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FLF0503 Estética IV - Prof. Dr. Marco Aurélio Werle Nome: Dimas Moreno S. de Siqueira – RA 9746871 Avaliação final do curso: “Dissertação sobre a estética de Hegel”. A finalidade da arte em Hegel. A fim de encontrar o verdadeiro conceito da obra de arte, Hegel apresenta a finalidade da arte em três movimentos. O primeiro deles trata do belo natural, questão muito importante para a época de Hegel, pois alguns autores como Schelling e Herder entendiam o belo natural como matéria principal da bela arte, diferentemente de Hegel. No segundo movimento, Hegel descreve o impacto que a verdadeira arte causa a quem, de certa forma, se relaciona com uma obra de arte. Por fim, o autor mostra a importância primordial da filosofia para uma reflexão que conduz ao verdadeiro conceito da arte. Para Hegel a beleza artística supera a beleza natural, uma vez que a beleza artística tem sua origem no espírito e realiza a sua função livremente. Quanto mais espírito for atribuído a uma obra, mais bela e superior à beleza natural ela será. Enquanto a beleza natural barra em alguns limites materiais, por exemplo, a bela árvore que, mesmo que possua uma forma diferenciada e cores belas, materialmente ela terá as mesmas características de todas as árvores, enquanto, para um artista, uma árvore poderá ser constituída de qualquer material, possuir qualquer forma e cor, devido ao seu conteúdo advindo do espírito. Para Hegel, mesmo ideias ruins podem ser superiores à beleza natural, pois até mesmo elas advêm do espírito e da liberdade. Cito Hegel: “[…] mas no espírito em geral e sobretudo na imaginação parece que, em comparação com a natureza, reside claramente o arbítrio e o desregramento, o que por si só impede qualquer fundamentação científica”. (Cursos de estética Vol. I, pag. 31). O que Hegel parece nos mostra é que a finalidade da arte não está na utilização de métodos e conceitos lógicos e científicos, ou até mesmo reproduzir objetos da natureza nas obras, ou seja, para uma obra ser bela não depende do quanto ela se parece tecnicamente com um objeto do mundo. Mesmo que o artista alcance alto nível de desempenho e consiga atribuir todas as características do objeto real à obra, chegando ao ponto de confundir um animal, fazendo-o interagir com o desenho de uma fruta ou inseto de uma pintura, como se fossem reais, como macacos e pombos interagiram com obras, conforme exemplos expostos pelo autor (Cursos de estética Vol. I, pag. 62). Tais obras seriam dispensáveis no que se refere a bela arte, pois não possuem aquilo o que é imprescindível para ela, espírito. Uma obra de arte que imite perfeitamente a natureza seria, até mesmo, inferior a própria realidade, simplesmente pelos limites dos meios de exposição, visto que tais obras seriam apenas representações incompletas da natureza, não conseguindo abranger o conteúdo total. Do mesmo modo ocorre quando comparamos uma obra sonora que imita perfeitamente sons da natureza, como o canto de pássaros ou sons da chuva e dos ventos, por exemplo. Por mais perfeito que um homem venha a reproduzi-los, tal imitação nunca alcançaria a grandiosidade de uma obra arte feita com espírito. “As quatro estações” de Vivaldi, por exemplo, é uma obra em que o músico descreve a passagem de cada uma das quatro estações do ano e consegue retratar episódios, como a chegada da primavera, o canto dos pássaros, trovões, entre outras coisas, porém, não como sons imitativamente reproduzidos, mas representados em movimentos simbólicos de sons que causam no ouvinte, não o reconhecimento de um som duplicado ou copiado do mundo, mas uma infinidade de sensações e sentimentos que transcendem a própria natureza. Quando, por outro lado, uma mera imitação de sons pode deixar o ouvinte entediado depois de um certo tempo, tornando tal imitação inferior ao próprio som natural. Claro que a natureza não só não é totalmente descartada, como exerce importante função nas artes. Conforme exposto por Hegel, a pintura e a escultura produzem obras que se originam a partir da natureza e necessariamente são baseadas em certas características naturais do mundo para serem realizadas, cito Hegel: “[…] um estudo importante consiste em conhecer detalhadamente e imitar as cores em suas mútuas relações, os efeitos de luz, reflexos e assim por diante, como também nas Formas e formas dos objetos até em suas mínimas nuanças.” (Cursos de estética Vol. I, pag. 65). De toda forma, fica evidenciado que não é a natureza, unicamente, que constitui a bela arte, portanto, uma determinada obra não necessita fundamentalmente