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Aquisição da linguagem escrita

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Como experiências de leitura e escrita 
vivenciadas pelo adulto e pela criança 
interferem no processo de aquisição da 
linguagem escrita por parte da criança?
A criança sabe sobre a escrita antes de saber ler e escrever, 
e esse saber primeiro é parte de um processo que passa 
pelo segundo e nele não se detém. 
Claudia Tereza Guimarães Lemos
Nesta aula será feita a análise de aspectos relativos ao processo de aqui-
sição da escrita. Será uma introdução a questões referentes às condições 
de domínio, de produção e de autoria da escrita, bem como de letramen-
to. Elegemos esses aspectos porque nos permitem compreender o fato 
de que a forma como os indivíduos se colocam em relação à linguagem 
escrita determina o seu processo de aquisição. Pretendemos discutir tais 
categorias a partir de contribuições teóricas formuladas no âmbito dos 
modelos sociointeracionistas.
Elegemos, especialmente, estudos que permitem o aprofundamento 
teórico acerca das posições e relações que os indivíduos estabelecem com 
a leitura e a escrita, ou seja, aqueles que convergem para preocupações 
relativas aos modos como:
a escrita se torna, para o sujeito, foco de atenção e interesse; �
os sujeitos constituem diferentes usos, sentidos e funções sociais fren- �
te à escrita;
as relações entre práticas discursivas orais e escritas são processadas; �
constituem-se as possibilidades e os limites de produção e interpre- �
tação textual.
Aquisição da linguagem 
escrita: autoria e reescrita
92
Psicogênese das Linguagens Oral e Escrita: Letramento e Inclusão
A ênfase em torno das condições de domínio e de produção da escrita, da 
forma como o sujeito ocupa o lugar de autoria e do seu grau de letramento, 
justifica-se na medida em que partimos da hipótese de que tais aspectos são o 
mote desencadeador dos processos de aquisição da leitura e escrita.
Partindo do pressuposto de que o entendimento desse quadro nos remete 
à análise do papel que a escrita assume na vida das crianças, encontramos, nos 
estudos que priorizam a dimensão social do fenômeno letramento, subsídios 
para o avanço de nossas reflexões. É importante compreender que o conceito 
de letramento passou a ser incorporado por pesquisadores brasileiros que, em 
meados da década de 1980, questionavam a avaliação da presença ou ausência 
da “tecnologia” do ler e escrever como critério para dispor em lados opostos os 
sujeitos ditos alfabetizados e os analfabetos. Mais do que isso, por pesquisado-
res preocupados em analisar a situação de milhares de brasileiros que, embora 
engordando os índices de alfabetização anunciados pelos órgãos públicos, evi-
denciam não viver em estado ou condição de quem sabe ler e escrever, pois não 
se apropriam plenamente das práticas sociais de leitura e de escrita.
Tais estudos analisam, entre outras questões, de que modo tipos de estrutu-
ras e interações sociais estabelecem relações com os fatos envolvidos no proces-
so de aquisição da leitura e escrita. Assim, desafiam-nos a pensar de que maneira 
práticas constituídas e intermediadas pela escrita e oralidade, vivenciadas social 
e individualmente, assumem um peso decisivo nas possibilidades ou impossi-
bilidades de domínio da escrita pela criança. Desafiam-nos também a pensar 
sobre as consequências decorrentes das diferentes experiências com a lingua-
gem escrita, vivenciadas pelos diferentes grupos sociais.
Quanto à maneira pela qual essas diferenças se configuram, sabemos que as 
crianças, desde o nascimento, desenvolvem-se na interação com as pessoas de 
seu convívio social, entrando em contato com seus valores, crenças e costumes. 
Dessa maneira, mantêm também contato com a escrita, que certamente não 
é o mesmo para os diferentes grupos sociais existentes na nossa sociedade. Al-
gumas crianças, desde pequenas, têm a oportunidade de manusear livros, “ler” 
diferentes livros, jornais e revistas com o pai e a mãe, “escrever” bilhetinhos com 
os pais, perceber e vivenciar sua função social. Outras crianças, porém, quase 
não têm material escrito: na sua casa não há livros, o jornal tem a função de em-
brulhar coisas, os pais não leem ou escrevem no seu cotidiano.
