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ESTÉTICA E IMAGEM: ONDE RESIDE A BELEZA? Valdézia Pereira1 RESUMO Imagens visuais e as possibilidades de percepção: as imagens falam por si ou refletem o contexto cultural no qual foram produzidas? Eis a questão problema suscitada, cujo objetivo visa a identificar diferentes contextos históricos aliados à produção de imagens, sobretudo aquelas identificadas, na contemporaneidade, como obras de arte. Assim, busca-se, a partir das civilizações ocidentais da Antiguidade, verificar, por meio de processos históricos, não apenas a produção de monumentos visuais, bem como as primeiras reflexões sobre tal produção. A par de estruturas teóricas relacionadas às bases filosóficas herdadas dos gregos e, posteriormente, de diferentes teóricos, remete-se a pensar as diferentes concepções estéticas, que trazem à tona idéias e estruturas teóricas embasadas, sobremaneira, em Kant, Baumgarten, Hegel e Marx, autores discutidos e referenciados durante a pesquisa. Como objeto de estudo, mais do que dispor de uma base conceitual que permita definir beleza e estética, o que se busca é localizar tais conceitos à luz de questões históricas, sociais, políticas e ideológicas. Palavras-chave: Imagem. Beleza. Estética. 1. INTRODUÇÃO A dimensão estética não pode afastar-se das produções das imagens. A leitura de obras visuais à luz de critérios estéticos de determinadas imagens, consagradas pelo tempo imemorial, requer investigação teórica, capaz de conciliar forma/conteúdo, elemento material/imaterial, haja vista as imagens revelarem-se tanto sob as condições concretas (reais/materiais), bem como sob a dimensão dos diferentes saberes filosóficos e condições sócio-políticas, econômicas e ideológicas. Para Nunes (2000), a partir da segunda metade do século V a.C. começam, na Grécia, os questionamentos filosóficos sobre a essência e a realidade. Estaria em Platão, discípulo de Sócrates, em A república, um confronto filosófico 1 Professora da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Graduada em Artes e Direito. Especialista em Artes Plásticas: suportes científicos e práxis. Especialista em Direito Ambiental. Mestre em Teoria da Literatura. Doutora em Mídia e Conhecimento. decisivo entre arte e realidade. Considerando-se serem a pintura, a escultura e a arquitetura as formas artísticas visuais mais difundidas entre os gregos, coube ao filósofo relegá-las a um plano inferior à beleza e à própria verdade, visto o caráter ilusório dessas produções. Então, Platão tanto problematizou a existência, quanto a finalidade das artes. Neste sentido, elas acabam tornando-se objeto de investigação teórica. “É o pensamento racional que as interpela sobre o seu valor, sua razão de ser e seu lugar na existência humana” (NUNES, 2000, p. 8). O confronto da arte com a realidade, em Platão, terminou por depreciar aquela. Os valores morais da arte, para ele, sintetizam o equilíbrio da alma com o equilíbrio da vida social, mas a pintura e a escultura seduzem os indivíduos pela sua falsa beleza, desviando-os da contemplação intelectual do verdadeiro e do bem. Segundo D’Amaral (1984), o idealismo de Platão é a primeira forma de elaboração da metafísica, construído no contato direto com a sofística, e por isto reage extremamente a esta. A filosofia platônica concebe o real como ideal e condena o mundo sensível como ilusão, quando estabelece a forma extrema da supremacia do logos sobre a physis. Já o realismo aristotélico, segundo o autor, inverte a concepção platônica, retira da natureza do real o mundo ideal, “efetua uma realização da essência, uma objetivação da natureza que acaba concedendo à physis um peso relativo na sua oposição a logos” (D’AMARAL, 1984, p. 30). No entanto, reafirma o autor a prevalência do logos, visto que a verdade da essência é o seu conceito. Assim, a forma só ganha significado pela reflexão teórica, não por si só. Sobre a produção e a edificação das imagens na Grécia, não fica claro quem decidia o que fazer nem quem patrocinava a exposição dessas obras e a construção de todo um aparato físico e mítico sobre as imagens produzidas. Assim, se o artista, via de regra, era um trabalhador comum, não era este que, por meio de sua capacidade expressiva ou criadora, determinava e patrocinava o que deveria ser feito. Acredita-se que toda a construção da acrópole grega estava comprometida em trazer à tona valores mais morais que estéticos, mais ideológicos que transcendentes, mais encomendados que voluntários. Por se tratar de um momento histórico, como outro qualquer, em que o poder era/é imprescindível aos governantes, aliar o comportamento humano ao comportamento dos deuses por meio do espetáculo público (onde esses aparecem humanizados e os homens divinizados), favorecia a concretização de um espírito de harmonia e cumplicidade, ou seja, favorecia a crença numa certa legitimidade do povo. Todavia, também na Grécia democrática havia distinções de classes. Assim, a realidade não poderia aparecer nas mesmas condições para os ‘cegos’ de Platão e para aqueles que viam a ‘luz’. Então, parece ilusória a crença de que a arte grega corresponde ao ideal da cultura democrática, levada à valorização das ações humanas. Isto porque, acredita-se que os padrões de referência (políticos, ideológicos, estéticos e éticos) não eram os mesmos para um filósofo esclarecido, cujo ato específico de perceber é distanciado daquelas classes culturalmente menos favorecidas. Considerando-se essas questões históricas, determinantes não apenas da produção de imagens no ocidente, mas das discussões sobre as