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CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 1 Aula 01 Olá, Pessoal! Sejam bem-vindos ao curso de Administração Pública para ESAF. Gostaria de agradecer a vocês pela confiança no nosso trabalho e espero que o curso satisfaça as suas expectativas. Vimos na aula demonstrativa o conceito e a evolução do Estado, passando do absolutismo, pelo liberalismo, pelo Estado de Bem-Estar, pelo neoliberalismo e pelo Estado Regulador. Agora, nessa Aula 01, veremos a evolução dos modelos de administração pública. Aula 01 – 13/04: Modelos teóricos de Administração Pública: patrimonialista, burocrático e gerencial. Esse conteúdo é bastante próximo ao da aula passada, a evolução desses modelos está diretamente ligada a evolução da atuação do Estado. Por isso, em diversos momentos vou estar me referindo ao conteúdo visto na aula demonstrativa. Boa Aula! SUMÁRIO 1 MODELOS TEÓRICOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA................................................................................ 2 1.1 TIPOS PUROS DE DOMINAÇÃO............................................................................................................................. 3 1.2 PATRIMONIALISMO ........................................................................................................................................... 7 1.3 BUROCRACIA ................................................................................................................................................. 11 1.4 RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO........................................................................................................ 20 1.5 DISFUNÇÕES E CRISE DA BUROCRACIA................................................................................................................. 33 1.6 ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL............................................................................................................................. 39 2 RESUMO............................................................................................................................................... 52 3 QUESTÕES............................................................................................................................................ 53 3.1 GABARITO ................................................................................................................................................... 120 3.2 LISTA DAS QUESTÕES..................................................................................................................................... 120 4 LEITURA SUGERIDA..............................................................................................................................140 5 BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................................141 CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 2 1 Modelos teóricos de Administração Pública Quando falamos em modelos teóricos de administração pública, estamos nos referindo basicamente a três diferentes formas de se administrar o Estado: patrimonialismo, burocracia e gerencialismo. São três modelos que se sucederam ao longo do tempo, tendo cada um prevalecido em épocas diferentes, mas isso não significa que foram deixando de existir à medida que outro surgia. Tanto o patrimonialismo quanto a burocracia ainda estão presentes atualmente, apesar de prevalecer o gerencialismo. O termo patrimonialismo vem de “patrimônio”, isso porque o governante administrava o patrimônio público como se fosse seu patrimônio privado. Era o modelo característico das monarquias europeias até o Século XIX, quando se desenvolve as ideias de legalidade e impessoalidade com o modelo burocrático. Este surge como uma forma de proteger o patrimônio coletivo contra os interesses privados, estabelecendo procedimentos a serem seguidos. Contudo, exageraram nas regras, a administração pública ficou muito rígida e “burocracia” virou sinônimo de ineficiência. Isso se torna um problema sério com a crise fiscal a partir da década de 1970, quando ganham força as ideias de uma administração gerencial. Esta tem como principal diferença em relação ao modelo burocrático o foco do controle, que deixa de ser a priori nos processos para ser a posteriori nos resultados. Podemos enxergar melhor essa evolução nessa tabela. Patrimonialismo Burocracia Gerencial – Tem origem nas sociedades patriarcais, em que a comunidade vivia ao redor do senhor e servia a este em troca de proteção. – Esteve presente nas monarquias europeias absolutistas. – O patrimônio público é confundido com o particular. – Desenvolve-se com o surgimento do capitalismo e da democracia, como uma forma de proteção do liberalismo. – Defende a separação do público e do privado, impondo limites legais a atuação da administração pública. – Entra em crise a partir da década de 1970, devido à crise fiscal que teve origem nas duas crises do petróleo. – É aplicada inicialmente pelos governos Thatcher no Reino Unido e Reagan nos EUA, no início dos anos 1980. – Prega a redução das atividades estatais e a autonomia do gestor público – Defende a mudança no foco do controle, do processo para o resultado Até 1850 1850-1980 Depois de 1980 Antes de entrarmos em cada um desses modelos, é preciso que seja visto o que Max Weber chamou de tipos puros de dominação legítima, que constituem a base de cada um deles. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 3 1.1 Tipos Puros de Dominação Para estudarmos as formas de administração pública, primeiro temos que entender o que Weber chamava de “dominação”. Segundo o autor: Poder significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento desta probabilidade. Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis. Disciplina é a probabilidade de encontrar obediência pronta, automática e esquemática a uma ordem, entre uma pluralidade indicável de pessoas, em virtude de atividades treinadas. Poder observar nesses três conceitos uma gradação no que se refere ao nível de obediência. Enquanto o “poder” envolve impor a própria vontade mesmo contra resistências, a “disciplina” já constitui uma obediência automática. A dominação está no meio, como a “probabilidade de encontrar obediência”. Weber fala em “encontrar obediência”, ou seja, é preciso que a pessoa aceite a ordem do outro, que ela adote determinada conduta sem resistência. A dominação precisa que haja obediência, que a pessoa que recebe a ordem aceite a outra como alguém com o direito de lhe dar ordens, ou seja, que tenha legitimidade. O conceito de legitimidade é muito importante dentro do conceito de dominação. Só há dominação se há legitimidade. Segundo Weber, certo mínimo de vontade de obedecer, de interesse na obediência, faz parte de toda relação autêntica de dominação. O conceito de dominação está muito associado ao de legitimidade. Para que um Estado exista, é preciso que as pessoas (dominados) aceitem a autoridade alegada pelos detentores do poder (dominadores); é necessário que os detentores do poder possuam uma autoridade reconhecida como legítima. Para Weber, a dominação corresponde a: Um estado de coisas pelo qual uma vontade manifesta (mandato) do dominador ou dos dominadores influi sobre os atos de outros (do dominado ou dos dominados), de tal modo que em um grau Weber trata a dominação como sinônimo de autoridade,por isso alguns falam em tipos puros de autoridade ao invés de tipos puros de dominação. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 4 socialmente relevante, estes atos têm em lugar como se os dominados tivessem adotado, por si mesmos e como máxima de sua ação, o conteúdo do mandato (obediência). Podemos analisar esta definição de dominação sob quatro aspectos: Trata-se de uma relação social, no sentido que Weber atribuiu a esta expressão, isto é, “o comportamento de vários indivíduos na medida em que o de uns se pauta pelo dos outros”. Essa relação é fortemente assimétrica, já que, de um lado, encontramos uma ordem, e, do outro, o indivíduo ou um grupo de indivíduos que deve obedecer à ordem que lhe é dirigida; À ordem se associa uma possibilidade de ser obedecida, que varia conforme o tipo de dominação e o quadro social no qual se exerce a dominação; Weber entende a dominação como uma relação social, mas não limita sua análise à interação entre um indivíduo que comanda e um indivíduo que obedece. Quando se exerce sobre um “grande número de indivíduos, a dominação requer uma direção administrativa”. Weber fala que “há três tipos puros de dominação legítima”. Quando ele fala em “puros”, ele se refere a “tipos-ideais”, ou seja, um recurso metodológico que o cientista utiliza toda vez que necessita compreender um fenômeno formado por um conjunto histórico ou uma sequência de acontecimentos. Estes tipos ideais não podem ser encontrados na realidade, eles não existem em seu “estado puro”, eles se situam apenas no plano da abstração teórica. O tipo ideal é uma abstração, através da qual as características extremas de um determinado fenômeno são definidas, de forma a fazer com que ele apareça em sua forma “pura”. Ideal não quer dizer que é bom, mas sim que está no mundo das ideias. Como o tipo puro é uma abstração, um extremo, nenhuma organização corresponde exatamente ao modelo puro de