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03a. Unidade III - NBPP - T1 - v022019

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Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno 3
UNIDADE II
O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS 
PÚBLICAS NO ESTADO CAPITALISTA MODERNO
Uma questão central à análise das políticas públicas é a relação entre as de-cisões tomadas, a estrutura institucional que as origina, molda e sustenta e a distribuição de poder no Estado e na sociedade. De fato, a elaboração das 
políticas públicas não ocorre em um vácuo institucional – como mostra o debate 
entre a abordagem estatocêntrica e a policêntrica –, mas tem o Estado e a sociedade 
como seus pilares. Muitas vezes, o discurso sobre as políticas públicas e sobre as 
relações entre Estado e sociedade que as sustentam dá a impressão de que não há 
conflito, como se as decisões fossem puramente técnicas e os processos totalmente 
racionais. Mas diversos estudos mostram que não é assim: toda política pública en-
volve, além de diversos outros elementos, interesses e poder. 
Entre as muitas polêmicas teóricas presentes no campo das políticas públicas, 
duas se destacam no que concerne às relações de interesses e de poder entre o Esta-
do e a sociedade. O primeiro ponto de divergência teórica, como mostram Merilee 
GRINDLE e John THOMAS (1991), diz respeito à esfera em que se situa o elemento 
dinâmico das políticas públicas: na sociedade ou no Estado. Daí se originam os mo-
delos de análise de políticas públicas centrados nos interesses da sociedade versus 
os modelos centrados nos interesses constituídos na órbita do Estado. A outra con-
trovérsia – que tem lugar entre os que defendem os modelos centrados nos interesses 
da sociedade – gira em torno da questão da determinação econômica dos resultados 
políticos. 
Os modelos centrados na sociedade compartilham o pressuposto de que a ação 
do Estado é sempre variável dependente, resposta a estímulos vindos da sociedade, à 
qual caberia o status de elemento dinâmico na relação Estado-sociedade. A despeito 
de sua estrutura teórica ser diferenciada e de sua posição ideológica ser oposta, o 
pluralismo e o marxismo – cujos argumentos serão apresentados mais adiante – têm 
em comum a concepção de que o Estado não seria um ator, mas apenas um lócus, 
no máximo um ente passivo, que apenas responde à atividade dinâmica originada na 
sociedade. Existem diversas ressalvas a essa perspectiva, especialmente quanto ao 
4 Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
fato de que elas não dão conta do papel desempenhado por políticos e burocratas nas 
políticas públicas.
Como aponta Rebecca SUTTON (1999), a percepção dessa lacuna quanto 
aos atores estatais resultou em um esforço no sentido de trazer o Estado “de volta” à 
análise de políticas públicas. Com isso, se desenvolveram os modelos centrados no 
Estado, cujo axioma é o de que as instituições públicas são capazes de exibir uma 
sólida autonomia frente aos interesses e poderes da sociedade. 
Os Modelos Centrados no Estado
Conforme expõe Rebecca SUTTON (1999), há dois grupos de modelos cen-
trados no Estado. O primeiro – denominado “modelo dos interesses burocráticos” ou 
“modelo da política burocrática” – enfatiza o conflito e a negociação entre os atores 
internos ao Estado, especificamente suas burocracias e organizações burocráticas. 
O segundo – intitulado “modelo dos interesses do Estado” – focaliza os interesses 
específicos que o Estado desenvolve e sustenta quanto a determinados resultados das 
políticas públicas. A autora exemplifica com as situações nas quais as autoridades 
políticas desejam permanecer no poder ou intentam manter sua própria hegemonia 
vis-à-vis os atores sociais. Esses interesses podem – ou não – coincidir com interes-
ses de classes ou grupos específicos na sociedade. O aspecto relevante é que o Estado 
se mostra um poderoso ator em busca dos seus próprios interesses.
O “Modelo dos Interesses Burocráticos” ou “Modelo da Política Buro-
crática”
O reconhecimento da capacidade de ação autônoma do Estado baseia-se na 
ideia de que, uma vez que Estado e sociedade são esferas distintas, é perfeitamente 
possível que venham a exibir predileções diferenciadas. Isso não implica supor que o 
Estado paire acima da sociedade, nem que as suas preferências sejam desvinculadas 
do ambiente social. Esse vínculo existe e é relevante para a formação do leque de 
opções dos agentes públicos. Porém, isso não equivale a afirmar que essas alterna-
tivas sejam determinadas pelos constrangimentos sociais (NORDLINGER, 1981).
As preferências do Estado incluem todas as alternativas levadas em conside-
ração pelos agentes públicos, sejam elas ideologicamente coerentes ou não, amplas 
ou restritas, duráveis ou efêmeras. São volições genuínas, que não são determinadas 
por percepções relativas à necessidade de apoio ou por temor a sanções e oposições, 
ou mesmo por pressões ou tentativas de indução por parte dos atores sociais. Elas se 
constituem a partir das características distintivas dos agentes do Estado, das condi-
ções e dos atributos que diferenciam a maioria dos atores públicos da maior parte dos 
atores privados. Esses agentes – eleitos ou nomeados – têm no Estado a sua vocação. 
Trata-se, de acordo com Eric NORDLINGER, de uma concepção de “autonomia 
estrutural”: os agentes públicos passam a ver a si próprios como “agentes do Estado” 
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno 5
– uma estrutura dotada de poder e competência para tomar e implementar decisões 
de longo prazo, por cujas consequências eles são responsáveis. Assim, as ações autô-
nomas dos agentes públicos não se apresentariam como adversas aos interesses dos 
atores sociais, mas sim, situar-se-iam além das preferências parciais e imediatas da 
sociedade (RUA, 1992). 
Partindo, como NORDLINGER, da ideia geral da autonomia do Estado, The-
da SKOCPOL (1985, p. 83) sustentou que o Estado é que influenciaria permanen-
temente a sociedade civil, devendo este ser concebido como “muito mais que um 
simples foro em que os grupos sociais formulam demandas e empreendem lutas po-
líticas ou estabelecem acordos”. Para a autora, os Estados devem ser concebidos 
como organizações que, pelos seus recursos de poder, “podem formular e perseguir 
objetivos que não sejam um simples reflexo das demandas ou de interesses de grupos 
ou classes sociais da sociedade” (Ibidem, p. 86).
Em análise posterior, SKOCPOL (1995) ressalta a autonomia que os funcio-
nários estatais possuem em relação aos outros interesses sociais. Esses servidores 
trabalham no sentido de implementar políticas que atendam às suas ideias, às neces-
sidades de suas carreiras e organizações. Isso não quer dizer que possam ignorar os 
outros interesses sociais, sendo que não raro buscam compatibilizar seus interesses 
com esses últimos. A capacidade que têm de buscar os seus objetivos depende das 
características das organizações políticas dentro das quais atuam. 
O “Modelo dos Interesses do Estado”
Numa linha de raciocínio distinta da anterior, ALFORD & FRIEDLAND 
(1985) sustentaram que tanto as organizações, individualmente consideradas, como 
as redes inter-organizacionais são partes constitutivas do Estado, dotadas de signifi-
cativa autonomia frente à sociedade, seus grupos de interesses e classes sociais. Tais 
organizações são conduzidas por elites diferenciadas, que possuem ideias, conheci-
mentos, prioridades e recursos de poder próprios, fazendo com que o próprio Estado 
se apresente complexo e fragmentado.
Essa capacidade autônoma das organizações estatais estaria no centro da con-
cepção do corporativismo1, no qual fica claro que o Estado não é subordinado a 
nenhuma classe ou grupo econômico particular. 
O corporativismo pode ser visto como um arranjo institucional de formulação 
e de implementação de políticas públicas, sobretudo na área econômica, que articula 
1 Segundo Glauco ARBIX (1996,p. 137), “O corporatismo estatal baseava sua ação na autoridade do Estado, 
seja para submeter os grupos de interesse da sociedade, seja para criá-los de acordo com sua conveniência. Seu 
modo de funcionamento assentava-se na busca da identificação do Estado com a sociedade, levando o privado a 
expressar-se através do público. O corporatismo societal tinha origem em processo diverso, no qual a autonomia 
dos grupos de interesse da sociedade se afirmava no relacionamento com o Estado. Ainda que este mantivesse 
forte sua presença – pois sem o Estado não há mecanismo corporatista – as relações entre os membros do arranjo 
realçam o caráter de intercâmbio e de troca recíproca”.
