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ANÁLISE DIMENSIONAL INTRODUÇÃO A análise dimensional refere-se ao estudo das dimensões que caracterizam as grandezas físicas, como massa, força e energia. A Mecânica Clássica baseia-se em três grandezas fundamentais, com dimensões MLT, a massa M, o comprimento L e o tempo T. Da combinação destas, surgem as grandezas derivadas, como o volume, a veloci- dade e a força, de dimensões U, LT-1e MLT-2,res- pectivamente. Nas outras áreas da Física, são definidas outras quatro grandezas fundamentais, entre elas a temperatura e e a corrente elétrica I. Para introduzir o assunto da análise dimen- sional, vejamos um exemplo clássico da literatura romântica: Dean Swift, em As aventuras de Gulliver descreve as viagens imaginárias de Lemuel Gulliver aos reinos de Liliput e Brobding- nag. Nesses dois lugares a vida era perfeitamente idêntica à dos homens normais, mas suas dimen- sões geométricas eram diferentes. Em Liliput, os homens, as casas, o gado, as árvores eram doze vezes menores do que no país de Gulliver, e em Brobdingnag era tudo doze vezes maior. O ho- mem de Liliput era um modelo geométrico de 18 Gulliver em escala 1:12, e o homem de Brobding- nag era um modelo em escala 12: 1. Pode-se chegar a interessantes constatações a respeito desses dois reinos fazendo uma análise dimensional. Muito antes de As aventuras de Gulliver terem sido escritas, Galileu já afirmara que os modelos ampliados ou reduzidos de ho- mens não poderiam ser como somos. O corpo humano é constituído de colunas, tirantes, ossos e músculos. O peso do corpo que a estrutura (es- queleto) deve sustentar é proporcional ao seu pró- prio volume, isto é, aU, ao passo que a resistência de um osso à compressão ou de um músculo à tração é proporcional a U. Comparemos Gulliver com o gigante de Brob- dingnag, que tem cada uma de suas dimensões li- neares 12 vezes maiores. A resistência de suas pernas seria 144 vezes maior do que a das de Gulliver, o seu peso 1.728 vezes maior. A relação resistência/peso do gigante seria 12 vezes menor do que a nossa. Para sustentar seu próprio peso, teria de fazer um esforço equivalente ao que tería- mos de fazer para carregar onze homens às costas. Galileu tratou com clareza esses problemas usando argumentos que refutam a possibilidade 424 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA da existência de gigantes de aspecto normal. Se quiséssemos manter em um gigante a mesma pro- porção de membros que em um homem normal, ter-se-ia de usar um material mais duro e forte para constituir os ossos ou ter-se-ia de admitir uma diminuição de sua resistência em compara- ção com a de um homem de estatura normal. Por outro lado, se o tamanho de um corpo for dimi- nuído, sua resistência não diminuiria na mesma proporção; quanto menor o corpo tanto maior sua resistência relativa. Assim, um cachorrinho poderia, provavelmente, carregar sobre as costas dois ou três cachorrinhos de seu próprio tama- nho; já um elefante não poderia carregar nem sequer outro elefante de seu próprio tamanho. Analisemos agora um problema dos liliputia- nos. O calor que um corpo vivo perde para o am- biente se dá, sobretudo, através da pele. Esse fluxo de calor é proporcional à área de superfície recoberta pela pele, isto é, à V, desde que sejam mantidas constantes a temperatura do corpo, as características da pele etc. Essa energia dissipada, assim como a energia gasta nos movimentos, pro- vém dos alimentos ingeridos. Portanto, a quanti- dade mínima de alimento a ser consumido é proporcional a V. Se um homem como Gulliver pudesse se alimentar durante um dia com, diga- mos, um frango, um pão e uma fruta, um lilipu- tiano necessitaria de um volume de alimento (l/ 12)2 vezes menor. Mas um frango, um pão e uma fruta, reduzidos à escala de seu mundo, teriam um volume (1/12)3 vezes menor. Portanto, ele precisa- ria de uma dúzia de frangos, uma dúzia de pães e uma dúzia de frutas por dia para sentir-se tão bem alimentado como Gulliver com um de cada deles. Os liliputianos deveriam ser um povo irri- quieto e faminto. Essas qualidades se encontram em muitos mamíferos pequenos, como os ratos. É interessante notar que não há animais de san- gue quente muito menores que os ratos, talvez porque, de acordo com as leis de escala discuti- das, esses animais seriam obrigados a ingerir uma quantidade tão grande de alimentos que se tor- naria impossível a sua obtenção ou, mesmo, a sua digestão em tempo hábil. De tudo o que vimos, é importante frisar que, embora Brobdingnag e Liliput sejam modelos geométricos de nosso mundo, não poderiam ser modelos físicos, pois não encontraríamos ali com- pleta semelhança física como nos fenômenos na- turais. Para viabilizar os modelos, seria preciso que as variáveis fossem ajustadas conveniente- mente. No caso de Brobdingnag, por exemplo, o gigante poderia muito bem sustentar seu peso, mesmo possuindo a estrutura dos humanos, se estivesse vivendo em um planeta em que a acele- ração gravitacional fosse 1/12 g. GRANDEZAS FíSICAS E ANÁLISE DIMENSIONAL Os parâmetros que caracterizam os fenôme- nos físicos se relacionam por meio de leis, em geral, quantitativas, nas quais eles comparecem como medidas das grandezas físicas consideradas. A medida de uma grandeza resulta da compara- ção desta com outra do mesmo tipo, denomina- da unidade. Assim, uma grandeza (G) é dada por dois fatores, em que um é a razão entre os valores das grandezas consideradas ou medidas (M) e o outro é a unidade (U). Dessa forma, quando es- crevemos V = 50 m", a razão entre as grandezas é 50, a grandeza considerada é o volume e a unida- de, o m". Uma grandeza G pode, portanto, ser generalizada pela expressão: G=M(G)·U(G) sendo M(G) a medida de G e U(G) a