Nesse último caso, o prazer e o hábito da leitura e escrita devem ser ensina-
dos à criança. Como é possível mostrar à criança que é possível que a escrita e 
Aquisição da linguagem escrita: autoria e reescrita
93
a leitura façam parte da sua vida de forma prazerosa? Voltaremos recorrente-
mente a esse ponto, contudo, aí vão algumas ideias simples para serem desen-
volvidas nas situações de ensino-aprendizagem: é preciso não ter preconceito 
em relação a tipos de textos e trabalhar textos escritos de várias modalidades; 
ao invés de exigir a leitura, que o professor partilhe sua própria felicidade de ler, 
lendo livros em voz alta na sala de aula.
Segundo Rojo et al. (1998, p. 123), o desenvolvimento da linguagem escrita 
ou o processo de letramento da criança, aqui entendidos como estado ou condi-
ção da criança em relação à apropriação das práticas sociais de leitura e escrita, 
dependem, “por um lado, do grau de letramento da instituição familiar a que 
pertence – isto é, da maior ou menor presença em seu cotidiano, de práticas de 
leitura e escrita”; e, por outro, dos
[...] diferentes modos de participação da criança nas práticas discursivas orais em que estas 
atividades ganham sentido. [...] É o modo de participação da criança, ainda na oralidade, nestas 
práticas de leitura e escrita, dependentes do grau de letramento familiar (e, acrescentaríamos) da 
instituição escolar e/ou pré-escolar em que a criança está inserida, que lhe permite construir uma 
relação com a escrita enquanto prática discursiva e enquanto jogo. (ROJO et al., 1998, p. 123) 
Discorrendo a respeito da estreita vinculação entre o desenvolvimento da 
escrita por parte da criança e o grau de letramento da família e da instituição 
escolar, Rojo et al. (1998) deixam claro que o acesso da criança ao material escrito 
não é suficiente para o seu domínio. A natureza das relações estabelecidas entre 
os adultos e a criança, mediadas de alguma forma pela escrita, pode resultar, 
ou não, no reconhecimento dessa modalidade de linguagem como elemento 
constitutivo dos vínculos e papéis sociais. Cabe ressaltar que a qualidade de tais 
relações depende das experiências e representações que os adultos, que fazem 
parte da vida da criança, estabelecem com essa modalidade de linguagem. 
Razão pela qual a avaliação das condições de produção da criança deve levar em 
consideração as condições de letramento de tais adultos.
Partindo dessa premissa, de que o grau de letramento da criança depende 
das experiências compartilhadas com os adultos que a assistem, é importante 
refletir que tais experiências serão construtivas se o adulto tiver prazer na leitura 
e na escrita. Ou seja: parte-se do pressuposto de que só se pode ensinar aquilo 
que se faz com prazer, de que é impossível ensinar a importância, o sentido e o 
prazer da leitura e da escrita se esta não é uma prática autêntica que o adulto/
mediador tem com essa modalidade de linguagem. Essa percepção retoma a 
questão acima formulada e nos remete a outros problemas que dizem respeito 
ao modo como os adultos que participam da formação das crianças e, em espe-
cial professores e pais, relacionam-se com a linguagem escrita:
94
Psicogênese das Linguagens Oral e Escrita: Letramento e Inclusão
Como é possível mostrar à criança que é possível que a escrita e a leitura �
façam parte da sua vida de forma prazerosa?
Como pode formar leitores aquele que não é, ele mesmo, um leitor? �
Como se ensina a escrever textos aquele que não os escreve junto com a �
criança?
Como partilhar com a criança uma experiência linguística autêntica, sem �
ter uma vivência pessoal significativa e prazerosa com a leitura e a escrita?
Chamamos atençãopara um segundo ponto, ligado às questões acima ex-
postas: para o desenvolvimento da escrita e da leitura e para que a criança incor-
pore o hábito dessas práticas, não basta apenas saber ler e escrever, tampouco, 
a interação com o próprio objeto escrito. Nesse caso, alertamos para práticas e 
iniciativas educacionais centradas em criar condições para que a criança tenha 
contato direto com livros e bibliotecas, sem, contudo, investirem em propostas 
de que adultos partilhem com as crianças situações de leitura e escrita.