mesmas, buscar-se-á, no estudo proposto, refletir sobre a produção de imagens e sua vinculação com processos sociais e políticos, bem como diferentes entendimentos sobre a beleza e, posteriormente, sobre a estética, uma vez que não há que se negar a importância da percepção e da sensibilidade em discussões dessa natureza. Eis que a questão problema suscitada visa identificar se a imagens falam por si, ou se refletem o contexto cultural no qual foram produzidas, ou, ainda, se as duas instâncias: a imagem traz em si seus fundamentos, mas estes não se dão apartados de circunstâncias sociais concretas, respondem pela discussão em tela. 2. ESTÉTICA VERSUS BELEZA VERSUS IMAGEM Como a discussão em pauta é a estética, e esta relacionada a contextos culturais, resta saber, num primeiro momento, o que representa a beleza em diferentes momentos históricos. Sobre as relações entre poder, imagem e beleza, primeiramente cumpre salientar que, diferentemente do substantivo ‘estética’, que, para Duarte Jr. (1986, p. 8), designa hoje qualquer conjunto de idéias (filosóficas) com o qual se procede a uma análise, investigação ou especulação a respeito da arte e da beleza [...] dedicada a buscar sentidos e significados para aquela dimensão da vida na qual o homem experiência a beleza. Estética é a “ciência” da beleza. Beleza não é estética. “A experiência estética é a experiência que temos frente a um objeto ao senti-lo como belo” (DUARTE JÚNIOR, 1986, p. 9). Mas não é pacífico o entendimento de que a experiência estética seja necessariamente a experiência da beleza. Estaria, segundo Duarte, no entendimento de muitos autores, além da experiência da beleza, a do sublime e a do gracioso, embora a beleza, na experiência estética, seja a de maior valor. O certo é que a experiência da beleza está presente no cotidiano das pessoas, haja vista a atenção maior dada a objetos não meramente utilitários, cuja forma, aparência, na maioria das vezes, acaba por exercer certo fascínio, assim como se sobrepor à função. Contudo, quando se tenta decifrar o que viria a ser a beleza, apesar de todas as explicações teóricas, quer filosóficas, quer psicológicas ou sociológicas, entre outras, o que não se pode refutaré que há uma maneira de o homem se relacionar com o mundo, independentemente, segundo o autor em comento, dos ideais de perfeição formal buscados pela produção de imagens. Beleza, segundo ele, diz respeito não à qualidade dos objetos, mas à forma de como se relaciona com eles. “[...] A beleza, assim como a democracia, a justiça, a liberdade, o amor, etc. é, de certa forma, um conceito ‘ideal’, um horizonte em direção ao qual caminham os objetos particulares que são ‘belos’” (DUARTE JÚNIOR, 1986, p. 15). Não há, portanto, como se encarnar esses ideais universais por nenhum ato humano. O conceito de beleza é um ideal perseguido através das ações humanas, buscado nos objetos belos que são oferecidos no cotidiano. A grande questão que se coloca é saber o que faz com que determinado objeto seja considerado belo. Assim, entender a percepção da beleza leva a pensar que os sentimentos e as emoções humanas são por demais difíceis de serem determinados científica ou psicologicamente, pois, embora não sejam condições apenas inatas, o são, de certa forma, determinados culturalmente. Isto porque, se assim não fossem, homens de diferentes tempos e culturas distintas acabariam esboçando as mesmas reações diante de um mesmo objeto, indefinidamente. Portanto, decifrar os símbolos, dar significado às coisas, mais que os sentimentos, passa por uma relação cultural- histórica. Sensibilidade, indiferença, prazer e outras reações ante as imagens e coisas acabam resultando de um processo de formação cultural. Senão, haveria que se comprovar a existência do “gene” da sensibilidade, da percepção acurada. Mas, a grande questão reside em saber onde encontrar a beleza nas coisas. Para Duarte Jr. (1986), a beleza habita a relação que um sujeito mantém com um objeto. Contudo, nem todos os objetos são capazes de suscitar no homem o sentimento da beleza. Ora, há que se reconhecer que o objeto, para despertar o sentimento da beleza, deve se apropriar dos sentimentos humanos. Assim sendo, poder-se-ia inferir que o objeto “fala” por si. Mas existem sentimentos contrários à beleza. Se a arte é, de certa maneira, um símbolo dos sentimentos, como ficam esses sentimentos análogos àqueles que dão prazer? Enquanto a expressão, como quer Duarte Jr., não nasce de nenhuma convenção, a exemplo dos demais símbolos, a arte seria um quase símbolo. Por isso, a obra, a imagem artística, impossibilitaria que se descrevesse ou narrasse o que ela quer realmente dizer, haja vista, pelo entendimento do autor, estar mais próxima à expressão. O seu sentido está em si mesma. Ela é inteira um código expressivo. Ainda assim, para ser bela, ela teria que se fazer bela diante do observador. Então, entender que a arte possui um sentido em si mesma, que é expressão de sentimentos, não permite, ainda, relacioná-la com o sentido da beleza. Isto porque, não há beleza apenas nos sentimentos expressivos na arte. Há beleza na natureza, nas relações cordiais, entre outros. Ou seja, entender a arte apenas como expressão de sentimentos requer que se entenda a expressão desprovida de sua relação com o circunstancial, com o histórico, e a beleza como uma condição inerente apenas à expressão. Esta noção de beleza defendida por Duarte Jr. (1986) contrapõe-se ao sentido da beleza atribuída pelos filósofos gregos, mormente quando defendem o caráter pedagógico da produção de imagens artísticas. Assim, entender a beleza sem