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Dignidade da pessoa humana e sistema carcerário análise 1150 pt

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7
INTRODUÇÃO 
 
 
O sistema prisional brasileiro encontra-se em situação caótica, compondo um dos mais 
graves problemas sociais da atualidade: rebeliões de proporções alarmantes, crescente poder 
do crime organizado, violência, morte e insegurança generalizada. 
Um olhar sobre este cenário punitivo nos remete a uma reflexão a respeito do modelo 
carcerário brasileiro e da efetividade dos princípios constitucionais na execução das penas 
privativas de liberdade. 
A dignidade da pessoa humana foi consagrada pela Constituição Federal de 1988, no 
artigo 1º, inciso III, como alicerce do Estado brasileiro. Em consonância com o valor expresso 
neste dispositivo, o inciso XLIX do artigo 5º eleva a integridade física e moral dos apenados à 
categoria de cláusula pétrea e o artigo 1º da Lei de Execuções Penais dispõe que a finalidade 
da execução penal é a integração social do apenado. 
Estabelecendo-se um estudo sobre as teorias da pena, a pesquisa visa a apurar se o 
modelo de execução penal praticado no Brasil contempla o mandamento constitucional da 
dignidade da pessoa humana e se a teoria adotada pelo ordenamento penal permite a 
reintegração social do apenado e a prevenção da criminalidade. 
Para tal análise, partiu-se do pressuposto de que garantir segurança à sociedade não 
pode ser sinônimo de restringir a dignidade humana dos presos. A inobservância deste 
princípio tornaria inviável a consecução das finalidades sociais da pena. 
Como parâmetro, adotou-se a estrutura penitenciária do Estado de São Paulo, em razão 
de que o sistema prisional paulista, segundo dados oficiais, abriga mais da metade da 
população carcerária brasileira, o que representa uma amostragem satisfatória para efeitos do 
trabalho ora proposto. 
 8
Para consecução da pesquisa, foram utilizados dados estatísticos oficiais da Secretaria 
de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo e de pesquisa empírica iniciada na 
Penitenciária de Assis no ano de 2004, com o objetivo de concretizar o tratamento estatístico 
previsto pelo projeto. 
Quanto aos procedimentos metodológicos, realizou-se, num primeiro momento, uma 
revisão bibliográfica dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal em face 
do apenado e uma leitura das teorias que informam o sistema penal, visando a apurar se o 
Direito positivado brasileiro tem como foco a reintegração do egresso à sociedade ou se 
assume caráter meramente retributivo, identificando diagnósticos e perspectivas que 
envolvem o sistema prisional brasileiro. 
Numa segunda etapa, buscando seguir os passos de Foucault, partiu-se de uma 
macro-estrutura, onde foi analisado o sistema penitenciário paulista, para uma micro-
estrutura, apresentando-se os resultados de pesquisa empírica realizada na Penitenciária de 
Assis, envolvendo membros da população carcerária e funcionários da Instituição, guardando-
se uma mesma proporção entre os dois grupos. 
Com a adoção deste procedimento procurou-se comprovar as hipóteses levantadas e 
apurar o olhar do preso e o olhar do agente público acerca do sistema prisional, viabilizando a 
reprodução das relações de saberes e poderes que se desenvolvem no espaço carcerário e a 
forma pela qual esta complexa rede reflete-se em nossa sociedade. 
A fundamentação teórica que serviu de modelo a este projeto percorreu três etapas: 
Beccaria, Foucault e Luigi Ferrajoli. 
De Beccaria, salientou-se a questão da humanização do sistema punitivo, os 
fundamentos do direito de punir e os meios necessários para prevenir os delitos. De Foucault, 
explorou-se a idéia de que tudo se estabelece em torno das relações entre saber e poder e de 
que a finalidade ressocializadora do sistema prisional não passa de utopia, nos remetendo ao 
 9
pensamento de que não há um sistema punitivo que possa extinguir as práticas criminosas, 
porque o problema da prisão está em seu próprio fundamento, que é a segregação. 
De Beccaria a Foucault, há deslocamento do eixo interpretativo. A metodologia 
beccariana está assentada no idealismo humanista em voga no século XIX, na Europa, 
enquanto Foucault, século XX, assenta-se na desconstrução dos sujeitos (anti-humanismo), ou 
seja, a abordagem adotada por ele é depuradora dos elementos humanistas. 
Quanto a Luigi Ferrajoli, utilizou-se a obra “Direito e razão – teoria do garantismo 
penal”, em que o autor analisa a teoria e a prática penal, seus fundamentos e princípios, 
tomando como paradigma a teoria geral do garantismo. 
A utilização desta obra foi de fundamental importância, especialmente para a 
compreensão do ordenamento infra-constitucional e das teorias que informam o sistema 
criminal, cuja leitura forneceu os subsídios necessários para se definir qual doutrina orienta a 
execução penal no Brasil. 
A pesquisa realizada, sem a pretensão de esgotar o assunto, dada sua complexidade e 
extensão, buscou uma discussão acadêmica sobre o tema, questionando os fundamentos do 
direito de punir do Estado, as condições em que tal poder tem sido exercido, as disposições 
legais acerca da pena de prisão, diagnósticos e perspectivas relacionadas à execução penal no 
Brasil. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 10
I- DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITO PENAL 
 
 
A Constituição Federal de 1988 previu a dignidade da pessoa humana como 
fundamento do Estado brasileiro e, dentre suas disposições, assegurou princípios que instruem 
o Direito Penal. Para se constatar a efetividade deste princípio, iremos abordar a dignidade da 
pessoa humana e os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal pela 
legislação infra-constitucional em face do apenado. 
 
 
1- Considerações preliminares sobre a dignidade da pessoa humana 
1.1- Antecedentes históricos 
 
 
Para a compreensão do conceito e do significado de dignidade da pessoa humana, 
faremos uma breve retrospectiva histórica acerca de sua evolução, partindo do pensamento 
clássico e do ideal cristão na Idade Média até os contornos que assumiu no mundo ocidental 
em tempos atuais. 
Na Antiguidade Clássica, a dignidade da pessoa humana não era reconhecida de 
forma igualitária a todos os membros da comunidade, sendo diretamente proporcional à 
posição que o indivíduo ocupava no grupo social a que pertencia, conforme afirma Ingo 
Wolfgang Sarlet: 
No pensamento filosófico e político da antiguidade clássica, verifica-se que 
a dignidade (dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição 
social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais 
membros da comunidade, daí poder falar-se em uma quantificação e 
modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas 
mais dignas ou menos dignas (2007, P.30). 
 11
Segundo o relato de Michel Renaud (1999, p.137), pensadores como Platão, Cícero 
e Aristóteles defendiam a idéia de que o ser humano ocupa uma posição superior em relação 
aos demais seres viventes, assim como o modelo agostiniano que também distinguia o ser 
humano das coisas e dos animais, tempos depois na filosofia medieval. De acordo com o 
autor, a partir destes pensadores, a dignidade passou a ser vista como a característica que 
distinguia o homem dos outros seres viventes, atribuída a todos os indivíduos de forma 
igualitária, independentemente da posição que ocupasse no grupo social. 
No que se refere à filosofia estóica, Comparato (2001, p.19) afirma que os valores 
morais e a dignidade do homem eram fatores indissociáveis para aquele povo. O homem era 
considerado filho de Zeus e portador de direitos de maneira igualitária, da mesma forma que, 
para a tradição bíblica, fora feito à imagem e semelhança de Deus, idéia arraigada no 
pensamento medieval de São Tomás de Aquino.Segundo Starlet, foi no contexto do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e 
XVIII que se iniciou o processo de secularização do conhecimento elementar de dignidade 
humana, destacando o pensamento de Samuel Pufendorf, para quem a dignidade da pessoa 
humana era considerada como “a liberdade do ser humano de optar de acordo com sua razão e 
de agir conforme o seu entendimento e sua opção” (2007, p.32). 
Conforme o relato do autor, este processo de laicização da dignidade da pessoa 
humana atingiu o seu ponto mais alto com o pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant, 
para quem o homem era um ser dotado de racionalidade. 
Na concepção kantiana, a racionalidade estaria intimamente ligada à idéia de 
liberdade, no sentido de que somos livres para realizar escolhas e tomar decisões em 
detrimento de nossos próprios interesses, o que nos diferencia dos animais. Nesta linha de 
raciocínio, tratar um homem com dignidade seria considerá-lo como um fim em si mesmo e 
não como meio de satisfação de interesses outros. 
 12
Em Fundamentação da metafísica dos costumes, Kant estabelece tal formulação: 
“age de tal forma que trates a humanidade tanto em sua pessoa quanto na pessoa de qualquer 
outro sempre como um fim e jamais simplesmente como um meio” (1980, p.18). 
Segundo Oscar Vieira Vilhena, esta noção impõe um tratamento recíproco entre as 
pessoas, na medida em que um homem deve atribuir ao outro o mesmo valor que atribui a si 
mesmo, porque todos são merecedores do mesmo respeito. Como as pessoas são dotadas de 
razão, todas merecem ser tratadas com dignidade de maneira igualitária (2006, p.38). 
Ao longo do tempo, uma série de contrapontos ao pensamento Kantiano foi redigida 
por outros pensadores, mas suas idéias representam, até hoje, um marco para os estudos da 
dignidade da pessoa humana. 
 