burocracia. Weber descreve os tipos puros de dominação com base na origem de sua legitimidade, ou seja, com base no porquê das pessoas aceitarem as ordens. São três tipos: → De caráter racional: baseada na crença na legitimidade das ordens estatuídas e do direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens, estão nomeados para exercer a dominação (dominação legal); CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 5 → De caráter tradicional: baseada na crença cotidiana da santidade das tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas tradições, representam a autoridade (dominação tradicional); → De caráter carismático: baseada na veneração extraordinária da santidade, do poder heróico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas (dominação carismática). Na Dominação Tradicional o critério para a aceitação da dominação é a tradição, ou seja, os valores e crenças que se perpetuam ao longo de gerações. Existe legitimidade porque as coisas sempre foram assim. O Rei governa o Estado porque seu pai era rei, assim como seu avô, seu bisavô, etc. É um tipo de dominação extremamente conservador. Aquele que exerce a dominação tradicional não é simplesmente um superior hierárquico, mas um “senhor”, e seus subordinados, que constituem seu quadro administrativo, não são “funcionários”, mas servos. Não se obedece a estatutos, mas à pessoa indicada pela tradição ou pelo senhor tradicionalmente determinado. As ordens são legítimas de dois modos: → Em parte em virtude da tradição que determina inequivocamente o conteúdo das ordens, e da crença no sentido e alcance destas, cujo abalo por transgressão dos limites tradicionais poderia pôr em perigo a posição tradicional do próprio senhor. → Em parte em virtude do arbítrio do senhor, ao qual a tradição deixa espaço correspondente. Assim, o senhor tem uma ampla liberdade para tomar decisões, de forma arbitrária. Porém, essa liberdade é limitada pela própria tradição, já que ele não pode infringir aquilo que lhe dá legitimidade. Na Dominação Carismática, a legitimidade tem origem no “carisma” do líder. As pessoas aceitam suas ordens e são leais ao senhor porque ele possui uma qualidade extraordinária. Weber define carisma como: Uma qualidade pessoal considerada extracotidiana e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, extracotidianos específicos ou então se a toma como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como líder. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 6 O critério da legitimação é o da lealdade, uma devoção afetiva do grupo para com o líder carismático. Há algo de misterioso e mágico na pessoa que lhe confere poder. O grande líder político, o herói, o chefe de expedições pioneiras são frequentemente pessoas com poder carismático. Uma palavra importante nessa definição é “extracotidiano”. O carisma é algo que não existe no dia-a-dia, na rotina, ele surge com uma situação extraordinária. A dominação carismática é um poder sem base racional. É instável, arbitrário e facilmente adquire características revolucionárias. Sua instabilidade deriva da fluidez de suas bases. O líder carismático mantém seu poder enquanto seus seguidores reconhecem nele forças extraordinárias e, naturalmente, este reconhecimento pode desaparecer a qualquer momento. Assim, com o passar do tempo, essa dominação perde sua característica efêmera, assumindo o caráter de uma relação permanente. A dominação carismática não sobrevive na rotina, por isso ela tem de modificar substancialmente, se transformando numa dominação tradicional ou racional. Fidel Castro é um exemplo disso. Ele foi um líder revolucionário, que com o carisma conseguiu uma série de seguidores na busca pela tomada do poder. Porém, pela sua longa permanência no governo, teve sua dominação carismática transformada em tradicional. Tanto que colocou seu irmão como sucessor. Como o carisma é uma qualidade pessoal, ele só pode ser “despertado” e “provado”, e não “aprendido” ou “transferido” de uma pessoa para outra. A pessoa tem carisma com algum ato extraordinário, quando demonstra aos demais possuir qualidades superiores. E isso não é passado para outros. O quadro administrativo do senhor carismático não é um grupo de funcionários profissionais. Ele não é selecionado segundo critérios de dependência doméstica ou pessoal, mas segundo qualidades carismáticas: ao “profeta” correspondem os “discípulos”; ao “príncipe guerreiro”, o “séquito”; ao “líder” em geral, os “homens de confiança”. Não existe hierarquia, mas somente a intervenção do líder, no caso de insuficiência carismática do quadro administrativo para determinadas tarefas. Não existe salário ou prebenda – esta é definida pelo Dicionário Houaiss como “ocupação rendosa de pouco trabalho” – vivendo os discípulos com o senhor em comunismo de amor ou camaradagem, a partir dos meios obtidos de fontes mecânicas. Não há regulamento algum, nem normas jurídicas abstratas. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 7 A Dominação Racional-Legal tem sua legitimidade na lei, o estatuto criado com base na razão. Obedece-se às regras e não à pessoa. Segundo Weber, “obedece-se à ordem impessoal, objetiva e legalmente estatuída e aos superiores por ela determinados, em virtude da legalidade formal de suas disposições e dentro do âmbito de vigência destas”. A burocracia moderna, para Weber, é a forma de organização do Estado própria dos regimes em que predomina a dominaçãoracional- legal. As características fundamentais da dominação racional são: 1. Um exercício contínuo, vinculado a determinadas regras, de funções oficiais; 2. Dentro de determinada competência, o que significa: a. um âmbito objetivamente limitado, em virtude da distribuição dos serviços, de serviços obrigatórios; b. com atribuição dos poderes de mando eventualmente requeridos e; c. limitação fixa dos meios coercitivos eventualmente admissíveis e das condições de sua aplicação. 3. O princípio da hierarquia oficial, isto é, de organização de instâncias fixas de controle e supervisão para cada autoridade institucional; 4. As regras segundo as quais se procede podem ser: regras técnicas e normas. A um exercício organizado dessa forma, Weber dá o nome de “autoridade institucional”. 1.2 Patrimonialismo A dominação tradicional ocorre quando a legitimidade se baseia na crença na santidade de ordens e poderes senhoriais tradicionais (‘existentes desde sempre’). A sociedade aceita que determinada pessoa esteja no poder porque assim manda a tradição. É o costume de determinada coletividade que indica quem exerce o poder e que também garante a legitimidade do exercício da dominação. Existem inúmeras formas de dominação tradicional, e não raro estão misturadas, dentre as quais as que mais se destacam são: Gerontocracia: governo em que o poder cabe aos mais velhos, como os conselhos de anciãos; CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 8 Patriarcalismo: casos em que o poder é determinado pelo pertencimento a uma determinada família, normalmente sendo a dominação exercida por um indivíduo chefe da comunidade doméstica, determinado segundo regras de sucessão; Sultanismo: forma de dominação no qual está calcada no “arbítrio livre” do governante, munido de um aparato administrativo próprio para fazer valer suas ordens, é um regime de governo autoritário onde o governante está presente em todas as instâncias de poder. Feudalismo: forma de dominação baseada em um contrato de status, em termos de vassalo-suserano, regidos pelo sentimento de fidelidade pessoal entre ambos – ideia de “honra”; Patrimonialismo: dominação exercida com base em um direito pessoal, embora decorrente de laços tradicionais, obedecendo-se ao chefe por uma sujeição instável e íntima derivada do direito consuetudinário – “porque assim sempre ocorreu”. O patrimonialismo é uma forma de dominação tradicional. Na realidade, é ainda mais específico, é um tipo de dominação patriarcal, que é um tipo de dominação tradicional. Na dominação patriarcal, todo um grupo de pessoas está sujeito às ordens do senhor, dentro de uma autoridade doméstica. Não se incluem aqui apenas os filhos de sangue do senhor, mas toda a comunidade, que de alguma forma vive a seu redor e depende dele. A partir do momento que há uma evolução dessas comunidades, aumentando a complexidade das tarefas que são desempenhadas, e tem início a descentralização do poder patriarcal, em que alguns grupos passam a ter maior responsabilidade e liberdade, surge a dominação patrimonial. Segundo Weber: A este caso especial da estrutura de dominação patriarcal: o poder doméstico descentralizado mediante a cessão de terras e eventualmente de utensílios a filhos ou outros dependentes da comunidade doméstica, queremos chamar de dominação patrimonial. Quando o soberano atua fora da esfera doméstica, ampliando sua dominação para outros territórios e pessoas, da mesma forma como ele age dentro dela, ocorre a formação estatal-patrimonial. A maior parte dos impérios continentais apresentou, até o início da Época Moderna, e ainda dentro dessa época, um caráter fortemente patrimonial CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 9 A administração patrimonial tem como objetivo principal satisfazer as necessidades pessoais do senhor. Não existe uma diferenciação entre o patrimônio público e o privado, sendo esta é a maior característica do patrimonialismo: a confusão entre as esferas pública e privada. Desta forma, o príncipe administra os bens públicos como se fossem seus. Na realidade, naquela época pré-moderna, e inclusive ainda nos Estados Absolutistas, não havia patrimônio público. Havia o patrimônio real. Isso pode ser observado na atuação do quadro administrativo: o funcionário patrimonial mantinha uma relação puramente pessoal de submissão ao senhor e sua posição diante dos súditos constituía nada mais do que o lado exterior dessa relação. A fidelidade do servidor não é com o interesse público, mas sim com o senhor. Quando em contato com a população, o quadro administrativo pode agir arbitrariamente, da mesma forma que o senhor, desde que respeite a tradição e mantenha a obediência e a capacidade produtiva de seus súditos. O patrimonialismo consiste em administrar e proferir sentenças caso por caso, combinado o exercício discricionário da autoridade pessoal com a consideração devida pela tradição sagrada ou por certos direitos individuais estabelecidos, ou seja, arbitrariedade limitada pela tradição. Segundo Weber, ao quadro administrativo da dominação tradicional, em seu tipo puro, faltam: A competência fixa segundo regras objetivas; A hierarquia racional fixa; A nomeação regulada por contrato livre e ascenso regulado; A formação profissional (como norma); (muitas vezes) o salário fixo e (ainda mais frequentemente) o salário pago em dinheiro. Não havia um salário fixo. Os funcionários patrimoniais, no início, se alimentavam na mesa do senhor e eram equipados a partir de seu guarda-roupa. Com o afastamento da comunidade doméstica, ocorria a criação das chamadas “prebendas”, cuja definição do dicionário é “ocupação rendosa de pouco trabalho”. Pode-se dizer que constituem um privilégio dos servidores que, ao representar o soberano em determinada comunidade, recebem o direito de se apropriar de parte dos bens públicos como uma renda própria. Entre as formas de sustento do funcionário patrimonial, Weber insere: a alimentação na mesa do senhor; os emolumentos, que eram rendimentos provenientes das CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 10 reservas de bem e dinheiro do senhor; terras funcionais; oportunidades apropriadas de rendas taxas ou impostos; e feudos. As oportunidades apropriadas de rendas de taxas ou impostos significam que os funcionários patrimoniais teriam direito a uma parcela, por exemplo, da arrecadação de impostos ou cobrança de pedágios. Do total que eles conseguissem coletar, teriam direito a uma participação. Outro termo usado para descrever a atuação do quadro administrativo patrimonial é “sinecura”, que vem do latim e significa “sem cuidado“. Esse termo se refere àquelas funções, empregos ou cargos que asseguram uma remuneração ao seu ocupante sem que seja exigido trabalho ou responsabilidade prática. É uma forma de rendimento sem a necessidade de empreender esforços. Em muitos casos os cargos eram distribuídos como presentes, moeda de troca, em que seu ocupante teria uma fonte de renda sem ter que desempenhar as funções. O termo patrimonialismo passou a ser usado para descrever o tipo de dominação política em que não há distinção entre a esfera pública e a esfera privada. Os bens públicos, do Estado, são usados para interesses pessoais. Um exemplo é o fato de prefeitos explorarem as terras públicas e ficarem com parte do lucro. Os cargos públicos passam a ser considerados bens pessoais, podendo ser vendidos ou transmitidos hereditariamente. As nomeações baseavam-se em critérios pessoais, trocas de favores SegundoBresser Pereira: A característica que definia o governo nas sociedades pré- capitalistas e pré-democráticas era a privatização do Estado, ou a interpermeabilidade dos patrimônios público e privado. ‘Patrimonialismo’ significa a incapacidade ou a relutância de o príncipe distinguir entre o patrimônio público e seus bens privados. A administração do Estado pré-capitalista era uma administração patrimonialista. Segundo o Plano Diretor: No patrimonialismo, o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano, e os seus auxiliares, servidores, possuem status de nobreza real. Os cargos são considerados prebendas. A res publica não é diferenciada das res principis. Em consequência, a corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de administração. No momento em que o capitalismo e a democracia se tornam dominantes, o mercado e a sociedade civil CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 11 passam a se distinguir do Estado. Neste novo momento histórico, a administração patrimonialista torna-se uma excrescência inaceitável. Como características do modelo, podemos citar: a falta de uma esfera pública contraposta à privada, a racionalidade subjetiva e casuística do sistema jurídico, a irracionalidade do sistema fiscal, a não-profissionalização e a tendência intrínseca à corrupção do quadro administrativo. No patrimonialismo, o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano, o qual utiliza os bens públicos da forma que achar conveniente, particularmente em seu próprio benefício. Ao grupo que dominava o poder durante o Estado patrimonialista, Raymundo Faoro denominou de Estamento Burocrático. Já vimos o conceito de estamento na aula passada, é uma forma de dividir a sociedade em estratos levando em consideração o status, o pertencimento a determinado grupo. Um ponto importante é sabermos a distinção entre a administração burocrática, do modelo racional-legal de Weber, e o termo burocracia. Este surgiu da junção da palavra francesa bureau (escritório) com a palavra grega krátos (poder) e é usado desde o século XVIII para se referir às repartições públicas. Assim, quando a questão fala em estamento burocrático, não devemos associá-lo ao modelo racional-legal, mas sim ao grupo de pessoas que controlava o Estado durante o período patrimonialista. Uma das características dos estamentos eram os privilégios que eles detinham junto ao Estado. Os nobres possuíam uma série de direitos, retirando muitas vezes sua renda do Estado. Ganhavam cargos públicos e usava eles para tirar vantagens pessoais. 1.3 Burocracia Segundo Bresser Pereira: A administração pública burocrática foi adotada para substituir a administração patrimonialista, que definiu as monarquias absolutas, na qual o patrimônio público e o privado eram confundidos. Nesse tipo de administração o Estado era entendido como propriedade do rei. O nepotismo e o empreguismo, senão a corrupção, eram a norma. Esse tipo de administração revelar-se-á incompatível com o capitalismo industrial e as democracias parlamentares, que surgem no século XIX. É essencial para o capitalismo a clara separação entre o Estado e o mercado; a democracia só pode existir CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 12 quando a sociedade civil, formada por cidadãos, distingue-se do Estado ao mesmo tempo em que o controla. Assim, a maior complexidade da sociedade, decorrente do surgimento do capitalismo industrial e do fortalecimento da democracia, tornou necessária uma administração mais racional e impessoal. A prevalência do modelo burocrático tem início entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX. Vimos que no patrimonialismo não havia regras claras na economia, esta era administrada de acordo com os interesses de alguns grupos. Contudo, o desenvolvimento do capitalismo e a industrialização passam a exigir um Estado impessoal, que não governe caso a caso, mas que obedeça ao princípio do universalismo de procedimentos, que defenda o tratamento igualitário perante a lei. A administração pública não deve fazer discriminações positivas ou negativas no atendimento aos administrados; é preciso que a administração siga critérios legais, racionais, e não pessoais. Há pelo menos três grandes causas que levaram à formação da administração pública burocrática: a) Processo de racionalização capitalista, por meio do qual as organizações complexas, privadas e públicas, deveriam profissionalizar sua gestão, padronizar os métodos administrativos e buscar maior eficácia em suas ações, em termos de estrutura hierárquica e qualificação prévia dos funcionários. b) Expansão e complexificação do papel do Estado: Primeiramente, o Estado necessitava de um exército regular e de tributação eficiente. Depois, passa a proteger os direitos de propriedade; Ao longo do tempo, houve expansão para outras atividades regulatórias e investimento em infraestrutura. c) Ampliação da democracia-liberal e a criação de políticas públicas para garantir direitos sociais De forma tensa e conflituosa, o liberalismo transformou-se em democracia-liberal com a ampliação do sufrágio. A luta por direitos se ampliou e levou à criação, paulatina, de políticas sociais, que demandavam de uma burocracia profissional para realizar esta nova tarefa CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 13 Esta luta por democratização e ampliação dos direitos também resultou em medidas para tornar mais igualitário o acesso aos cargos públicos. Em suma, a criação da burocracia esteve no centro dos conflitos da montagem da democracia-liberal até a sua transformação mais adiante em democracia. Vamos ver uma definição importante de burocracia, do livro “Introdução a Organização Burocrática”, do Bresser Pereira com o Fernando Prestes Motta. Os autores afirmam que: Se adotarmos uma definição curta e perfeitamente