relação com a história ou com as próprias motivações de sentir-se desta e não daquela maneira, seria o mesmo que desconsiderar que a existência é permeada, antes de tudo, por relações sociais. Por isso, se para os gregos clássicos o sentido formal, o equilíbrio, a proporção, a simetria representaram, aliados aos aspectos moralizantes, o supra sumo para as artes, especificamente para as imagens, dado o caráter idealizado da maioria dessas produções, durante a Idade Média a idéia de beleza será conduzida, essencialmente, pela noção de Deus, difundida pelo Cristianismo. Portanto, se para os gregos o corpo era o condutor, emissário da beleza, para essa nova civilização será a alma que deverá equivaler à revelação iconográfica do espírito cristão. Daí a estética medieval privilegiar a representação em direção a verdades espirituais. As imagens passam a revelar símbolos espirituais, sobretudo nas pinturas bizantinas. São os olhos de Cristo (grandes e atentos), que a tudo vê. Assim são as mãos desproporcionais, sempre capazes de indicar o caminho certo, e não mais o corpo atlético, o movimento sóbrio da escultura grega. Na Idade Média, do poder clerical e feudal, as imagens repercutem como meio de acomodação ante os dogmas propagados e imageticamente representados. Impossível discutir a presença do Deus onipotente. Eis aí o fundamento único da produção de imagens até então discutidos; uma finalidade pragmática obtida pelos meios estéticos. É possível olhar e ver aquilo que consola, que ameaça, que comanda, mas agrada, posto que carregado de cores e formas simbólicas ou realistas; e convence, já que conduzidas a partir de uma doutrinação constante. Mas ainda não se conseguiu referenciar a beleza como algo que tenha uma origem, um desenvolvimento. Isto porque, a exemplo da justiça, da liberdade e da democracia, acredita-se que a beleza é uma invenção humana, uma utopia. Ora, se Platão preferiu refugiá-la num mundo supra-sensível, é justamente por se tratar de uma criação invisível, indizível. Certamente, a exemplo da justiça, é uma criação humana também como esta, necessária às relações humanas. Contudo, enquanto o sentido da justiça parece mais apropriado, haja vista estar mais arraigado na manutenção do mundo sensível, a beleza, ao contrário, desvinculou-se da ética e flutua num universo de indefinições teóricas, sem, contudo, perder o seu valor, a sua importância para o sentido humano. Tal sentido afigura-se numa relação histórica, pois se articula em diferentes contextos culturais, mantendo certas qualidades e adquirindo outras. Da mesma forma que o sentido de liberdade, de justiça, a beleza acaba ajustando-se a circunstâncias temporais, permitindo-se resguardar certas ‘qualidades’, que parecem, hoje, já inerentes a ela. Assim, não se estaria a discutir célebres teorias sobre tais conceitos universais, mas inferindo-lhes um ‘sentimento’ pessoal. A beleza, fundamental para o poeta, é produto das relações humanas. Vivenciá-la acabou por tornar-se indispensável ao homem culturalmente estabelecido, naturalmente satisfeito de suas necessidades primárias e, modernamente, associada a meros produtos de consumo, visando à propagação de necessidades artificiais. Estaria a beleza incorporada às sociedades de consumo? Certamente. Historicamente, recorrendo-se ao processo em que se dão as transformações estéticas, chega-se ao Renascimento, onde, concretamente, há a união entre a teoria do belo com as artes. Isto levou Leonardo da Vinci a buscar na natureza a fonte de toda a beleza a que a arte deve sujeitar-se, para poder gerar a beleza artística. E, com efeito, a ordem racional renascentista, submetida à natureza, era apenas formal, pois as imagens realistas pouco transpunham as barreiras ideológicas da fé cristã, das representações de reis, de paisagens agradáveis, de um mundo político e social mais próximo às elites dominantes que aos princípios políticos e científicos que tal civilização buscou construir. A beleza, aí, residia na capacidade de, a exemplo dos gregos, transpor para as relações sociais, para a cultura, as feições naturais do mundo circundante. Nesse momento histórico, as tradições religiosas e o poder clerical e aristocrático dividiam o seu primado com uma classe emergente: a burguesia. Estariam a arte ou as imagens do Renascimento apenas buscando novos ideais estéticos, ou, aliadas às transformações formais; estariam a propor uma concepçãomais concreta da vida, sobremaneira da valorização dos bens materiais? Acredita- se ter-se reinventado a beleza neste contexto histórico, haja vista que o sentimento do olhar medieval não tardaria a dar lugar a um outro belo – material, formal, rigorosamente técnico. Quem seriam os ‘novos’ produtores e consumidores de arte, do belo? Certamente, a Igreja, por um determinado tempo, continuará a valer-se destes objetos. Mas alia-se ao caráter religioso o caráter profano nas artes. Alia-se às encomendas religiosas a feitura de obras para uma nova clientela: a aristocracia e, posteriormente, a burguesia. Indiscutíveis as transformações formais, a nova condição social do artista. Discutível é acreditar que a arte (as imagens) passaria a priorizar o realismo, a busca da perfeição, a redefinição temática, sem que para tanto fosse avalizada e aceita pelos seus patrocinadores. A beleza, naquele contexto, também tinha seu preço. A par de tais considerações, chega-se ao século XVIII e, com Baumgarten, entender como surgiu a Estética (ou teoria das Artes Liberais) como a ciência do belo e da arte. A partir de Baumgarten, a perspectiva do belo como domínio da sensibilidade, relacionada à