Para aprofundarmos nosso entendimento em torno desses dois pressupos-
tos, que estão diretamente ligados ao grau de letramento das crianças, concor-
damos com Rojo et al. (1998, p. 33) quando afirmam que
[...] os recortes e interpretações que o outro realiza sobre o objeto escrito são também muito 
variados e bastante dependentes de suas próprias (e variadas) concepções sobre a linguagem 
escrita e as atividades que se articulam em torno desse objeto. Ou seja: é de diferentes lugares 
e com diferentes recortes que o outro da cultura foca este objeto – a escrita – e são esses 
diferentes lugares e recortes (diferentes modos de agir) que vão sendo incorporados pela 
criança, que, por sua vez, ela também, passa a poder ocupá-los e realizá-los como sujeito 
letrado. 
Assim como Rojo et al. (1998, p. 111), discutindo o papel do adulto no proces-
so de aquisição da escrita, atribuem a ele um lugar além de um facilitador e/ou 
informante: o de um intérprete e de co-construtor desse processo.
É ele quem atribui intenções e interesses à criança, orienta sua atenção para os aspectos da 
escrita, recortando-a com o seu gesto e sua fala, tornando-a significativa. O modo de falar 
sobre a escrita, as práticas discursivas do adulto, recortadas e incorporadas pela criança, são, 
por sua vez, retomadas e incorporadas pelo adulto, num jogo muito mais dinâmico que supõe 
o elemento letrado como “informante sobre a escrita” e o elemento não letrado como aquele 
que, a partir da informação recebida, vai construir sozinho, dependendo apenas do seu sistema 
assimilatório já construído, um conhecimento sobre a escrita. 
Nota-se que os estudos aqui discutidos são unânimes em enfatizar a impor-
tância da natureza das relações entre adulto/criança/escrita, ainda que estabe-
lecidas prioritariamente pela oralidade. Isso implica, também, considerar que as 
experiências com a oralidade participam de maneira decisiva nesse processo, 
Aquisição da linguagem escrita: autoria e reescrita
95
uma vez que determinam a forma como a criança se constitui enquanto sujeito 
do discurso (condição para o domínio da oralidade e da escrita). É também a 
partir dela que a escrita se constitui enquanto processo de significação e, como 
tal, objeto de interesse pela criança.
À luz dessa colocação, pretendemos sinalizar para o fato de que sucessos ou 
insucessos na aquisição da leitura e escrita apresentados pelas crianças têm uma 
relação estreita com os jogos de dominação/poder, participação/exclusão, que 
caracterizam ideologicamente as práticas de linguagem e, portanto, as relações 
sociais. Partir de tal premissa para a definição dos procedimentos terapêuticos e 
educacionais implica não perder de vista que os diferentes tipos de escrita e de 
leitura, com os quais nos confrontamos, não são produtos neutros ou frutos de 
capacidade ou incapacidade individuais, mas, antes, resultados das relações so-
ciais instituídas pelas práticas de linguagem compartilhadas entre as pessoas.
Como a criança se constitui autora 
de suas produções de leitura escrita? 
Consideramos que o domínio da leitura e da escrita refere-se à possibilidade 
de o indivíduo exercer a leitura e a escrita de forma significativa e prazerosa, de 
escolher o que quer ler e escrever, de saber que as condições para se constituir 
como leitor e escritor são precárias e desiguais na sociedade. Implica, ainda, a 
possibilidade de interagir com diferentes tipos de texto, conforme suas neces-
sidades, desejos e contextos interacionais. Contudo, tal domínio depende das 
condições diferenciadas que distinguem as interações da criança com a escrita e 
com seus pares privilegiados.
Tais interações se constituem como o cerne do conhecimento que a criança 
constrói sobre a linguagem escrita. Saber ler e escrever não é saber codificar e 
decodificar a escrita, mas fazer uso efetivo dessa modalidade de linguagem. 
O reconhecimento, por parte da criança, de que ela escreve e lê e a possibi-
lidade de se colocar como autora de suas produções são determinantes para 
que ela venha a ter domínio dos aspectos estruturais e semânticos próprios da 
linguagem escrita. Em outras palavras, ser reconhecido e reconhecer-se na po-
sição de autoria representa um divisor de águas entre os sujeitos que fazem uso 
efetivo e significativo da linguagem escrita e os que estabelecem uma relação 
restrita e restritiva com ela. Práticas e condições de produção distintas efetivam-
se mesmo que o sujeito assuma ou não tal posição.