 
 
1.2- Perspectiva constitucional 
 
 
Para Oscar Vilhena, a dignidade assume diferentes dimensões, sempre relacionada a 
uma enorme gama de condições ligadas à própria vida humana, como integridade física e 
psíquica, moral, condições de liberdade e materiais de bem-estar. Por isso, não constitui um 
valor intrínseco ao ser humano, mas uma “construção de natureza moral”, em processo 
permanente de desenvolvimento, sempre relacionada à proteção de condições indispensáveis a 
uma existência também digna (2007, p.36). 
De qualquer maneira, após seu reconhecimento como valor moral, a dignidade 
humana foi erigida à condição de valor fundamental da ordem jurídica dos Estados chamados 
“Democráticos de Direito” constituindo o alicerce, as bases de suas constituições. 
 13
Após a Declaração da Organização das Nações Unidas em 1948, que a reconheceu 
como “valor jurídico universal, a maioria dos países ocidentais a adotou expressamente em 
suas constituições (KRIELE, 1983, p. 47-54). 
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 positivou a dignidade da pessoa humana 
como fundamento do Estado Democrático de Direito que ora se constituía (art.1º, inciso III). 
A partir daí, a proteção da dignidade humana foi expressa na nossa ordem jurídica como 
princípio constitucional do mais alto grau de relevância, ocupando o cume da pirâmide 
hierárquica do ordenamento jurídico (HESSE, 1991, p.35). 
Da leitura do texto constitucional brasileiro, afere-se que a dignidade da pessoa 
humana está prevista logo no primeiro título que trata dos princípios fundamentais, sugerindo, 
segundo Starlet (2007, p.63), que o legislador instituiu a eles a função de fundamentar toda a 
ordem constitucional, especialmente no que diz respeito às normas que definem os direitos e 
garantias fundamentais, previstos no título II. 
Explícito em outras palavras, isto significa que a dignidade humana constitui não 
apenas o fim a que se dirige o ordenamento jurídico, mas, antes, o seu próprio fundamento, o 
que está expresso no inciso III do artigo 1º, ao tratar a dignidade da pessoa humana como 
alicerce do próprio Estado. No dizer de Comparato (1999, p.30), "a dignidade do ser humano, 
fonte e medida de todos os valores, está sempre acima da lei, vale dizer, de todo direito 
positivo". 
Na perspectiva dos direitos humanos fundamentais, observa-se, da apreciação do 
artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a presença implícita do princípio da dignidade da 
pessoa humana tanto nas vedações a determinados tipos de pena, à tortura e a tratamentos 
desumanos e degradantes, como na proteção ao direito à vida e à integridade física e psíquica, 
que constituem o centro pétreo da Constituição Federal Brasileira. 
 14
Embora não prevista explicitamente no rol dos direitos e garantias fundamentais, a 
dignidade da pessoa humana se faz inerente a todo o texto da Constituição e, por via de 
conseqüência, a toda a ordem infra-constitucional, representando limite intransponível tanto 
na esfera de atuação do Estado, quanto na do cidadão. Afirmar que a dignidade constitui um 
direito fundamental, é dizer apenas parte de seu significado, uma vez que ela é o próprio 
fundamento da instituição de direitos e de deveres estabelecidos pelo ordenamento jurídico. 
 
 
2- Constituição Federal e sistema penal 
 
 
A Constituição Federal representa fundamento de validade para todo o ordenamento 
jurídico de um Estado Democrático de Direito. Existe para conduzir a existência do próprio 
Estado que nela se funda. 
As disposições de uma Constituição vinculam todos os atos normativos de um 
sistema jurídico, inclusive, os de âmbito penal, conferindo legitimidade ao ordenamento assim 
chamado infraconstitucional. 
Deste modo, é possível afirmar que o Direito Penal, para ter validade, deve ser 
estruturado a partir dos valores expressos ou implícitos na Carta Magna, entre eles, o 
mandamento da dignidade humana. 
Fernando Capez salienta que o tipo incriminador deve descrever como infração 
somente aquelas condutas que representam uma real lesividade aos bens jurídicos 
considerados mais importantes para a sociedade e. somente assim, é possível se falar em um 
Direito Penal “Democrático” (2002, p.10). 
 
 15
2.1- Princípios constitucionais penais 
 
 
Como já mencionado, todas as normas infraconstitucionais, entre elas, as normas 
penais, têm sua validade vinculada à observância dos princípios constitucionais. 
É a Constituição Federal quem determina que nenhum homem livre pode ser punido 
por fato que a lei anteriormente o tenha previsto como crime, nem receber uma punição legal 
se não previamente cominada (Princípio da reserva legal). 
Também é a Carta Constitucional que determina que a privação da liberdade e dos 
bens do indivíduo somente pode se dar através de um processo judicial (Princípio do devido 
processo legal), em que o réu tenha pleno e amplo direito à defesa contra a acusação que lhe é 
imposta (Princípio do contraditório e ampla defesa), sendo-lhe ainda assegurado o direito de 
não ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória 
(Princípio da presunção de inocência). 
Dentre os valores preconizados pela Constituição Federal e que têm no Direito Penal 
seu campo de projeção, o princípio da dignidade da pessoa humana, surge como diretriz 
fundamental do sistema, conforme esclarece Capez: 
Do Estado Democrático de Direito partem princípios regradores dos mais 
diversos campos da atuação humana. No que diz respeito ao âmbito penal, 
há um gigantesco princípio a regular e orientar todo o sistema, 
transformando-o em um direito penal democrático. Trata-se de um braço 
genérico e abrangente, que deriva direta e imediatamente deste moderno 
perfil político do Estado brasileiro, a partir do qual partem inúmeros outros 
princípios próprios afetos à esfera criminal, que nele encontramguarida e 
orientam o legislador na definição das condutas delituosas. Estamos falando 
do princípio da dignidade humana (2002, p.10). 
 
Sendo a dignidade da pessoa humana o fundamento do Estado e, conseqüentemente, 
de sua ordem constitucional, todas as demais normas jurídicas, inclusive a penal, têm sua 
validade vinculada à observância deste princípio, que, segundo o mesmo autor, deve orientar 
 16
tanto o legislador no momento da criação das figuras típicas, quanto do intérprete no 
momento em que estabelecer a relação do caso concreto com o tipo penal. 
É com alicerce na dignidade que o sistema deve funcionar. Isto dito em outras 
palavras: a dignidade da pessoa humana deve ser o vértice do sistema penal. A partir deste 
princípio orientador, derivam outros princípios que regem e servem de limite ao Direito Penal 
(Capez, 2002, p. 13-25). 
Assim, segundo o princípio da insignificância ou bagatela, o Direito Penal deve 
ocupar-se somente de tipos incriminadores que descrevam condutas realmente lesivas a bens 
jurídicos de grande interesse à sociedade. Aplicar uma pena a quem praticou um fato 
insignificante na esfera da lesividade penal é contrário aos ideais de um Estado Democrático 
de Direito. Importante observar, entretanto, que delito insignificante ou de bagatela não se 
confunde com os crimes de menor potencial ofensivo assim definidos pelo artigo 61 da Lei 
9099/95 e que possuem um certo nível de gravidade. Trata-se de um princípio a ser observado 
no plano concreto, não abstrato, conforme escreve Capez: 
Tal princípio deverá ser verificado em cada caso concreto, de acordo com 
suas especificidades. O furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a 
subtração de um chiclete pode ser. Em outras palavras, nem toda conduta 
subsumível ao artigo 155 do Código Penal é alcançada por este princípio, 
algumas sim, outras não (2002, p.15). 
 
Do princípio da dignidade humana decorre também a idéia de que só pode ser punido 
aquele que lesiona bem jurídico de terceiros, ou seja, aquele cujo comportamento transcenda 
sua esfera individual e alcance a esfera do outro, na medida em que não se pode punir aquele 
que causou um mal apenas a si mesmo, salvo a hipótese em que houver comprovada intenção 
de prejudicar terceiros. Basta imaginar-se a situação daquele que atentou contra a própria 
vida. Não consumada a morte, impor uma pena a quem tentou o suicídio seria um desrespeito 
a sua faculdade de se auto-determinar, o que implicaria em ferir a sua dignidade. Trata-se 
aqui do princípio da alteridade ou transcendentalidade. 
 17
Também alinhado com o princípio da dignidade humana, o princípio da intervenção 
mínima fundamenta-se no artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do 
Cidadão (Capez, 2002 p.18), segundo o qual seria defeso ao sistema legislativo e jurídico 
prever ou aplicar punições desnecessárias. Seguindo a lógica constitucional, a imputação de 
uma pena só pode ocorrer naqueles casos em que a lei descreve um fato como crime, 
limitando a atuação do Estado no sentido de privar ou restringir a liberdade do indivíduo 
somente nos casos em que tal privação ou restrição seja realmente indispensável. 
Também decorrente da dignidade, o princípio da proporcionalidade estabelece a 
necessidade de se avaliar a relação custo-benefício ao se criar tipos incriminadores, porque 
estes limitam a liberdade das pessoas ao mesmo tempo em que protegem determinados bens 
jurídicos. 
Para Capez (2002, p.22), um Direito Penal Democrático não pode prever uma 
incriminação que represente mais ônus do que benefício coletivo. O interesse tutelado pela 
norma incriminadora deve ser relevante do ponto de vista social, sob pena de 
inconstitucionalidade. 
No âmbito preventivo, o princípio dispõe a necessidade de que a pena seja 
proporcional ao delito praticado. Beccaria, no século XVIII, já defendia a idéia de que uma 
pena, para ser eficaz, deve ter tão-somente o rigor necessário para prevenir a criminalidade, 
conforme afirma em sua clássica obra Dos delitos e das penas: “Para que a pena não seja a 
violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, deverá ser essencialmente pública, 
rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias ocorridas, 
proporcional ao delito e ditada pela lei.” (2001, p.107). 
O artigo 5º, inciso XLVII da Constituição Federal de 1988 traz implícito este 
princípio ao preceituar a abolição de determinados tipos de pena, bem como ao estabelecer a 
exigência da individualização da pena (inciso XLVI). 
 18
Tais preceitos, assim como a vedação constitucional da tortura e do tratamento 
desumano ou degradante também estão relacionados a outro princípio decorrente da dignidade 
da pessoa humana: o princípio da humanidade que impede a cominação de penas que atentem 
contra a incolumidade física ou moral de qualquer pessoa. Este princípio deve orientar todas 
as relações que envolvem o direito penal e consiste no reconhecimento de que o condenado 
deve ser tratado como pessoa humana. 
O princípio da humanidade é decorrente das idéias iluministas em voga na Europa 
dos séculos XVII e XVIII. Partindo da idéia da elaboração jurídica de um Estado 
constitucional, os direitos humanos surgem como limite intransponível da execução penal, 
dos quais emergem diversos princípios constitucionais penais, visando à proteção do 
condenado contra os arbítrios do poder estatal. 
A doutrina define ainda vários outros princípios deduzidos do mandamento 
constitucional da dignidade. Entretanto, para efeitos do presente trabalho, os princípios acima 
mencionados são suficientes para demonstrar que o Direito Penal encontra seu fundamento de 
validade nos princípios constitucionais e, dentre eles, a dignidade da pessoa humana 
representa a pedra angular do sistema. 
 