6 Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
os interesses do capital e do trabalho, tendo como árbitro o Estado; ou como um 
sistema específico de representação de interesses, que articula os interesses associa-
tivos organizados da sociedade civil com as estruturas de decisão do Estado2. Nas 
palavras de Phillipe SCHMITTER (1974, p. 85), o corporativismo consiste em
“Um sistema de representação de interesse no qual as unidades constituintes 
são organizadas em um número limitado de categorias singulares, compulsórias, 
não competitivas, hierarquicamente ordenadas e funcionalmente diferenciadas, re-
conhecidas ou licenciadas (se não criadas) pelo Estado, que lhes concede o mono-
pólio de representação dentro de suas respectivas categorias em troca da observân-
cia de certos controles sobre a seleção de suas lideranças e a articulação de suas 
demandas e apoios”. 
Nessa perspectiva, o Estado mostra-se um mediador e árbitro, exercendo um 
papel independente e dominante em seu relacionamento com elites econômicas – 
sejam elas associadas ao capital ou ao trabalho – especialmente no que se refere às 
políticas sociais e econômicas em geral. 
Os Modelos Centrados na Sociedade
Vale recordar que, enquanto os modelos centrados no Estado assumem que 
as organizações do sistema político são capazes de constituir sua própria agenda de 
decisões, sem depender dos inputs da sociedade, os modelos centrados na sociedade 
consideram todas as atividades do Estado dependentes dos poderes situados no am-
biente social. 
Esses modelos divergem, entretanto, quanto à dispersão ou concentração do 
poder, quanto à sua origem e quanto ao grau de determinação que as forças sociais 
são capazes de exercer sobre o Estado.
O Pluralismo e o Neo-Pluralismo
Entre os modelos centrados na sociedade, o pluralismo – que mantém uma in-
tensa polêmica tanto com o elitismo quanto com o marxismo – percebe as sociedades 
como compostas por diversos centros de poder, nenhum deles totalmente soberano. 
Nesse modelo, a sociedade se organiza em grupos de interesse (não são classes so-
ciais, nem elites), que são os principais atores no processo de decision-making. Para 
o pluralismo, as agências governamentais teriam natureza semelhante à dos demais 
grupos de interesse. A luta política tem como objeto questões diversas, como ques-
tões morais, religiosas, étnicas, de gênero e não somente interesses econômicos. 
2 O conceito de “corporativismo societal”, mais comumente designado pela expressão “neocorporativismo”, está 
associado a diversos cenários políticos da social-democracia (Estado de bem-estar social), distinguindo-se do 
corporativismo estatal, associado aos regimes autoritários. 
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno 7
O poder dependeria de recursos diversos, em contextos fugazes ou persis-
tentes, manifestando-se via coalizões entre grupos de interesse na busca de certos 
objetivos. O pluralismo enfatiza as restrições impostas ao Estado por um amplo es-
pectro de grupos, diante dos quais ele assumiria um papel de neutralidade, a fim de 
viabilizar a conciliação entre os diversos interesses da sociedade. 
A fim de evitar qualquer dúvida vale esclarecer que o pluralismo não sustenta 
ingenuamente que o poder seja equitativamente distribuído, mas sim que os recursos 
de poder estão dispersos, de forma ampla, entre indivíduos e grupos, e não concen-
trados em qualquer classe ou grupo. Embora cada grupo tenha graus de influência 
distintos, em situações distintas, mesmo os menos poderosos são capazes de se 
fazer ouvir em algum estágio do processo de elaboração das políticas públicas. Isso 
ocorre porque os recursos de poder - dinheiro, informação, especialização, contatos, 
capacidade de formar alianças, entre outros – não são cumulativos e nenhum deles 
prevalece sobre os demais.
O papel do Estado seria, então, assegurar um campo para o jogo político dos 
interesses sociais, que se expressariam segundo uma lógica de competição política 
similar à lógica do mercado. As políticas públicas seriam resultantes do processa-
mento dos inputs provenientes da sociedade. 
Uma concepção alternativa é encontrada em uma perspectiva crítica ao fun-
cionamento das democracias liberais. Seu principal argumento originou-se da cons-
tatação de que, enquanto a grande massa era incapaz de influenciar significativamen-
te as decisões sobre políticas públicas, pequenos grupos as controlavam em todos 
os sistemas políticos, independentemente da sua orientação ideológica. Esses pe-
quenos grupos comporiam a elite do poder, ou seja: um ou mais grupos capazes de 
exercer dominação devido ao seu controle dos recursos organizacionais e políticos. 
O fato de que elites diferentes operam em áreas temáticas distintas seria uma 
barreira contra a dominação por um único grupo. A dinâmica política admitiria tanto 
a competição entre elites, como a sua circulação e substituição. Num ambiente de-
mocrático, a combinação de eleições regulares baseadas na competição partidária, 
com a participação das elites dos grupos de pressão entre as eleições, além da inte-
ração destas elites com suas contrapartes burocráticas, favoreceriam o protagonismo 
do Estado nas políticas públicas.
Essa linha de pensamento, compartilhada por pensadores como Elmer 
SCHATTSCHNEIDER, T. LOWI, Peter BACHRACH & Morton BARATZ, Man-
cur OLSON3, entre vários outros, desafiou as concepções pluralistas, levando a uma 
relativização de seus postulados, que veio a ser identificada como “neopluralismo”. 
Talvez essa posição tenha a sua melhor expressão nas concepções de Charles LIN-
DBLOM, segundo as quais, mesmo não sendo o Estado dominado por classes so-
ciais, nas decisões que envolvem os interesses do mercado, alguns atores têm um 
peso privilegiado, especialmente as corporações.
3 Ver as referências completas desses e de outros autores nas “Referências Bibliográficas”, ao final desse texto.
8 Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
 O Marxismo e o Neo-Marxismo
Tão importante quanto o pluralismo, o marxismo explora as relações entre a 
economia, as classes sociais e o Estado, que são essencialmente relações de poder 
econômico e político. O poder político tem origem no poder econômico, ou seja: no 
controle dos meios de produção econômica, que se expressa como poder de classe. 
A classe economicamente dominante – no capitalismo, a burguesia – é capaz de 
exercer também a dominação política. O Estado, em si mesmo, é visto como um “co-
mitê” executivo dos negócios comuns a toda a burguesia, um instrumento a seu ser-
viço. Isso significa que, numa sociedade capitalista, as decisões do Estado servirão 
aos interesses de classe da burguesia. Essa é a posição predominante no marxismo 
clássico: a determinação econômica da política e a concentração do poder em uma 
classe social específica.
Tal posição veio a ser relativizada a partir de meados do século XX, quando o 
pensamento neo-marxista procurou explicações para a resistência do modo de pro-
dução capitalista frente a uma grande crise do mercado, duas revoluções socialistas,duas guerra mundiais e a generalização do Estado de Bem-Estar Social.
As hipóteses explicativas são diversas. Uma dela, a teoria marxista do 
“instrumentalismo”, enfatiza a função do Estado capitalista de auxiliar o pro-
cesso de acumulação de capital. Seria possível apontar três fatores que tornam 
o Estado um instrumento da dominação burguesa na sociedade capitalista. 
Primeiramente, há uma identidade de origem social entre a burguesia e os que 
ocupam os cargos mais altos nas instituições estatais em geral. Em segun-
do, a burguesia é capaz de exercer poder como grupo de pressão, pelos seus 
contatos pessoais e redes direcionando em seu beneficio as ações do Estado. 
Por fim, os funcionários do Estado sabem perfeitamente da sua dependência 
de uma base econômica que lhes garante sua sobrevivência como funcioná-
rios públicos e, portanto, estão comprometidos com a acumulação de capital. 
Para isso, as políticas públicas se apresentariam como diferentes formas de 
despesa: o investimento social, que aumenta a produtividade do trabalho 
mediante a provisão de, por exemplo, infraestrutura e auxílio à indústria; o 
consumo social, que reduz o custo da reprodução da força de trabalho como, 
por exemplo, na provisão de seguro social; e os gastos sociais, destinados a 
minimizar o conflito social mediante a provisão de serviços como habitação e 
saúde a grupos da população trabalhadora
Uma outra explicação recorre ao conceito da autonomia relativa para 
defender a disjunção entre poder econômico e poder político. As classes so-
ciais, inclusive a classe dominante, passaram a ser vistas como fragmentadas em 
seus interesses imediatos e nem sempre capazes de exercer a hegemonia e dominar 
o Estado. Esse, porém, mesmo não sendo o representante de uma classe, depende 
estruturalmente do modo de produção capitalista. Nessa perspectiva, as decisões do 
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno 9
Estado nas políticas públicas podem não ser regidas pelos interesses imediatos da 
classe dominante, mas, certamente, são os interesses objetivos de longo prazo do 
capitalismo. Ou seja, o Estado é, em última instância, um Estado Capitalista. 