96
Psicogênese das Linguagens Oral e Escrita: Letramento e Inclusão
Podemos, agora, perguntar: mas afinal o que demarca a distinção entre ser 
autor e não ser autor?
Para responder a essa pergunta vamos recorrer mais uma vez a Bakhtin (1992), 
quando afirma que o autor é aquele que vai à busca da interpretação do texto 
de forma ativa e que, além de estruturar ativamente o texto, procura produzir no 
leitor efeitos de sentido, ou seja, procura colocar o leitor em posições específicas 
de leituras daquele texto. Para Tfouni (2000, p. 54):
Assim enquanto o autor tece o fio do discurso procurando construir para o leitor/ouvinte a 
ilusão de um produto linear, coerente e coeso, que tem começo, meio e fim, o sujeito está 
preso à dupla ilusão: de imaginar que é a origem do seu dizer e também de pretender que 
o que diz (escreve) seja a tradução literal de seu pensamento. Existe no processo de criação 
de um texto, um movimento de deriva e dispersão de sentidos que a função-autor pretende 
controlar. O autor, então, é aquele que estrutura seu discurso (oral e escrito) de acordo com um 
princípio organizador contraditório, porém necessário e desejável. 
Segundo a autora, lidar com essa contradição é condição para o domínio de 
um discurso letrado, uma vez que implica uma tomada de posição por parte do 
sujeito, de autorreflexão crítica na produção de seu discurso-texto. Posição essa 
que provocaria um retorno constante à forma como os sentidos estão sendo 
produzidos por ele, sem que isso impeça que o texto seja constantemente pro-
duzido. Tfouni vai mais longe, afirmando que, ao trabalhar na escrita, essa con-
tradição confere um sentimento de poder, de controle sobre o texto. A manipu-
lação de regularidades, presentes no ato de escrever, nas normas que incidem 
sobre a palavra, frases e textos
[...] acabam fornecendo uma ilusão de completude do sentido para quem escreve. Por isso, o 
sujeito da escrita acredita que “planejou” e disse (escreveu) exatamente o que pretende. Ora, 
acontece que há sempre o Outro atravessando o discurso, tanto oral, quanto escrito. Entra aí 
a interpretação, trabalho que é determinado tanto por mecanismos sócio-históricos, como 
mecanismos inconscientes. (TFOUNI, 2000, p. 93-94) 
A partir dos referenciais acima apresentados, identificamos alguns dos princí-
pios norteadores do conceito de “autoria” do texto escrito:
tornar-se leitor e escritor implica constituir-se como autor; �
ser autor é ser capaz de, para além do domínio de regras e normas, produ- �
zir efeitos de sentido pretendidos numa dada situação;
ser autor é constituir-se como um leitor de textos que pode apreender �
sentidos formulados por quem escreve e ir mais longe, elaborando seus 
próprios sentidos e interpretações a partir daquilo que lê;
Aquisição da linguagem escrita: autoria e reescrita
97
as tensões eos movimentos próprios da condição de autoria de um texto �
escrito são parcialmente apagados do seu produto final, resultando em 
uma certa unidade que produz a ilusão de linearidade da escrita.
É importante ressaltar que, no caso da prática da escrita, colocar-se como 
autor implica conceber a reescrita do texto como inerente ao ato de escrever. O 
processo de reestruturação textual consiste num dos procedimentos centrais e 
é o que permite à criança operar sobre seu texto, fazer mudanças, experimen-
tar palavras e frases, a fim de provocar determinados sentidos no leitor. Cabe 
enfatizar que o trabalho de produção textual se caracteriza pelo movimento de 
distanciamento do texto e de retorno a ele, representando, nessa medida, a pos-
sibilidade de a criança se colocar simultaneamente no lugar de quem escreve o 
texto e de quem o interpretará. É nesse movimento de mudança de papéis que 
ela passa a se constituir como autora de suas produções.