 
2.2- Direitos fundamentais em face do apenado na Constituição Federal 
 
 
Inicialmente, far-se-á um breve levantamento a respeito dos direitos fundamentais 
assegurados pela Constituição Federal e pela ordem infraconstitucional em face do apenado 
para, em momento oportuno, analisar se a execução penal contempla o princípio da dignidade 
humana viabilizando a reintegração social do egresso e a prevenção da criminalidade. 
 19
Conforme já analisado anteriormente, a validade de todo e qualquer ordenamento 
infraconstitucional está diretamente relacionada à observância dos princípios e valores 
expressos pela Constituição Federal. Assim, o sistema penal tem sua validade vinculada a sua 
fidelidade com relação aos mandamentos constitucionais, em especial, ao da dignidade da 
pessoa humana. 
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 elenca, em seus setenta e oito incisos, 
um rol de direitos e deveres individuais e coletivos, dentre os quais, alguns asseguram aos 
apenados direitos fundamentais invioláveis em razão de seu perfil constitucional. Isto 
significa que os agentes do poder público são chamados obrigados a observar estes direitos, 
os quais se colocam como limites ao jus puniendi. 
Da leitura do inciso III do artigo 5º, afere-se a relevância que o constituinte 
pretendeu atribuir à afirmação da dignidade da pessoa humana, ao estabelecer que “ninguém 
será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (CF, art.5º, inciso III). 
Tal dispositivo, ao sugerir como indeterminado o sujeito “ninguém”, inclui, portanto, 
os apenados, que, conservam todos os seus direitos não atingidos pela privação ou restrição da 
liberdade. 
A inobservância deste mandamento é punível e, uma vez configurada a prática de 
tortura, classifica-se como crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia, conforme 
dispõe o inciso XLIII do mesmo artigo, punível nos termos da Lei9455/97 que define os 
chamados crimes de tortura. 
O artigo 5º traz um rol taxativo de penas aplicáveis e a vedação expressa de 
outras.Também a separação classificatória dos presos encontra na Constituição Federal o seu 
fundamento, visando à individualização do tratamento penal e o controle da criminalidade, na 
medida em que se evita o contato de infratores ocasionais com os chamados “profissionais” 
do crime. Portanto, tem perfil constitucional a regra de que os presos devem cumprir suas 
 20
penas em estabelecimentos distintos segundo o sexo, idade e natureza do delito (CF, artigo 5º, 
inciso XLIX). 
No aspecto processual, a Constituição Federal também estabelece uma série de 
direitos e garantias ao apenado, como, em título exemplificativo, a de que só é possível a 
privação de sua liberdade através de processo judicial (CF, artigo 5º, inciso LIV), de que só 
será considerado culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, 
artigo 5º, inciso LVII), de só ser preso em flagrante delito ou mediante ordem fundamentada 
de autoridade judiciária (CF, artigo 5º, inciso LXI), de assistência familiar e de advogado, 
além de poder permanecer calado durante o seu interrogatório (CF, artigo 5º, inciso LXIII). 
No mesmo artigo, inciso LXXV, a Carta Magna estabelece ao Estado o dever de 
indenizar o apenado naqueles casos em que ele ficar preso além do tempo definido na 
sentença condenatória, situação que ocorre freqüentemente no cenário da execução penal no 
Brasil, raríssimas vezes, devidamente indenizada. 
 
 
2.2.1- Direitos fundamentais e execução penal 
 
 
Em matéria penal, é a Constituição Federal quem estabelece as regras e princípios a 
partir dos quais se efetivarão a legislação, o processo e a execução penal. Qualquer lei que 
contrarie as disposições constitucionais não tem validade e deve ser retirada do ordenamento 
jurídico, da mesma forma que a investigação, o processo e a execução penal devem ser 
praticados de acordo com o que está constitucionalmente previsto, especialmente no que diz 
respeito ao mandamento constitucional da dignidade, pedra angular do sistema penal. 
 21
O cumprimento das penas privativas de liberdade no Brasil é disciplinado pela 
Constituição Federal, pelo Código Penal e regulamentado pela Lei 7210/84, Lei de Execuções 
Penais (LEP). Todas as normas que instruem a execução penal encontram como limite as 
previsões constitucionais relativas aos direitos fundamentais do apenado. O legislador 
infraconstitucional, ao estipular qualquer regra referente ao cumprimento da pena de prisão, 
deve considerar tais pressupostos, sob pena de que a produção legislativa já tenha um 
nascimento eivado de inconstitucionalidade. 
Far-se-á, então, uma breve exposição a respeito das regras disciplinadas pela 
legislação infraconstitucional no tocante à execução penal para, em ocasião oportuna, analisar 
se a construção teórica do sistema penal contempla o mandamento constitucional da 
dignidade humana e se o mesmo tem sido observado no cumprimento das penas privativas de 
liberdade no Brasil. 
 
 
2.2.1.1- Regimes penitenciários 
 
 
Conforme o disposto § 1º do artigo 33 do Código Penal, são três os tipos de regimes 
penitenciários a serem aplicados ao condenado: fechado, semi-aberto e aberto. Esta pesquisa 
tem como objeto o regime fechado, mas, somente em título de ilustração, registram-se 
algumas diferenças entre os três regimes. 
No regime fechado, a pena é cumprida em estabelecimento penal de segurança 
máxima ou média. No período diurno é previsto o trabalho coletivo e, no período noturno, o 
recolhimento individual, ficando restrita, em regra, a saída do interior da penitenciária. 
 22
No regime semi-aberto, o infrator cumpre a pena em colônia penal agrícola, 
industrial ou estabelecimento similar. Este tipo de regime caracteriza-se pelo trabalho diurno, 
com vigilância moderada e recolhimento coletivo durante o repouso noturno. A saída do 
estabelecimento para freqüentar cursos profissionalizantes é permitida. 
No regime aberto, o apenado trabalha ou freqüenta cursos em liberdade durante o dia 
e se recolhe em Casa do Albergado ou estabelecimento adequado à noite, sábados, domingos 
e feriados. Como há poucas casas especializadas, na prática, o apenado cumpre sua pena em 
regime de prisão domiciliar. 
Para os condenados femininos e para os maiores de 60 anos a pena deve ser 
cumprida em regime especial e em estabelecimento próprio. Às mulheres presas é garantido o 
direito de permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (CF, artigo 5º, 
inciso L) em celas especiais. Trata-se de direito fundamental assegurado pela Constituição 
Federal no tocante aos cidadãos com mais de 60 anos e às mulheres que respondem a uma 
condenação penal. 
 
 
2.2.1.2- Espécies de penas 
 
 
O artigo 32 do Código Penal prevê como espécies de pena as privativas de liberdade, 
objeto de estudo deste trabalho, as restritivas de direitos e a de multa. 
O artigo 5º da Carta Constitucional, em seu inciso XLVIII, estabelece que “a pena 
será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o 
sexo do apenado”. 
 23
A diversificação do sistema carcerário tem previsão constitucional, com finalidade de 
proporcionar ao apenado tratamento particularizado, não aplicável a outro cidadão que 
responde a processo crime em situação semelhante, seguindo o princípio da individualização 
da pena prevista no inciso XLVI do mesmo dispositivo. Trata-se de direito indisponível do 
apenado. 
Pelas razões expostas, a legislação penal considera como espécies de penas 
privativas de liberdade a reclusão e a detenção, conforme dispõe o artigo 33 do Código Penal. 
São comuns as dúvidas quanto às diferenças entre as penas de reclusão e detenção. Na 
essência, são equivalentes e suas diferenças se destacam no plano de seus efeitos, sendo a 
reclusão destinada a crimes mais graves e a detenção para os de resultados menos gravosos. 
Segundo o disposto no artigo 33 do Código Penal, a pena de reclusão admite seu 
cumprimento tanto no regime fechado, quanto no semi-aberto e aberto, enquanto que a pena 
de detenção é prevista para infrações menos graves, sendo vedado o regime fechado para tal 
espécie, salvo em caso de regressão. Ou seja, a pena de reclusão admite a possibilidade de o 
cumprimento da pena iniciar-se no regime fechado, o que não ocorre na detenção. O regime 
fechado só é aplicável aos crimes apenados com detenção em caso de regressão de regime, a 
ser oportunamente conceituado. 
No âmbito de seus efeitos, as diferenças entre as penas de reclusão e de detenção são 
mais visualizáveis. No caso de o fato criminoso ser praticado por inimputável, punível com 
reclusão, a medida de segurança aplicada consiste na internação do agente em hospital de 
custódia e tratamento psiquiátrico. Se o fato for apenado com detenção, a medida de 
segurança será o tratamento ambulatorial. 
O efeito civil da perda de pátrio poder, curatela, tutela e poder familiar, decorre 
somente de crimes apenados com reclusão, não sendo previsto nos casos de aplicação da pena 
de detenção (Jesus, 2002 p.207). 
 24
Importante considerar que é direito do apenado, decorrente do princípio 
constitucional da proporcionalidade, derivado da dignidade humana, que a punição a ser por 
ele cumprida tenha um rigor proporcional à gravidade da infração praticada. Considerando 
tais pressupostos, assim foram definidas as espécies de pena adotadas pelo ordenamento penal 
no Brasil. 
 