Num ambiente de fragmentação da classe dominante, esse Estado é concebido 
como dotado de uma “autonomia relativa”, sendo capaz de contrariar os interesses 
imediatos da burguesia. Todavia, os limites dessa autonomia são dados, em “última 
instância”, pelos interesses do capital e do capitalismo. A fim de se manter enquanto 
Estado e de assegurar a permanência do modo de produção que o sustenta, o Estado 
capitalista opera em busca de um equilíbrio, mediante políticas públicas diversas 
que, a um só tempo favoreçam a acumulação do capital e assegurem a sua própria 
legitimação, bem como a legitimação do sistema da propriedade privada. 
Na busca desse equilíbrio, o Estado pode favorecer a classe trabalhadora e 
contrariar algumas frações da classe dominante – exibindo certa autonomia. Suas 
contradições se expressam como uma crise fiscal resultante dos imperativos de com-
patibilizar a acumulação com a legitimação. Em qualquer situação, no entanto, ainda 
que expressando a “autonomia relativa”, as políticas públicas serão, em última ins-
tância, a forma concretamente assumida pelos interesses do capital e do capitalismo. 
O Estado Capitalista Moderno
Todas as polêmicas acima registradas significam que, como bem esclarece 
Celina SOUZA (2006, p. 27), o Estado “não reflete tão somente as pressões dos 
grupos de interesse, como diria a versão mais simplificada do pluralismo”, nem 
que “o Estado opta sempre por políticas definidas exclusivamente por aqueles que 
estão no poder, como nas versões também simplificadas do elitismo, nem que servem 
apenas aos interesses de determinadas classes sociais, como diriam as concepções 
estruturalistas e funcionalistas do Estado. No processo de definição de políticas 
públicas, sociedades e Estados complexos como os constituídos no mundo moder-
no estão mais próximos da perspectiva teórica daqueles que defendem que existe 
uma ‘autonomia relativa do Estado’, o que faz com que o mesmo tenha um espaço 
próprio de atuação, embora permeável a influências externas e internas (EVANS; 
RUESCHMEYER; SKOCPOL, 1985). Essa autonomia relativa gera determinadas 
capacidades, as quais, por sua vez, criam as condições para a implementação de 
objetivos de políticas públicas. A margem dessa ‘autonomia’ e o desenvolvimento 
dessas ‘capacidades’ dependem, obviamente, de muitos fatores e dos diferentes mo-
mentos históricos de cada país”.
Essa última observação encontra ressonância em SKOCPOL (1995), para 
quem a simples referência ao “Estado capitalista” não diz nada sobre a capacidade de 
ação de qualquer Estado particular do mundo capitalista, sendo necessário o exame 
de cada situação empírica a fim de estabelecer a margem de autonomia do Estado.
10 Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
Bem a propósito, a literatura recente traz diversas teorias que debatem as Va-
riedades de Capitalismo (“Varieties of Capitalism” – VoC). Resumidas por DINIZ 
(2010) como resultados de uma vertente que analisa os fundamentos institucionais 
das diferenças nacionais no interior do sistema capitalista, tais teorias permitem de-
safiar as abordagens dominantes nos anos 1980 e 1990 – que defendiam a conver-
gência das sociedades no sistema capitalista mundial –, além de levantar dúvidas 
consistentes sobre as interpretações de que o processo de globalização capitalista 
exerceria um papel integrador e uniformizador entre os Estados capitalistas. 
Segundo a autora, essas teorias tomam como ponto de partida o conceito de 
regimes produtivos, que se referem aos processos pelos quais “os microagentes es-
truturam suas relações a partir de estruturas de incentivos e restrições estabelecidas 
por instituições de mercado, tais como os sistemas financeiros, de política industrial, 
educacional e de treinamento de mão-de-obra ou ainda de pesquisa e desenvolvi-
mento de relações entre empresas” (SOSKICE, 1999, p. 102 apud DINIZ, 2010). 
 Conforme HALL e SOSKICE (2001), o ponto de partida das teorias das Va-
riedades de Capitalismo reside no reconhecimento das especificidades institucionais 
de cada nação ou grupo de nações em cada um dos domínios que compõem a es-
trutura da economia. Os autores entendem as instituições como agências de socia-
lização que definem padrões de normas e atitudes associados a sistemas de sanções 
e incentivos, aos quais os atores respondem racionalmente. Assim, por um lado, as 
instituições operariam como fontes de poder para agentes específicos, por meio das 
sanções formais; e, por outro lado, facilitariam as interações por conferirem previsi-
bilidade aos comportamentos.
HALL e SOSKICE sustentam que o modo de operação de cada variedade de 
capitalismo será resultante da forma de articulação entre cinco esferas de coorde-
nação institucional: (a) a da barganha salarial, da produtividade e das condições de 
trabalho (via sindicatos); (b) a dos sistemas de educação e qualificação profissional 
dos trabalhadores e o investimento de cada firma; (c) a dos sistemas de governança 
corporativa, especialmente referidos às formas de acesso aos financiamentos e às 
garantias de retorno para os investimentos; (d) a dos mercados internos de traba-
lho, visando assegurar a aquisição de competências adequadas e a cooperação dos 
empregados nas suas atividades; e (e) a das formas de relacionamento interfirmas 
(clientes, fornecedores e parceiros), visando assegurar alguma estabilidade da de-
manda, oferta apropriada de insumos e acesso à tecnologia, para reduzir os riscos 
associados à repartição da informação e exploração em joint ventures.
A partir daí, os autores identificam dois principais tipos de capitalismo nas 
economias avançadas: (a) as economias liberaisde mercado (LMEs); e (b) as econo-
mias de mercado coordenadas (CMEs). 
Nas primeiras – que são exemplificadas pelos EUA e a Inglaterra no presente 
–, a regulamentação é mínima e a coordenação das atividades econômicas se realiza, 
prioritariamente, mediante a hierarquia interna das empresas e os arranjos competi-
tivos de mercado, nos quais as variações de preços relativos assumiriam um papel 
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno 11
central no equilíbrio entre oferta e demanda. Já nas EMC – que têm na Alemanha 
o principal exemplo –, a coordenação das relações entre os agentes, bem como a 
construção das competências essenciais ao sucesso em suas respectivas atividades 
econômicas estão muito mais associadas a outros mecanismos que não o mercado, 
sendo o equilíbrio alcançado decorrente da interação estratégica. 
DINIZ (2010) sintetiza os principais avanços obtidos a partir da distinção ori-
ginal HALL e SOSKICE: AMABLE (2003), que identifica o capitalismo de merca-
do, o social-democrata, o continental europeu, o mediterrâneo e o asiático; BOYER 
(2005), que inclui o papel do Estado e a inserção na ordem global como variáveis-
chave, e diferencia economias orientadas para o mercado (equivalente às LMEs), 
economias mesocorporativistas (Japão e Coréia), capitalismo dirigido pelo Estado 
(Europa Continental) e o modelo social-democrata (Escandinávia). Nessa mesma 
linha, SCHNEIDER (2007, 2009) acrescenta uma nova modalidade: as “economias 
de mercado hierárquicas” (HMEs), categoria correspondente ao capitalismo latino
-americano.
Por fim, DINIZ (2010) destaca a contribuição de Vivien SCHMIDT (2005, 
2006), que retoma a tipologia inicial de HALL e SOSKICE, e inclui no seu argumen-
to teórico as dimensões do Estado e da política, mostrando situações especificamente 
distintas das LMEs e das CMEs, por conta do papel mais ativo e diferenciado do 
Estado: as “economias de mercado influenciadas pelo Estado” (SIMEs), exemplifi-
cadas por países como França, Itália, Espanha, Portugal e Grécia.
Essa discussão revela, assim, que nas modernas sociedades, o tipo de capita-
lismo varia em função dos arranjos institucionais que estruturam seus regimes pro-
dutivos, fazendo igualmente variar as políticas públicas, tanto no seu processo de 
elaboração quanto de implementação. 
2.1 O Papel do Estado
Como foi visto anteriormente, o Estado capitalista moderno é o ponto de re-
ferência central, a partir do qual as políticas públicas são elaboradas e devem ser 
analisadas. Isso porque o Estado não somente proporciona o contexto para o pro-
cessamento dos inputs que darão origem às políticas públicas, mas porque o Estado 
é uma estrutura multi-organizacional que reúne alguns dos mais importantes atores 
que atuam na elaboração das policies, além de proporcionar o poder extroverso que 
define as políticas como “públicas”.
Vale lembrar a observação de Renato D’AGNINO (2009, p. 130): “as polí-
ticas públicas se constituem em objeto específico e qualificado de disputa entre os 
diferentes agrupamentos políticos com algum grau de interesse pelas questões que 
têm no aparelho de Estado um lócus privilegiado de expressão”. 