percepção, aos sentimentos e à imaginação, foi incorporada a essa disciplina. Sua Estética, segundo Nunes (2000), inspirou-se na idéia de que a beleza e seu reflexo nas artes representam uma espécie de conhecimento relacionado à sensibilidade de cada um, que, para o autor, trata-se de um conhecimento inferior ao racional. Estaria, a partir de Baumgarten, o belo a ser identificado como “a perfeição do conhecimento sensível” (NUNES, 2000, p. 13). Sensibilidade é, pois, a característica última do belo. Mas, afinal, quais fatores determinam ‘sensibilidades’? Ora, discute-se, neste momento, a sensibilidade como condição natural do homem. Isto leva a pensar que ser sensível é ser geneticamente formado para tanto. Assim, trata-se de um tema propício a discussões infindáveis. A beleza, vista sob a ótica da sensibilidade, não da razão, a isentaria das relações políticas, econômicas, morais. Mas pensa-se que, ao contrário, se assim ocorre com a percepção sobre o belo (desvincular-se da razão), também ocorreria com outras ações humanas, que nada têm a ver com a beleza (como o sentido da justiça), quando, movidos por sentimentos imediatos, impulsos, acaba o homem a ‘defender-se’ de uma ação injusta, intuitivamente, mas conhecendo, historicamente, o que é justo ou não nas suas relações sociais. Então, não estaria já alicerçado em sua ‘mente’ o que viria a ser ‘justo’ ou ‘injusto’? Assim, também sentir, ver a beleza não prescinde de conhecimentos internalizados sobre o que seja belo. No entanto, ainda resta saber como atingir essa satisfação com o belo. Ou seja, estando ou não a beleza relacionada com a razão, qual a finalidade em se produzir objetos ditos ‘belos’: belas imagens em determinadas sociedades? Certamente, nas relações com a política, nas relações de classe, as impressões primeiras, quando não refletidas, podem perfeitamente beneficiar alguém. Apartados os efeitos em que se darão tais relações (com o belo e com a política), parece haver um entendimento filosófico que somente o sentido do belo permanecerá no mundo da percepção imediata, enquanto que outros conceitos, tão utópicos quanto este, permitem-se transmutar para o racional. Mas o belo, na medida em que se reveste de certas qualidades que se vão somando com o processo humano, é tão passível a um entendimento racional quanto a justiça. Então, reflita-se: quando alguém vê o belo, o vê pela ótica do seu tempo, da sua formação cultural, dos seus sentidos. Portanto, o que é belo aos seus olhos, não parece aos olhos de outros (dependente de outra formação cultural, pertencente a outra classe social). Como isso, tanto se pode vivenciar o belo desinteressadamente, quanto vir a percebê-lo, racionalizando-o. Tudo depende de processos culturais. Então, entende-se que a beleza é tão determinada socialmente quanto a justiça. Então, se o belo está na órbita dos sentimentos, estes também são mutáveis, e não são imunes às relações sociais. Portanto, pensá-lo distintamente de outros conceitos, também inatingíveis, significa dotá-lo de peculiaridades primitivas e inatas, deslocando-o do mundo do conhecimento. Sobre a estética, abordam-se, ainda, algumas considerações pertinentes, sobretudo a partir do pensamento moderno. Talvez resida aí seu caráter mais obscuro que esclarecedor. Parte-se de Kant, de sua Crítica do juízo, obra na qual o mesmo estabeleceu a autonomia do belo, considerado objeto do conhecimento inferior por Baumgarten. Para tanto, admite. três modalidades de experiência: a cognoscitiva (do conhecimento intelectual propriamente dito), inseparável dos conhecimentos, mediante os quais formamos idéias das coisas e de suas relações; a prática, relativa aos fins morais que procuramos atingir na vida; e a experiência estética, fundamentada na intuição ou no sentimento dos objetos que nos satisfazem, independentemente da natureza real que possuem (KANT apud NUNES, 2000 p. 13). Para Kant, segundo D’Amaral (1984), estaria nos objetos provocarem por si mesmos o espírito, independentemente dos interesses práticos da vida. Trata-se do que Kant irá chamar atitude contemplativa, desinteressada. Em Kant, a autonomia do estético atinge sua plenitude conceitual por meio da Crítica do juízo, considerada pelo autor em comento, como o primeiro tratado teórico-positivo na direção do reforço do autonomismo (entendido, grosso modo, como a obra que ‘fala por si’). Entende, neste sentido, que o belo dá prazer; já o bom, está dirigido a certos fins que faltam ao agradável e ao belo. Enquanto o bom só afeta a alma racional, o gosto é simplesmente contemplativo. Portanto, dos três tipos de deleite apresentados por Kant (o belo, o bom e o agradável), só o gosto pela beleza é desinteressado e livre. Esta é a matriz do pensamento autonomista apresentado por Kant e discutido por D’Amaral (1984). Ante tal entendimento das discussões filosóficas sobre o objeto artístico, destaca-se que o século XIX vive a descoberta da História. Isto, para D’Amaral (1984, p. 55), significa que o solo do saber e do fazer passa a perseguir a origem, a indagação das mudanças que inquietam o homem e suas relações com o meio em que vive. O homem já não se satisfaz com o conceito na sua capacidade de representar as coisas, nem em outras formas de representar bens, tampouco na palavra para representar as idéias, mas quer a história das idéias, a gramática histórica, a economia, a política, enfim, a ‘biologia historiando a vida. Para o autor em comento, trata-se de um momento histórico sem precedentes, pois, segundo ele, nem o advento do Cristianismo no Ocidente teve a capacidade de desestruturar valores culturais