 
2.2.1.3- Regras do regime fechado 
 
 
No § 2º do artigo 33 do Código Penal, é possível identificar as hipóteses em que oapenado inicia o cumprimento da pena em regime fechado: condenados à reclusão 
reincidentes, qualquer que seja a quantidade de pena imposta e condenados por prática de 
crime cuja pena seja superior a oito anos, reincidentes ou não. 
Caso a pena não seja superior a 4 anos e as circunstâncias judiciais previstas no 
artigo 59 do Código Penal sejam favoráveis ao condenado, em sendo ele reincidente, o regime 
inicial será o semi-aberto e não o fechado. Neste caso, o regime inicial será fechado somente 
se o réu for reincidente e as circunstâncias judiciais não lhe forem favoráveis. 
Conforme já examinado, o cumprimento das penas privativas de liberdade no Brasil 
foi regulamentado pela Lei 7210/84, a Lei de Execuções Penais (LEP), que posteriormente 
sofreu algumas modificações. 
As principais regras dispostas nesta lei sobre o regime fechado estabelecem que a 
pena deve ser cumprida em estabelecimento penitenciário (artigo 87), de segurança máxima 
ou média, onde o condenado deve trabalhar no período diurno e ficar isolado durante o 
repouso noturno, em cela individual com dormitório, aparelho sanitário e lavatório (artigo 88). 
 25
Segundo o parágrafo único de referido artigo, a unidade celular deve ter por requisitos a 
salubridade do ambiente e área mínima de seis metros quadrados. Aqui, inicia-se a inevitável 
verificação do enorme distanciamento que existe entre as previsões legais e a realidade do 
sistema carcerário brasileiro. 
No início do cumprimento da pena, o condenado deve ser submetido a exame 
criminológico para individualização da execução da pena (artigo 8º), seguindo o princípio 
constitucional estabelecido no artigo 5º, inciso XLVI. Este exame tem por finalidade 
classificar os presos, no sentido de aferir as características singulares de cada um, 
particularizando a execução no sentido de torná-la mais eficaz no que diz respeito à 
reeducação do apenado. 
Segundo as disposições legais, que posteriormente sofreu reformas, este exame 
deveria ser realizado por uma Comissão Técnica de Classificação existente em cada 
estabelecimento prisional, composta por psicólogos e assistentes sociais, no início do 
cumprimento da pena e também nos casos de progressão e regressão de regime. 
Isto porque a sentença penal condenatória estabelece o regime inicial de 
cumprimento da pena. Entretanto, observados alguns critérios, é possível ao preso progredir 
de um regime mais gravoso para um outro regime mais suave, sendo vedada a progressão 
“por salto”, ou seja, do regime fechado, não se pode progredir diretamente para o aberto, mas 
inicialmente para o semi-aberto. 
A chamada progressão de regime pode ser aplicada, desde que obedecidos os 
requisitos legais estabelecidos pela LEP, conforme disposto no artigo.112: “A pena privativa 
de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos 
rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da 
pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão”. 
 26
Segundo a LEP, a progressão deveria ser precedida de parecer da Comissão Técnica 
de Classificação e de Exame Criminológico, mas, como será examinado, a Lei sofreu 
modificações. O Ministério Público, obrigatoriamente, deve manifestar-se acerca da 
progressão do sentenciado, uma vez que atua como fiscal da lei. 
O artigo 118 da LEP estabelece a obrigatoriedade da regressão de regime para 
qualquer regime mais gravoso, quando o condenado pratica falta grave ou crime doloso, ou, 
ainda, quando sofre condenação por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da que está 
cumprindo, torna incabível o regime aberto ou semi-aberto. 
Estas são as disposições da Lei de Execuções Penais que sofreram algumas 
modificações com a Lei 10.792/03 que deu nova redação aos artigos 6º e 112. A nova Lei 
dispensou o o exame criminológico, para as progressões e regressões de regime, para as 
concessões de benefícios e para as conversões de pena. 
Portanto, de acordo com a lei vigente, o exame criminológico é exigido apenas para 
individualização do tratamento penal, embora, na prática, tal exame não venha sendo 
realizado ou, quando realizado, tem sido aplicado de maneira não satisfatória. 
O requisito objetivo para a progressão da pena também foi mantido, ou seja, o 
condenado deverá ter cumprido ao menos 1/6 da condenação. O requisito subjetivo, o mérito 
do apenado, deve ser atestado pelo diretor da penitenciária. Entretanto, mais uma vez, a Lei 
foi omissa, não definindo o que seria o “bom comportamento” do apenado. 
Polêmica tem sido a discussão em torno da progressão do regime para os crimes 
previstos na Lei 8072/90. O artigo 2º desta Lei prevê o cumprimento da pena em regime 
integralmente fechado para crimes hediondos, tortura, terrorismo e tráfico ilícito de 
entorpecentes. O artigo 1º, § 7º da Lei 9455/97, que trata dos crimes de tortura, dispõe que o 
condenado por este crime deve apenas iniciar a pena em regime fechado, permitindo, 
portanto, a progressão do regime, o que não ocorre nos demais crimes acima mencionados. Há 
 27
entendimento de que conferir tratamento diferenciado para crimes de igual gravidade incide 
em violação ao princípio da proporcionalidade. 
O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da 
Lei 8072/90 que estabelece o cumprimento integral em regime fechado para os crimes 
previstos nesta Lei. 
Os fundamentos da decisão sustentavam-se no fato de que a vedação da progressão 
afronta o direito fundamental da individualização da pena e a derrogação tácita de tal 
dispositivo pelo § 7º do artigo 1º da Lei 9455/97, que permite a progressão para os crimes de 
tortura, equiparado, pela Constituição Federal a crime hediondo, no artigo 5º inciso XLIII. 
Entretanto, tal decisão foi proferida em Hábeas Corpus, produzindo efeitos “entre as 
partes” o que não impede que outros juízes e tribunais possam decidir em contrário, até 
porque o Supremo Tribunal Federal sumulou que a progressão de regime admitida no crime 
de tortura não se aplica aos demais crimes hediondos (Súmula 698). 
Quando o assunto está relacionado aos direitos dos presos, é de suma importância 
lembrar o artigo 38 do Código Penal que dispõe que o apenado, ao ser preso, conserva todos 
os direitos não atingidos pela perda da liberdade, devendo ser preservadas sua integridade 
física e moral, em observância ao princípio da dignidade humana. 
A integridade física e moral dos detentos também é prevista como cláusula pétrea na 
Constituição Federal, por tratar-se de direito e garantia fundamental, previstos no artigo 5º, 
inciso XLIX da Carta Magna. 
Em fidelidade à disciplina constitucional, a Lei de Execuções Penais regulamentou, 
em seu artigo 41, diversos direitos dos detentos como alimentação e vestuário, atribuição de 
trabalho remunerado, previdência social, descanso e recreação, assistência à saúde, jurídica e 
de educação, proteção contra sensacionalismo, entrevista pessoal e reservada com o 
advogado, audiência especial com o diretor do estabelecimento, entre outros direitos. 
 28
A mesma Lei, artigo 183, e o Código Penal, artigo 41, garantem o direito ao 
condenado de ser transferido para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, nos casos em 
que a pena for convertida em medida de segurança, por superveniência de doença mental. 
Manter um condenado, nestas condições, preso em estabelecimento carcerário, constituiria 
flagrante afronta aos princípios constitucionais, em especial, ao princípio da dignidade da 
pessoa humana. 
Um benefício importante, o benefício da detração, está previsto no artigo 42 do 
Código Penal, que consiste em computar-se tanto na pena privativa de liberdadequanto na 
medida de segurança o tempo de prisão provisória e administrativa, no Brasil ou em país 
estrangeiro, e o de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (LEP, art.66, 
III, c). 
Segundo André Estefam (2006, p.190), existe uma lacuna na lei que se omite com 
relação à admissibilidade da detração para penas alternativas. Para o autor, deve-se suprir 
referida omissão com a aplicação da analogia in bonam partem, porque não haveria razão em 
admitir a detração para pena mais grave, no caso, a prisão, e vedá-la para as penas 
alternativas, o que violaria princípios constitucionais. 
Quanto ao trabalho do preso, segundo dispõe a Lei de Execuções Penais, as 
atividades devem ser pautadas em alguns critérios como, por exemplo, ter finalidade 
educativa e produtiva, ser remunerado, jornada normal de trabalho de 6 a 8 horas diárias com 
descanso nos domingos e feriados, desconto de um dia de pena para cada três dias de trabalho 
(remição da pena). 
Embora o trabalho seja obrigatório ao preso, a Constituição Federal vigente veda, 
como cláusula pétrea, o trabalho forçado, em seu artigo 5º inciso XLVII. O trabalho do preso 
é obrigatório, conforme a regra do inciso V do artigo 39 da LEP, que dispõe sobre os deveres 
