república era por demais abstrato para levar o povo às ruas. O êxito dessa empresa necessitava de algum tipo de apoio popular. Foi isso que os líderes militares tentaram conseguir com a revolta da vacina (1987, p. 127).
Durante cinco dias, a região central da capital federal ficou em pé de guerra. Podemos ver, nessa manifestação popular, uma ação política na qual a sociedade civil tentou limitar a ação do governo. Para José Murilo de Carvalho, o povo carioca, definitivamente, não era bestializado.

Continue navegando