unidade de G. Além disso, utiliza-se o símbolo dimensional da grandeza G, uma combinação das grandezas ANÁLISE DIMENSIONAL I 425 Grandeza Símbolo dimensional Área Velocidade Força Pressão Vazão fundamentais, simbolizadas por letras maiúsculas. Alguns exemplos, usando as grandezas fundamen- tais MLT (massa, comprimento, tempo) são mos- trados acima. Sistemas de unidades contêm unidades fun- damentais e derivadas estabelecidas de forma co- erente. O sistema internacional de unidades SI é coerente e é o único sistema de unidades legal no Brasil. As sete unidades fundamentais desse sis- tema e seus respectivos padrões são: a) Massa (M): quilograma (kg): é a massa do protótipo internacional do quilograma, construí do em platina irradiada, conser- vado no Bureau Internacional de Pesos e Medidas em Sevres, França; b) Comprimento (L): metro (rn): é o com- primento igual a 1.650.763,73 comprimen- tos de onda da radiação correspondente à transição entre os níveis 2PlOe 5ds do áto- mo 86Kr,no vácuo; c) Tempo (T): segundo (s): é a duração de 9.192.631.770 períodos de radiação corres- pondente à transição entre os dois níveis hiperfinos do estado fundamental do 133Cs; d) Corrente Elétrica (I): Ampere (A): é a intensidade de uma corrente elétrica constante mantida em dois condutores paralelos, retilíneos, de comprimento in- finito, de seção circular desprezível e si- tuados a distância de 1 metro no vácuo, que produz, entre estes condutores, uma L2 LT' MLT2 ML-1T2 L3T' força igual a 2 X 10-7 Newton por metro de comprimento; e) Temperatura Termodinâmica (8): Kelvin (K): é a fração 1/273,16 da temperatura termodinâmica do ponto triplo da água; f) Intensidade Luminosa (Iv): candela (cd): é a intensidade luminosa, na direção per- pendicular, de uma superfície de 11 600.000 m2 de um corpo negro à tempe- ratura de solidificação da platina sob pres- são de 101.325 N . m", g) Quantidade de Matéria (N): mol (rnol): é a quantidade de matéria de um sistema con- tendo tantas unidades elementares quantos átomos existentes em 0,012 kg de 12C. As grandezas físicas são grandezas que se re- lacionam entresi de tal forma que ocorrem os mesmos tipos de relações com as unidades des- sas grandezas, pois estas são valores particulares daquelas. Assim, por exemplo, se considerarmos a 2ª Lei de Newton, podemos escrever: F=m·a em que m é a massa de uma partícula e a sua ace- leração. Para as unidades dessas grandezas, po- demos escrever que: U(F) = U'(rn) X U(a) em que U(F), U(m) e U(a) são as unidades de força, massa e aceleração, respectivamente. 426 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA A equação anterior, que relaciona símbolos dimensionais, é dimensional e os expoentes de m e de a, respectivamente, 1 e 1, definem a dimen- são da força em relação à massa e à aceleração. De forma geral, se G é uma grandeza que tem expoentes a em relação a X, b em relação a Y, c em relação a Z etc., podemos escrever: G = kX' .yb . zc . em que k é uma constante adimensional. Uma equação física verdadeira deve ser ho- mogênea em relação aos expoentes de cada mem- bro da equação, a fim de que representem as relações que realmente existem entre as grande- zas consideradas. Esse critério representa uma condição necessária para que toda equação física seja verdadeira e é denominado princípio da ho- mogeneidade dimensional. "Uma equação física não pode ser verdadeira se não for dimensionalmente homogênea." Se, por exemplo, não tivéssemos certeza da fórmula F = m . a, poderíamos fazer a prova. Pelo menos precisamos admitir que F é uma função de m e de a. Assim: G = kX' .yb ou F = k m' . a" como F tem dimensões MLT-2, o segundo mem- bro também deve ter dimensões MLT-2 pelo cri- tério de homogeneidade, isto é: espaço S percorrido por um corpo em queda livre a partir do repouso, admitindo-se que S é função do peso do corpo p (uma força!), da aceleração da gravidade g e do tempo t. Nesse caso: S = k . p' . gb . t' L = k(M . L .T2)" • (L. T2)b . (T)' L = k . Ma . L (a+b) • T(-2a-2b+c) e assim: a = O; (a + b) = 1; b = 1; (-2a - 2b + c) = O; c = 2, para que o segundo membro também te- nha dimensões L. Finalmente: Skol212= . P .g . t = -g .t 2 que é a fórmula bem conhecida da queda dos cor- pos, na qual k= 1/2. Note-se que assumimos erro- neamente que S é uma função de p e como não é, apareceu a potência zero: p" = l. Os produtos de variáveis P são quaisquer pro- dutos das variáveis que envolvem um fenômeno, cada uma elevada a um expoente inteiro. Acaba- mos de ver que a queda dos corpos envolve S, g e t. Com essas variáveis podemos fazer vários pro- dutos dimensionais, como: P S2 -21 = . t . g, com dimensões L2. T2 • L .T2 = L3 • T-4 P2 = SO • t2 • g, com dimensões 1· T2 • L .T2 = L P S-3 43 = . t . g, lembrando que as dimensões de a são LT-2. Assim: com dimensões L-3• T4 . L. T -2= L-2 . T2 MT-2 = k Ma . p .T-2b. Daí vê-se que as únicas possibilidades são k = 1; a = 1 e b = 1, resultando MLT-2 = MLT-2 e, conseqüentemente, F = m.a. Ve- P4 = 5- 2 . e . g', jamos mais um exemplo: como seria a equação do com dimensões L-2. T4 . (L. T2)2=Lo. TO=l Toda vez que um produto escolhido é adi- mensional, como foi P4' esse é chamado de pro- duto adimensional, simbolizado por n, no caso, P4 = 1t4• Pelo Teorema dos n, dadas n grandezas dimensionais Gj) G2, •••• , Gn, obtidas por produ- tos de k grandezas fundamentais, se um fenôme- no pode ser expresso por uma função F(Gp G2, ...., Gn) = 0, ele também pode ser descrito por uma função <1>(1tI, 1t2, •••• , 1tn-k) = o. Em Mecânica dos Fluidos, por exemplo, ao estudar o escoamento de um líquido em torno de um obstáculo fixo, temos as seguintes variáveis: Gj=p, G2 =v, G3= D, G4 = 11, Gs=F, massa específica do líquido; velocidade do líquido; diâmetro do obstáculo; viscosidade