enquadrada dentro dos moldes da filosofia aristotélica, diremos que uma organização ou burocracia é um sistema social racional, ou um sistema social em que a divisão do trabalho é racionalmente realizada tendo em vista os fins visados. Muitos alunos acham estranho o final: “fins visados”, já que associam com o fato de a burocracia se preocupar apenas em controlar os procedimentos, os “meios”, e não olhar para resultados, os “fins”. Detalhando melhor esta definição, os autores dizem que o critério que diferencia o ato racional do irracional é sua coerência em relação aos fins visados. Um ato será racional na medida em que representar o meio mais adaptado para se atingir determinado objetivo, na medida em que sua coerência em relação a seus objetivos se traduzir na exigência de um mínimo de esforços para se chegar a esses objetivos. Isso significa que a burocracia evoluiu como uma forma de se buscar maior eficiência nas organizações. Isso mesmo! Apesar de considerarmos o termo “burocrático” quase como um antônimo de eficiência, no seu cerne ele nasceu como a racionalização das atividades com o objetivo de aumentar a eficiência. Aqui temos um ponto muito importante. É importante separar a teoria da prática. Na teoria, a burocracia surge como uma forma de tornar a administração mais racional. O racional significa que são escolhidos os meios mais adequados para se alcançar determinado objetivo. Assim, a burocracia se preocupa como a finalidade dos atos administrativos, ou seja, com o interesse público. Na teoria, a burocracia é racional porque adota os procedimentos mais eficientes para se chegar a determinado resultado. Na prática, ela éextremamente rígida com os procedimentos, só se preocupa com a sua obediência, esquecendo do resultado. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 14 Segundo Weber: A administração puramente burocrática, portanto, a administração burocrático-monocrática mediante documentação, considerada do ponto de vista formal, é, segundo toda a experiência, a forma mais racional de exercício de dominação, porque nela se alcança tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade – isto é, calculabilidade tanto para o senhor quanto para os demais interessados –, intensidade e extensibilidade dos serviços e aplicabilidade formalmente universal a todas as espécies de tarefas. Quando pensamos na burocracia como excesso de controles, papelada, necessidade de muitas tramitações, apego exagerado a regulamentos, ineficiência, estamos pensando nos defeitos do sistema, ou ao que damos o nome de “disfunções” da burocracia, que veremos mais a frente. Na definição de Bresser e Motta, temos também a “divisão do trabalho”. Qualquer sistema social elementarmente organizado tem por base a divisão do trabalho, a especialização das funções. A estrutura organizacional pode apresentar uma especialização vertical – a hierarquia – e uma especialização horizontal, a divisão do trabalho, ou departamentalização. Em uma burocracia, esta divisão deverá ser feita racionalmente, ou seja, sistemática e coerentemente. A partir de um detalhamento, Bresser e Motta chegam à outra definição de burocracia: É o sistema social em que a divisão do trabalho é sistemática e coerentemente realizada, tendo em vista os fins visados; é o sistema social em que há procura deliberada de economizar os meios para se atingir os objetivos. Ato racional é aquele coerente em relação aos fins visados; ato eficiente ou produtivo é aquele que não só é coerente em relação aos fins visados, como também exige o mínimo de esforços, mínimo de custos, para um máximo de resultados. Entre as principais vantagens da burocracia, proclamadas por seus criadores iniciais, estariam: A racionalização da ação administrativa, numa era de expansão do Estado; Uma definição precisa de cargos e processos operacionais e a delimitação clara dos limites e responsabilidades de cada função; CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 15 A continuidade da administração, estabelecendo mais claramente a diferença entre Estado e Governo; A erradicação dos princípios patrimoniais de poder. Para Weber, o desenvolvimento de formas de associação “modernas” em todas as áreas (Estado, Igreja, exército, partido, empresa econômica, associação de interessados, união, fundação, e o que mais seja) é pura e simplesmente o mesmo que o desenvolvimento e crescimento contínuos da administração burocrática: o desenvolvimento desta constitui, por exemplo, a célula germinativa do moderno Estado ocidental. Para Weber: A administração racional é por toda parte a mais racional do ponto de vista técnico-formal, ela é pura e simplesmente inevitável para as necessidades da administração de massas (de pessoas ou objetos). Peter Evans & Rauch, num estudo com mais de 80 países, chegaram a conclusão que a substituição do modelo patrimonialista pelo burocrático foi uma condição não suficiente, porém necessária, para o desenvolvimento dos países no século XX. É possível dizer que, sem uma administração pública baseada no mérito, nenhum Estado pode realizar com sucesso suas atividades. O grande instrumento de superioridade da administração burocrática é o conhecimento profissional. A administração burocrática significa: dominação em função do conhecimento; este é seu caráter fundamental especificamente racional. Além da posição de formidável poder devida ao conhecimento profissional, a burocracia tem a tendência de fortalecê-la ainda mais pelo saber prático de serviço: o conhecimento de fatos adquirido via execução das tarefas ou obtido via documentação. Para Weber, do ponto de vista social, a dominação burocrática significa: A tendência ao nivelamento no interesse da possibilidade de recrutamento universal a partir dos profissionalmente mais qualificados; A tendência à plutocratização no interesse de um processo muito extenso de qualificação profissional (frequentemente quase até o fim da terceira década de vida); A dominação da impessoalidade formalista: sine ira ac studio, sem ódio ou paixão, e portanto, sem amor e entusiasmo, sob a pressão de simples conceitos de dever, sem considerações pessoais, de modo formalmente igual CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 16 para “cada qual”, isto é, cada qual dos interessados que efetivamente se encontram em situação igual. No primeiro item temos a seleção com base na qualificação técnica, a ocupação dos cargos por meio da impessoalidade. A seleção impessoal promove a nivelação dos indivíduos pelo fato de o recrutamento da burocracia se dirigir a todas as camadas sociais, estando apenas sob a condição de os funcionários obedecerem aos critérios da seleção racional. O segundo fala em tendência à plutocratização. A plutocracia é a dominação exercida por uma classe que deriva seu poder da riqueza material. Como a formação profissional dos burocratas acaba levando bastante tempo, aqueles que tivessem mais condições materiais teriam mais chances de ocupar os cargos, resultando no poder da riqueza material, formando uma aristocracia profissional. Ainda segundo Weber, o “espírito” normal da burocracia racional, em termos gerais, é o seguinte: 1) Formalismo, reclamado por todos os interessados na proteção de oportunidades pessoais de vida, de qualquer espécie – porque de outro modo, a consequência seria arbitrariedade e porque o formalismo é a tendência que exige menos esforço. Em contradição aparente – e parcialmente efetiva – a esta tendência desta classe de interesses está; 2) A tendência dos funcionários a uma execução materialmente utilitarista de suas tarefas administrativas, a serviço dos dominados a serem satisfeitos. Esse utilitarismo material costuma manifestar-se na tendência a exigir os correspondentes regulamentos. Essa tendência à racionalidade material encontra apoio em todos aqueles dominados que não pertencem à camada, mencionada no item anterior, dos interessados em proteção em relação a oportunidades apropriadas. A problemática daí derivada faz parte da teoria da democracia. De um lado (item 1) a burocracia surge para proteger os direitos estabelecidos: direito de propriedade, de liberdade, à vida, etc. Ela surgia para forçar o governante a agir somente segundo a lei, sem arbitrariedade. Contudo, do outro lado (item 2), a burocracia tende a buscar o melhor resultado de suas ações para a sociedade, proporcionar mudanças que melhorem a qualidade de vida da população (utilitarismo). Para isso, eles exigem os respectivos regulamentos, ou seja, que as leis prevejam formas de o governo atuar para o benefício coletivo, decorrendo daí os direitos sociais. É o velho conflito entre liberalismo e estado de bem-estar. A burocracia nasce dentro do liberalismo, até mesmo para proteger este contra a CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 17 arbitrariedade do Rei, mas com o tempo os burocratas tendem a aumentar seu poder e o Estado passa a desempenhar uma série de outras funções. 