como a compreensão Histórica do mundo. O advento da História, no século XIX, situa sem linearidade o homem na natureza; substitui o homem pelos homens reais; o saber sob o jugo do poder; a compreensão do homem a partir das ciências humanas, não mais naturais; a compreensão do mundo como tempo humano, não como mero espaço geográfico. Eis aí os novos problemas da relação entre arte e sociedade: a necessidade de entender também a natureza histórica da arte, o seu alcance ontológico e não apenas técnicos e formais. Tal entendimento será abordado por Marx, para quem o exercício dos sentidos, poderes e capacidades humanas é um fim absoluto em si mesmo, sem necessidade de justificação utilitária, mas o desabrochar dessa riqueza sensível por si mesma só pode ser alcançado, paradoxalmente, através da prática rigorosamente instrumental da destruição das relações sócio burguesas. [...] Como a subjetividade dos sentidos humanos é uma questão inteiramente objetiva, produto de uma complexa história material,é só através de uma transformação histórica objetiva que a subjetividade sensível poderá florescer (apud EAGLETON, 1993, p. 150). Percebe-se que Marx subverte o distanciamento entre o prático e o estético, já que entende que ambos são indissoluvelmente unidos. Todavia, sob a ótica de Eagleton (1990), em Kant, o Belo é visto como qualidade dos objetos, e estes objetos independem de conceitos. Prescindem de qualquer conhecimento sobre suas qualidades intrínsecas e extrínsecas. Pensar o Belo pela ótica kantiana implica separar a sensibilidade do conhecimento, o todo das partes. As imagens belas passariam pela vida como uma natureza fluída, imune ao próprio contexto histórico. A partir das idéias de Kant sobre o belo, haveria como alcançar as manifestações estéticas sem referências conceituais anteriormente adquiridas, tais como os conteúdos convencionais, o sentido que as cores, as formas, que acabam por refletirem-se sobre as pessoas. Se é capaz de haver beleza nas coisas, independentemente das qualidades que elas contenham, elas teriam um significado anterior à própria cultura humana. Contudo, infere-se que a filosofia da arte ou a Estética não se resume em relacionar o belo e/ou a arte a condições inatas, à sensibilidade ou às impressões primeiras da consciência. Mas o conhecimento está condicionado pelas formas de sentir e de pensar, bem como a condicioná-las. Prossegue o autor assegurando que estes juízos, que têm por conteúdo a experiência sensível, não dão a conhecer realidades supra-sensíveis, absolutas, como são aquelas de que se ocupa a Metafísica, ciência ilusória, cujo objeto, as primeiras causas e os primeiros princípios, são inacessíveis ao espírito. Estaria, portanto, na Razão, o poder de elaborar as idéias metafísicas que são desvinculadas da intuição. A percepção dos objetos artísticos implica, pois, numa forma de conhecimento que o homem retira do ambiente. Tal conhecimento não prescinde da inteligência, da organização mental, da percepção e da sensibilidade. O problema não está mais em reafirmar ou negar a filosofia kantiana sobre o gosto ou o prazer estético; ao contrário, tal entendimento parece favorável às interferências até então produzidas referentes à ideologia e à determinação da produção e do consumo das imagens. Ora, se apenas através dos dados sensoriais se dá a percepção estética, certamente o produtor garante ao espectador apenas uma visão ilusória da representação. O indivíduo acaba por tirar da obra o que ela tem de agradável, de prazeroso, desinteressadamente. Então, se depender apenas da arte, esta é a maneira com que o indivíduo aprendeu a ver o mundo, apenas pela aparência, sem ter consciência da sua essência. No entanto, lidar com imagens é lidar com uma variedade de símbolos e significados culturais. Se o homem não tem consciência sobre tais elementos, realiza-se aquilo que os marxistas mais tarde chamarão de alienação. Neste sentido, os juízos estéticos, quando não fundamentados em conceitos, mas na simples satisfação que causa contemplar determinados objetos, relacionam-se, segundo Nunes (2000, p. 49), “com uma faixa da nossa experiência, diferente da empírica, que é de caráter cogniscitivo, e diferente da experiência moral dos princípios universais válidos para a conduta”. Este manifestar-se por intermédio dos juízos estéticos ou juízos de gosto, “fundamentados na satisfação interior, desinteressada, de caráter contemplativo, proveniente das representações ou intuições, desembaraçadas dos conceitos do Entendimento” (NUNES, 2000, p. 49), reafirma-se conduzir ao entendimento da arte, das imagens, a algo que nada significa, mas que apenas é dado a ver. Contudo, é possível localizar a beleza aquém ou além da realidade concreta? Para Eagleton (1993, p. 66), se a estética não proporciona nenhum conhecimento, “ela oferece algo mais profundo: a consciência para além de qualquer demonstração racional, de que se está em casa com o mundo, e que o mundo é arranjado de acordo com nossas capacidades”. Para o mesmo autor, que interpreta o sentido estético kantiano, dentro do pensamento de Kant, é difícil entender a expressão ‘juízo estético’ senão como um paradoxo – como se pode chamar alguma coisa de ‘juízo’, o que envolve subsumir particularidades a uma lei do entendimento, e ao mesmo tempo dizer que se trata de um sentimento?” Sendo os juízos estéticos em Kant puramente desinteressados, não possuem nenhuma proposição ou referência externa.