Ressaltamos a importância de que no processo de aquisição da escrita a criança esteja livre para 
realizar as reestruturações que julgue necessárias, retorne às suas produções, alterando-as e que 
essas reformulações percam o estatuto de manifestações de um deficit, para serem encaradas 
como um trabalho necessário ao se operar com a escrita. (BERBERIAN, 2003b, p. 34)
Entendemos, portanto, a reformulação não como autocorreção, mas como 
processo de ressignificação que implica cortes imprevisíveis e intermitentes do 
sujeito nos aspectos formais e semânticos do texto. Episódios de refacção visí-
veis na escrita das crianças (apagamentos, substituições, supressões, inserções 
e outras marcas semelhantes presentes nos textos) são dados que evidenciam 
momentos por vezes fugazes de uma percepção do autor em relação às suas 
escolhas e das implicações dessas no texto. Esses sinais de trabalho com o texto 
apontam para o fato do autor deslocar-se no interior do espaço dialógico, da po-
sição de escritor para a de leitor. Dessa maneira, a criança passa a desempenhar 
o papel de autoria de seus textos ao colocar-se no lugar de leitor de sua escrita e 
ao reelaborá-la a partir de supostas necessidades dos seus virtuais leitores.
Partindo dessa premissa, chamamos atenção para a importância do educa-
dor reconhecer o ato da reescrita como um momento privilegiado para a ação 
pedagógica. Ao incentivar, solicitar e compartilhar a reelaboração dos textos for-
mulados pelas crianças, o educador coloca tais crianças no lugar de quem pode 
e deve apropriar-se de seus textos, de quem não deve desistir de contar aquilo 
que tem para contar.
Nesse trabalho de partilhar com a criança a reelaboração de seus textos, o 
educador pode:
98
Psicogênese das Linguagens Oral e Escrita: Letramento e Inclusão
chamar atenção e interpretar aspectos de forma ou de significação lin- �
guísticas que, de alguma maneira, tenham adquirido saliência particular 
para a criança, provocando inquietações, para as quais ela, com a partici-
pação do educador, vai buscar soluções;
assumir o lugar de interlocutor/intérprete de seus textos, formulando �
questões que pudessem tornar visíveis à criança os efeitos de suas pro-
duções.
Permitir à criança o acesso imediato aos efeitos que seus textos provocam 
no leitor pode contribuir para que, com o tempo, ela passe a antecipar possíveis 
efeitos causados pelas suas produções e, portanto, a operar modificações, de 
forma mais consciente, sobre elas. Podemos notar que, a partir da prática de re-
estruturação textual, a criança passa a construir suas produções escritas preven-
do formulações imaginárias sobre as necessidades do(s) seu(s) interlocutor(es); 
a incorporar características específicas da escrita, bem como a atuar de forma 
ativa sobre a estrutura linguístico-discursiva.
A partir das considerações que enfatizam a importância da criança se cons-
tituir como autor de seus textos, devemos estar atentos para o fato de que as 
causas atribuídas aos problemas de elaboração do texto das chamadas crianças 
copistas, ou seja, daquelas que, preferencialmente, em vez de assumir o lugar 
de autoria, reproduzem frases e estruturas, são geralmente associadas à falta de 
ideias, de criatividade e a problemas de organização mental, ou seja, de dificul-
dades intrínsecas a elas.
É importante investigarmos como problemas dessa ordem não refletem limi-
tações próprias das crianças, mas as experiências de crianças que estiveram sub-
metidas a produções controladas e censuradas. Diferentemente das operações 
vivenciadas no seu processo de aquisição da oralidade, ou seja, tentar, pergun-
tar, comparar, reformular, as crianças são, muitas vezes, impedidas de escrever o 
que quiserem da forma como sabem, de serem autoras de suas produções.