1.3.1 Características das Organizações Burocráticas As burocracias têm sua fonte de legitimidade no poder racional-legal, e não nopoder patriarcal, patrimonial ou carismático. Mas, como se expressa essa racionalidade da burocracia? Como se distingue ela dos demais sistemas sociais que não têm por base o poder racional-legal? Bresser e Motta, procurando reduzir as organizações à sua expressão mais simples, afirmam que: São três as características básicas que traduzem o seu caráter racional: são sistemas sociais (1) formais, (2) impessoais, (3) dirigidos por administradores profissionais, que tendem a controlá- los cada vez mais completamente. Vamos ver mais detalhadamente cada uma dessas características: Formalidade O formalismo da burocracia se expressa no fato de que a autoridade deriva de um sistema de normas racionais, escritas e exaustivas, que definem com precisão as relações de mando e subordinação, distribuindo as atividades a serem executadas de forma sistemática, tendo em vista os fins visados. Sua administração é formalmente planejada, organizada, e sua execução se realiza por meio de documentos escritos. Em primeiro lugar, a autoridade, em uma burocracia, deriva de normas racionais- legais, em vez de tradicionais. Assim, as normas são válidas não porque a tradição as legitime, mas porque, sendo racionais, são válidas aos fins visados. Além disso, essas normas são legais. Elas conferem à pessoa investida de autoridade o poder de coação sobre os subordinados e coloca à sua disposição meios coercitivos capazes de impor disciplina. Apesar de a norma garantir tais meios coercitivos, esta autoridade é estritamente limitada pela norma legal. Ela é muito diversa da autoridade ampla e mal definida do pai sobre o filho, do senhor sobre o escravo ou o servo. O administrador burocrático não tem nenhuma autoridade sobre a vida privada de seu subordinado e, mesmo dentro da organização, seu poder está definido pelas suas funções e as funções do subordinado. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 18 Em segundo lugar, as normas são escritas e exaustivas. Não seria possível definir todas as relações de autoridade dentro de um sistema, de forma racional e precisa, sem escrevê-las. A norma tradicional não precisa ser escrita porque ela pouco muda, é aceita e obedecida através de gerações. A norma racional, porém, precisa a todo instante ser modificada, adaptando-se aos fatores novos que surgem no ambiente, já que visa à consecução dos objetivos colimados da forma mais eficiente e econômica possível. A necessidade de escrever as normas burocráticas, de formalizá-las, acentua-se ainda mais devido ao caráter exaustivo que elas tende a ter. Elas procuram cobrir todas as áreas da organização, prever todas as ocorrências e enquadrá-las dentro de um comportamento definido. Desta forma, tanto a alta administração mantém mais firmemente o controle, reduzindo o âmbito de decisão dos administradores subordinados, como também facilita o trabalho destes, que não precisam estar a cada momento medindo as consequências vantajosas e desvantajosas de um ato antes de agir. Em terceiro lugar, a burocracia se caracteriza pelo seu caráter hierárquico, ou seja, por um sistema firmemente organizado de mando e subordinação mútua das autoridades, mediante supervisão das inferiores pelas superiores, sistema esse que oferece ao subordinado a possibilidade de apelar da decisão de uma autoridade inferior a uma autoridade superior. A organização toma, assim, uma forma de pirâmide. Weber afirma que, em uma burocracia plenamente desenvolvida, a hierarquia é “monocrática”, ou seja, existe apenas um chefe para cada subordinado, defende-se o princípio da unidade de comando. Impessoalidade O caráter impessoal das organizações é a segunda forma básica pela qual elas expressam sua racionalidade. A administração burocrática é realizada sem consideração a pessoas. Burocracia significa, etimologicamente, “governo de escritório”. É, portanto, o sistema social em que, por uma abstração, os escritórios ou os cargos governam. O governo das pessoas existe apenas na medida em que elas ocupam os cargos. Isso salienta o caráter estritamente impessoal do poder de cada indivíduo, que não deriva da personalidade do indivíduo, como acontece na dominação carismática, nem de uma herança recebida, como no poder tradicional, mas da norma que cria o cargo e define suas atribuições. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 19 O caráter impessoal da burocracia é claramente definido por Weber quando ele diz que obedece ao princípio da administração sine ira ac studio, “sem ódio ou paixão”. Segundo Weber: A burocracia é mais plenamente desenvolvida quando mais se desumaniza, quanto mais completamente alcança as características específicas que são consideradas como virtudes: a eliminação do amor, do ódio e de todos os elementos pessoais, emocionais e irracionais, que escapam ao cálculo. Um aspecto essencial através do qual se expressa o caráter impessoal das burocracias refere-se à forma de escolha dos funcionários. Nos sistemas sociais não burocráticos, os administradores são escolhidos de acordo com critérios eminentemente irracionais. Fatores como linhagem, prestígio social e relações pessoais determinarão a escolha. Já nas organizações burocráticas, os administradores são profissionais, que fazem uso do conhecimento técnico especializado, obtido geralmente através de treinamento especial. Aqui estamos entrando na terceira característica das organizações burocráticas. Administradores Profissionais As organizações são dirigidas por administradores profissionais. Administrar, para o funcionário burocrata, é sua profissão. Existem alguns traços que distinguem o administrador profissional. Em primeiro lugar, ele é, antes de tudo, um especialista. Esta é uma característica fundamental. As burocracias são sistemas sociais geralmente de grandes dimensões, nos quais o uso do conhecimento especializado é essencial para o funcionamento eficiente. São necessários homens treinados para exercer as diversas funções criadas a partir do processo de divisão do trabalho. Seus conhecimentos, porém, não devem se limitar à sua especialidade. Participando de um sistema pródigo em normas, diretrizes e rotinas, eles devem conhecê-las perfeitamente. Às vezes, é no conhecimento destas normas que consiste sua especialização, quando se trata de administradores de baixo nível. Em relação aos administradores de topo, sua especialidade é simplesmente a de administrar. Eles não são especialistas em finanças, produção, pessoal. São generalistas, que podem conhecer um pouco mais um setor do que outro. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 20 Em segundo lugar, o administrador profissional tem em seu cargo sua única ou principal atividade. Ele não é administrador por acidente, subsidiariamente, como o eram os nobres dentro da administração palaciana. Em terceiro lugar, o administrador burocrático não possui os meios de administração e produção. Ele administra em nome de terceiros: em nome de cidadãos, quando se trata de administrar o Estado, ou em nome dos acionistas, quando se trata de administrar uma sociedade anônima. Podemos ainda falar de outros traços, como o fato de o administrador profissional desenvolver o espírito de fidelidade ao cargo, e não às pessoas. Ele passa a se identificar com a organização. Outro traço é a remuneração em forma de dinheiro, e não em forma de honrarias, títulos, gratidão, direito de participar da mesa do senhor. Além disso, ele é nomeado por um superior hierárquico, e não por eleições, as quais privilegiam características pessoais, emocionais, e não racionais. Porfim, seu mandato é dado por tempo indefinido, ele poderá ser promovido, despedido, transferido. Ele não tem a posse ou a propriedade do cargo, como ocorria no patrimonialismo, quando o cargo era considerado uma propriedade da pessoa, podendo ser vendido, trocado, passado como herança. 1.4 Relação entre política e administração Vamos agora rever a as características da burocracia segundo Bresser Pereira: São três as características básicas que traduzem o seu caráter racional: são sistemas sociais (1) formais, (2) impessoais, (3) dirigidos por administradores profissionais, que tendem a controlá- los cada vez mais completamente. Ele fala em três características, mas podemos observar nesta definição uma quarta característica: a tendência de aumento do controle por parte dos administradores. No modelo burocrático, ocorre a separação entre a propriedade e a administração. O que ocorreu ao longo dos séculos XIX e XX é que as organizações deixaram de ser É daqui que surge o conceito de accountability, que veremos na Aula 04. Esta abrange a relação entre uma pessoa que é proprietária de determinado bem e outra que irá administrar esse bem, dentro da relação da Teoria da Agência, que vimos na aula passada, entre o principal e o agente. O administrador deve agir conforme os interesses do principal, prestar contas de seus atos e ser responsabilizado por ele. Porém, o conceito de accountability não nasce com a burocracia, ele vai ser fortalecido com a administração gerencial, como veremos adiante. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 21 controladas pelos proprietários, para serem controladas por administradores profissionais. Isso é resultado de um processo em que podemos identificar diversas fases. Em primeiro lugar, houve o aparecimento do sistema corporativo, com a criação das grandes companhias que concentram boa parte da riqueza. Ao mesmo tempo, houve uma dispersão na propriedade das ações. Isso tudo resultou na separação do controle e da propriedade. Já não eram mais os proprietários, em função de sua riqueza, que controlavam as grandes empresas, mas os administradores profissionais, os burocratas. Na administração do Estado ocorreu a mesma coisa. Administração e política são esferas distintas e separadas a partir da proibição legal de acúmulo ou superposição de funções. A atividade burocrática deve ser regida pelos critérios da expertise, confiabilidade, confidencialidade, impessoalidade, imparcialidade, moralidade, entre outros. Segundo Weber, com a maior complexidade e a burocratização da sociedade moderna, os burocratas tendem a retirar poder dos políticos. O surgimento do estado burocrático implicaria a renúncia de responsabilidade pela liderança política e na usurpação das funções políticas por parte dos administradores. O termo “usurpação” pode parecer forte, mas é correto. Max Weber tinha um duplo sentimento em relação à burocracia: considerava que ela era imprescindível para a racionalização das atividades estatais, algo que a classe política não conseguiria fazer sozinha, mas temia que a burocracia tivesse poder demasiado e, por isso, sempre propôs um controle político sobre ela. A Burocracia é compatível com o sistema da autoridade legal somente quando a formulação das leis e a supervisão de sua aplicação ficam sendo prerrogativas dos políticos: se o aparelho burocrático consegue usurpar o processo político e legislativo, será preciso falar de um processo de burocratização que ultrapassou os limites do sistema de domínio legal e lhe transformou a estrutura. O maior dilema da democracia seria: como impedir que a burocracia venha a usurpar o poder e como assegurar que permaneça sendo apenas um elo entre dominadores e dominados? Weber foi pioneiro no apontar a problemática da desintegração entre política e administração na perspectiva do Estado moderno. Ele temia que o poder político fosse usurpado pela capacidade de realização, impondo um “absolutismo burocrático” no qual os “problemas políticos tendem a ser transformados em problemas administrativos”. O problema político da burocracia estatal é crítico no seio do Estado. A dicotomia entre burocracia estatal e sistema político pode assumir formas que variam do CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 22 insulamento burocrático da burocracia em relação ao sistema político, à captura clientelista predatória da política ou do sistema político em relação à burocracia. Nestes mesmos casos extremos cabem também situações de integração disfuncional, tais como alianças espúrias entre segmentos políticos e burocráticos em busca de rendas patrimoniais decorrentes de privilégios, proteção ou corrupção. Para que a burocracia não sofra interferências externas, tanto dos políticos quanto da sociedade, muitas vezes ela se fecha e passa a atuar de forma isolada. O insulamento burocrático pode ser compreendido como um processo de proteção do núcleo técnico do Estado, que se responsabiliza pela consecução de determinados objetivos específicos, contra a interferência oriunda do público ou de outras organizações intermediárias. Segundo Edson Nunes, O insulamento burocrático significa a redução do escopo da arena em que os interesses e demandas populares podem desempenhar um papel. Esta redução da arena é efetivada pela retirada de organizações cruciais do conjunto da burocracia tradicional e do espaço político governado pelo Congresso e pelos partidos políticos, resguardando estas organizações contra tradicionais demandas burocráticas ou redistributivas. O insulamento burocrático pode ser visto de forma positiva, como para evitar a pressão de grupos de interesses poderosos, ou de forma negativa, quando os burocratas deixam de ouvir a sociedade, reduzindo a participação desta no processo decisório. No sentido inverso do insulamento burocrático está o engolfamento social, que é o alto grau de penetração de alguma organização no mundo político e social. Não é a penetração dos grupos na burocracia, mas sim a penetração da burocracia na sociedade. Para Bresser Pereira, é importante distinguir o insulamento burocrático do conceito de autonomia burocrática. Para o autor, o insulamento não é mais aceitável, nas sociedades democráticas não haveria como a alta administração pública não estar inserida no processo político. Segundo Bresser: O tipo ideal de um burocrata estatal puramente técnico não faz sentido, da mesma forma que não faz sentido atribuir a ele o papel de garantir a racionalidade da administração pública e mais amplamente do governo, continuamente ameaçada pelos políticos. Esta é uma visão autoritária, que ainda acredita no monarca CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 23 esclarecido ou no “bom” ditador – é uma visão que o avanço da democracia neste século vai tornando definitivamente superada. Portanto, não podemos mais falar em insulamento burocrático com as sociedades contemporâneas exigindo cada vez mais participação nas decisões do Estado. Contudo, é preciso dar autonomia para os gestores públicos. Um dos maiores princípios do modelo gerencial é a ampliação da flexibilidade organizacional dando-se maior autonomia para o administrador público, substituindo-se o controle de processos a priori pelo controle de resultados a posteriori. Para Maria das Graças Rua, o conceito de autonomia: Em acepção ampla, pode ser entendido como a capacidade de um ator ou agência de formular preferências e executar decisões, sem sofrer constrangimentos decorrentes de relações de subordinação. Portanto, o foco da autonomia não está tanto narelação dos burocratas com os políticos, como ocorria no caso do insulamento, mas sim com os superiores hierárquicos. Para que não ocorra o insulamento, é preciso conjugar autonomia com participação. Por isso que Peter Evans fala em “embedded autonomy”, ou “autonomia inserida”, ou ainda “autonomia imersa”. Segundo esse conceito, para que as agências governamentais ganhem eficácia e sejam capazes de realizar transformações, devem estar imersas em uma densa rede de relações sociais que as vinculam aos seus aliados na sociedade a partir de objetivos de mudança. Para o autor esta seria a forma de assegurar a democracia, evitando que a burocracia venha a se tornar governo, em substituição aos políticos. Busca-se uma burocracia que seja ao mesmo tempo autônoma e imersa na sociedade. O sucesso dos empreendimentos liderados pelo Estado decorreria da existência de canais institucionalizados de articulação com a base social, mais até do que da coerência corporativa da burocracia e da concentração de expertise administrativa e política no âmbito do aparelho de Estado. Tais vínculos seriam imprescindíveis tanto na formulação quanto na implementação de políticas públicas, fornecendo inputs para o processo decisório e fomentando a adesão dos atores sociais às diretrizes emanadas do poder público. No entanto, este modelo também apresenta problemas. Para Maria das Graças Rua: A autonomia imersa pode levar a uma situação de fortalecimento dos laços dos agentes/agências burocráticas com clientelas específicas, impondo dificuldades à construção de consensos e CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 24 estabelecendo novos padrões de favorecimento político, em lugar da universalização das relações de cidadania. Por outro lado, pode representar um novo patamar no fortalecimento dos atores burocráticos, em prejuízo dos políticos, quando é possível pensar que é a competição entre os dois tipos de atores — e não a assimetria e subordinação entre eles — que favorece a democracia Vamos dar uma olhada numa questão da ESAF: 1. (ESAF/EPPGG-MPOG/2008) O processo inexorável de racionalização da sociedade moderna, o avanço tecnológico, a crise de credibilidade da classe política e o crescente papel do Estado, entre outros fatores, têm tornado a burocracia um ator cada vez mais relevante nas sociedades modernas. A literatura sobre o assunto indica que a burocracia é capaz de preencher todos os requisitos abaixo, como condição para se tornar governo, exceto: a) capacidade de formular intenções políticas, inclusive expressas como metas baseadas em visões de mundo próprias. b) capacidade para superar a fragmentação dos interesses políticos e a desarticulação setorial e construir consensos amplos em torno de estratégias políticas abrangentes. c) capacidade de competir pelo preenchimento de cargos governamentais, mediante a concorrência pela alocação de recursos orçamentários. d) disponibilidade de qualificações para comando e gerenciamento das atividades governamentais e capacidade para controlar a implementação de decisões públicas. e) capacidade de ajustar suas intenções a procedimentos governamentais já implementados, formulando políticas viáveis pela sua adequação às rotinas públicas pré-definidas. Essa questão foi tirada do texto “A política industrial no Brasil, 1985-1992: políticos, burocratas e interesses organizados no processo de policy-making”, de Maria das Graças Rua e Alessandra T. disponível em: http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=2868 O texto cita Peters, que enumera os pré-requisitos para que um grupo ou indivíduo seja capaz de prover governo: CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 25 a capacidade de formular intenções políticas; de ajustar suas intenções a procedimentos governamentais já estabelecidos; de competir pelo preenchimento de cargos governamentais; de ocupar posições centrais no governo; a disponibilidade de qualificações para comando ou gerenciamento das atividades