Então, é preciso indagar: O que é o Estado? Qual o seu papel nas políticas 
públicas? Para além das definições formais e genéricas, como “um empreendimento 
12 Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
que reivindica, com êxito, o monopólio do uso da violência sobre um povo em um 
dado território” (WEBER, 1999), o estudo das políticas públicas demanda respostas 
mais substantivas. 
Segundo Christopher HAM e Michael HILL (1993), o Estado pode ser de-
finido tanto a partir das instituições que o formam quanto das funções que essas 
instituições desempenham. As instituições constitutivas do Estado são os órgãos 
encarregados de suas funções executivas, legislativas e judiciárias: ministérios, se-
cretarias e departamentos governamentais; assembleias parlamentares e instituições 
subordinadas voltadas à elaboração de leis; e todo o sistema de cortes judiciais e ór-
gãos associados, responsáveis por obrigar ao cumprimento da lei e por aperfeiçoá-la 
por intermédio de suas decisões.
Existem relevantes diferenças entre os sistemas políticos de um Estado tanto 
no sentido horizontal como no vertical. O primeiro diz respeito ao grau de separação 
e independência, ou superposição e subordinação, das instituições legislativas, exe-
cutivas e judiciárias. Há sistemas políticos nos quais todas essas instituições são in-
teiramente separadas e independentes. E há outros, nos quais as instituições legisla-
tivas predominam sobre as executivas e as instituições judiciárias estão subsumidas 
na função executiva. Já o sentido vertical refere-se ao número de níveis de governo 
dotados de legitimação própria: um ou vários. Em outras palavras, se a organização 
político-territorial é unitária ou federativa. A caracterização das instituições do Esta-
do em termos horizontais e verticais terá consequências decisivas quanto ao número 
de atores e às instâncias envolvidos nas políticas públicas e quanto às suas relações 
de poder.
 Os órgãos que compõem o Estado cumprem diversas funções. O principal 
papel dos órgãos que compõem o sistema de segurança pública – polícias com várias 
atribuições, sistemas penitenciários, forças armadas, defesa civil, etc. – é a manuten-
ção da ordem interna e a defesa externa. Essas funções são fundamentais para a co-
existência coletiva nas sociedades modernas e constituem as responsabilidades mais 
fundamentais do Estado4. É papel do Estado capitalista, como parte da sua função 
de manutenção da ordem interna, a garantia do direito à propriedade e aos contratos 
livremente estabelecidos no mercado.
Até o final do século XIX, as funções do Estado estavam restritas, em grande 
parte, às suas atividades judiciais, regulatórias e de controle. A partir da segunda me-
tade do século XIX, essas funções se expandiram até que, a partir da grande crise do 
mercado de 1929-30, o Estado passa a operar como agente de controle da economia, 
com objetivo de equilibrar a economia e promover o desenvolvimento econômico e 
o pleno emprego. Um dos resultados da intervenção do Estado na provisão de ser-
viços e na gestão econômica foi a necessidade de aumentar a cobrança de impostos 
para financiar suas atividades. 
De acordo com Christopher HAM e Michael HILL (1993), três áreas de in-
tervenção do Estado assumiram especial relevância nas sociedades contemporâneas. 
4 É o que define a natureza do Estado: o monopólio legítimo do uso da violência.
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno 13
Na primeira, o poder público encarrega-se da provisão de serviços tais como educa-
ção, saúde pública, aposentadoria, seguro desemprego, habitação e outros, caracte-
rizando o que se conhece genericamente como “Estado de bem-estar”. Na segunda 
área, a intervenção estatal compreende desde incentivos ao desenvolvimento indus-
trial, mediante subsídios e concessões tributárias, políticas protecionistas, etc., até o 
envolvimento direto no processo produtivo mediante a propriedade pública de certas 
empresas. Nesse caso, o Estado pode operar não somente na regulação da economia, 
mas até atuar (como no passado recente) como produtor direto de bens e serviços 
para o mercado. Por fim, a complexidade da vida social e econômica exige o envol-
vimento do Estado na regulação de diversas atividades privadas, a fim de limitar 
as externalidades negativas dos comportamentos individuais legítimos: a proteção 
ambiental, a proteção do consumidor e o controle de monopólios e cartéis. 
Do ponto de vista da análise de políticas públicas, como assinalado anterior-
mente, o Estado não cumpre essas funções de forma neutra, mas também não se 
mostrarigorosamente subordinado aos interesses de atores específicos da sociedade, 
como classes sociais e grupos de interesse.
Segundo NORDLINGER (1981), no processo de formulação e de implemen-
tação das políticas públicas, as preferências do Estado são no mínimo tão impor-
tantes quanto as da sociedade civil. Para o autor (1981, p. 1), o Estado democrático 
não é apenas frequentemente autônomo, na medida em que age regularmente sobre 
suas próprias preferências, mas também marcantemente autônomo ao fazê-lo mesmo 
quando suas preferências divergem das pretensões dos grupos mais poderosos na 
sociedade civil. 
Esse argumento encontra ressonância na proposição de Adam PRZEWORSKI 
(1995), de que o Estado pode ser considerado autônomo quando os agentes públi-
cos formulam objetivos próprios e são capazes de implementá-los, mesmo contra 
interesses dos diversos grupos sociais. Posição semelhante é assumida por Eduardo 
MARQUES (1997), que, para explicar a capacidade de ação autônoma do Estado, 
invoca o argumento de que a inércia das agências estatais, consolidadas em estrutu-
ras burocráticas pouco flexíveis, dificilmente permitiria aos interesses dominantes na 
sociedade adequar o Estado às suas preferências.
Grande parte dessa discussão poderia dar a impressão de que, enquanto os ato-
res sociais seriam fragmentados em grupos de interesse, classes e frações de classe, o 
Estado seria uma imensa estrutura monolítica. Mas não é assim. Como mostra gran-
de parte da literatura, o Estado não é mais unitário em seus interesses e preferências 
do que os demais participantes do processo político. 
A fragmentação do Estado pode ser explicada tanto em termos da análise mar-
xista – segundo a qual as agências do Estado reproduziriam as lutas econômicas entre 
classes e frações de classe –, como em termos dos postulados pluralistas – segundo 
os quais os diversos interesses competitivos dos grupos na sociedade conformariam 
14 Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
alianças provisórias entre as várias agências públicas. Porém, essas explicações se 
baseiam na antiga ideia de que o polo dinâmico da relação estaria exclusivamente 
na sociedade e nunca no Estado. Alternativamente, é possível pensar que o próprio 
processo de racionalização leva tanto à fragmentação horizontal do Estado, confor-
mando organizações setorialmente especializadas, quanto à fragmentação vertical, 
entre diferentes níveis hierárquicos dentro de cada uma das organizações do Estado.
2.1.1 A Burocracia e o Estado
Entender a natureza da burocracia pública é de grande importância para o 
entendimento do processo de elaboração e de implementação de políticas públicas. 
Consoante visto anteriormente, o Estado é constituído por órgãos e organizações que 
processam inputs e produzem decisões sobre como lidar com determinados proble-
mas. Esses órgãos e organizações cumprem seus papéis a partir dos procedimentos 
realizados – ou não – por vários indivíduos, os quais se orientam por referenciais di-
versos: posições de classe, disputas por poder político, ambições de carreira, identi-
ficação com imagens e valores organizacionais, compromissos políticos, obediência 
hierárquica, cumprimento de rotinas, ideais profissionais, necessidade de lidar com 
incertezas e com recursos incertos, entre outros. O que é que caracteriza tais coleti-
vidades como burocracias?
Ao estudar as organizações da sociedade moderna, Max WEBER, sistematizou 
o tipo-ideal5 da burocracia como: uma organização contínua, com uma ou mais fun-
ções específicas, cuja operação é regida por normas objetivas; o registro documental 
de todos os atos, regras e decisões inerentes à organização garante a consistência e a 
continuidade das regras; seus funcionários exibem as seguintes características:
a) são profissionais e atuam organizados conforme regras hierárquicas de di-
visão do trabalho, as quais definem o escopo da autoridade, no interior 
dessa hierarquia, estabelecendo objetivamente os deveres e direitos, em 
cada nível; 
b) os funcionários não são eleitos, mas sim indicados com base em critérios 
impessoais relativos ao domínio de conhecimentos específicos e são pro-
movidos por mérito profissional; 
c) são remunerados mediante salários fixos, estabelecidos conforme atribui-
ções e responsabilidades hierarquizadas, previamente definidas; 
d) seu emprego é permanente, sendo-lhes garantida uma certa estabilidade e 
o pagamento de pensões após a aposentadoria; 
5 Tipo ideal é um conceito teórico, uma abstração, portanto, não existe no mundo da realidade concreta. Define-
se como “ideal” na medida em que, representando de forma pura as características definidoras de um objeto, só 
existe como ideia na mente do estudioso. “Ideal”, aqui não tem conotação normativa (do que deve ser), nem teleo-
lógica (do que deverá vir a ser). Portanto, quando se menciona o “tipo ideal weberiano” ou o “modelo weberiano” 
essas expressões não significam a proposição ou recomendação, pelo autor, de algo supostamente desejável.