Aquisição da linguagem escrita: autoria e reescrita
99
Texto complementar
Pais, filhos e letramento: ressignificação de histórias 
de leitura e escrita no contexto da fonoaudiologia
(BERBERIAN; MASSI, 2006, p. 45-50)
O outro na construção da escrita
Tendo em vista que nosso estudo está voltado para o processo de apro-
priação da escrita e considerando a perspectiva teórico-metodológica adota-
da, cabe evidenciar que entendemos que a aprendizagem/domínio da escrita 
se dá na interação verbal, na atividade dialógica. Nessa medida, a perspectiva 
dialógica, que norteia a compreensão da natureza e dos determinantes so-
ciais envolvidos com os relatos e as narrativas, encontra-se em consonância 
com a perspectiva interacionista proposta pela corrente sócio-histórica. Essa 
corrente, afastada de uma noção mecanicista que converte a linguagem em 
um simples veículo de informações, nos leva a resgatar, no espaço da inter-
locução, o papel do homem que, como um ser histórico e cultural, é sujeito e 
autor das transformações sociais, na medida em que se constitui a partir do 
fenômeno linguístico.
Assim, entendendo que não existem enunciados neutros, tampouco sig-
nificação monológica isolada, podemos afirmar que, no processo dialógico 
– o qual circunscreve a existência humana –, a apropriação da escrita pres-
supõe, invariavelmente, a possibilidade de significar. Nesse processo, ao nos 
aproximarmos do entendimento de que o discurso liberta o sujeito de sua 
condição de mero organismo abstrato, ou seja, de sua condição de objeto, 
ressaltamos a necessidade de situar o sujeito-aprendiz em uma dimensão 
histórica e social. Questões referentes a aprendizagem da escrita anunciam 
uma perspectiva que não se resume ao desenvolvimento orgânico, mas que 
compreende o próprio universo de representações da consciência marcadas 
pela intersubjetividade. 
100
Psicogênese das Linguagens Oral e Escrita: Letramento e Inclusão
Conforme Pan (1995), é preciso romper com abordagens que enfoquem 
as relações gramaticais e impessoais, tendo em vista que apenas as relações 
entre enunciados – dotados de autor e destino – podem apreender o sujeito 
que fala, que escreve e, assim, depreender o encontro da linguagem com a 
vida. Nos termos de Bakhtin (1992b, p. 282): “a língua penetra na vida através 
dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enuncia-
dos concretos que a vida penetra na língua”. Por isso, pelo seu caráter inter-
subjetivo, o enunciado verbal não se limita ao indivíduo que o expressa, mas 
pertence também ao seu grupo social. Como já discutimos em trabalhos 
anteriores (BERBERIAN, 2003; MASSI, 2004), em consonância com estudos 
realizados por grupos de fonoaudiólogos (DAUDEN & ANGELIS, 1997, 2002), 
problemas relativos ao desenvolvimento e domínio da linguagem escrita, 
apresentados por crianças que buscam atendimento clínico fonoaudiológi-
co, dizem respeito à relação restrita e negativa que parcela significativa da 
população brasileira estabelece com essa modalidade de linguagem.
A exemplo de tal literatura, consideramos que uma certa forma de operar 
e dese relacionar com a linguagem escrita, marcada pelo desinteresse em 
torno das atividades de leitura e de escrita, pelo desconhecimento acerca de 
suas funções, bem como por sentimentos de frustrações e inseguranças, re-
presenta problemas sociais a serem superados, uma vez que implica formas 
restritas de inserção social.
Evidenciando a dimensão social de tal problemática, chamamos a aten-
ção para o fato de que, em nossa sociedade, apesar de o acesso a determi-
nadas experiências, conhecimentos e posições sociais estar diretamente en-
volvido com o domínio da linguagem escrita, parte expressiva da população 
não vive em estado ou condição de quem sabe ler e escrever, pois não se 
apropria plenamente das práticas sociais de leitura e de escrita (KLEIMAN, 
1995; TFOUNI, 2000; SOARES, 2003).
De acordo com dados do Índice Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf ), 
divulgados em 2001, além dos 9% de analfabetos, somente 26% da popula-
ção brasileira conseguem ler textos longos, relacionando as diversas partes 
desses textos, compreendendo o conteúdo deles e fazendo inferências (RI-
BEIRO, 2004).