[...] São isentos de quaisquer condicionamentos que distinguissem necessariamente o juiz das outras pessoas; o que é possível falar deles como universais. Assim, ”julgar esteticamente significa declarar implicitamente que uma resposta inteiramente subjetiva é aquela que qualquer indivíduo pode experimentar, ou que produzirá um acordo espontâneo em todos eles” (EAGLETON, 1993, p. 72). O estético seria, neste sentido, o perfeito paradigma do ideológico. A peculiaridade da proposição ideológica pode ser sintetizada, dizendo-se, com um certo exagero, que na verdade não há proposições ideológicas. Como os juízos de Kant, as declarações ideológicas escondem um conteúdo essencialmente emotivo na relação do sujeito com o mundo, cuja relação aparece como caracterizando o mundo. De acordo com o juízo estético em Kant, o sujeito julga a partir de uma subjetividade universal, como se houvesse uma comunidade de sujeitos unidos a partir da profundidade de seu ser. Distingue, segundo Eagleton (1993), o domínio cultural do político, onde os indivíduos se unem apenas exteriormente almejando um fim determinado. Se o domínio político não prescinde da coerção, o cultural não deve ser imposto, haja vista promover a unidade espontânea e interior dos homens. A estética kantiana permite a coabitação misteriosa entre o específico e o universal, sem necessidade de conceito, e, segundo o autor, [...] Ela oferece um paradigma ideológico tanto para o sujeito individual quanto para a ordem social, pois a representação estética é uma sociedade, na qual cada elemento constituinte é condição para a existência projetada de todos a outros, e encontra nesta feliz totalidade a base para a sua identidade [...] (EAGLETON, 1993, p. 76). A partir de tais colocações, pode-se afirmar que a produção de imagens, ou as paisagens, como quer Kant, exerce um fascínio que se confunde com uma necessidade natural do ser humano: a de coexistir com a beleza. Independentemente do que se aceita como belo, pois este existe para se manifestar nas formas que se prestam aos sentidos como agradáveis. Contrariando o ativismo eufórico do sujeito romântico, que está sempre a um passo do niilismo, Hegel afirma não haver uma pura produtividade sem um produto. Se a beleza não possui uma existência própria, ela é histórica. E como fenômeno histórico ela possui muitas formas, muitos ‘dizeres’. A exemplo da historicidade de outros valores socialmente encontrados, também o gosto é socialmente determinado. Mas quem o determina? Sujeitos universais? Quanto às artes, defender que tais objetos devem ser belos sem estarem condicionados a normas ou regras objetivas, e valorizar a genialidade do artista, capaz de produzir ‘coisas belas’ opostas às idéias racionais, acaba por subjugar o contexto social no qual este se insere, por entender que ser genial é nascer com qualidades sensíveis. Então, se para produzir coisas belas há que ser o homem genial, aquele que também é capaz de conferir beleza a tais produções, seria naturalmente genial? Diferentemente de Kant, Hegel não comete o erro ingênuo de tentar fundar a comunidade espiritual em algo tão escorregadio quanto o desinteresse. A propriedade privada e o direito abstrato estão evidentemente mergulhados num particularismo egoísta demais para que sirvam de base ao consenso ideológico; mas é mais astucioso começar por estas formas paroquiaisdescomprometidas, e ver como, através das mediações da divisão do trabalho, das classes sociais e das corporações, elas se transcendem a si próprias dialeticamente em modos mais altruísticos de associação. A culminação de tudo isto será a criação estética mais sutil de Hegel, o “concreto universal” orgânico do estado. E como o estado hegeliano é fortemente intervencionista, ele volta ao corpo da sociedade para reforçar seus laços sociais. A totalidade, em síntese, deve emergir organicamente das divisões reais da vida social concreta [...] (EAGLETON, 1993, p. 110). O certo é que, segundo Eagleton, o que estaria a permear certos discursos filosóficos destinava-se a estabelecer a harmonia numa ordem social instável e conflitiva. Assim, os apologistas da sociedade burguesa vêem-se capturados numa ponte frágil entre a razão e a intuição, a dialética e a estética. Ou, quem sabe, entre a razão e os sentimentos, a dialética e a metafísica. Este sentido dialético já fora destacado por Hegel quando este considera o belo como resultante da fusão racional e do sensível. Contrário aos seguidores da idéia romântica da genialidade e do dom individual, Karl Marx, embora não tendo construído uma teoria específica sobre a obra de arte, situa-a como uma experiência humana como outra qualquer. Para ele, seriam as idéias dominantes, pertencentes a determinadas classes detentoras dos meios de produção, que estabeleceriam as idéias estéticas dominantes dessas mesmas épocas. Argumenta sobre a sociedade burguesa, baseada no consumo, em que a arte acaba por perder seu caráter sagrado e torna-se ‘decorativa’. Não há, pois, ordem interna a motivar a produção desses objetos e, provavelmente, não seriam condições internas do observador ou fruidor que determinam a beleza. A exemplo de todas as formas de o homem se manifestar, também o gosto passa a ser delimitado pelos contornos ideológicos da classe dominante. “A percepção sensível”, Marx escreve nos manuscritos econômicos e filosóficos, que deve ser a base de toda a ciência. Só quando a ciência começa pela percepção sensível e da necessidade dos sentidos – isto é; só quando a ciência começa pela natureza – ela é verdadeiramente ciência. Toda a história é uma preparação, um desenvolvimento, para que o homem se torne objeto da consciência sensível e para que as necessidades do ‘homem enquanto homem’ tornem-se necessidades (sensíveis) (MARX