ser espelhada em um objeto da natureza. Sendo assim, a finalidade da arte não se encontra em fenômenos exteriores, mas no espírito do artista, que possui o conteúdo derivado do mundo, mas não o reproduz copiosamente. O segundo ponto da investigação, consequentemente, está no conteúdo do espírito a ser representado, e por que ele deve ser representado. Hegel, neste momento, de maneira simples, porém grandiosa, demonstra que a arte tem por finalidade estimular ou sacudir o espírito humano, de tirar o sujeito de sua confortável zona de repouso. No meu entender, a bela arte tem a capacidade e talvez o dever de trazer a tona os sentimentos existentes em nosso espírito, até mesmo os adormecidos ou nunca visitados. A única maneira que encontrei de descrever tal passagem foi utilizando alguns dos mesmos verbos empregados por Hegel para demonstrar a potencialidade da arte, quando de sua relação com o sujeito, assim seguem: “despertar”, “avivar”, “encher”, “permitir”, “experimentar”, “produzir”, “mover”, “excitar”, “oferecer”, “tornar”, “ensinar”, “conhecer”, “deixar”, “alcançar”, “alegrar”, “afligir”, “comover”, “abalar”. (Cursos de estética Vol. I, pag. 66). O que Hegel parece demonstrar é que a verdadeira arte tem a capacidade de produzir um encontro do sujeito para com o seu interior mais íntimo, podendo ser até uma parte desconhecida pelo sujeito, de sentimentos e estímulos, através do contato com uma obra externa, não necessitando ser uma situação real, mas simplesmente através de uma representação ilusória da obra que tem a mesma eficiência de uma experiência efetiva, seja ela positiva ou negativa, cito Hegel: “Este despertar de todos os sentimentos em nós, a passagem de nosso ânimo por todos os conteúdos da vida e a efetivação de todos estes movimentos interiores por meio de uma presença exterior apenas ilusória é o que principalmente se considera neste contexto como o poder peculiar e característico da arte.” (Cursos de estética Vol. I, pag. 67). Ao atribuir à arte a função de ascender ou induzir sentimentos, bons ou ruins, encarrega-a de cumprir tal tarefa, à designando uma tarefa formal. Contudo, ao cumprir sua tarefa, a arte estimula tanto sentimentos quanto paixões, que são entendidas como forças opostas. Os sentimentos identificam-se, de certa forma, com o lado mais racional do sujeito, pois estamos falando da capacidade de se comover, se impressionar, se emocionar por um fato ou uma situação, que logicamente faz sentindo em nosso raciocínio, comovendo-nos positiva ou negativamente, por exemplo: alegria, pela conquista de algo; compaixão, por um infortúnio de outrem, etc.. Já as paixões estão ligadas a parte irracional do homem, natural e instintiva, ou seja, um entusiamo intenso ou um próprio sentimento, porém demasiado, que se torna inexplicável e incontrolável. Desse modo, vê-se a necessidade de uma finalidade ainda maior para a arte, não podendo ser somente cumprimento dessa tarefa singular, que desperta e colide sentimentosopostos no interior das pessoas, mas a busca de uma finalidade primordial e última, mais abrangente e elevada, que possa atingir e transformar, em seu ápice, até mesmo, sociedades. Porém, antes seria necessário a superação daqueles sentimentos hostis que levam as pessoas à caminhos distorcidos e singulares e os façam traçar uma rota comum a uma finalidade superior e universal. Hegel fala em um “lado peculiar da arte” (Cursos de estética Vol. I, pag. 68), capaz de domar sentimentos brutos e as paixões. Para o autor os sentimentos brutos e as paixões estão ligados ao lado egoísta do homem, que toma conta das pessoas e as impossibilita de superá-los por si. Fico imaginando se, para a construção do que é tida como a maior e mais misteriosa obra já feita pela humanidade, as pirâmides do Egito, não tivessem sido reunidos esforços de uma nação inteira em prol de uma finalidade, diante de inúmeras e diferentes paixões e interesses egoístas; pois, se não tivessem conseguido unir os desejos, interesses e esforços à algo tão superior, talvez nunca teria sido possível tais construções milenares, naquele ou em outro tempo. O homem, sem a arte, acaba por ficar preso em seu interior simplesmente por desconhecer suas emoções e sensações, devido a uma atitude individualista, que pode se transformar em uma violência grosseira e muitas vezes em incontroláveis atitudes, devido a ignorância por fechar os olhos para seu próprio eu. Conforme exposto anteriormente, a arte tem a capacidade de expor ao homem tais sentimentos brutos e suas paixões, e uma vez que o sujeito, tomado por paixões consegue compreender