 29
do preso. Se ele não trabalha, perde os benefícios da remição. Ficam isentos da obrigação 
somente o preso provisório e o preso político, para os quais o trabalho não é obrigatório. 
Mas a atribuição de trabalho, sua remuneração, previdência social, proporcionalidade 
entre o tempo de trabalho, descanso e recreação também estão previstos entre os direitos 
estabelecidos aos presos pela mesma Lei em seu artigo 41. 
O artigo 39 do Código Penal brasileiro dispõe sobre o trabalho do preso que deve ser 
sempre remunerado e sobre o direito de usufruir dos benefícios da Previdência Social. No 
mesmo sentido, a Lei de Execuções Penais em seu artigo 41, inciso II, estabelece que 
constitui um direito do preso a atribuição de trabalho e sua remuneração. Portanto, o trabalho 
é um dever do Estado e um direito/dever do preso. Direito no que diz respeito à remuneração 
e remição, e dever na medida em que, recusando-se a executá-lo, comete falta grave, segundo 
o estabelecido nos artigos 39, inciso V e 50, inciso VI da LEP. 
Segundo as disposições legais, àqueles que trabalham, os valores recebidos devem 
ser utilizados na seguinte ordem: primeiro, para indenizar a vítima; segundo, o Estado; 
terceiro, sua família; quarto, para seu uso pessoal. Do que restar de seu salário, em regra, não 
inferior a ¾ do salário-mínimo, fica como pecúlio. Mas, na realidade, o que efetivamente 
motiva o preso a trabalhar é a possibilidade de remição. 
Os artigos 31 a 37 da Lei de Execuções Penais disciplinam de que maneira deve ser 
realizado este trabalho. O artigo 32 dispõe que, ao se atribuir à atividade laboral ao apenado, 
devem ser consideradas suas habilidades pessoais, suas condições físicas, as necessidades 
futuras do preso, ao deixar o sistema e as oportunidades oferecidas pelo mercado. No entanto, 
esta é a teoria. Na prática, é muito diferente. 
Em tese, o trabalho deveria ser um aliado importante no processo de recuperação do 
infrator, preparando-o para sua reintegração no mercado de trabalho quando recuperar a 
 30
liberdade. O trabalho deveria ter como intuito maior desenvolver no preso a idéia de resgatar 
sua dignidade. 
Quanto ao trabalho externo, a Lei de Execuções Penais, artigo 36, considera-o 
admissível somente em serviço e obras públicas, ficando a remuneração por conta da entidade 
ou empreiteira a remuneração do preso. 
O artigo 37 estabelece como requisito para a concessão deste direito que o preso 
tenha cumprido no mínimo 1/6 de sua pena. Importante observar a súmula 40 do STJ, que 
considera como tempo de cumprimento de pena aquele cumprido em regime fechado. No que 
se refere à prestação de trabalho a entidades privadas, a lei também estabelece como requisito 
o consentimento expresso do preso (LEP, artigo 36, § 3º). 
No que diz respeito aos limites temporais da pena de prisão. O ordenamento jurídico-
penal brasileiro não reconhece a prisão perpétua. Trata-se de vedação constitucional, prevista 
como cláusula pétrea, no artigo 5º inciso XLVII. 
Caso o preso tenha mais de uma condenação, suas penas serão “unificadas”, 
utilizando terminologia corrente da doutrina, desde que observados alguns critérios 
específicos. No Brasil, a pena máxima é de trinta anos, trata-se de regra prática, ainda que o 
condenado tenha mais do que este tempo de pena para cumprir. A previsão legal deste limite 
encontra-se no artigo 75 do Código Penal que dispõe que “o tempo de cumprimento das penas 
privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos”. 
Além disso, é preciso observar a regra do § 2º do artigo 75 do Código Penal: 
“Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova 
unificação, desprezando-se para esse fim, o período de pena já cumprido”. 
Assim, se o condenado a trinta anos, que já tenha cumprido vinte anos, sofrer nova 
condenação de trinta anos por fato posterior, deverá cumprir mais trinta anos de pena 
 31
unificada. Não cumprirá os quarenta anos que resultariam da soma de dez que faltavam com 
os trinta anos da nova condenação. 
Para a concessão de benefícios legais, como o livramento condicional, a 
jurisprudência majoritária considera a pena aplicada e não os 30 anos. Por exemplo, um réu 
que tenha sido condenado a cem anos de prisão, para adquirir o direito ao livramento 
condicional não lhe bastará cumprir 1/3 de trinta anos, mas de cem anos, que foi a pena 
aplicada. (art. 83,I CP). 
No que diz respeito ao livramento condicional, trata-se também de direito assegurado 
ao apenado pela legislação infraconstitucional. O artigo 83 do Código Penal admite esta 
possibilidade para as penas privativas de liberdade iguais ou superiores a dois anos. O 
dispositivo estabelece que, se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons 
antecedentes, basta que tenha cumprido mais de 1/3 da pena. Caso contrário, para a concessão 
do benefício, deve ter cumprido mais da metade da pena. No caso de condenação por crime 
hediondo, tortura, terrorismo e tráfico de entorpecentes, é exigência legal o cumprimento de 
mais de 2/3 da pena, conforme estabelece o inciso V de citado artigo. 
A legislação penal também prevê como direito do apenado a possibilidade de 
substituição da privação da liberdade por uma das penas restritivas de direitos classificadas 
no artigo 43 do Código Penal, com a redação da Lei 9714/98, também chamadas de penas 
alternativas. Assim como o livramento condicional, o sursis, o regime aberto, a anistia, o 
indulto e a graça, as penas restritivas de direito são medidas alternativas que visam ao 
desafogamento das prisões. Trata-se de um rol taxativo, expressamente disposto pelo Código 
Penal: 
a. prestação pecuniária: consiste no pagamento à vítima, seus dependentes ou 
entidade pública ou privada de destinação social de um valor em dinheiro a ser fixado pelo 
 32
juiz, não inferior a um salário mínimo, nem superior a trezentos e sessenta salários 
(ESTEFAM, 2006, p.199); 
b. perda de bens e valores: esses valores são equivalentes ao prejuízo causado ou ao 
proveito obtido pelo infrator com a prática do crime; 
c. prestação de serviços à comunidade: para substituir a pena de prisão superior a seis 
meses. Foi prevista para não prejudicar a jornada normal de trabalho do apenado, portanto, é 
estabelecida na proporção de uma hora de trabalho em hospitais, creches, escolas, 
estabelecimentos públicos, por um dia de condenação; 
d. interdição temporária de direitos: são substituiçõesespecíficas previstas no artigo 
47 do Código Penal, compreendendo a proibição de exercer cargos ou funções públicas e 
mandatos eletivos, bem como exercer profissões que dependem de habilitação especial, 
proibição de freqüentar determinados lugares e suspensão da habilitação para condução de 
veículos automotores; 
e. limitação de fim-de-semana: prevista no artigo 48 do Código Penal, o apenado 
deverá permanecer em casa de albergado aos sábados e domingos por cinco horas diárias. 
Ao sentenciar, o Juiz aplica uma pena de prisão prevista na lei e, se observados os 
requisitos legais, o cárcere pode ser substituído por uma pena alternativa. Tais requisitos são 
estabelecidos pelo próprio Código Penal em seu artigo 44. A conversão da pena privativa de 
liberdade em uma pena alternativa, segundo referido dispositivo legal, é possível quando o 
condenado não é reincidente no mesmo crime doloso, quando a pena aplicada não é superior a 
quatro anos, quando o crime não é praticado com violência ou grave ameaça a pessoa e 
quando, qualquer que seja a pena aplicada, a condenação seja por crime culposo. 
Além destes requisitos, o juiz deve considerar ainda os elementos subjetivos para a 
substituição, ou seja, o mérito do apenado, devendo ser observado se as condições pessoais do 
 33
condenado indicam a substituição, devendo ele demonstrar que está apto a cumprir a pena 
substitutiva. 
De acordo com o § 2º do mesmo artigo, a pena de prisão igual ou inferior a um ano 
pode ser substituída por multa ou por restritiva de direitos; se superior a um ano, a prisão pode 
ser convertida em uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas penas alternativas. 
Se as restrições impostas, ou seja, se as penas alternativas não são cumpridas pelo 
apenado sem razão justificável, conforme prescritas, a medida se converte em prisão, nos 
temos do § 4º de referido artigo. O mesmo ocorre se houver outra condenação por outro 
crime, ressalvada a hipótese em que seja possível a aplicação de outra pena alternativa. 
Além das penas restritivas de direito, a Lei 9099/95 e a Lei 10259/01 estabelecem 
medidas processuais alternativas, como a transação penal e a suspensão condicional do 
processo para os crimes de menor potencial ofensivo e para as contravenções penais. Tais 
medidas representam uma alternativa para aqueles infratores que têm condições de cumprirem 
suas penas em liberdade, o que representa uma contribuição ímpar no sentido de diminuir a 
superlotação carcerária. 
 