apud EAGLETON, 1993 p. 147). A percepção sensível para Marx é, segundo o autor em comento, em primeiro lugar, a estrutura constitutiva da prática humana, mais que um conjunto de órgãos contemplativos; na verdade ela só se torna este na medida em que já é, previamente, a primeira. Na esteira marxista, o objeto estético tem como antítese o ‘artefato pervertido’, a existência material da mercadoria. Como objeto sedutor ele expõe o seu ser sensível singular numa espécie de espetáculo espúrio da materialidade (EAGLETON, 1993, p. 155). Vê-se que Marx contrapõe arte à mercadoria (o que é dado a consumir num sistema capitalista), e leva a entender que, enquanto a primeira manifesta-se de uma consciência ‘elevada’ do produtor/consumidor, a segunda, ao contrário, mantém uma relação espúria pela sua natureza comercial, lucrativa. Não se pode, contudo, omitir-se que a produção artística não é estranha a tais relações de poder, de consumo (mediato/imediato; econômico/ideológico). Para D’Amaral (1984, p. 64), “o pensamento marxista realiza no século dezenove, na sua própria evolução, o percurso da crise [...]”. Do ponto de vista teórico, seus textos sobre arte acentuam, no dizer do autor, sua posição reducionista. “Este reducionismo era, porém, de um tipo novo, resultado da descoberta fundamental, que o materialismo opera, da determinação da consciência pela existência, invertendo a relação clássica, e infletindo-a numa direção social e política” (D’AMARAL, 1984, p. 64). Assim, Marx acentua o caráter determinista do processo histórico, político, econômico e social, quando, em O capital e a crítica ao Programa de Gotha, segundo o mesmo autor, defende o determinismo econômico num sentido não-linear, mais tarde identificado como determinação em última instância do econômico sobre as demais estruturas sociais. Já Chalumeau (1997) afirma que, mesmo a dita arte transgressora, que visa a mostrar os absurdos, acaba integrada à cultura burguesa. O movimento para a desestetização provocado pela arte contemporânea, transgressora, independente (aparentemente), foi incapaz de colocá-la à margem das ideologias dominantes. Basta refletir sobre as diferentes maneiras de consumir a arte, mormente as imagens, para poder-se concluir que, quer em forma de decoração, quer em forma de investimento econômico, quer como glorificação de personalidades, as diferentes formas de poder conseguiram e conseguem conciliar, além do clássico, também o caos, a negação, às suas vontades, aos seus interesses. Basta verificar quem foram os apropriadores das produções artísticas pioneiras no processo de desnaturalização ou dessacralização da arte. Onde e com quem estão as produções expressionistas, cubistas, dadaístas, dentre outras. Pertencem a colecionadores particulares, instituições públicas mantidas pelo Estado burguês, não com o povo. Aliás, o povo nunca esteve tão distanciado dessas obras como a partir do início do século XX. A quem interessa a arte moderna e a pós-moderna? O sentido da beleza, historicamente relacionado às produções artísticas, e, mais especificamente à sensibilidade, acaba diluindo-se em outras formas de apropriação de objetos ‘expressivos’ ou significativos: no consumo como forma de investimento e status. Então, adverte-se, o produto, a imagem, não ‘brota’ do nada; sua substância é a relação que o seu produtor mantém com o contexto social (tampouco a beleza é uma instância natural, embora haja natureza dita bela). Mas esta relação não é uma relação direta, intencional de propagação ideológica, tampouco destinada à sensibilidade inata, ou ao sentido ‘universal’ da beleza. Se assim fosse, a arte teria emergido como forma pura de poder, no primeiro caso; ou como pura percepção sensível, no segundo. 3. CONCLUSÃO Concluindo, como se procurou demonstrar, a arte, embora vinculada a determinadas formas de poder, esteve, via de regra, submissa a este, à sua condição e à de seu produtor (em muitos casos), da mesma forma que a sensibilidade é culturalmente atingida. Também entende-se que a obra de arte não é o fio condutor da ideologia do artista (pois muitas vezes na história este ‘trabalhou’ por encomenda), dada a complexidade das relações humanas. Da mesma forma que há que se considerar as correlações entre a arte e a sociedade não como mero reflexo, desta sobre aquela, mas entendendo que a experiência criadora leva em conta a herança cultural, intelectual e moral do artista, historicamente determinada pelo processo de inserção deste nas relações sociais. Isto leva a considerar a contribuição de Coelho (1995), para quem a modernidade acabou por substituir na arte a idéia de unidade estética, pela multiplicidade de expressões estéticas. Como processo que não se dá alheio ao próprio contexto social, pois o artista deverá, doravante, ir ao encontro das forças sociais que poderão recebê-lo, e estas forças estarão definidas por um conjunto de exigências próprias das transformações agora presenciadas: mudanças tecnológicas, perfil do consumidor de arte, importância cada vez maior da linguagem, dentre outras. Mas, a rigor, o artista, agora dito autônomo, quer-se acreditar, nunca esteve tão preso a fatores determinantes para a sua sobrevivência, mormente às exigências do aparato cultural que define o que é ou não arte. A coexistência da diversidade estética visa, na essência, como fonte de equilíbrio, buscar a diversidade, o novo, num mundo cada vez mais marcadopela hegemonia cultural (aquela dos compradores de obras). Não estaria em jogo, a princípio, a valorização do artista, da obra em si, mas, no dizer de Hadjinicolaou (1978), não há ligação