Esse quadro denuncia a necessidade de desenvolvermos estudos que 
analisem não só as relações que as crianças em atendimento clínico-fono-
audiológico estabelecem com a escrita, mas também aquelas estabelecidas 
Aquisição da linguagem escrita: autoria e reescrita
101
por familiares e educadores envolvidos nos processos de aprendizagem de 
tais crianças. Em outros termos, salientamos a urgência de refletir sobre o 
contexto da clínica fonoaudiológica, sem deixar de lado o entendimento 
de que as práticas constituídas e intermediadas pela linguagem, vivencia-
das social e individualmente, têm papel fundamental nas possibilidades ou 
impossibilidades de aquisição e domínio da escrita pela criança. Considera-
mos essencial a análise de como tais práticas interferem na configuração dos 
chamados distúrbios de leitura e escrita e, portanto, da queixa que gera a 
demanda pelo atendimento fonoaudiológico.
Partimos do pressuposto de que a apropriação da linguagem escrita ou 
o processo de letramento da criança, aqui entendidos como estado ou con-
dição da criança em relação à apropriação das práticas sociais de leitura e 
escrita, depende do grau de letramento das instituições familiar e escolar a 
que pertence, da maneira como as práticas de leitura e escrita estão presen-
tes em seu cotidiano (ROJO, 1998). 
Os sentidos atribuidos às experiências e práticas de leitura e escrita pelos 
adultos que fazem parte da vida da criança, bem como os diferentes modos 
de sua participação em tais experiências são determinantes na relação que a 
criança constrói com essa modalidade de linguagem. Discorrendo a respeito 
da estreita vinculação entre o desenvolvimento da escrita por parte da crian-
ça e o grau de letramento da família e da instituição escolar, enfatizamos que 
o acesso da criança ao material escrito não implica, necessariamente, domínio 
dessa modalidade de linguagem. Conforme Rojo (1998), consideramos que: 
Os recortes e interpretações que o outro realiza sobre o objeto escrito são também 
muito variados e bastante dependentes de suas próprias (e variadas) concepções sobre 
a linguagem escrita e as atividades que se articulam em torno desse objeto. Ou seja: é de 
diferentes lugares e com diferentes recortes que o outro da cultura foca este objeto — a 
escrita — e são esses diferentes lugares e recortes (diferentes modos de agir) que vão 
sendo incorporados pela criança, que, por sua vez, ela também, passa a poder ocupá-los 
e realizá-los como sujeito letrado. 
Dessa forma, entendemos que a qualidade, a frequência e a natureza das 
relações estabelecidas entre os adultos e a criança, mediadas de alguma 
forma pela escrita, podem incorrer, ou não, no reconhecimento e na vivência 
dessa modalidade de linguagem como elemento constitutivo dos vínculos e 
papéis sociais. A natureza de tais relações depende das práticas e dos valores 
que os adultos, que fazem parte da vida da criança, estabelecem com essa 
modalidade de linguagem. Portanto, a avaliação das condições de produção 
da criança deve considerar as condições de letramento de tais adultos. 
102
Psicogênese das Linguagens Oral e Escrita: Letramento e Inclusão
Discutindo o papel do adulto no processo de aquisição da escrita, Rojo 
(1998) e Mayrink-Sabinson (1998) atribuem a ele a função de intérprete e de 
co-construtor desse processo: 
É ele quem atribui intenções e interesses à criança, orienta sua atenção para os aspectos da 
escrita, recortando-a com o seu gesto e sua fala, tornando-a significativa. O modo de falar 
sobre a escrita, as práticas discursivas do adulto, recortadas e incorporadas pela criança, são, 
por sua vez, retornadas e incorporadas pelo adulto, num jogo muito mais dinâmico que 
supõe o elemento letrado como “informante sobre a escrita” e o elemento não letrado como 
aquele que, a partir da informação recebida, vai construir sozinho, dependendo apenas 
do seu sistema assimilatório já construído, um conhecimento sobre a escrita. (MAYRINK-
SABINSON, 1998, p. 111) 
Nesse ponto, ressaltamos a influência da natureza das relações entre 
adulto/criança/escrita, ainda que estabeleci – das, prioritariamente, pela ora-
lidade, nos processos de apropriação da escrita. Afinal, as experiências com 
a oralidade participam de forma decisiva nesse processo, pois determinam a 
constituição da criança como sujeito do discurso, condição para o domínio 
da própria oralidade e da escrita. 