do líquido; força sobre o obstáculo. que descrevem o fenômeno por uma equação do tipo F(Gp G2, G3, G4, G5) = 0, que envolve cinco variáveis. Como as k fundamentais são três, o mesmo fenômeno pode ser descrito por uma fun- ção <1>(1tp 1t2) = 0, com duas variáveis apenas. Isso significa que de cinco variáveis G, passamos a 5 - 3 = 2 variáveis 1t, o que simplifica a descrição do fenômeno. Nesse caso, os dois produtos adi- mensionais mais adequados são: p. v.D ° ° °n, = --- ---?M L T = 1 ---?Número de Reynolds !l F 1t2 = 2 2 ---? MOCTO = 1 ---? Coeficiente de arrastep /2vD SEMELHANÇA FíSICA o problema abordado na introdução sobre os reinos de Liliput e Brobdingnag é de semelhan- ça física. Sempre que se trabalha com modelos ANÁLISE DIMENSIONAL 427 de objetos em escalas diferentes, é necessário que haja semelhança física entre o modelo (protóti- po, em geral menor) e o objeto real em estudo. Dependendo do caso, falamos em semelhança cinemática, que envolve relações de velocidade e de aceleração entre o modelo e o objeto ou em semelhança dinâmica, que envolve relações entre as forças que atuam no modelo e no objeto. Na análise de semelhança são utilizados produtos adimensionais n, como os "números" de Euler, de Reynolds, de Froude e de Mach. Assim, para objeto e protótipo, temos: OBJETO: F(Gp G2, ••• ,GJ = °~ <1>(1tp 1t2, • ··,1tn_k) = ° PROTÓTIPO: sendo que os Gj podem ser diferentes dos G'j. Só haverá semelhança física entre o objeto e o pro- tótipo, se 1t1 = 1t' I; 1t2 = 1t' 2; ••• ; 1tn_k = 1t' n-k- Em nos- so exemplo de fluido em torno de obstáculo para haver semelhança entre o objeto e um possível protótipo, teríamos: Nº Reynolds do objeto = Nº de Reynolds do protótipo Coeficiente de arraste do objeto = Coeficiente de arraste do protótipo Essa análise de semelhança é muito usada em hidrodinâmica, máquinas etc. e não tem muita aplicação em nosso sistema solo-planta-at- mosfera. Exceção é o trabalho de Shukla et al. (2002) que emprega os produtos adimensionais rt em um trabalho de deslocamento miscível em solos. Os textos de Maia (1960), Fox &McDonald (1995) e Carneiro (1996) abordam com proprie- dade esse assunto. 428 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA GRANDEZAS ADIMENSIONAIS São grandezas obtidas a partir de produtos adimensionais n, que possuem um valor numé- rico k, cuja dimensão é 1: MOLOTOKO= 1 Além dos casos já vistos, é comum o apareci- mento de grandezas adimensionais por meio da relação entre duas grandezas G1 e G2 de mesma dimensão: GJ G2 = rt. É o caso do próprio núme- ro rt = 3,1416 ....., resultado da divisão do com- primento 7tD de qualquer círculo (dimensão L) pelo respectivo diâmetro D (dimensão L). No SSPA,várias grandezas são adimensionais por natureza e são representadas em porcenta- gem (%) ou partes por milhão (ppm), em desuso hoje. As umidades u, 8 e as porosidades (X, ~ defi- nidas no Capítulo 3, equações 3.14, 3.15, 3.12, 3.30, respectivamente, são exemplos de grande- zas 7t.Lá foi dito que é importante manter as re- lações das unidades (kg . kg', m3• m') para que possa ser vista a diferença entre elas. Importante é a adimensionalização de gran- dezas, com objetivo determinado. O caso mais simples é dividir a grandeza por ela mesmo, em duas condições diferentes. Por exemplo, experi- mentos em colunas de solo são muito comuns e cada pesquisador usa um comprimento diferen- te L m (obs.: este L não é o L da dimensão com- primento). Como comparar ou generalizar resultados? Se a coordenada x ou z (distância ao longo da coluna) for dividida pelo comprimento máximo L, aparece uma nova variável adimen- sional X = x/L, com a vantagem de que, para qual- quer comprimento L, em x = O, X = O; em x = L, X = 1, variando, portanto, no intervalo O a 1, o que é uma grande vantagem. Esse mesmo procedimento pode ser utiliza- do para grandezas que já são adimensionais, como a umidade do solo 8. Se dividirmos (8 - 8,) pelo seu intervalo de variação (80 - 85), em que 85 e 80 são as umidades residual quando seco e de satu- ração, respectivamente, teremos uma nova variá- vel e = (8 - 8,)/(80 - 8,), cujo valor é e = Opara 8 = 85 (solo seco) e e = 1 para8 = 80 (solo saturado). Assim, para qualquer solo, e varia de O a 1 e comparações podem ser feitas mais ade- quadamente. Dividir uma variável G por seu valor máxi- mo Gmax (ou seu intervalo de variação) é uma téc- nica muito empregada. Por exemplo, na Figura 4.1 (modelo sigmoidal para acúmulo de matéria seca) do Capítulo 4, tanto a ordenada y como a abscissa x poderiam ser adimensionalizadas por y = MS/MSmax e x = GD/GDmax, e a Figura 4.1 (Capítulo 4) ficaria generalizada, abrindo a pos- sibilidade de comparar curvas de crescimento de diferentes culturas. PRINCIPAIS GRANDEZAS NO SISTEMA SOLO-PLANTA- ATMOSFERA Neste item listaremos as principais grande- zas físico-químicas utilizadas na descrição do Sis- tema Solo-Planta-Atmosfera SSPA,indicando sua fórmula dimensional e unidade no sistema internacional SI. Como já foi dito, o uso do SI é obrigatório, mas, mesmo assim, apresentaremos outras unidades em uso rotineiro pela comuni- dade científica agronômica. Para comprimento, por exemplo, a unidade é o metro m, mas em muitos casos, para que os valores não fiquem muito pequenos ou grandes, lança-se mão dos múltiplos e submúltiplos, o que é permitido: km, mm, um, nm etc. Estritamente proibido é o uso de unidades fora do sistema métrico, como a po- a legada (inch), a milha, o angstrom, A. Nos submúltiplos do m, o uso do centímetro, em, é Quadro 18.1. Múltiplos e submúltiplos do Sistema Internacional. problemático pelo fato de pertencer a outro sis- tema, o CGS, e ser um submúltiplo da ordem 10-2. Mesmo assim, por conveniência, ele é muito usa- do, inclusive neste texto. No caso