entre estilo e personalidade dos artistas, apenas ‘ideologias imagéticas’, inteiramente dependentes dos interesses da classe dominante. Neste caso, da burguesia consumidora de objetos artísticos. Dito isto, percebe-se que, decorridos mais de dois mil anos da inserção das produções ditas artísticas nas discussões teóricas da humanidade, muito há que se investigar como tais fenômenos (produção de objetos artísticos/estéticos e reflexões sobre os mesmos) chegam ao ‘novo mundo’. Sabe-se que desde a Pré-História os homens são construtores, mas isto não significa que sempre estiveram a produzir obras sob as mesmas condições ‘espirituais’, morais, econômicas e sociais. Como bem assinala Benjamin (1969, p. 43), muitas formas de arte nasceram e desapareceram. A tragédia aparece com os gregos para morrer com eles e só reaparecer, longos séculos mais tarde, sob a forma de ‘regras’ [...]. O quadro nasceu na Idade Média e nada garante que ele deva durar indefinidamente [...]. Certamente, o quadro ainda ocupa o seu lugar na produção de imagens, mas, a exemplo de outras produções artísticas, acha-se cada vez mais propenso a ‘adquirir’ novas conotações. Da mesma forma que a ele irão juntar-se outros meios de manifestação de mensagens visuais. O certo é que a tradição artística ainda persiste. As obras visuais, tanto ditas artísticas ou não, invadem cada vez mais o ambiente humano. No entanto, ainda persiste o problema das relações entre arte e sociedade que, muito embora autores reducionistas e autonomistas tentassem solucionar, não conseguiram dar conta de toda a complexidade não apenas da produção de imagens, mas, sobretudo, do seu efeito ou valor social. Contudo, acredita-se muito mais nas tendências que colocam a arte como um produto socialmente determinado, do que aquela que defende a sua autonomia em relação ao contexto social. Assim, segundo Bastide (1971, p. 25), sob o prisma da estética sociológica, pode-se afirmar que duas correntes estéticas, opostas, dividem atualmente os espíritos: uma, fazendo dela o estudo dos juízos de gosto, não importando que esses juízos sejam individuais ou coletivos, pois derivam todos do espírito e colocando portanto, a estética entre as ciências noológicas – outra, conservando principalmente o caráter “coisista” da ciência, não admitindo por conseguinte que a estética possa ocupar-se de juízos subjetivos por definição, dando-lhe como objeto o estudo das “formas”. Esta última tendência, segundo o autor, coloca a estética no quadro das ciências cosmológicas. Já Francastel entende que por meio de leituras de diferentes obras de diferentes contextos é possível conhecer as relações sociais, políticas, econômicas aí presentes. Assim, no dizer do autor, considera-se, entre os sociólogos e os historiadores, que uma sociedade possui intrinsecamente sua estrutura econômica, política, social. Os artistas nada mais fazem pois, que materializar os valores do meio em que vivem; exprimem-nos com maior ou menor felicidade; não desempenham qualquer papel na elaboração dos imperativos econômicos, institucionais ou sociais [...] (FRANCASTEL, 1973, p. 2). Não especificamente da mesma maneira de Francastel, outros teóricos, a exemplo de Canclini e Hadjinicolaou, entendem que o conhecimento das obras de arte de diferentes contextos sociais implica conhecer a complexidade sócio-política, econômica, cultural e ideológica desses povos. Portanto, adotam como pesquisa de investigação artística o método dialético, por entender que não bastam as obras por si sós, a vida dos artistas, os estilos e influências estéticas para alcançar a produção artística em sua totalidade. E a estética, da mesma forma que não pode ser reduzida à sensibilidade, ao prazer desinteressado, também não deve ser entendida apenas na sua relação com instâncias econômicas e políticas. Há um quê indizível nas produções artísticas, nas imagens, capaz de dotar-lhes de significado ‘prazeroso’, ‘desejável’. Talvez aí resida a beleza. Então, seria a beleza, esse fenômeno indizível, prazeroso, apropriado (quem sabe na essência ou apenas na aparência), emissário das diferentes manifestações de poder? Isto porque, a obra, a imagem acaba por dizer aquilo que o poder instituído – autorizado, quer que ela diga. Ou, ao contrário, as imagens são lidas na sua singularidade apartadas de questões culturais? Contudo, quanto mais se adentra à história, mais se percebe que a beleza, expressada nas imagens, quando não nasce com um discurso instituído, este lhe é conferido quando necessário. Mas, independente do entendimento que se tenha, persiste-se: afinal, o que é belo? REFERÊNCIAS BASTIDE, Roger. Arte e sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. BENJAMIN, Walter; ADORNO Theodoro; GOLDMANN, Lucien. Textos básicos de ciências sociais: sociologia da arte IV. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1969. CHALUMEAU, Jean Luc. As teorias da arte. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. COELHO, Teixeira . Moderno pós moderno. São Paulo: Editora Iluminuras Ltda. 1995. D’AMARAL, Marcio Tavares. Arte e Sociedade: uma visão histórico-filosófica. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1984. DUARTE, JR. João Francisco. O que é beleza? São Paulo: Brasiliense, 1986. EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa: elementos estruturais de sociologia da arte. São Paulo: Perspectiva, 1973. HADJINICOLAOU, Nicos. A história da arte. Trad. Louise Asmal. Londres: Imprensa De Pluto, 1978. NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte. São Paulo: Ática, 2000.
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