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Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno 15
e) os funcionários são separados da propriedade dos meios de administração 
e produção;
f) são homens livres, estando sujeitos à autoridade somente no que diz respei-
to a suas obrigações oficiais, enquanto funcionários de uma organização;
g) no cumprimento dessas obrigações oficiais, regem-se por uma ética de 
obediência e neutralidade política.
Segundo D’AGNINO (2002), a análise do papel da burocracia no Estado capi-
talista contemporâneo pode ter como ponto de partida a concepção weberiana, a fim 
de contemplar os “desvios” impostos pela realidade. Em cada situação específica, 
cabem, entre outras, as seguintes indagações: Como atua a burocracia? Como se or-
ganiza? O que rege suas ações: seus interesses individuais, corporativos ou sociais? 
Quem a controla? Está submetida apenas a controles internos? Que relações mantém 
com as diversas forças sociais?
C. HAM & M. HILL (1993) procuraram resumir as concepções das diferen-
tes teorias quanto ao papel das burocracias públicas nas sociedades capitalistas. De 
acordo com os autores, o pluralismo as concebe como agências que, simultaneamen-
te, lutam por seus próprios interesses e procuram responder às demandas de indiví-
duos e de grupos externos. O marxismo, em sua versão instrumentalista, define as 
burocracias públicas como parte do Estado enquanto “comitê executivo” da burgue-
sia; já o neo-marxismo identifica essas burocracias como componentes do aparelho 
do Estado, o qual, em certos momentos, pode exibir certa autonomia em relação a 
uma classe ou a uma fração de classe, mas não é autônomo frente ao capitalismo. O 
elitismo considera que as burocracias são importante fonte de poder para as elites 
dirigentes, devido ao seu controle de recursos organizacionais. Somente a matriz de 
pensamento corporativista reconheceria o papel central das burocracias públicas no 
processo de elaboração de políticas nas sociedades capitalistas modernas.
Evidentemente, essa discussão admite variadas dimensões. O tipo de relação 
que se estabelece entre a burocracia pública, os interesses e os poderes existentes 
na sociedade é uma delas. Nesse sentido, destaca-se a ideia de que a autonomia do 
Estado se expressa pelo “insulamento” da sua burocracia, conforme mostra ROCHA 
(2005, p. 14-15), com base nas proposições de SKOCPOL (1985):
“A burocracia estatal, especialmente a de carreira, estabelece políticas de lon-
go prazo diversas das demandadas pelos atores sociais. Suas ações buscam propor 
visões abrangentes sobre os problemas com que se defrontam. A capacidade que a 
burocracia tem de elaborar e implementar políticas é, em parte, resultante do con-
trole que ela exerce sobre um recurso de poder privilegiado, que é o acesso dife-
renciado à informação. Nessa perspectiva, as decisões públicastrazem, portanto, a 
marca dos interesses e das percepções que a burocracia tem da realidade. O Estado 
aparece como variável independente, dotado de autonomia de ação, expressão do 
16 Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno
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“insulamento” da burocracia. Porém, cada Estado tem sua capacidade dada por uma 
série de requisitos próprios. Esses requisitos são historicamente condicionados: os 
instrumentos de políticas estatais não são criações deliberadas de curto prazo, mas 
sim dependem da história de cada nação. (...) E só o exame de cada caso específico 
pode definir o grau de ‘insulamento’ que cada Estado possui”.
Esse mesmo tipo de relação foi explorado por Peter EVANS (1995) em seu 
estudo sobre o papel do Estado no desenvolvimento econômico, quando elaborou 
o conceito de “autonomia imersa” ou “autonomia inserida”. O autor assume a con-
cepção weberiana de que o funcionamento da burocracia deve ser autônomo. Mas 
também levou em consideração diversos estudos que mostraram a importância de 
“projetos conjuntos” entre o Estado e os atores sociais, na busca de objetivos de de-
senvolvimento. Na sua concepção, para conduzirem políticas de desenvolvimento, 
as burocracias públicas têm de ser autônomas, entretanto, não podem ser alheias à 
sociedade. Elas devem estar “imersas” ou “inseridas” na sociedade, contudo, não 
podem ser capturadas por interesses privatistas. A questão torna-se, então, que tipo 
de inserção que não signifique a captura da burocracia por interesses privados poderá 
ocorrer. Ou seja: como combinar o “insulamento burocrático weberiano com uma 
intensa ligação com a estrutura social circundante...” (p. 47-50). 
Outra dimensão relevante na discussão sobre burocracia e Estado diz respeito 
à autonomia da própria burocracia pública, não diante dos interesses da sociedade, 
mas frente aos políticos, ao reivindicar um espaço de poder próprio, em vez de ficar 
restrita ao campo da administração. Nesse sentido, como indicam RUA e AGUIAR 
(2006, p. 129),
“os membros da burocracia pública não são agentes neutros, mas sim dota-
dos de interesses próprios, que tentam maximizar; além disso, são atores capazes 
de mobilizar recursos políticos, como informação e apoio de grupos de interesse 
da sociedade; são dotados, também, de capacidade para desenvolver concepções 
próprias sobre as políticas governamentais e sobre o seu próprio papel no jogo 
político, independentemente de considerações de natureza estritamente técnica; por 
fim, trata-se de atores capazes de competir com os políticos, não apenas visando a 
decisões favoráveis às suas propostas quanto a ‘policies’ específicas, mas até mesmo 
pelo controle do processo político”.
O comportamento político da burocracia é examinado por Guy PETERS 
(1981), que introduz a hipótese do “governo burocrático”, isto é, a possibilidade de 
os agentes burocráticos assumirem de facto o controle do processo governamental, 
esvaziando o poder dos políticos, não a fim de realizar o interesse de uma classe 
social, de um grupo de interesse ou de uma elite da sociedade, mas em seu interesse 
próprio. Nesse estudo, o autor enumera as condições para o desenvolvimento de um 
governo burocrático, avaliando o grau de autonomia política da burocracia. Segun-
do RUA e AGUIAR (2006, p. 130), além de desmistificar a suposta neutralidade e 
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno 17
passividade da burocracia – orientada pela ética da obediência –, o autor explora 
“a dimensão política do comportamento desse ator, expressa na sua capacidade de 
controlar o processo decisório, assumindo, na direção do governo, responsabilida-
des e poderes usualmente atribuídos aos políticos”. 
Uma terceira dimensão da discussão sobre burocracia e Estado tem como foco o 
papel da burocracia pública a partir da percepção das suas diferenças internas de atribui-
ção e de status. É claro que, mesmo que seja tratada, em geral, de forma indiferenciada, a 
burocracia é, intrinsecamente, estratificada. Quanto mais ampla for uma burocracia, mais 
estratificada e hierarquizada possivelmente será. Todavia, como o estudo de políticas 
públicas privilegiou, durante muito tempo, o processo de decisão política, grande parte 
dos estudos da burocracia pública enfatizou o papel dos agentes burocráticos dos seus 
escalões superiores. Porém, o que dizer da atuação dos servidores que operam os níveis 
intermediários e inferiores das organizações públicas?
 Os estudos empíricos de políticas públicas iniciados na década de 1980 mostram 
que, na realidade, uma boa parte da política (policy) é “feita” ou modificada no processo 
de implementação. Tais análises vêm formando uma tradição na qual o foco da atenção 
se desloca para o papel dos servidores públicos que operam nos escalões mais baixos 
do sistema político, atuando diretamente junto ao público (e não apenas beneficiários) 
das políticas públicas: são agentes de fiscalização, policiais, bombeiros, professores e 
diretores de escolas, atendentes de hospitais, etc. Esses atores, que a literatura denomina 
“burocracia de nível de rua” (“street-level bureaucracy”), não são neutros, e possuem 
significativos recursos de poder político, já que sua atuação é que define como a política 
pública (e, portanto, a ação governamental) se apresenta aos cidadãos.
Persiste, porém, uma enorme lacuna nos estudos, em geral, sobre os agentes 
burocráticos de nível intermediário. No Brasil, a maioria das pesquisas centra-se na 
burocracia de alto escalão e, mais especificamente, na burocracia federal e em como 
esta atua no processo de produção de políticas públicas. Há apenas estudos iniciais 
sobre a burocracia intermediária, situada entre a elite política que compõe o alto 
escalão e a “burocracia do nível da rua”, que indagam como é que “a seleção desses 
atores, os incentivos que recebem no cargo, sua relação com a alta burocracia e com 
a burocracia no nível da rua, bem como as distintas condições de trabalho afetam” 
as políticas públicas6.