do tempo, a unidade é o segundo, s, e apenas os submúltiplos pertencem ao sistema de- cimal, como o us, ns ete. Os múltiplos não são do sistema decimal, uma vez que raramente se utiliza ks,Ms. Usa-se mais os múltiplos derivados de nosso "calendário": ano, mês, dia, hora e minuto. Em nosso caso, como as culturas agrícolas seguem o calendário, essas unidades serão muito emprega- das, sobretudo, o dia. Outro fator que leva a seu uso é o movimento relativamente lento da água, cuja velocidade (ou taxa) fica mais bem descrita em mm . dia-I do que em m . S-I. Por exemplo, uma taxa típica de evapotranspiração é: 5 di -I 5 X 10- 3m 5 79 x 10-8 -Imm· Ia = = , m . s 86.400s No caso da massa, a unidade é o kg, que já é um múltiplo do grama, g. De qualquer forma, pode-se usar múltiplos e submúltiplos como Mg, mg, ug ete. Novamente, o uso do grama é proble- ANÁLISE DIMENSIONAL 429 mático por pertencer ao CGS. Mesmo assim, seu uso é, muitas vezes, conveniente e, por isso, é muito utilizado neste texto. No Quadro 18.1 são apresentados os múltiplos e submúltiplos mais usados do Sistema Internacional SI. O Quadro 18.2 apresenta as principais gran- dezas empregadas no SSPA, com suas fórmulas dimensionais. Com elas é facilitada a transfor- mação de unidades. Por exemplo, vamos trans- formar Newtons (força MLT2) em dinas: 1kg x í m 1N = 2 1s A grandeza fundamental mal refere-se à quantidade e equivale ao número de Avogadro: 6,02 x 1023. Essa quantidade é usada para quantificar substância químicas. Assim, 1 mal de qualquer substância corresponde à massa de 6,02 x 1023unidades dessa substância. Dizemos que 1 mal de CaCl2 equivale a 75,5 g deste sal, e essa massa contém 6,02 x 1023moléculas de CaCI2, Fator Prefixo Símbolo 10'8 exa- E 10'5 peta- p 10'2 tera- T 109 giga- G 106 mega- M 103 quilo- k 10-3 mili- m 10-6 micro- 11 10-9 nano- n 10-12 pico- P 10-15 fento- f 10-18 atto- a 430 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA Quadro 18.2. Grandezas, dimensões e unidades mais utilizadas no SSPA. Outras unidades Grandeza Nome Dimensão Unidade SI e múltiplos Massa quilograma M kg Mg; mg; I1g Comprimento metro L m km; cm; mm; 11m Tempo segundo T s min; h; d; ano Área metro quadrado L2 m2 ha (1 ha = 10.000 rn') Volume metro cúbico L3 m3 L (litro), mL, I1L Freqüência hertz r' Hz cps; cpm Umidade % peso u MM-1 kg . kq' s g-l; % Umidade % volume 8 L3L-3 m3• m" cm3• em": % Porosidade total do solo a Porosidade livre de água ~ L 3L-3 m3• rn" cm3• em": % Densidade do solo d, Densidade das partículas dp ML-3 kg . m" Mg . rn": 9 . em" Densidade de fluido d Densidade de fluxo de nutrientes, j ML-2r' kg . m-2• s' mg . em" . d' íons, gases kg . ha' . ano" Densidade de fluxo de água; q de chuva; p de irrigação; L3L-2r' 3 -2 -1 mm. d-1m . m . s de evapotranspiração; q" (m. ç') mm. h-1 condutividade hidráulica K(8) Difusividade da água no solo D(8) L-2r' -2 -1 cm-2. ç'm . s Fluxo ou vazão Q L3r' m3.ç' L. h-1 Altura de água: chuva, lâmina P d'água, armazenamento de I L m cm; mm água no solo A, Força newton MLr2 N Kgf, dina Pressão pascal ML-1r2 Pa = N . rn' b = d . cm -2; atm Trabalho Energia joule ML2r2 J=N ·m erg = d . cm; cal Calor (1 cal = 4,18 J) Potência watt ML2r3 W=J·ç' cal- min' Densidade de fluxo de calor ou Mr3 J . S-l . rn" ou cal· em" . rnln' energia radiante q W -2·m ANÁLISE DIMENSIONAL 431 Quadro 18.2. Grandezas, dimensões e unidades mais utilizadas no SSPA. (cont.) Outras unidades Grandeza Nome Dimensão Unidade SI e múltiplos energia/V MLT2 J . rn" = Pa atm Potencial da água 'P energia/M LT2 J . kg-1 erg . g-l energia/peso L J. N-1 = m mH20; cm H2O; mm Hg Temperatura Kelvin S K °C; °F; °R Calor específico c L2T2-1 J . kq' . K-1 cal-q' . °c' Calor latente L L'T2 J . kq" cal. g-l Capacidade calorífica C ML'T2S-1 J . K-1 cal·oC-1 Entropia 5 ML2T2-1 J . K-1 cal·oC' Velocidade v LT' rn i s" km. h-1; cm .0C' Aceleração a LT' m· ç' Deslocamento angular ângulo plano rad grau ° ângulo sólido sr Velocidade angular co T' rad . ç' grau o . h-1 Gradiente de temperatura grad T SL-1 K -1 °C. crn'·m Gradiente de potencial da água grad'P L. L-1 m. rn' cm H2O/cm Condutividade térmica K MLT3-1 J . rn" . K-1 cal. em" . °C' (W . rn" . K-1) Difusividade térmica DT L'T' m'. ç' cm'. çl Condutividade elétrica da água K s. rn' mmho. em" Viscosidade absoluta ML-'T' N -2 -1. m . s Viscosidade cinemática L'T' m2. s' Tensão superficial c MT2 J . m" = N . rn' Quantidade moi N moi rnmol. urnol Carga elétrica coulomb C =A· s Concentração de elemento NL-3 cmolc. drn' meq/1OOg químico no solo NM-1 cmolc. kq Permeabilidade intrínseca k L' m' em' Tortuosidade LL-1 -1 em- em"m·m Matéria seca vegetal MS ML-2 kg. rn" kg . ha': Mg . ha': MM"' kg. kq' 9 . g-l; % 432 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA ou de íons de Ca" e o dobro de Cl, Uma solução 1M (um molar) possui 75,5 g de CaC12 por litro de solução, e equivale a uma solução lN (um nor- mal ou um equivalente por litro) em cálcio e 2N em cloro. Na avaliação de concentrações iônicas (ver Quadro 18.2) se utilizava a unidade meq/100g de solo, que foi hoje alterada para cmole• dm" ou cmole• kg'. Equivale, portanto, a um número de moles de carga do elemento considerado, por unidade de volume ou de massa de solo. Note-se que a massa de solo não equivale a seu volume, a diferença está na densidade do solo d., que impli- ca um fator que varia de solo para solo, da ordem de 1,5. Na avaliação dessa grandeza, um método recomenda o uso de um volume (cachimbo) de solo seco peneirado por peneira de 2 mm e, ou- tro, o uso de uma massa de solo, digamos 50 g. O mol também é usado para quantificar feixes de radiações, assim, p.ex., um feixe de 6,02 x 1023 fótons de comprimento de onda 555 nm (cor amarela) tem uma energia de 21,56 x 104 J,e equi- vale