governamentais; a capacidade de controlar a implementação das decisões públicas. A letra “A” é correta. No que diz respeito ao primeiro pré-requisito, a burocracia, enquanto agente do processo decisório, não apenas mostra-se capaz de formular metas políticas próprias, na forma de visões do mundo específicas de cada agência; exibe, também, capacidade de impor obstáculos a projetos e planos de ação considerados contrários aos seus interesses ou capazes de ameaçar a estrutura de poder burocrática. Entretanto, do mesmo modo que a burocracia pode desenvolver um discurso articulando metas e valores em reação às ameaças impostas por líderes políticos, pode também fazê-lo em apoio a esses últimos. Sob esse aspecto, vale ressaltar a criação, por parte de políticos, de ilhas de isolamento burocrático dentro da máquina estatal. Estas tanto podem servir de instrumento alternativo de formulação de políticas infensas às pressões explícitas de agentes externos quanto podem incentivar a coesão da burocracia. Quaisquer que sejam os casos, os burocratas valem-se de argumentos técnicos e/ou operacionais para defender não apenas as posições de suas agências, mas também as alternativas políticas que melhor se coadunem com as suas próprias concepções de “bom governo” ou de “boa sociedade”. O segundo pré-requisito para o provimento de governo refere-se à capacidade do ator de ajustar as suas intenções aos procedimentos já estabelecidos. De fato, a formulação de metas políticas deve levar em consideração a sua viabilidade, definida, na maioria das vezes, pela sua adequação à rotina da máquina estatal. Nesse caso, destaca-se o fato de que o ator responsável pela definição e controle dos meios para implementação dos programas governamentais é a própria burocracia. Esse aspecto introduz um desafio à capacidade da burocracia para assumir funções governativas. Por um lado, para exercer a liderança, deverá advogar inovações políticas, propondo mudanças usualmente defendidas por políticos. Por outro, a CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 26 preservação dos procedimentos estabelecidos parece ser sua disposição natural e um dos seus principais recursos de poder. A letra “E” é correta. A diferença substantiva entre inovação e preservação e a provável tensão entre as duas atitudes podem conduzir ao desgaste do governo burocrático. Quando a preservação da rotina burocrática se antepõe à adoção de inovações políticas, a definição de projetos de governo pela burocracia torna-se problemática, pois a agenda pública corre o risco de ser definida pela forma como eles estão acostumados, mais do que pela forma como eles gostariam de fazer. A capacidade de competir para o preenchimento dos cargos governamentais constitui o terceiro pré-requisito para o provimento de governo em sociedades democráticas. Como as burocracias se caracterizam, entre outros aspectos, por carreiras definidas em termos da ocupação de cargos mediante critérios que excluem a competição eleitoral, o único meio de cumprir esse pré-requisito seria a competição interburocrática pela alocação de recursos orçamentários. A letra “C” é correta. É possível supor que a competição interburocrática possa conduzir à formação de alianças tanto entre as próprias agências como também com setores representativos da sociedade civil. Nesse último caso, contribuiria para tornar o processo decisório mais democrático. Todavia, do mesmo modo que a competição interburocrática pode contribuir para o alargamento da participação política, também pode ser prejudicialà formulação de políticas governamentais coerentes. De fato, esse tipo de competição pode impossibilitar a construção de consensos abrangentes e levar à fragmentação excessiva do processo decisório, gerando medidas contraditórias e impasses intragovernamentais. Outro ponto a ser examinado diz respeito à ideia de que a competição interburocrática pode contribuir para a eficiência da máquina estatal. Sob essa perspectiva, assim como no mercado, a competição promoveria a emergência de estratégias políticas alternativas e poderia estimular a eficiência e eficácia das agências burocráticas, preocupadas em não perder o seu poder de influência. Essa hipótese, entretanto, mostra-se bastante discutível quando se leva em consideração a capacidade das agências burocráticas de manipular a informação, limitar o escopo do conflito e de preservar o seu espaço político mediante o controle de rotinas operacionais. O quarto pré-requisito para a promoção de governo diz respeito à ocupação, por parte do grupo interessado, de posições governamentais estratégicas. Sob esse aspecto, a burocracia dispõe de grandes vantagens, proporcionadas não apenas pelo seu grande número, mas também, em termos qualitativos, pela abundância de quadros CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 27 dotados de conhecimento da máquina pública, de competência técnica e de reconhecida indispensabilidade para o processo de implementação das decisões. Nada disso, entretanto, equivale à capacidade de liderança e de desenvolvimento de concepções políticas de amplo escopo, atributos indispensáveis ao preenchimento dos postos-chave do governo. A posse de qualificações de comando, isto é, de gerenciamento, representa o quinto pré-requisito sugerido por Peters. A intimidade com a máquina pública, sem dúvida, representa um trunfo da burocracia na função de gerenciar a atividade governamental. A letra “D” é correta. Esse recurso, todavia, ao mesmo tempo que permite aos burocratas um controle mais eficaz dos seus pares, pode levar ao desenvolvimento de um certo espírito de corpo, que não apenas estimularia a irresponsabilidade governamental, mas também poderia impor limites estreitos às suas concepções políticas. Como coloca Peters, a dinâmica interna das organizações pode ser um fator limitador da habilidade dos burocratas em dar direção para a sociedade. Finalmente, o último pré-requisito para o provimento de um governo relaciona-se à capacidade de controlar a implementação das decisões governamentais. Em outras palavras, refere-se à possibilidade de transformar as decisões tomadas no topo da organização estatal em políticas efetivas, sem grandes distorções, não obstante as diversas pressões políticas, tanto de agentes públicos quanto de atores privados. Embora a burocracia possa ser considerada o agente ideal para conduzir com objetividade e neutralidade o processo de implementação de decisões, nem por isso estará livre das pressões. Como admite Peters, quanto mais distante o segmento responsável pela implementação estiver do centro de poder organizacional, tanto maiores serão as pressões a que estará exposto e maior será a sua tendência a levá- las em consideração. O exame das condições para a formação de um governo indica que a burocracia é capaz de atuar no cenário político de forma autônoma e direta, dispensando o concurso dos políticos, seja para formular demandas, para definir preferências, para manejar recursos de poder ou para mobilizar o apoio de diferentes atores em sustentação às suas iniciativas. Além disso, a burocracia é capaz de controlar a implementação das decisões e de conquistar legitimidade por vários meios, entre os quais se destaca o argumento da competência técnica, da eficácia e da eficiência. Todavia, existiriam graves problemas em um governo dominado pela burocracia, como a ausência de consenso e coerência política, já que esse ator se destaca por uma visão setorial e fragmentada da ação política, com forte ênfase no conhecimento CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 28 técnico especializado e no controle dos meandros da rotina governamental. A letra “B” é errada porque a burocracia não é capaz de “superar a fragmentação dos interesses políticos e a desarticulação setorial e construir consensos amplos em torno de estratégias políticas abrangentes”. Essa dificuldade somente poderia ser resolvida caso outro ator, o líder político, atuasse como contrapeso das ações burocráticas, responsabilizando-se pela formulação das estratégias políticas mais abrangentes e pela fiscalização da implementação das políticas governamentais. Por outro lado, não fica claro qual seria o arranjo político-institucional a ser adotado em um governo burocrático. Aparentemente, esse arranjo estaria associado à presença de uma estrutura corporativa de tomada de decisões e de representação de interesses. Entretanto, ainda que haja mecanismos estabelecidos para a incorporação, ao processo governamental, dos atores privados organizados, cabe indagar qual o papel reservado às lideranças políticas propriamente ditas em um governo controlado pela burocracia. É possível especular, nesse caso, sobre a natureza das relações entre políticos e burocratas. A análise desse aspecto requer a caracterização dos papeis de políticos e burocratas e dos possíveis padrões de interação desses atores. Para uma primeira aproximação, podem ser considerados políticos todos aqueles atores públicos cujas carreiras tenham por fundamento mandatos conquistados por intermédio do voto. Dentre as características do comportamento dos políticos, destacam-se a formulação e defesa de concepções ou projetos relativos às ordens política, econômica e/ou social; a legítima representação de interesses; o exercício da negociação mediante alianças duradouras, composições transitórias baseadas em interesses tangenciais, barganhas e pactos envolvendo atores públicos e privados; e a competição, a partir dos mais diversos recursos de poder, tendo por alvo decisões orientadas tanto por conceitos e preferências políticas de amplo escopo e longo prazo quanto por perspectivas setoriais e imediatas. Em contrapartida, podem ser considerados burocratas aqueles membros do governo cujas carreiras não estejam subordinadas à competição eleitoral Idealmente, as suas atividades são desempenhadas na esfera administrativa, sendo orientadas por conhecimentos especializados e perspectivas organizacionais relativos a questões setoriais. Vale observar, ainda, que, por depender das urnas para permanecer no poder, o político enfrenta o desafio de sustentar posições de maior escopo e, ao mesmo tempo, exibir realizações de curto prazo, de maneira a atender aos seus constituintes e ter renovado o seu mandato. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 29 Já o burocrata tem a sua atividade caracterizada pela sua permanência na máquina governamental, que conduz a ações e avaliações de longo prazo, bem como pelas diferentes sinalizações que delimitam a sua área de atuação. De fato, a burocracia tem as suas ações sinalizadas não apenas, nem prioritariamente, pela reação do eleitorado – deve estar atenta, também, aos sinais do mercado, das leis que regem a sua conduta e às pressões dos experts. 1.4.1 Ética da Convicção e Ética da Responsabilidade Max Weber estabeleceu a distinção entre a ética da convicção e ética da responsabilidade. A primeira é aquela que adota determinados valores como absolutos, por isso que ela recebe o nome de “ética do valor absoluto”. Por exemplo, se não comer carne humana é um valor absoluto, não poderemos fazê-lo em nenhummomento. Assim, caso um grupo fique perdido na selva e seja necessário comer a carne de um dos integrantes que tenha falecido para que os outros sobrevivam, isto iria contra a ética da convicção. Já a ética da responsabilidade é aquela que coloca os valores em uma hierarquia. A vida é mais importante do que não comer carne humana. Nesse caso, comer a pessoa seria possível. Estes dois tipos de ética se baseiam nos tipos de ação social. Segundo Weber, esta pode ser determinada: De modo racional, referente a fins: por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como “condições” ou “meios” para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente; De modo racional referente a valores: pela crença consciente no valor – ético, estético, religioso – absoluto e inerente a determinado comportamento como tal, independentemente do resultado; De modo afetivo, especialmente emocional: por afetos ou estados emocionais atuais; De modo tradicional: por costume arraigado. Nas duas últimas temos a base dos tipos de dominação tradicional e carismática. Nas duas primeiras, temos a base da ética da responsabilidade e a da convicção, respectivamente. Assim, podemos dizer que estes dois tipos de ética também são relacionados com os tipos de racionalidade. A ética da convicção tem como critério a racionalidade substantiva. Já a ética de responsabilidade corresponde tem como critério fundamental a racionalidade instrumental. CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 30 Podemos observar que a ação social racional referente a fins tem como princípio a escolha dos meios mais adequados para se alcançar determinado fim. Assim, as escolhas que são feitas aqui são sempre orientadas para a obtenção de um resultado. Já a ação social racional referente a valores tem como princípio o valor absoluto, não se preocupando com o resultado da ação. Segundo Weber: Age de maneira puramente racional referente a valores quem, sem considerar as consequências previsíveis, age a serviço de sua convicção sobre o que parecem ordenar-lhe o dever, a dignidade, a beleza, as diretivas religiosas. Assim, as escolhas são feitas com base num valor supremo. Chamada também de “ética das últimas finalidades”, está alicerçada em valores inegociáveis, coerentes com princípios que devem ser seguidos cegamente pelos atores. Normalmente, são valores religiosos ou políticos. Ao se referir aos cristãos, Weber afirma que eles acreditam tanto na veracidade dos princípios do cristianismo que chegam mesmo “a voltar a outra face” ao seu oponente, pois vale o mandamento e este não deve ser desaprovado. Na ética da convicção “é tudo ou nada”. Weber afirma que os agentes, além de acreditarem firmemente em seus valores, estão convencidos de que suas funções, atividades e trabalho devem sustentar a validade e continuidade deles. O fim da ação (o valor) coincide com o meio utilizado para alcançá-lo: “isto é, em termos religiosos, o cristão faz o bem e deixa os resultados ao senhor”. Dessa forma, na ação orientada racional referente a valores, o agente não se responsabiliza pelas consequências de suas ações, já que ele estava apenas obedecendo a um valor absoluto. De acordo com Weber: “a ética absoluta simplesmente não pergunta quais as consequências. Esse ponto é decisivo”. O problema da escolha dos valores nos remete à ética da responsabilidade, que incita o ator a agir de acordo com os seus objetivos ideais, via os cálculos racionais dos meios que dispõe. Assim, consiste em uma ética pela qual os agentes atuam de acordo com os desejos e fins almejados, independentemente dos meios que devem utilizar para alcançá-los. A máxima da ética da responsabilidade é “dos males o menor” ou “fazer o melhor possível para o maior número de pessoas”. A ética da responsabilidade é criticada por alguns, que afirmam que ela seria uma ética do oportunismo, da conveniência, a de que os fins justificam os meios. No entanto, Weber é muito crítico da ética da convicção. Estes dois tipos de ética estão presentes na vida de políticos e burocratas. Para Weber, quanto maior o grau de inserção de determinado político na arena política, CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 31 maior é o afastamento das suas convicções pessoais e adoção de comportamentos orientados pelas circunstâncias. Para Weber, a ética da convicção abrange o conjunto de normas e valores que orientam o comportamento do político na sua esfera privada; diferentemente da ética de responsabilidade, que representa o conjunto de normas e valores que orientam a decisão do político a partir da sua posição como governante ou legislador. Vamos ver um exemplo. Supondo um político que tenha a convicção pessoal de que é necessária a redução de impostos. Na campanha eleitoral, ele defenderá exaustivamente essa máxima, defendendo a redução da carga tributária, conforme suas crenças particulares. Contudo, uma vez governo, ele se depara com a escassez de recursos financeiros para atender a serviços básicos como a segurança social, educação, saúde, etc. Perante esse dilema, o governante precisa tomar uma decisão: ou seguir uma norma particular (ética de convicção), e reduzir os impostos sabendo que vai faltar dinheiro para o Estado cumprir com as suas responsabilidades; ou toma outra medida, como governante (ética de responsabilidade), mantendo ou elevando os impostos para daí viabilizar recursos necessários para o normal funcionamento do Estado. Já para os burocratas, a relação entre as duas éticas é um pouco mais complicada. Vamos ver uma questão: 1. (ESAF/AFC/2002) O caráter racional-legal está diretamente relacionado à ética da convicção ou do valor absoluto. A questão é errada. Vamos rever a definição de burocracia do Bresser Pereira: Se adotarmos uma definição curta e perfeitamente enquadrada dentro dos moldes da filosofia aristotélica, diremos que uma organização ou burocracia é um sistema social racional, ou um sistema social em que a divisão do trabalho é racionalmente realizada tendo em vista os fins visados. Detalhando melhor esta definição, os autores dizem que o critério que diferencia o ato racional do irracional é sua coerência em relação aos fins visados. Um ato será racional na medida em que representar o meio mais adaptado para se atingir determinado objetivo, na medida em que sua coerência em relação a seus objetivos se traduzir na exigência de um mínimo de esforços para se chegar a esses objetivos. Com base nessas afirmações, podemos concluir que a organização burocrática se baseia na ação racional referente a fins, ou seja, que considera os meios mais CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA ESAF PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS www.pontodosconcursos.com.br 32 adequados para se alcançar determinado objetivo. Assim, o caráter racional-legal está relacionado com a ética da responsabilidade, e não com a ética da convicção. O problema é que nem sempre a burocracia se utiliza da ação racional referente a fins. Vimos que a burocracia é orientada aos fins na teoria; na prática, só se preocupa com os procedimentos. Assim, ao invés de escolher os meios mais adequados para alcançar determinado objetivo, a burocracia age apenas como está na lei, desconsiderando os resultados, ou seja, se ela age conforme a lei, não pode se responsabilizar pelas consequências de suas ações, pelos resultados. Aqui a burocracia age conforme a ética da convicção, em que o valor absoluto é a norma, ela jamais pode agir de forma contrária aos procedimentos fixados. Vamos ver uma questão: 2. (ESAF/AFC/2002) A racionalização
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