 
2.2.1.4.- Sanções disciplinares - Regime disciplinar diferenciado 
 
 
A Constituição Federal brasileira, conforme já exposto anteriormente, elencou uma 
série de diretrizes ao legislador infraconstitucional no tocante à execução penal. Os princípios 
que emanam da constituição federal devem ser observados pelos agentes públicos durante 
todo o período em que o apenado fica sob a custódia estatal. Assim, as sanções e obrigações 
impostas aos presos durante o período de encarceramento devem estar alinhadas aos valores 
 34
constitucionais, principalmente àqueles que dizem respeito à dignidade da pessoa humana. 
Qualquer sanção que represente ofensa à integridade física ou moral dos presos é 
incompatível com tal princípio e, por via de conseqüência, inconstitucional à luz do 
ordenamento jurídico brasileiro. 
Cumpre observar que a legislação penal atribui não apenas direitos aos presos, mas 
também deveres. De acordo com o artigo 39 da Lei de Execuções Penais, constituem-se 
deveres do condenado: comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença; 
obediência aos servidores públicos da instituição e respeito a qualquer pessoa com quem 
deverá relacionar-se; respeito no trato com os demais condenados; conduta oposta aos 
movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; 
execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; submissão à sanção disciplinar 
imposta; indenização à vítima ou a seus sucessores; indenização ao Estado quando possível, 
das despesas realizadas com sua manutenção, mediante desconto proporcional da 
remuneração do trabalho; higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; conservação dos 
seus objetos de uso pessoal. Assim, o descumprimento de tais deveres pode implicar na 
aplicação de sanções disciplinares consistentes, conforme disposição do artigo 53 da LEP, em 
advertência verbal, repreensão, suspensão ou restrição de direitos, isolamento e inclusão no 
regime disciplinar diferenciado. 
Segundo dispõe o artigo 50 da LEP, o condenado à pena privativa de liberdade que 
participar de movimentos de subversão da ordem interna, fugir, portar instrumentos com 
potencial para ofender a integridade física de alguém, provocar acidente de trabalho ou 
descumprir seus deveres, comete falta grave, punível com sanções de suspensão ou restrição 
de direitos (banho de sol, visitas), isolamento ou inclusão no regime disciplinar diferenciado, 
conforme estabelece o artigo 57 da mesma Lei. 
 35
Este regime, conforme se afere da leitura do artigo 53 da LEP, alterado pela Lei 
10792/03, constitui sanção disciplinar destinada àqueles presos que cometerem falta grave por 
crime doloso ou por perturbação da ordem interna, àqueles que representam alto risco para a 
sociedade ou para o estabelecimento carcerário ou sobre os quais recaiam fundadas suspeitas 
de envolvimento ou participação em organizações criminosas, podendo ser aplicado tanto ao 
preso provisório, quanto ao condenado (art.52, § 1º e 2º). 
Segundo o mesmo dispositivo, o regime disciplinar diferenciado caracteriza-se pelo 
recolhimento do preso em cela individual, com direito a duas horas diárias de banho de sol, 
duas horas semanais de visita de duas pessoas e duração máxima de trezentos e sessenta dias, 
podendo ser reiterado por nova falta grave da mesma espécie até o limite de um sexto da pena 
aplicada (art.52, incisos I a IV). 
A inclusão do preso em regime disciplinar depende de requerimento do diretor do 
estabelecimento prisional e a autorização judicial deve sempre ser precedida de manifestação 
do Ministério Público, conforme estabelecem os parágrafos 1º e 2º do artigo 54. 
A instituição do regime gerou muita discussão em torno da sua constitucionalidade, 
havendo entendimento no sentido de que o regime é muito gravoso e de que configura 
verdadeira afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. 
Ao tempo de sua criação, acreditava-se que um endurecimento da disciplina 
carcerária seria a melhor forma de conter a violência e as rebeliões que se alastravam nos 
estabelecimentos prisionais. Entretanto, segundo os dados da Secretaria de Administração 
Penitenciária do Estado de São Paulo, o índice de reincidência no Regime Disciplinar 
Diferenciado é de 48%, mais alto do que os percentuais relativos aos outros regimes, o que 
parece demonstrar que tornar o regime mais gravoso não tem assegurado maior eficácia social 
ao sistema penitenciário paulista, assunto que será discutido oportunamente. 
 
 36
II- CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO PENAL 
 
 
Expostos os fundamentos constitucionais e os direitos fundamentais assegurados pela 
Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional em face do apenado, far-se-á uma 
leitura das teorias que informam este sistema, visando à sua compreensão e à identificação da 
teoria adotada pelo legislador penal no Brasil. 
A doutrina convencional divide as teorias em absolutas, relativas e mistas. Em linhas 
gerais, as teorias absolutas atribuem à pena a função de retribuição do mal injusto praticado 
pelo infrator por meio de um mal justo (a pena) que se impõe ao condenado. Assim, todas as 
doutrinas que concebem a pena como um fim em si mesmas, ou seja, as teoriasretribucionistas são, por conseguinte, absolutas. 
Por outro lado, as teorias relativas concebem a pena por seu caráter utilitário, qual 
seja, o de prevenir a prática de futuras infrações às normas penais, divididindo-se em duas 
versões: prevenção geral e prevenção especial. 
Embora esta divisão seja a mais adotada pela maioria dos manuais de Direito Penal 
estudados no Brasil, optou-se por seguir o caminho percorrido por Ferrajoli, que trata as 
teorias absolutas e relativas como doutrinas de justificação, distinguindo-as das tendências 
contemporâneas que oscilam do minimalismo ao abolicionismo penal. 
 
 
 
 
 
 
 37
1- Doutrinas de justificação 
 
 
O Direito Penal adotado pela maior parte dos ordenamentos jurídicos da atualidade é 
produto da Modernidade, definida pelos historiadores como o período que vai do 
renascimento cultural até a Revolução Francesa e os princípios da industrialização inglesa. 
Após o grande sono intelectual pelo qual passou a humanidade, no período medieval, 
o homem passou a ser observado de forma racional e humanista. Constituiu-se um modelo de 
racionalidade que evoluiu para uma série de transformações sociais, políticas, institucionais e 
tecnológicas desenvolvidas no mundo ocidental no século XVIII. 
Kant definiu este processo como aquele em que a humanidade atinge seu estágio de 
maioridade, ou seja, quando o homem faz uso de sua razão sem se submeter a nenhuma 
autoridade. 
Com a valorização do homem, instalou-se um conjunto de concepções e novas formas 
de pensar o mundo e seus fenômenos, enfim, um longo processo que culminou no Iluminismo 
e na Modernidade. 
Entretanto, a ideologia moderna dominou também no plano econômico e não apenas 
na esfera das idéias com a filosofia das luzes. A Europa tornava-se capitalista e o crescimento 
das capacidades e das diversas tecnologias intensificava as relações de poder, frustrando boa 
parte das promessas iluministas, fundamentadas em princípios de liberdade, igualdade, 
fraternidade. 
No âmbito do Direito, o positivismo jurídico passou a ser o porta-voz das classes 
economicamente favorecidas, constituindo um dos pilares do “garantismo”, fundamentado, 
por um lado, no princípio da legalidade, mas abrindo espaço, por outro, a práticas absolutistas, 
conforme se aferirá oportunamente. 
 38
Segundo Ferrajoli (2002, p.29), muitas são as doutrinas e teorias que integram esta 
tradição, as quais não são homogêneas entre si, nem tampouco traduzem os ideais iluministas, 
informando, paradoxalmente, tendências penais autoritárias e antigarantistas, justificadas pela 
legalidade que encerram. 
Segundo o autor, a questão central que envolve o garantismo reside na esfera de 
validade e de efetividade das normas, na medida em que os modelos normativos são 
tendentemente garantistas, enquanto que as práticas operacionais são flagrantemente 
antigarantistas, revelando um Direito que, embora válido pela legalidade que encerra, pode 
não ser efetivo do ponto de vista fático (2002, p.685). 
No caso do Brasil, observando os valores penais expressos pela Constituição Federal 
vigente, de acordo com a escala gradativa sugerida por Ferrajoli, constata-se um elevado grau 
de garantismo, enquanto que, em se considerando sua prática efetiva, os patamares são 
baixíssimos. 
Um dos significados de garantismo trazido por Ferrajoli diz respeito à sua 
perspectiva filosófico-jurídica, que exige do Estado a justificação de sua atuação com base na 
finalidade de garantia dos interesses que tutela (2002,p.685). 
No plano penal, uma das questões mais debatidas pelos doutrinadores é exatamente a 
que diz respeito à justificação do direito/dever de punir do Estado, dos fundamentos e 
finalidades do jus puniendi. Visando a um esclarecimento de tais questões, apresentar-se-ão, a 
seguir, as teorias mais discutidas entre os penalistas. 
 