a 1 einstein dessa radiação. SISTEMAS DE COORDENADAS O sistema coordenado mais comum é o cartesiano ortogonal da Geometria Euclidiana, no qual as três dimensões lineares x, y, z são dispos- tas perpendicularmente entre si, como foi feito para a equação da continuidade (equação 7.17, Capítulo 7). Esse sistema envolve três coordena- das de dimensão L, resultando:comprimento L (x, y ou z), área U (xy,xz ou zy) e volume U (xyz). Os expoentes de L indicam a "dimensão", isto é, dimensão 1= linear; dimensão 2 = plano; dimen- são 3 = volume, e não são admitidas dimensões fracionárias como 1,6 ou 2,4. Como veremos a seguir no item Geometria Fractal e Dimensão Fractal, as dimensões fractais são fracionárias, para as quais fica difícil sua visualização em ter- mos do que estamos acostumados a ver: linha, plano, volume. Até a quarta dimensão L4 fica bas- tante "virtual". Na Física Moderna, Einstein utili- za quatro dimensões: x, y, z, t. No sistema de três dimensões, a posição de um ponto fica plenamente definida pelas três co- ordenadas lineares x, y, z, isto é, só há um ponto A no espaço com coordenadas xA, YA, ZA- Além desse sistema, temos vários outros, alguns de uti- lidade na descrição do SSPA.No sistema cilíndri- co, um ponto B no espaço é definido por duas coordenadas lineares (altura z e um raio r) e uma coordenada angular o: No Capítulo 14, Figura 14.4, esse sistema é esquematizado. No sistema esférico, um ponto C no espaço é definido por uma coordenada linear (raio r) e dois ângulos ~ e "(.Quando o objeto em estudo é esférico, esse sis- tema de coordenadas é vantajoso. ESCALAS E ESCALONAMENTO Já falamos em escalas no início deste capí- tulo ao apresentar o problema de semelhança fí- sica entre o objeto em estudo e o modelo. Mapas também são elaborados em escala, por exemplo, em uma escala 1:10.000, 1 em? de papel pode re- presentar 10.000 rrf no campo, isto é, 1 ha. Gran- dezas que possuem diferenças em escala não podem ser simplesmente comparadas. Como vi- mos, há o problema da semelhança física; mas, e se quisermos fazer a comparação sem mudar a escala de cada um? Uma das técnicas propostas é a do escalonamento ou scaling, muito emprega- da em Física de Solos. A técnica foi introduzida na Ciência do Solo por Miller & Miller (1956), pelo conceito de meios similares aplicado ao fluxo "capilar" de fluidos em meios porosos. Segundo eles, dois meios MI e M2 são similares quando as grandezas que descrevem os processos físicos que neles ocorrem diferem por um fator linear À, de- Se escolhermos entre os i solos um solo pa- drão para o qual À* = r" = 1 (um 11m, ou qual- (18.1) quer outro valor), a constante acima fica igual a h*r* = h", que seria o potencial matricial h" do (18.2) solo padrão (Figura 18.2). Pela análise dimensio- nal mostrada anteriormente, podemos ainda tor- nar h" adimensional: nominado comprimento microscópico caracte- rístico, e que relaciona suas características físi- cas. A melhor forma de visualizar o conceito é considerar M2como uma fotografia ampliada de MI por um fator À.Para esses meios, o diâmetro D de uma partícula de um estaria relacionado ao outro pela relação: D2 = ÀDI. A superfície S dessa partícula por: S2= À2S1e seu volume V por V2 = À3VI (Figura 18.1). Nessas condições, se conhecermos o fluxo de água em MI>seria possí- vel estimá-l o em M2, baseando-se em À?Utili- zando meios porosos artificiais (microesferas de vidro) de diversas dimensões, Klute &Wilkinson (1958) e Wilkinson & Klute (1959) obtiveram resultados sobre curva de retenção e condutivi- dade hidráulica desses meios, que sustentavam muito bem a teoria dos meios similares. Em seguida, não apareceram na literatura contribuições que levassem adiante esse concei- to. Mais de dez anos depois, Reichardt et al. (1972) retomaram o tema, obtendo sucesso, mesmo com meios porosos naturais, isto é, solos de diferentes texturas. Basearam-se no fato de que solos po- dem ser considerados meios similares, cada um com seu fator À que, inicialmente, não sabiam como determinar. Tomaram para teste a infiltra- ção horizontal, abordada no Capítulo 11, cujo PVC é repetido aqui: 8 =B; x > O, t = O 8 =80, x = O, t > O 08 = 1... [D(8) 08 1 ot ox ox (18.3) onde D(8) = K(8) . dh/dê. Como para qualquer solo a solução deste PVC é do mesmo tipo: x = <1>(8). t1/2,na qual <1>(8)de- ANÁLISE DIMENSIONAL I 433 pende das características de cada meio poroso, não seria possível obter uma solução generalizada para todos os meios (considerados similares), desde que se conhecesse o À característico de cada um? O procedimento que utilizaram foi o de adimensio- nalizar todas as variáveis, usando também a teoria dos meios similares aplicada a i solos, cada um com seu ÀI>Àz, Ài.A umidade 8 e a coordenada x foram apenas adimensionalizadas, como já foi visto anteriormente neste capítulo: (18.4) xx=- x",ax (18.5) Com relação ao potencial matricial h, este foi considerado apenas o resultado de forças capila- res, isto é, h = 2cr/pgr (equação 6.18, Capítulo 6) ou hr = 2cr/pg = constante. Se cada solo i fosse constituído de capilares de raio ri e se o compri- mento característico Àifosse proporcional ao raio ri' teríamos: (18.6) Com relação à condutividade hidráulica K, como ela é proporcional à área (À2) disponível 434 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA r, = 3 em A, = TC r~ = 28,27 em' 3TC r: 3 V, = -- = 63,62 em 4 r, = 1,5 r, r3 = 0,2 mm V r, = 4,5 em A, = TC r~ = 63,62 em' 3m; 3V, = -- = 214,71 em 4 A, .