A relevância do papel desses atores é claramente definida em alguns poucos 
trabalhos como o de Edward PAGE e Bill JENKINS (2006), que mostra como a 
maior parte das políticas públicas começa a ser implementada a partir de poucas ins-
truções diretas e específicas de legisladores, ministros e altos funcionários. Uma vez 
que esses atores não dão orientações detalhadas sobre como cada uma das políticas 
públicas deve ser implementada, cabe à burocracia de médio escalão elaborar e até 
negociar cláusulas legais, regulamentos específicos e várias formas de protocolos, 
6 OLIVEIRA, Vanessa E. & ABRÚCIO, Fernando. Entre a Política e a Burocracia: a importância dos burocratas de 
nível médio para a produção de políticas públicas em saúde e educação. 2011, p. 2. Disponível em: <http://www.
sigeventos.com.br/anpocs/inscricao/resumos/0004/TBR2707-1.DOC>. Acesso em: 30 mai. 2013.
18 Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
estabelecendo como será a sua implementação na prática. Esses atores atuam, si-
multaneamente, junto de seus superiores, produzindo minutas de documentos, etc., 
e conduzem os níveis inferiores, exercendo a gestão das políticas e orientando os 
demais envolvidos no processo político.
Sem diferenciar os níveis intermediários, C. HAM & M. HILL (1993) explo-
ram três questões tratadas na literatura sobre os escalões inferiores da burocracia 
pública: (a) a dimensão negativa e, possivelmente conservadora, que as “personali-
dades burocráticas” – marcadas pela rigidez das rotinas organizacionais – dão ao se-
tor público; (b) as características e o papel da “burocracia de nível de rua” na imple-
mentação das políticas públicas e a sua importância na interação com o público; (c) 
o envolvimento de funcionários profissionalizadosna implementação das políticas e 
a diferença que podem fazer para compensar o tratamento insatisfatório dado pelos 
burocratas aos cidadãos7. 
2.2 Burocratas e Discricionariedade no Processo de Elaboração de Polí-
ticas Públicas
Elemento essencial ao debate acerca da formulação e da implementação de 
políticas públicas, a discricionariedade da burocracia na tomada de decisões e na 
execução de ações governamentais afeta profundamente as políticas públicas e os 
seus resultados. O conceito de “discricionariedade”, porém, pode admitir alguns en-
foques distintos. 
Num sentido amplo, a discricionariedade consiste na disponibilidade de um 
espaço de poder que permite ao agente público escolher entre diferentes alternativas 
de ação ou não-ação. Contudo, tal amplitude compreende procedimentos e condi-
ções muito distintos, como (a) possíveis arbitrariedades ou personalismos na atuação 
dos agentes públicos, (b) possível margem de liberdade de movimentos que todo 
agente público possui no exercício de suas funções, e (c) margem de liberdade dos 
agentes públicos situados na periferia quando da aplicação das normas geradas pela 
administração central.
A discussão sobre a discricionariedade inclui situações que vão desde o “poder 
discricionário” propriamente dito, que consiste na orientação legal que inclui a ex-
tensão da norma, o titular da sua competência e a finalidade pretendida; passa pelos 
conceitos jurídicos indeterminados que geram vazios legais a serem preenchidos por 
interpretações judiciais sempre à luz da finalidade da norma; remete à capacidade de 
juízo ou julgamento, referindo-se à flexibilidade do agente público para exercer uma 
prática criativa e positiva com relação à norma, sem violação das suas finalidades; e 
chega à violação correspondente ao afastamento da finalidade da norma.
A falta de um consenso conceitual favorece definições imprecisas, tornando 
difícil a compreensão do tema. C. HAM & M. HILL (1993) discutem, a partir das 
7 Tendo em vista o objetivo desse texto, importa especialmente a questão (b), que será tratada no Texto de Apoio 
sobre implementação de políticas públicas. 
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Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno 19
proposições de vários outros autores, algumas acepções possíveis para a discricio-
nariedade. Mencionam, por exemplo, Kenneth DAVIS (1969, p. 4), que sustenta que 
“Um funcionário público tem discricionariedade onde quer que os limites efetivos 
de seu poder deixem-no livre para fazer uma escolha entre possíveis cursos de ação 
e inação”. Ou seja, grosso modo, a discricionariedade abrangeria todos os graus 
de liberdade dos funcionários na tomada de decisão. Já sob uma perspectiva mais 
restritiva, outros autores assinalam a necessidade de se distinguir o julgamento que 
os burocratas fazem quando têm apenas que interpretar as normas e a discricionarie-
dade, entendida como a margem de autonomia de ocupantes de cargos específicos 
para que, em determinadas situações, tomem as decisões que entenderem ser as mais 
convenientes para o interesse público. Em qualquer dos conceitos que se adote, é 
preciso atentar para a influência das regras do jogo político sobre os comportamen-
tos dos atores – em particular, os burocratas – e, consequentemente, sobre o grau de 
discricionariedade de que dispõem.
O estudo da discricionariedade em sua conotação mais ampla impõe, portan-
to, que se avalie tanto a obediência como a desobediência às normas, visto que as 
fronteiras entre a decisão restrita aos limites da discricionariedade e a decisão que 
desrespeita as normas são pouco claras. Também é relevante investigar o papel da 
discricionariedade na delegação de funções governamentais. C. HAM & M. HILL 
(1993) chamam a atenção para a necessidade de se considerar a discricionariedade 
sob algumas perspectivas trazidas pela literatura – (a) o enfoque da Sociologia (so-
bretudo da Teoria das Organizações), (b) o das políticas públicas da área social, (c) 
o do Direito Administrativo, e (d) o do cumprimento da lei. 
Sob a ótica da Sociologia e da Teoria das Organizações, a discricionariedade 
permeia todos os processos e todas as atividades governamentais, até mesmo aqueles 
mais controlados e supervisionados. Quando há delegação de atribuições e de res-
ponsabilidades – como ocorre usualmente no âmbito das decisões públicas –, o nível 
de discricionariedade se eleva, porque há numerosos atores intermediários operando 
num ambiente político complexo. 
Segundo a Teoria das Organizações, essa margem de liberdade de escolha das 
burocracias cria um potencial de conflito entre os que comandam as organizações 
e aqueles a quem as competências são delegadas. Já em 1947, SIMON apontou a 
importância do controle das condições ou premissas sobre as quais se assentam as 
decisões racionais, para a consecução de certos objetivos; posteriormente, o autor re-
conhece que a suposição de controle completo sobre as circunstâncias não encontra 
amparo no mundo real. Uma vez que as organizações são baseadas na autoridade e 
na hierarquia, sendo rotineira a delegação de atividades e de responsabilidades, a dis-
cricionariedade produziria acentuados impactos sobre os sistemas organizacionais. 
Um importante aspecto a ser tomado em consideração é o de que as decisões 
públicas têm status diferenciado. Há decisões ordinárias, que são tomadas na base da 
pirâmide hierárquica organizacional. Essas, por sua natureza, estão subordinadas às 
20 Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno
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decisões estruturantes, que são tomadas no topo da organização. As primeiras podem 
não ser executadas conforme os parâmetros estruturantes, pois os agentes da base, 
por sua discricionariedade, podem introduzir distorções nas atividades e funções 
organizacionais. Ou seja: ao implementar ações específicas de políticas públicas, 
as burocracias o fazem no nível micro-institucional, tendo de lidar com tarefas e 
problemas diferentes daqueles notados pelos políticos e que são percebidos mais 
facilmente pela sociedade. 
Assim, a comunicação, a coordenação e o controle dentro das organizações 
(e do governo) apresentam alcance limitado – porque, embora a lógica do sistema 
implique subordinação, na realidade, o que há é interdependência entre superiores e 
subordinados, com os primeiros chegando até a ser dependentes dos segundos, sem 
os quais será inviável a implementação das políticas públicas.
Ademais, as regras estabelecidas pelos políticos para o exercício das ativida-
des dos burocratas podem resultar em efeitos não apenas diferentes do pretendido, 
mas até contrários ao desejado, porquanto a burocracia pode operar defendendo seus 
interesses e influenciando para que as regras do jogo restrinjam a liberdade discri-
cionária dos políticos; porém, do mesmo modo, políticos podem responder a esse 
movimento reduzindo a discricionariedade dos burocratas. 