 
 
 
 
 39
1.1 Teorias absolutas - justificação retributiva 
 
 
A pena sempre traduziu a idéia de vingança, o caráter de retribuição e de expiação, 
desde as vinganças (vindictas) praticadas pelos povos primitivos, passando pela justiça do 
Talião, pelas ordálias do Direito Germânico até as práticas inquisitivas do Direito Canônico. 
Na perspectiva de Ferrajoli, conforme já informado, são teorias absolutas todas 
aquelas que possuem uma justificação retributiva (2002, p. 204). Trata-se de uma cultura 
muito antiga, que foi se desenvolvendo em diferentes momentos históricos e que ainda 
persiste em nossos dias. 
Alguns doutrinadores, entre eles Bitencourt (2001, p.106), afirmam que as funções 
da pena, historicamente, estão relacionadas ao Estado Absolutista e ao Estado Burguês. No 
absolutismo, a pena tinha um caráter de expiação de pecados.Concebia-se que o infrator, ao 
desobedecer ao monarca, desobedecia ao próprio Deus. A partir do Iluminismo, o crime 
passou a ser visto como uma infração ao pacto social e a pena tinha por finalidade evitar esta 
violação. (BITENCOURT, 2001, p.106). 
Em linhas gerais, os adeptos das teorias absolutas concebem a pena como “castigo”, 
“restauração”, “reparação”, “retribuição”, “vingança”. Pune-se porque a pena é um castigo 
merecido pelo infrator pelo mal que praticou. A pena é analisada como um fim em si própria, 
de caráter aflitivo, opondo-se a qualquer finalidade utilitária. O caráter da punição é retribuir 
um mal injusto praticado pelo infrator com um “mal justo” previsto no ordenamento jurídico 
(MIRABETE, 2003, p.244). 
Ferrajoli (2002, p.205) informa que a justificação retributiva circunda idéias de 
caráter religioso, quais sejam, vingança, expiação e proporcionalidade entre pena e delito. O 
caráter laico nasceu com os estudos de Kant e Hegel. 
 40
Segundo o autor, as teorias absolutas encontraram seu caráter secularizado nos 
estudos de Kant e Hegel. Kant concebia a pena como um castigo imposto por uma exigência 
ética, sem qualquer conteúdo ideológico, devendo ser aplicada como uma conseqüência 
natural do delito. Segundo a concepção kantiana, somente com a aplicação do “mal da pena” 
imposto ao “mal do crime” seria possível reestabelecer uma igualdade que reparasse a moral. 
Para tanto, Kant adotava os princípios taliônicos em sua tese para determinar a qualidade e a 
quantidade da pena (1980, p.50). 
Conforme já verificado, quando se discutiu o conceito de dignidade humana, Kant 
concebia o homem como um fim em si mesmo, não como instrumento dos desígnios de seus 
semelhantes. Assim, a pena deve ser imposta ao culpado pela única razão de ele haver 
cometido um crime, porque, na sua concepção, a pena fundamenta-se na infração praticada, 
sem qualquer finalidade preventiva. A gravidade do crime é que determina o castigo a ser 
imposto ao infrator e por isso a retribuição kantiana tem natureza ética (1980, p.50). 
Enquanto a tese kantiana atribuía ao ato de punir uma justificativa ética, para Hegel, 
a pena era uma retribuição jurídica. Na concepção hegeliana, ao cometer um crime, o infrator 
violava o Direito. A pena, portanto, seria um instrumento para restabelecer o ordenamento 
violado (1980, p.50). 
De acordo com o que Corrêa Junior e Shecaira (2002, p.130), Hegel adotou o método 
dialético em seus estudos sobre a pena. A vontade geral expressa na lei seria a tese; o crime 
praticado pelo infrator seria uma negação desta lei, uma antítese; e a pena seria a síntese, ou 
seja, a negação da negação do Direito. 
Para Ferrajoli, as distinções entre as duas teorias são apenas aparentes porque a idéia 
da “retribuição jurídica”, em Hegel, também se baseia no valor moral ligado ao ordenamento 
jurídico violado. 
Para o autor, ambas as concepções são insustentáveis: 
 41
Trata-se da sobrevivênciade antigas crenças mágicas que derivam de uma 
confusão entre direito e natureza, vale dizer, a idéia da pena como 
restauração ou remédio ou reafirmação de uma ordem natural violada, ou 
ainda daquela religiosa do contrapasso e da purificação do delito por meio 
do castigo, ou aquelas igualmente não razoáveis da negação do direito por 
parte do erro e da simétrica reparação deste pelo direito (2002, p. 206). 
 
 
Zaffaroni, em sua obra Em busca das penas perdidas, trata da “deslegitimação” da 
pena retributiva. Para o autor, a indenização material e moral do ofendido é uma forma mais 
efetiva de se reparar o prejuízo causado pelo crime do que a opção pelo “castigo”, pela 
retribuição. 
Defende a idéia de que a retribuição do mal causado pelo crime por um “mal justo”, 
que seria a pena, envolve os mesmos problemas do contratualismo, ou seja, poderia funcionar 
em uma sociedade igualitária, em que a pena não atingisse apenas as parcelas menos 
favorecidas da sociedade, mas a todas as classes sociais. 
Para o autor, não é o que ocorre numa sociedade real. As penas retributivas 
alcançam apenas a porção marginal da sociedade, restando impunes aqueles que ocupam o 
ápice da pirâmide social (2001, p.82). 
Ferrajoli, em seus estudos sobre o garantismo penal, estabeleceu uma escala 
graduada que oscila entre dois extremos que denomina “direito penal mínimo e direito penal 
máximo”. O modelo minimalista assegura uma gama maior de garantias ao cidadão contra o 
arbítrio estatal, representação própria dos Estados Democráticos de Direito. Por outro lado, os 
modelos que se aproximam do direito penal máximo configuram sistemas próprios dos 
Estados absolutistas, autoritários. 
O autor afirma que as doutrinas absolutas e as penas retributivistas revelam-se 
legítimas apenas para fundamentar modelos não liberais de direito penal máximo, uma 
espécie de “talião”, tendo como único objetivo a “troca do mal com o mal” (FERRAJOLI, 
2002, p.208). 
 42
A maior parte dos autores contemporâneos, entre eles Corrêa Junior e Shecaira, não 
são partidários do retributivismo, embora alguns entendam que a teoria contribuiu para se 
estabelecer regras para a dosimetria penal e a concepção de proporcionalidade. De qualquer 
maneira, retribuir “o mal com o mal”, “expiar” o crime, “castigar” o infrator, são modelos 
incompatíveis com a dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de 
Direito. 
 
 
1.2 Teorias relativas - justificação utilitarista 
 
 
Em contrapartida às teorias absolutas que justificam a pena por seu caráter 
retributivo, as teorias relativas defendem uma fundamentação utilitarista, segundo a qual a 
finalidade do ato de punir seria a de prevenir a prática criminosa. A doutrina tradicional 
identifica esta tendência com a Escola Clássica. 
Segundo Ferrajoli (2002, p.205), as teorias absolutas são quia peccatum, ou seja, 
relacionam-se a um tempo passado, na medida em que a pena é voltada a retribuir um mal já 
praticado; enquanto que as teorias relativas são ne peccetur, ou seja, dirigem-se a um tempo 
futuro, uma vez que a aplicação da pena é orientada a prevenir a possibilidade fática de 
acontecer um crime que ainda não aconteceu . 
As doutrinas relativas são estudadas em duas perspectivas: prevenção geral e 
prevenção especial, concebidas em um sentido negativo e em um sentido positivo. De 
qualquer forma, para as justificações utilitaristas, ao contrário das retributivas, as penas não 
são consideradas como um fim em si mesmas. Embora os seus adeptos entendam a pena como 
um mal necessário, assim como nas doutrinas absolutas, os utilitaristas defendem a idéia de 
 43
que o ato de punir não esteja orientado a retribuir o crime praticado, mas a prevenir a prática 
de novos crimes. 
Os manuais de Direito Penal brasileiro informam que, de acordo com a teoria da 
prevenção geral, ao se aplicar a pena, promove-se a prevenção de novas práticas ilícitas e esta 
finalidade preventiva é dirigida a todos os membros do meio social, enquanto que, segundo a 
teoria da prevenção especial, o intuito da prevenção é voltado à pessoa do infrator. 
Para os manualistas, a prevenção, analisada sob seu aspecto negativo, tem a 
finalidade de “intimidar” a prática de novos delitos, quer em sua versão geral, quando dirigida 
a todos os membros da sociedade, quer em sua versão especial, quando dirigida ao infrator, 
cujo instrumento, por excelência, é a prisão. 
Por outro lado, quando observada sob seu aspecto positivo, relaciona-se à 
consciência da vigência da norma. No dizer de Corrêa Junior e Shecaira, em seu sentido 
positivo, dirige-se à finalidade de estimular o cumprimento das normas jurídicas, à formação 
do conhecimento e necessidade de sua vigência (2002, p.132). No que diz respeito à 
prevenção especial, o sentido positivo está relacionado à finalidade educativa e 
ressocializadora, alvo de muitas polêmicas, o que será discutido oportunamente. 
Em síntese, as correntes utilitaristas sempre atribuíram à pena um propósito comum: 
a prevenção de futuros delitos. Entretanto, em breve olhar sobre as teorias defendidas por 
aqueles autores que se identificam como “utilitaristas”, é possível reconhecer algumas 
nuances que os diferenciam uns dos outros. 
Ferrajoli (2002, p.212) observa que, até o final do século XVIII, não havia vertentes 
diferenciadas do utilitarismo penal. Somente a partir daí os doutrinadores passaram defini-las 
segundo a finalidade preventiva constituir ou não o objeto único da pena. Desde então, foram 
definidos os critérios de prevenção geral, prevenção especial, bem como os sentidos positivo e 
negativo que, combinados, deram origem a quatro tipos de doutrinas utilitaristas: prevenção 
 44
especial positiva, prevenção especial negativa, prevenção geral positiva e prevenção geral 
negativa. 
 