~ -- = 2,25 ~ 'i 2,25 = 1,5 ou A, A, = (1,5)' A, V, 3~ --= 3,37 ~ 'i 3,37 =1,5 ou V, Figura 18.1. Esferasperfeitamente similares. r, = 0,15 mmC'=O'\~~ \ h, = 14,4 em " .I· I . V, = (1,5)3 V, h, = 9,6 em h.r, = h,r, = h3r3 = constante 14,4 x 0,1 = 9,6 x 0,15 = 7,2 x 0,2 = 1,44 Figura 18.2. Capilares similares imersos em água. h, = 7,2 em e com essa relação Reichardt et al. (1972) determi- naram os valores de À;para cada solo, tomando (18.11) como padrão, arbitrariamente, o de infiltração para o fluxo (k = permeabilidade intrínseca, U), temos pelo mesmo raciocínio K = kpg/n (equa- ção 7.9, Capítulo 7) ou K/k = pg/r; = constante: KI K2 Ki= - = = - = constante kl k, k, (18.7) em que K* é a condutividade hidráulica do solo padrão, assumindo À*= r" = k" = 1 (Figura 18.3). Pela definição de D = Kdh/ de, pode-se verificar que a difusividade do solo padrão D* é dada por: (18.8) De todas as variáveis da equação 18.3, falta adimensionalizar o tempo. Se isso for feito de for- ma a tornar a equação 18.3 adimensional, tería- mos um tempo t* para o solo padrão, dado por: Nessas condições, o leitor pode verificar que substituindo e por e, t por t", x por X e D por D* em 18.3, obtém-se a equação diferencial adimen- sional do solo padrão, que difere dos demais por fatores de escalonamento À;, ocultos em 18.10, mas que estão nas definições de t" e D*: de =~ [D*(e)de] dt* sx dX (18.10) sujeita às condições: e = o,x~o, t" = o ANÁLISE DIMENSIONAL I 435 e = 1, X = O, t" > o (18.12) cuja solução, por analogia à equação 11.17, é: X = <p* (e) . (t*)I/2 (18.13) É oportuno analisar a equação 18.9 dos tem- pos adimensionais à luz de semelhança física e dos reinos de Liliput e Brobdingnag, que mostra que para comparar solos diferentes (mas consi- derados meios similares), seus tempos precisam ser diferentes e dependentes de À, que é um comprimento. Poderíamos até sugerir que esse fato contribui para explicar como na Física Mo- derna o tempo entra como uma quarta coorde- nada, junto com x, y e z. Por analogia ao que foi feito com h e K, podemos escrever: Estabelecida a teoria, Reichardt et al. (1972) procuraram formas de medir À para os diferen- tes solos. O "ovo de Colombo" surgiu quando per- ceberam que, se as retas x, versus t1/2 (ver Figura 11.7, Capítulo 11) características para cada solo i, devem se reduzir a uma única reta X, versus 1'1/2 segundo a equação 18.13, os fatores que fazem a sobreposição das retas poderiam ser os próprios À;. Sabemos que retas que passam pela origem y = ao . x podem ser rebatidas umas sobre as outras pela relação a/aj dos respectivos coeficientes angula- res. Como a reta em questãoenvolve raiz quadra- da, a relação a ser utilizada é: À ( a )2I _ I--- À* a* (18.14) K, K2 K, -- = -- = -- = constante,,~ ,,~ ~ 2 4,5 8 -- - = --=200 (0,10)2 (0,15)' (0,20)' Figura 18.3. Meios similares com respectivas condutividades. 436 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA mais rápida, para o qual postularam À*" = 1.Dessa forma, quanto mais lenta a infiltração do solo i, tanto menor seu Àj. Esse procedimento de deter- minar um À relativo como um fator de escalona- mento e não um comprimento microscópico característico, como sugeriram Miller & Miller (1956), facilitou a parte experimental e abriu as portas para o uso do escalonamento em várias outras áreas da Física de Solos. Finalizando, Reichardt et al. (1972) conseguiram escalonar per- feitamente D(8) e com restrições h(8) e K(8), isso porque os solos não são verdadeiramente meios similares. O fato de conseguirem escalonar D(8) K,= 2,0 mm . dia' '" = 0,10 mm K2= 4,5 mm . dia' "2 = 0,15 mm K, = 8,0 mm . dia' '" = 0,20 mm levaram Reichardt & Libardi (1973) a estabelecer uma equação geral para a determinação de D(8) de um solo, sendo conhecido apenas o coeficiente linear a, de sua curva x, versus t1/2 obtido em um experimento de infiltração horizontal: D(8) = 1,462 X 10-5 a~exp(8,087· 8) (18.15) Ainda Reichardt et al. (1975) apresentam um método de determinação de K(8) por meio de a.; Bacchi &Reichardt (1988) usaram o escalonamen- to para avaliar a eficácia de métodos de determi- nação de K(8) e Shukla et al. (2002) escalonaram experimentos de deslocamento miscíveLAlém dis- so, a técnica do escalonamento foi muito empre- gada em estudos de variabilidade espacial de solos, assumindo um 'A característico para cada ponto de uma transeção. Uma boa revisão sobre escalo- namento foi feita por Tillotson & Nielsen (1984) e, mais recentemente Kutilek & Nielsen (1994) e Nielsen et alo (1998). GEOMETRIA FRACTAL E DIMENSÃO FRACTAL A geometria fractal, ao contrário da euclidia- na, admite dimensões fracionárias. O termo fractal é definido em Mandelbrot (1982) proveniente do adjetivo latino fractus, cujo verbo frangere significa quebrar, criar fragmentos irregulares. Etimologi- camente, o termo fractal é o oposto do termo álge- bra (do árabe jabara) que significa juntar, ligar as partes. Segundo Mandelbrot, fractais são objetos não-topológicos, ou seja, objetos para os quais sua dimensão é um número real não inteiro que exce- de o valor da dimensão topológica. Para objetos chamados topológicos, ou de formas geométricas euclidianas, a dimensão é um número inteiro (O para um ponto, 1para qualquer curva, 2 para qual- quer superfície, 3 para volumes). A dimensão que Mandelbrot denominou dimensão fractal, é uma medida do grau de irregularidade do objeto con- siderado em todas as escalas de observação. A di- mensão fractal está relacionada à rapidez com que a medida estimada do objeto aumenta enquanto a escala de medida diminui. A propriedade de auto- similaridade ou escalonamento dos objetos é um dos conceitos centrais da geometria fractal e per- mite melhor entendimento do conceito de dimen- são fractal. Um objeto normalmente considerado unidimensional (Figura 18.4) como um segmen- to de reta, pode ser dividido em N partes idênticas de tal forma que cada parte é um novo segmento ANÁLISE DIMENSIONAL I 437 de reta representado em uma escala r = 1/N do segmento original, de modo que Nr' = 1. De