É na linguagem que, de acordo com Franchi (1987, p. 12), “se produz, do 
modo mais admirável, o processo dialético entre o que resulta da interação 
e o que resulta da atividade do sujeito na constituição dos sistemas linguís-
ticos, as línguas naturais de que nos servimos”. É na linguagem, conforme 
continua o autor, 
[...] que se “dicionariza” o significado dos elementos lexicais, que as expressões se 
conformam a princípios e regras de construção, que se organizam os sistemas de 
representação de que se servem os falantes para interpretar essas expressões, que se 
estabelecem as coordenadas que permitem relacionar essas expressões a determinadas 
situações de fato. 
Em consonância com a concepção de linguagem proposta por Franchi 
(1987), salientamos que a aquisição da escrita não pode ser entendida como 
a emergência de um sistema linguístico predeterminado ou de um modelo 
que se reproduz. Antes disso, tal aquisição constitui um processo conjunto 
de construção de objetos linguísticos envolvendo o jogo dialógico, a utiliza-
ção do interlocutor como base para parâmetros de uso e de estruturação da 
escrita, a construção conjunta da significação. 
Aquisição da linguagem escrita: autoria e reescrita
103
Ressignificando histórias de vida 
em torno da leitura e escrita 
Os relatos das mães das crianças, sujeitos de nossa pesquisa, foram ela-
borados com base nos diálogos com as pesquisadoras motivados por ques-
tionamentos acerca das relações estabelecidas com a linguagem escrita ao 
longo de suas vidas. O modo como experiências vivenciadas em períodos di-
ferentes (infância, adolescência ou a fase adulta) foram relatadas evidências 
como o tempo subjetivo não segue uma sequência cronológica, tampouco 
obedece a uma sucessão progressiva de fases estanques. As vivências rela-
tadas pelas mães se articulam, se sobrepõem, delineando uma simultanei-
dade de tempos em que marcas se inscrevem na história dos sujeitos com a 
linguagem escrita.
O fato de os episódios terem sido relatados sem seguir uma ordem cro-
nológica nos revela que a condição atual de tais sujeitos com a linguagem 
escrita só pode ser significada e reconhecida na medida em que é visada 
pelo passado. Ou seja: as consciências de tais sujeitos são objeto de uma 
construção cujo tempo não é homogêneo e linear, mas um tempo em que a 
históriase faz presente, permanentemente. 
Essa heterogeneidade de tempos e sentidos pode ser entendida, com 
base em postulados de Bakhtin (1992a), como definidora da enunciação 
como um campo de tensão de forças antagônicas. Para o autor, o enunciado 
está sempre saturado de sentidos que são delineados social e historicamen-
te. Assim, os discursos são compreendidos como processos de significação 
em permanente conformação, nos quais transitam vozes formuladas em di-
ferentes períodos e por diferentes grupos sociais.
Se, conforme postula Bakhtin (1992a), os enunciados, como atos singula-
res, emergem do universo de valores em que o sujeito socialmente se situa, 
os seus sentidos se realizam a partir de uma atitude valorativa por parte da-
queles a quem eles se destinam. Tal compreensão nos leva a reconhecer que 
o papel do pesquisador, ao formular suas análises – aqui acerca das narrati-
vas das mães –, é inevitavelmente o de assumir uma posição capaz de atri-
buir sentido a respeito de um determinado estado de coisas. 
104
Psicogênese das Linguagens Oral e Escrita: Letramento e Inclusão
Dica de estudo
A Língua Absolvida � , de Elias Canetti, Editora Companhia das Letras. 
 Prêmio Nobel de Literatura de 1981, Elias Canneti narra sua infância e ado-
lescência na Bulgária, seu país de origem, e em outros países da Europa 
para onde foi obrigado a se deslocar, seja por razões familiares, seja pelas 
vicissitudes da Primeira Guerra Mundial. No entanto, mais do que um sim-
ples livro de memórias, A Língua Absolvida é a descrição do descobrimen-
to do mundo, através da linguagem e da literatura, por um dos maiores 
escritores contemporâneos.
Atividades
1. A partir dos referenciais abordados na aula, destaque, pelo menos dois prin-
cípios norteadores do conceito de “autoria” do texto escrito. 
Aquisição da linguagem escrita: autoria e reescrita
105
2. No trabalho de partilhar com a criança a reelaboração de seus textos, quais 
condutas cabe ao educador?

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