 
1.2.1- Prevenção geral positiva 
 
 
Na maioria dos trabalhos de Criminologia, encontra-se uma divisão da teoria da 
prevenção geral positiva em duas vertentes: a fundamentadora, cujos expoentes são Welzel e 
Jakobs, e a limitadora, defendida por Hassemer e Roxin. 
Convergem os autores no sentido de que a prevenção geral positiva limitadora 
vislumbra na pena o caráter de limitar o poder punitivo estatal paralelamente à difusão e 
confirmação dos valores contidos na norma penal. O Estado que, ao exercer o jus puniendi, 
extrapolar tais limites estará exercendo um poder arbitrário. 
Corrêa Júnior e Shecaira, ao explorarem o trabalho de Hassemer, sintetizam-no na 
idéia de que a pena pode ser entendida como uma reação estatal voltada à difusão da 
consciência social da norma e ao auxílio ao infrator para sua reinserção social, obedecendo 
aos critérios de proporcionalidade (2002, p.132). 
Segundo os mesmos autores, Roxin, outro expoente da versão limitadora da 
prevenção geral positiva, acrescenta à finalidade preventiva da pena a idéia da subsidiariedade 
do Direito Penal, questionando a sua legitimação e eficácia no que diz respeito à reintegração 
social do apenado, o que aproxima as suas idéias ao minimalismo penal. 
A prevenção geral positiva fundamentadora tem como principais defensores Welzel 
e Jakobs. 
 45
Segundo Bitencourt, Welzel vislumbrava uma função social ao Direito Penal, 
enquanto que Jakobs repetiu a teoria de Hegel, segundo a qual a pena é a “negação da 
negação do Direito”. Desta forma, suas idéias assumiram contornos retribucionistas, pois 
concebia a idéia de que após a prática do crime, é necessária a intervenção do Estando, 
visando à reforçar para a sociedade que a norma continua vigente (2002, p.86). 
Ferrajoli afirma que Jakobs nada mais fez do que repetir a teoria sistêmica de Niklas 
Luhmann que justificava a penacomo fator de equilíbrio do ordenamento e de fidelidade dos 
cidadãos nas instituições, devolvendo à coletividade a confiança abalada pelas infrações. No 
plano sociológico, Jakobs em nada inovou a teoria de Emile Durkheim que havia concebido a 
pena como instrumento para reafirmar os sentimentos coletivos de solidariedade contra os 
agressores, constituindo-se, portanto, como um fator de estabilização social (2002, p.222). 
 
 
1.2.2- Prevenção geral negativa 
 
 
Conforme Bitencourt, a teoria da prevenção geral, em sua concepção negativa, 
prevê como finalidade da pena a intimidação da coletividade no sentido de atemorizar 
possíveis infratores, coibindo-os da prática de quaisquer delitos (1993, p. 115). 
Tal concepção coloca o infrator na posição do “bode expiatório”, quando não do 
hommo saccer, o “matável não sacrificável”, citado por Aganben, na medida em que o 
princípio orientador desta tendência parece ser no sentido de que “os fins justificam os 
meios”, o que contraria a concepção kantiana de que cada pessoa constitui um fim em si 
mesma. 
 46
Beccaria e Bentham foram os principais nomes desta doutrina, dentre os 
reformadores e pensadores jusnaturalistas do século XVIII. 
Segundo os historiadores, foi inspirado pelo contratualismo de Rousseau que 
Beccaria escreveu Dei deltiti e delle Penne, obra em que estabeleceu diretrizes para a reforma 
penal fundada no princípio utilitarista, defendendo a humanização das penas e o fundamento 
do direito de punir. A tendência prevencionista manifesta-se em seu conhecido 
posicionamento de que é preferível a prevenção à punição dos delitos (2002, p.101). 
Jeremias Bentham adotou, como Beccaria, o utilitarismo da pena, com a finalidade 
principal de prevenção dos delitos pela intimidação da coletividade por meio da imposição de 
uma pena. Idealizou o Panoptismo, “o olhar que tudo vê”, como a estrutura ideal para o 
sistema carcerário, consistente em uma estrutura periférica anelar, dividida em células, tendo, 
no centro, uma torre, do interior da qual um vigia, que materializa o olhar do poder estatal, 
tudo pode ver no interior das celas, sem nunca ser visto por quem as ocupava. (FOUCAULT, 
2003, p.166). O cárater intimidatório pode ser facilmente vislumbrado. 
Segundo Michel Foucault (2003, p.79), o verdadeiro objetivo da reforma visava 
tornar o poder de punir mais eficaz, diminuindo seu custo econômico e político. A questão 
não era punir menos, ao se tentar excluir os suplícios, mas punir melhor e mais eficazmente. 
Para tanto, foram idealizadas algumas novas técnicas de punir, baseadas em algumas 
regras: 
Regra da quantidade mínima: deve existir uma proximidade entre a pena e o 
crime, uma "quase-equivalência". 
Regra da idealidade suficiente: o corpo do condenado não é o sujeito do 
sofrimento, mas objeto de uma representação. O que deve ficar na memória é o que representa 
a pena e não a realidade corpórea: "não mais o corpo, a alma". 
 47
Regra dos efeitos laterais: os efeitos da pena devem ser mínimos para o condenado 
e mais intensos para os que a imaginam 
Regra da certeza perfeita: devem ser claras as leis que definem os crimes e 
prescrevem as penas. Nenhum crime deve ficar impune. 
Regra da verdade comum: a verdade do crime será equiparada a uma verdade 
matemática e só será admitida após inteiramente comprovada. 
Regra da especificação ideal: as infrações devem ser claramente qualificadas e 
especificadas, classificadas em um código explícito que defina os crimes e fixe uma pena 
(2003, p. 79). 
Ocorre que tal concepção utilitarista da pena pode legitimar tendências penais 
orientadas à intervenção máxima (“pena proporcional ao delito”), que atendem, antes de mais 
nada, aos interesses das classes economicamente favorecidas, punindo com rigor os setores 
marginais de nossa sociedade, assunto a ser oportunamente discutido. 
Para a teoria da prevenção geral negativa, a pena seria nada mais do que um meio 
para garantir a eficácia da lei penal, ou seja, para justificar o Direito Penal. Ela não tem por 
finalidade o infrator como indivíduo. 
Em uma linha paralela, Feurbach, Romagnosi e Schopenhauer concebiam a pena não 
por sua perspectiva paradigmática, como Bentham e Beccaria, mas por um caráter de 
“ameaça” contida na Lei Penal. As idéias defendidas por estes autores também têm uma 
nuance de “Direito Penal do terror”, na medida em que essa ameaça, ou intimidação, será 
mais eficaz, quanto mais severas forem as punições estabelecidas pelo legislador. É o que 
informa Ferrajoli (2002, p.225). 
Feuerbach, criou uma teoria, a que chamou teoria da coação psicológica, segundo a 
qual só é possível a extinção da criminalidade se a pena representar uma ameaça capaz de 
coibir a prática criminosa: 
 48
Entre todas as imagináveis medidas de segurança das ofensas em geral, 
nenhuma é tão geralmente eficaz como a ameaça de males físicos, com as 
quais a ação ofensiva vem condicionada. Essa age diretamente de modo 
contrário ao fundamento último dos desejos antijurídicos e elimina, 
causando o medo, o mesmo princípio interno do qual aqueles provêm 
(FERRAJOLI apud FEURBACH, 2002, p. 255). 
 
O autor prenuncia a idéia de que as pessoas deixam de cometer infrações na medida 
em que existir uma previsão da aplicação de uma pena para todos os que praticarem condutas 
criminosas. Eis a idéia da coação psicológica. 
A obra de Giandomenico Romagnosi tem alguns pontos em comum com o 
pensamento de Beccaria, entre eles, a idéia de que a pena tem como uma de suas finalidades a 
defesa social. Entretanto, Romagnosi contestava a hipótese utilitarista do pacto social. Mas a 
idéia principal de Romagnosi é a de que a pena não constitui o únido meio de defesa social. 
Entendia que, antes de sua aplicação, deveria ser feito um trabalho preventivo das infrações, 
através da melhoria das condições sociais (BARATTA, 1982, p. 34). 
Schopenhauer defendia a idéia de que o direito de punir é fundado na lei positiva, 
que fixa uma pena, que representa uma ameaça destinada a impedir a sua violação, visando à 
segurança da sociedade. Assim, todas as infrações devem ser previstas em lei, positivadas, 
encerrando uma ameaça que tem por finalidade a prevenção da criminalidade através de uma 
intimidação (FERRAJOLI, 2002, p.256). 
Estabelecidas tais considerações, fica latente a idéia de que a prevenção geral em seu 
caráter intimidatório até pode justificar a aplicação da pena e, num sentido mais amplo, o 
próprio Direito Penal. Entretanto, num Estado Democrático de Direito, o homem deve ser 
considerado “como um fim em si mesmo”, conforme a concepção kantiana. Então, o critério 
utilitarista, tal e qual o retributivista, parece incompatível com o valor da dignidade da pessoa 
humana, na medida em que aquele que infringiu a lei penal receberá uma punição que servirá 
como meio de intimidar os demais membros da sociedade a fim de não cometerem infrações. 
 
 49
1.2.3- Prevenção especial 
 
 
Aqui deitam as raízes daquilo que se configurou como “ressocialização”. Conforme 
informado anteriormente, a prevenção especial centraliza a finalidade da pena na pessoa do 
infrator. A doutrina convencional a concebe em dois sentidos: um sentido positivo e um 
sentido negativo, que não necessariamente se excluem entre si. 
Claus Roxin, em sua obra Problemas fundamentais de Direito Penal, comentando a 
prevenção especial, afirma que a pena atua sobre o infrator “corrigindo o corrigível”, 
“intimidando o intimidável”, e “neutralizando o incorrigível e aquele que não é intimidável”, 
através da prisão (1993, p.20). 
No mesmo sentido, Ferrajoli (2002, p.213) subdivide a prevenção especial em duas 
finalidades: uma positiva, ligada à reeducação

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