forma semelhante, um objeto bidimensio- nal (Figura 18.5), como uma área quadrada em um plano, pode ser dividida em N áreas quadra- das idênticas em uma escala r = 1 / -{N da área ori- ginal, de modo que Nr2 = l. Tal escalonamento pode ser estendido para objetos tridimensionais (Figura 18.6) e a relação entre o número de fragmentos semelhantes (N) e sua escala em relação ao objeto original (r) pode ser generalizada por NrD = I, em que D define a dimensão de similaridade ou dimensão fractal. Portanto, as formas geométricas euclidianas, com dimensões O, I, 2 e 3, com as quais estamos mais familiarizados, podem ser vistas como casos particulares das numerosas formas e dimensões que ocorrem na natureza. A Figura 18.7, adaptada de Barnsley et alo (1988), conhecida como curva de Von Koch, é construída de forma iterativa ou recursiva, partindo-se de um segmento de reta (a) dividido em três partes iguais e o segmento cen- tral substituído por dois segmentos iguais, forman- do parte de um triângulo equilátero (b). No estágio seguinte cada um desses quatro segmen- tos é dividido novamente em três partes e cada uma é substituída por quatro novos segmentos de comprimento igual a 1/3 do original e dispostos de acordo com o mesmo padrão apresentado em (b), e assim sucessivamente. A partir do estágio b, em cada mudança de estágio o comprimento total L da figura aumenta de um fator 4/3, o nú- mero N de elementos semelhantes ao do estágio a aumenta de um fator de quatro e suas dimen- sões estão em escala r = 1/3 do estágio preceden- te. Em cada estágio a figura pode ser dividida em N elementos semelhantes, tal que N . rD = I, em que D é chamada de dimensão fractal do objeto. Essa curva apresenta dimensão fractal aproxima- da D = 1,26, que é maior que 1 e menor que 2, o que significa que preenche mais o espaço do que 438 I SOLO, PLANTA EATMOSFERA ,, L = 1: r •• N = 1 ::, L=1:, r = 1/2 : N =2I.,, i,,, r = 1/3 1 N =3:'4 14 ~I i 1 log N log 2 log3 D,=--- = ---= ---=1 log (1/r) log 2 log3 Figura 18.4. Generalização da relação N . rD = 1, para o caso D = 1, isto é, N . r1 = 1. N = 1 A=1 r(linear) = 1/2 r(área) = 1/4 N =4 A = 1/4 A = 1/4 r(linear) = 1/4 r(área) = 1/16 N = 16 A=1/16 log N log 4 log 16 DA= --- = -- =-- =2 log(1 / r) log 2 log 4 r= -- {N Figura 18.5. Objetos bidimensionais. r(linear) = 1/2 r(volume) = 1/4 r(linear) = 1/4 r(volume) = 1/16 Dv= log N 10g(1 / r) Figura 18.6. Objetos tridimensionais. uma simples linha (D = 1) e menos que uma área euclidiana de um plano (D = 2). Formas e estruturas altamente complexas e ir- regulares, comuns na natureza, podem ser reproduzidas com riqueza de detalhes mediante procedimentos semelhantes, indicando que por traz de uma aparente desordem dessas formas, es- truturas e processos dinâmicos que ocorrem na ANÁLISE DIMENSIONAL 439 li I L N = 1 V = 1 N = 8 V = 1/4 N = 64 V = 1/16 = ~ = log64 =3 log 2 log 4 r= natureza, há alguma regularidade capaz de sermais bem entendida. Físicos, astrônomos, biólogos e cientistas em muitas outras áreas vêm desenvol- vendo nas últimas décadas uma nova abordagem para tratar a complexidade da natureza, denomi- nada "Teoria do Caos': e que matematicamente define a casualidade gerada por sistemas dinâmi- cos determinísticos simples. Tal abordagem per- 440 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA mite a descrição de certa ordem em processos di- nâmicos que anteriormente eram definidos como completamente aleatórios. Com o indispensável auxílio dos computado- res, a geometria fractal vem tomando vulto nas mais diversas áreas do conhecimento, incluindo- se as artes, como nova ferramenta de trabalho para o melhor entendimento da natureza. A pesquisa agronômica, que trata basicamente de processos e objetos da natureza, acompanha essa tendência e vem aplicando essa nova abordagem em diversas situações, como no estudo dos processos dinâmi- cos que ocorrem no solo (movimento de água, gases e solutos), estrutura dos solos, arquitetura e desenvolvimento das plantas, processos de dre- nagem em bacias hidrográficas ete. A Figura 18.8, extraída de Barnsley et al. (1988), mostra uma imagem gerada por compu- tação gráfica, mediante sistemas de funções iterativas (IFS), que simula de forma bastante re- alista uma planta. As possibilidades de simulações de objetos da natureza são ilimitadas, sendode grande utilidade na caracterização morfológica e funcional de suas formas e estruturas. Modelos fractais que simulam a estrutura do solo (Figura 18.9) têm sido largamente estudados e testados contra as características e propriedades reais de diferentes tipos de solo. A característica fractal demonstrada por alguns atributos do solo tem permitido o seu estudo mediante novas abor- dagens fisicamente fundamentadas, que passam a ocupar o espaço de tratamentos puramente empíricos até então aplicados. Vamos agora esclarecer em mais detalhe as Fi- guras 18.4 a 18.7.Ao medirmos um comprimento L, que pode ser um segmento de reta, uma curva, o contorno litorâneo de um mapa, usamos como unidade uma régua linear de "tamanho" E ,menor que L. Se E couber N vezes em L, temos: E L(r) =N(r) r, em que r =- L Escrevemos L(r) por que um comprimento tortuoso L, medido com a régua linear, depende do tamanho da régua, pois "arcos" são medidos retilineamente. Quanto menor a régua, melhor a medida. Na Figura 18.4, L é uma reta e não se perde por tortuosidade. No primeiro caso, L = 1, N = 1 e r = 1, isto é, a régua é o próprio L. Se a régua for a metade de L, teremos N = 2 e r = 1/2 . Se for um terço N = 3 e r = 1/3. Pode-se demonstrar que: (18.16) em que D é a dimensão geométrica. Na geometria euclidiana, D = 1 (linha); D = 2 (plano); D = 3 (volume). Aplicando logaritmo a ambos os mem- bros da equação 18.16, temos: N = r", ou