Discricionariedade e regras ocupam, então, o centro das disputas e dos confli-
tos de poder relativos às políticas públicas, sendo negociadas intensamente no inte-
rior das organizações. C. HAM & M. HILL (1993) relatam estudos que enfatizam a 
relevância do nível de confiança entre as partes nessas interações, sendo que, quanto 
mais hierárquicas forem as relações e a imposição de regras, mais baixo será o nível 
de confiança entre as partes. Esses autores apontam duas possibilidades: uma delas, 
caracterizada por “discricionariedade”, ocorre quando o nível de confiança é alto e a 
atividade dos agentes implementadores é legitimada e reconhecida como importante 
pelos políticos, o que se dá frequentemente na Administração Pública; e outra, carac-
terizada por “quebra de regulamentos”, quando os implementadores são tidos como 
pouco qualificados, o exercício de suas funções não admite espaço para decisões le-
gítimas, e eles assumem comportamentos que os políticosnão conseguem controlar.
Outra abordagem ao problema da discricionariedade tem como foco não os 
atores, mas a qualidade das normas: há situações em que as normas são ambíguas; 
há outras nas quais são excessivas, impondo obstáculos à tomada de decisões e ao 
atendimento às demandas. Nessas circunstâncias, a burocracia poderá escolher entre 
obedecer às regras ou desafiar o imperativo da obediência. Na primeira hipótese, po-
derá ocorrer a paralisação da organização, caracterizando-se a disfunção de as regras 
se tornarem o objetivo a ser alcançado – e não o meio para realizar uma finalidade. A 
adoção de um comportamento de conformidade extremada, com a aplicação da lei à 
risca, pode inviabilizar a tomada de decisões e o atendimento às demandas da socie-
Maria das Graças Rua com Roberta Romanini
Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno 21
dade8. Na hipótese alternativa, a burocracia negligencia os regulamentos que podem 
atingir seus interesses mais diretamente (ou os de suas clientelas) e pode mascarar o 
cumprimento dos objetivos da organização, privilegiando o resultado e o desempe-
nho organizacionais referentes à quantidade (em vez de qualidade) na prestação de 
serviços públicos.
A abordagem sociológica da Teoria das Organizações enxerga a burocracia 
como um fenômeno onipresente e inerente ao controle administrativo, e destaca a 
importância do exame da atuação das burocracias para a análise da discricionarie-
dade. As organizações são dinâmicas, estão em constante mudança, afetadas por 
acontecimentos dos ambientes interno e externo a elas. Nelas, ocorrem interações 
contínuas e conflitos diversos: entre o comportamento formal e o informal; o cum-
primento e o descumprimento de normas; as antigas e as novas regras; a criação de 
regras e o controle hierárquico; a ambiguidade das normas e a autonomia da buro-
cracia. Também é possível examinar a discricionariedade no âmbito das relações 
entre diferentes instâncias de burocracias – por exemplo: a burocracia central e as 
que operam na esfera local. 
A perspectiva das políticas sociais considera a natureza da discricionariedade 
no contexto das políticas públicas dessa área, das normas e dos regulamentos, e das 
burocracias. Parte da literatura entende que as decisões cabíveis à burocracia nesse 
campo podem ser de difícil normatização e que as normas se mostram ambíguas9. 
Além disso, as regras estabelecidas podem ter sido formuladas de maneira a reduzir 
os custos governamentais nessa área, levando a uma vasta gama de variações na 
prestação dos serviços públicos e, até mesmo, à inconsistência nas decisões políticas. 
Tem-se, desse modo, um desequilíbrio entre a norma legal e a discricionariedade 
administrativa, que pode levar até mesmo a conflitos entre diferentes escalões da hie-
rarquia organizacional como, por exemplo, quando supervisores atendem a pedidos 
diretos de clientes, desautorizando decisões tomadas pelos funcionários encarrega-
dos do atendimento ao público. Tudo isso pode levar a um detalhamento excessivo 
dos regulamentos que guiam a burocracia, a fim de reduzir ao máximo o seu espaço 
de discricionariedade e assegurar que a maioria das situações esteja disciplinada em 
lei. 
Sob a mesma perspectiva, existem trabalhos que exploram os vários tipos de 
discricionariedade, caracterizando a que é exercida por um burocrata individual-
8 Prevista por WEBER, a possibilidade de a burocracia cumprir estrita e minuciosamente as regras, pode acabar 
inviabilizando o atendimento às necessidades da sociedade. Quando é um comportamento escolhido como es-
tratégia de enfrentamento, um exemplo encontra-se nas chamadas “operação-tartaruga” ou “operação-padrão”, 
realizadas no Brasil por policiais, agentes alfandegários em aeroportos, etc., para mostrar como as regras são 
irracionais e quais as consequências, para o público, da sua rigorosa aplicação.
9 Por exemplo, como decidir se o melhor para o bem-estar das crianças em uma família de pais dependentes de 
drogas ilícitas é manter as crianças com os pais ou afastá-las e colocá-las sob a assistência pública? Ou, ainda 
mais concretamente, como decidir se uma família que não cumpre as condicionalidades do Bolsa-Família deve 
ser desligada do Programa?
22 Unidade II – O Processo de Elaboração de Políticas Públicas no Estado Capitalista Moderno
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mente (chamada de “discricionariedade de funcionário”, que usa sua margem de 
liberdade para, em circunstâncias excepcionais, discordar das regras) e a que resulta 
da atuação de uma agência ou organização que proporciona uma interpretação da lei 
(“discricionariedade de agência”).
De acordo com um dos autores citados por C. HAM & M. HILL, somente na 
situação descrita como “discricionariedade de funcionário” seria possível defender 
que há discricionariedade de fato. Quando o burocrata interpreta regras rígidas, toma 
decisões em áreas nas quais as regras são inexistentes ou inadequadas, o que está 
ocorrendo não poderia ser considerado discricionariedade, mas simples julgamento, 
dentro das atribuições do servidor.
Essa interpretação conduz ao questionamento a respeito da margem de auto-
nomia das agências e dos burocratas – que os legisladores devem fazer constar nas 
normas jurídicas destinadas a reger os casos excepcionais – e da limitação da auto-
nomia dos agentes da burocracia que estão encarregados de proporcionar o serviço 
ou bem público ao cidadão, com o qual se relacionam diretamente. A partir daí, é 
possível explorar outras linhas de estudo, como as causas de os poderes discricioná-
rios surgirem e os processos que os favorecem. 
O exame da discricionariedade segundo o enfoque do Direito Administrativo 
(ou da lei administrativa) sublinha os elementos que compõem a discricionariedade 
administrativa, e não os conflitos políticos que ela pode vir a suscitar. A finalidade 
é constatar, por exemplo, se houve delegação expressa de poder discricionário me-
diante lei; se os poderes discricionários dos agentes públicos respeitam os limites 
de razoabilidade e de proporcionalidade impostos pela lei; e se a burocracia atua 
realmente dentro dos limites da discricionariedade previstos na lei. 
A concepção desse fenômeno pelo Direito Administrativo é de que a norma 
seria suficiente para manter a discricionariedade administrativa sob controle (prin-
cipalmente, sob o controle dos parlamentares) e dentro de limites, pois a norma 
defenderia o cidadão do exercício arbitrário do poder (tanto por políticos quanto por 
burocratas). Quando disputas sobre o exercício da discricionariedade chegam aos 
tribunais de justiça, esses podem, utilizando, por sua vez, sua discricionariedade ao 
julgar (o que caracteriza um comportamento político), intervir e restringir o uso do 
poder discricionário em determinados casos. 
Sob a perspectiva do Direito Administrativo, existe uma dimensão de controle 
e de restrição da discricionariedade pelas agências governamentais sobre seus buro-
cratas individualmente, com o intuito de assegurar que as decisões deles não sejam 
arbitrárias. Essa vertente considera também que, no momento de formação das leis, 
regras bastante específicas já devem ser traçadas – se necessário, com auxílio dos bu-
rocratas – para identificar as situações pontuais com as quais eles irão lidar. Contudo, 
essa redução da discricionariedade pela lei não constitui tarefa simples, haja vista 
que as políticas públicas implicam muita complexidade, o que torna difícil identifi-
car todos os padrões, os critérios e os fatos possíveis de acontecer. Pelo mesmo mo-
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tivo, é pouco útil o estabelecimento de um padrão ou conceito único a ser aplicado 
a todas as situações possíveis. Outrossim, para que a norma elaborada tenha alguma 
permanência, é indispensável a flexibilidade e a previsão de modificaçõescaso a re-
alidade venha a se alterar. Nesse sentido, a discricionariedade pode ser “mais forte” 
(o tomador de decisões seleciona o critério que deseja para agir) ou “mais fraca” (os 
critérios estão determinados na lei, o tomador de decisões apenas os interpreta). 