tais emoções, ele conseguirá amenizá-las e entender a si mesmo, como um movimento de libertação. Sabendo que a arte é um meio de acesso a tal natureza primitiva, a filosofia pode superar ou ajudar a compreender essas paixões exteriorizadas e colocá-las face a face ao sujeito, mostrando que eles, mesmo que façam parte de si, podem ser compreendidos e suavizados através da razão, da reflexão e até mesmo da manifestação ou de certa catarse. Cito Hegel: “Disso se deduz de modo totalmente consequente a segunda determinação que se estabeleceu para a arte como sua finalidade essencial, a saber, a purificação das paixões, a instrução e o aperfeiçoamento moral.” (Cursos de estética I, pg. 69). Deve haver uma separação do puro e impuro das paixões e isso dependerá da dignidade da representação artística, pois a obra deve também instruir moralmente, de acordo com seu conteúdo, transcendendo as fronteiras do tempo e do espaço, como por exemplo, Shakespeare em Hamlet ou Macbeth, entre outras obras e autores clássicos, que permanecem vivas ao longo dos séculos, comovendo e contribuindo para a educação moral em qualquer sociedade em que tais palavras sejam traduzidas, em qualquer tempo. Cito Hegel: “Tratando-se de fato de uma finalidade universal e não contingente, este fim último, junto à espiritualidade essencial da arte, apenas pode ser ele mesmo espiritual […]. Em relação a instrução, esta finalidade somente poderia consistir em tornar consciente por meio da obra de arte um Conteúdo espiritual e essencial em si e por si.” (Cursos de estética I, pg. 70). Hegel afirma ser um problema a arte ter como finalidade somente a instrução, pois isso a torna um mero objeto de exposição de conteúdo abstrato instrutivo e acaba deixando a Forma em segundo plano, fazendo com que a obra perca sua essência de agradar e gerar prazer, quando ela, em sua essência, deve ser exatamente a combinação entre Forma e conteúdo. Em vista disso, a arte deixa de ter como finalidade a instrução, e passa a ser meio para a instrução, devido a sua capacidade em purificar as paixões e causar a reflexão, uma vez que uma verdadeira obra de arte expõe uma questão moral, e que a moral é objeto da reflexão. A reflexão filosófica se faz necessária para que seja extraído o conteúdo moral, pois é sabido que no interior do sujeito existe o embate entre o dever do cumprimento do bem, ao se assegurar de que o bem a ser feito é realmente bom, moralmente, e, os interesses egoístas e pessoais movidos pelas paixões naturais da vontade. Um pode se sobressair ao outro, uma vez que, no mesmo interior existe a dualidade que resultará no aperfeiçoamento moral ou formação espiritual, cito Hegel: “Mas tal decisão e ação decorrente desta decisão somente serão morais segundo este ponto de vista quando, por um lado, emanarem da livre certeza do dever e, por outro lado, da vitória não apenas sobre a vontade particular, […] mas também sobre os sentimentos nobres e impulsos superiores.” (Cursos de estética I, pg. 72). Esse embate de forças opostas pode conduzir a consciência à qualquer um dos lados, seja na materialidade da vontade e das paixões mundanas ou ao reino abstrato do pensamento, que leva a consciência a uma longa jornada. Uma vez que o belo artístico revela, através de sua Forma sensível, o seu conteúdo verdadeiro, expondo suas forças e impulsionando a reflexão, ao se superar o momento reflexivo, é alcançado, o que Hegel chama de “unidade”, além de dar vida à própria filosofia. “Devemos apreender o conceito da arte em sua necessidade interna a partir do ponto de vista em que cessa a consideração reflexiva […]. Pois aquela contraposição mencionada anteriormente impôs-se não apenas no seio da formação da reflexão em geral, mas igualmente na filosofia enquanto tal, ela atingiu seu autêntico conceito como também o conceito da natureza e da arte. (Cursos de estética I, pg. 74). A bela arte, portanto, deve exprimir espírito, com Forma e conteúdo, e não com objetivo exterior, mas em si mesmo, ou seja, como Idéia absoluta, como a verdade suprema e livre, adornando e afetando quem se conecta à ela, instigando à reflexão. Contudo, quando voltamos a falar sobre a finalidade da arte, devemos então, nesse momento, entender que a arte não deve ser vista como um acessório útil que deve significar algo de maneira instrumental, mas possuir seu fim em si mesmo, e isso se dará na reconciliação da contraposição das forças geradas por ela mesma. Bibliografia: Hegel, G.W. F. - (Cursos de estética, vol. I, Ed. Edusp, tradução de Marco Aurélio Werle).
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