log N = -D -Iog r, ou ainda log N = D -Iog (L'r) e assim: 10gN D=--- 10g(1/r) (18.17) Na Figura 18.4 utilizamos o símbolo DL para dimensão linear e nela pode se ver que pela equa- ção 18.17, a medida é linear: DL = 1, concordando com a geometria euclidiana. Na Figura 18.5 medimos objetos bidimen- sionais, isto é, áreas e a dimensão euclidiana é DA = 2, sendo DL = DA -1. Para objetos tridimen- sionais (volumes), a dimensão euclidiana é D, = 3, sendo DL = Dy-2 (Figura 18.6). A equação 18.16 também admite dimensões fracionárias, denominadas de dimensões fractais, que aparecem quando medimos contornos L tor- tuosos, áreas A e volumes V irregulares. Na Figura 18.7, a tortuosidade é mostrada de forma progres- siva em: a) é dado um comprimento básico Lo;em b) é acrescentado 1/3 de L,e para caber no mesmo ANÁLISE DIMENSIONAL I 441 r = 1/3 I a) I L=l;N=l r=1/3 Â b) ~ ~,--- ...•• r= 1/9 ~"7 c)~ ~ " L= 4/3; N = 4 L= 16/9 = (4/3)2; N = 16 d) Próximo estágio --. L= 64/27 = (4/3i; N = 64 log N log 4 log 16 log 64 0= =--=--=-- =1,26 10g(1/r) log 3 log 9 log 27 Figura 18.7. Curva de Von Koch. Figura 18.8. Simulação da imagem de uma planta gerada por computação gráfica, por meio de sistemas de funções iterativas (lFS), extraída de Barnsley et 01. (1988). 442 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA Figura 18.9. Simulações da matriz do solo. espaço é feita a montagem mostrada. Se a régua for de comprimento Lo, ela não mede LI que é 4/3 Lo, em c) para cada trecho de b, é feita a mesma montagem e um comprimento maior L2 = 16/9 Lo' que não seria observado com uma régua de com- primento L; Pela equação 18.17 resulta a dimensão D 1,26...., maior que 1 e menor que 2 da geometria euclidiana. Não é linha reta nem área, é uma "li- nha tortuosa". No caso da Figura 18.7,se acrescentarmos duas partes, teremos: log 6 D = = 1,63 log 3 e se acrescentarmos quatro partes: log 7 log 3 D= = 1,77 ou ainda, acrescentando seis partes: =2log 9 log 3 D=----~----~l_____7 isto é, D = DA = 2 o que significa que a tortuosida- de é tão grande que a "curva" tende para uma área. Em Física de Solos, como o caminho percorri- do pela água, percorrido pelos íons e gases; como a distribuição de partículas e, conseqüentemente, de poros são todos tortuosos, os conceitos fractais parecem ser uma boa opção para modelagem. Nessa linha Tyler &Wheatcraft (1989) mediram a dimensão fractal volumétrica do solo pela dis- tribuição de partículas (Capítulo 3) pelo coeficiente angular de gráficos log N versus log R, sendo N o número de partículas de raio menor que R. Mais tarde, Tyler &Wheatcraft (1992) reconheceram a dificuldade de medir o número de partículas N e utilizaram massa de partículas, em forma adimen- sional M (R < R)/Mt e raios também de forma adimensional R/Rt. Bacchi & Reichardt (1993) empregaram esses conceitos na modelagem de curvas de retenção de água, estimando o comprimento de poros Li que correspondem a uma dada classe textural, pela ex- pressão empírica de Arya & Paris (1981): Li = 2RiNiu,em que 2Ri é o diâmetro das partículas da classe i eNi o número de partículas da mesma clas- se.Não houve sucesso e esse tema se encontra aber- to para pesquisa. Bacchi et al. (1996) comparam o uso de distribuições de partículas e distribuições de poros na obtenção D, e estudaram seus efeitos em dados de condutividade hidráulica de solos. Ainda em nosso meio Guerrini (1992, 2000) aplicou a geometria fractal com sucesso na agro- nomia. Para os interessados em geometria fractal, o texto básico é o de Mandelbrot (1982) e, além dos trabalhos já citados, são de interesse: Puckett et alo (1985), Turcotte (1986), Tyler &Wheatcraft (1990), Guerrini & Swartzendruber (1994, 1997) e Perfect & Kay (1995). EXERCíCIOS ANÁLISE DIMENSIONAL I 443 DIMENSÕES HUMANAS Não poderíamos deixar de mencionar as di- mensões humanas, não exatas, que não podem ser quantificadas e, assim, não podem ser expres- sas por meio de equações, cálculos e índices, nem por isso menos importantes. O assunto é com- plexo não cabendo bem aqui, razão pela qual, a título de exemplo, apresentamos apenas as dimen- sões propostas por Boff (1997), a da águia (A) e a da galinha (G). São duas dimensões fundamentais da existência humana . .G é a dimensão do enraiza- mento, do cotidiano, do prosaico, do limitado, do "quadrado", do conformado, que simboliza o com- portamento humano que se assemelha à galinha. A representa a dimensão da abertura, do desejo, do poético, do ilimitado, do desafio, que simboliza o comportamento humano de uma águia. Boff (1997) em A águia e a galinha, mostra a dificul- dade de equilibrar C'dimensionalizar" em nossa linguagem) essas duas grandezas. 18.1. No exemplo da Figura 18.1, mostre que a superfície das esferas também está relacionada por similaridade. 18.2. A tensão superficial é dada como força por unidade de comprimento ou energia por unidade de área. Demonstre que as duas formas têm a mesma dimensão. 18.3. Sabendo que a condutividade hidráulica é uma função da permeabilidade intrínseca k (em- ou rn-), da densidade de fluidos p (g . crrr! ou kg . rn'), da aceleração da gravidade 9 (cm . S-2 ou m . $'2) e da viscosidade do fluido 11 (g . crn' . s' ou kg . m' . s'), determine a função K = K (k, p, g, 11). 18.4. Na equação 18.9, mostre que t* é adimensional. 18.5. Qual a relação entre cal· cm-2• rnin' e W . rrr-? 18.6. Como adimensionalizar K(8)? 18.7. Na equação N . rD = 1, mostre que D = 109 N I 109 (1 Ir). 444 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA 18.1. 47tr~= 47t(1,5 r,)2 18.2. MT2 = MT2 18.3. K = k P g / 11 18.4. t" = 7t 18.5. 1 cal- cm-2. mino' = W . m? 18.6. 7t= K(8)/Ko' quando K(8) = K, 7t= 1; quando K(8) = O,7t= O RESPOSTAS - - ----
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