No controle administrativo da discricionariedade, em lugar da dicotomia entre 
regras e liberdade de atuação, é possível discutir a questão do grau de discricionarie-
dade admissível, admitindo-se que o grau de discricionariedade varia ao longo de um 
continuum, do mais alto ao mais baixo. Esse aspecto resulta no exame dos processos 
organizacionais internos e das atitudes e crenças daqueles encarregados de interpre-
tar as regras. Também é reconhecida a necessidade de examinar a discricionariedade 
num contexto propriamente político, inclusive o papel da negociação – que é uma 
forma importante de comportamento discricionário – no planejamento da implemen-
tação de políticas públicas. Nesse caso, será possível observar que, em vez da função 
aparentemente neutra, as autoridades podem perseguir metas políticas mais amplas, 
tendo em vista as negociações que efetuaram. 
O último enfoque a ser descrito, o papel da discricionariedade no cumprimen-
to da lei, originou-se do estudo da aplicação de leis criminais e das decisões tomadas 
nessa esfera por policiais. Os estudos mostram que, do mesmo modo que é inviável 
para os policiais prender todos aqueles que infringem as leis, por falta de recursos 
para tanto (aparato policial, quantidade de tribunais e prisões suficientes), é impossí-
vel aos burocratas adotar todas as medidas necessárias e agir na solução de todos os 
problemas da coletividade ao mesmo tempo. Por isso, eles precisam escolher em que 
setor planejam atuar, com que intensidade deverão fazê-lo, e acumular esforços, pois 
a ação governamental se torna mais eficiente se for concentrada – daí a significância 
da discricionariedade. Trata-se não da dificuldade de controlar a margem de liberda-
de da burocracia, e sim da rigidez da lei e da ação governamental não conduzirem à 
consecução dos objetivos da política pública.
Alguns autores evidenciam que, tipicamente, decisões e ações de políticas 
públicas em um setor implicam negociações sobre as decisões e as ações de políticas 
em setores distintos, prevalecendo os interesses do(s) grupo(s) que dispuser(em) de 
mais recursos de poder. DAVIS (1969) sustenta que diferentes leis são elaboradas 
e obedecidas de maneiras diferentes – quando os legisladores disciplinam em mi-
núcias uma matéria, na tentativa de regular e controlar o comportamento das buro-
cracias que implementarão a política pública, a resposta aparece em um efeito não 
previsto pelos políticos: elas podem ter de ignorar boa parte da lei para que consigam 
cumprir os objetivos maiores que a norma estabelece10. Dessa sorte, se as leis forem 
mais consistentes com a realidade, muitas formas de discricionariedade nem chegam 
a ser necessárias. 
10 Situação equivalente seria a do policial que pune as violações mais graves e permite que infrações menos graves 
passem despercebidas.
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A contribuição da abordagem do cumprimento da lei para o estudo da discri-
cionariedade abarca, ainda, o modo como o viés, ou seja, a ideologia, os valores e os 
preconceitos dos burocratas influenciam a própria obediência à lei e afetam a tomada 
de decisões, sendo perceptíveis nas políticas voltadas para problemas relativos à 
classe social, ao gênero, à etnia, etc. Esses vieses são definidos não somente pelas 
crenças, como também pelas características da atividade a ser realizada pelo buro-
crata incumbido do cumprimento da lei. Ou seja: o tipo de relação existente entre 
aquela organização e a sociedade, e entre aquela burocracia e a sociedade; a forma 
como o trabalho cotidiano do burocrata é organizado; os pontos de tensão e conflito 
na execução das atividades; e o estímulo oferecido ao burocrata para solucionar os 
problemas decorrentes da observância à lei. 
 Cabe sintetizar algumas considerações sobre a discricionariedade e as regras 
legais. Em primeiro plano, a discussão valorativa: se a discricionariedade é algo 
“bom” ou “ruim” para as políticas públicas depende, em grande parte, da forma 
como ela é exercida e de suas consequências para a sociedade. Cada uma das abor-
dagens acima mencionadas possui suas preocupações nesse aspecto: para a Teoria 
das Organizações, importa verificar como é realizado o controle hierárquico da au-
tonomia e como os subordinados em situação de baixa confiabilidade a exercem; 
na perspectiva das políticas sociais, presta-se atenção às distorções que a burocra-
cia mais próxima ao cidadão pode gerar; sob a ótica do Direito Administrativo, a 
questão significativa diz respeito à flexibilidade das regras, que tem sido vista como 
preferível à rigidez legal; e, no enfoque do cumprimento da lei, observa-se que os 
vieses dos agentes do Estado podem alterar as políticas e discute-se em que medida 
seria desejável que esses atores fossem mais rigorosos, ou menos flexíveis, frente à 
norma legal. 
Embora essas correntes apreciem a discricionariedade como fenômeno isola-
do, HAM & HILL lembram e frisam que ela espelha fenômenos sociais, políticos e 
econômicos mais abrangentes. Para os autores, a temática pode ser estudada sob um 
ponto de vista relativamente isento de valores, mediante a identificação dos fatores 
que influenciam as leis a serem implementadas e a discricionariedade existente, se-
gundo as características específicas de certo contexto e as forças políticas, sociais e 
econômicas nele presentes; ou sob o ponto de vista de quem e do quanto se beneficia 
com qual configuração específica de regras e de discricionariedade, e se a circuns-
tância pode ser alterada. HAM & HILL (1993, p. 226) complementam que: “As 
questões de valores não resolvidas podem atormentar aqueles que implementam po-
líticas e aqueles cujo bem-estar é afetado por sua implementação, da mesma forma 
que atormentaram os políticos”. 
Finalmente, os autores mostram que o contexto social e político no qual as po-
licies têm lugar e as influências de vários atores políticos no processo afetam a forma 
como a discricionariedade se manifesta, bem como as tentativas de controlá-la. Em 
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suma, eles compreendem que: (a) a discricionariedade pode emergir das ambiguida-
des presentes na própria política pública; (b) ela surge como uma consequência das 
limitações do controle (os incentivos para um agente obedecer serão tão menos efi-
cazes quanto mais difícil ou custoso for saber como ele se comporta – e esse agente 
souber disso); (c) a discricionariedade deve ser abordada por intermédio da quebra 
de regulamentos nas organizações e deve ser relacionada com questões sobre a com-
plexidade organizacional, sistemas de gratificação, motivação e moral; (d) deve-se 
investigar os interesses afetados pelos variados graus de discricionariedade; e (e) é 
preciso conhecer mais as estratégias de controle organizacional desenvolvidas para 
se lidar com os problemas provenientes da autonomia das burocracias. 
2.3 A Contribuição do Estudo das Organizações para a Análise do Proces-
so de Elaboração de Políticas Públicas
Como foi mencionado no início desse texto, a elaboração das políticas públi-
cas não ocorre em um vácuo institucional, mas tem seus fundamentos no Estado 
na sociedade, onde as organizações desempenham um papel central. Nesse sentido, 
HAM; HILL(1993) citam Richard ELMORE (1978) “Uma vez que, virtualmente, 
todas as políticas públicas são executadas por grandes organizações públicas, so-
mente através do entendimento de como funcionam tais organizações é que se pode 
compreender como as políticas são lapidadas em seu processo de implementação”.2.3.1 Contribuições da Sociologia: Burocracia e Teoria das Organizações
 
A primeira contribuição da Sociologia à compreensão do funcionamento in-
terno das organizações é proveniente da análise weberiana da burocracia. Ao apre-
sentar a teoria de Max WEBER sobre a temática, C. HAM & M. HILL (1993, p. 157) 
explicam que a expansão do modelo burocrático11 de administração se ampara em 
sua “racionalidade formal” – significa realizar cálculos de maneira correta e lógica a 
fim de alcançar os objetivos pretendidos. Max Weber sustentou que a razão decisiva 
para o avanço da organização burocrática sempre foi a sua superioridade puramente 
técnica sobre qualquer outra forma de organização. 
As principais características que definem o que é burocracia para WEBER 
podem ser resumidas como: (a) uma organização com funções específicas, cuja ope-
ração é subordinada a regras abstratas e impessoais; (b) todos atos, regras e decisões 
que dizem respeito à organização são documentados, por escrito (c) organização 
hierárquica12, com a determinação dos direitos e deveres dos funcionários em cada 
11 Vale lembrar que o pensamento de WEBER contempla a burocracia sob três prismas distintos: como categoria 
social (corpo de servidores públicos), como modelo de organização administrativa (Administração Burocrática) e 
como fenômeno que expressa a racionalização da vida social, aspecto em que o autor concentra suas reflexões.
12 Hierarquia consiste em um ordenamento ou graduação das diferentes categorias de funcionários ou membros de 
uma organização, segundo a importância das suas atribuições, capacidades, responsabilidades, status e/ou poder.

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