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ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Caro(a) aluno(a),
A Universidade Candido Mendes (UCAM), tem o interesse contínuo em
proporcionar um ensino de qualidade, com estratégias de acesso aos saberes que
conduzem ao conhecimento.
Todos os projetos são fortemente comprometidos com o progresso educacional
para o desempenho do aluno-profissional permissivo à busca do crescimento
intelectual. Através do conhecimento, homens e mulheres se comunicam, têm
acesso à informação, expressam opiniões, constroem visão de mundo, produzem
cultura, é desejo desta Instituição, garantir a todos os alunos, o direito às
informações necessárias para o exercício de suas variadas funções.
Expressamos nossa satisfação em apresentar o seu novo material de estudo,
totalmente reformulado e empenhado na facilitação de um construto melhor para
os respaldos teóricos e práticos exigidos ao longo do curso.
Dispensem tempo específico para a leitura deste material, produzido com muita
dedicação pelos Doutores, Mestres e Especialistas que compõem a equipe docente
da Universidade Candido Mendes (UCAM).
Leia com atenção os conteúdos aqui abordados, pois eles nortearão o princípio de
suas ideias, que se iniciam com um intenso processo de reflexão, análise e síntese
dos saberes.
Desejamos sucesso nesta caminhada e esperamos, mais uma vez, alcançar o
equilíbrio e contribuição profícua no processo de conhecimento de todos!
Atenciosamente,
Setor Pedagógico
 
Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 3 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................4 
 
CAPÍTULO 1 - ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E 
ADULTOS ......................................................................................................................................5 
OS SIGNIFICADOS DA ALFABETIZAÇÃO .........................................................................10 
ALFABETIZAÇÃO COMO BUSCA DE EMPREGO .........................................................10 
ALFABETIZAÇÃO COMO VALORIZAÇÃO DA IMAGEM SOCIAL ............................11 
ALFABETIZAÇÃO COMO PRAZER EM APRENDER ....................................................12 
ALFABETIZAÇÃO COMO EXERCÍCIO DA CIDADANIA .............................................13 
ALFABETIZAÇÃO COMO USO DA NORMA-PADRÃO DA LÍNGUA .........................13 
ALFABETIZAÇÃO COMO BUSCA DE MAIS CONVIVÊNCIA SOCIAL ......................15 
 
CAPÍTULO 2 – A RELAÇÃO ENTRE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA 
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: QUESTÕES CONCEITUAIS E SEUS 
REFLEXOS NAS PRÁTICAS DE ENSINO E NOS LIVROS DIDÁTICOS .......................19 
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: CONCEITOS DISTINTOS, MAS 
INDISSOCIÁVEIS ....................................................................................................................21 
A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA PERSPECTIVA DO 
LETRAMENTO ........................................................................................................................25 
 
CAPÍTULO 3 - ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: O DIREITO DE SER USUÁRIO 
DA LÍNGUA ESCRITA ..............................................................................................................26 
DIALOGICIDADE ENTRE OS TEMAS: LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO ..............27 
A PRÁTICA DE LETRAMENTO DENTRO E FORA DA ESCOLA: O DIREITO DE SER 
USUÁRIO DA LÍNGUA ...........................................................................................................31 
 
CAPÍTULO 4 - AS ESTATÍSTICAS DA ALFABETIZAÇÃO ..............................................37 
GRANDES TENDÊNCIAS .......................................................................................................37 
UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA ......................................................................................40 
INDICAÇÕES PARA AS POLÍTICAS ....................................................................................48 
 
CAPÍTULO 5 - PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: DO QUE ESTAMOS FALANDO E 
O QUE ESTAMOS APRENDENDO .........................................................................................52 
SOBRE O QUE ESTAMOS FALANDO? ................................................................................53 
SOBRE O QUE ESTAMOS APRENDENDO? ........................................................................58 
 
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................65 
 
 
Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 4 
INTRODUÇÃO 
 
Os termos Alfabetização e Letramento estão no topo das discussões no tocante a 
educação e desenvolvimento das sociedades. Nunca se viu tantas ações afirmativas, medidas 
compensatórias, com o objetivo de dirimir os altíssimos níveis de analfabetismo no país, legado 
este que tem sua origem nos primórdios de nossa história colonial. É valido ressaltar que o 
analfabetismo não está presente somente no contexto histórico brasileiro, trata-se, portanto de 
um legado da história da educação e porque não dizer da história da humanidade, irrigado por 
seu contexto preconceituoso, elitista e excludente. 
Para tentar compreender o que é alfabetização e letramento, quais as diferenças entre os 
termos, se é que realmente há ou deve haver estas diferenças, é preciso inicialmente conhecer 
alguns caminhos percorridos pela história da educação. Em meio a tantos discursos utópicos 
sobre práticas e métodos de alfabetização e importante refletir sobre o sentido da educação. Para 
tanto, convido-o a pensar, o que é educação? Qual sua missão na história da humanidade? Como, 
onde e quando esta educação acontece dentro do contexto social? 
Educar na contemporaneidade tem se tornado um desafio cada vez maior para os 
educadores e governantes, uma vez que a educação atual exige perpassar muitos obstáculos, 
dentre estes, destaque para a formação adequada de educadores de jovens e adultos, já que exige 
o rompimento de paradigmas e conceitos prévios de como conceber a educação para esta 
modalidade de ensino, para tanto não se trata apenas de munir os educandos de capacidades 
cognitivas para o domínio das técnicas de leitura e escrita é preciso ir além preparando-os para o 
exercício da cidadania. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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CAPÍTULO 1 
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 
 
Inez Helena Muniz Garcia1 
 
esde 1993 estamos envolvidas com a educação de jovens e adultos através do 
Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos do Banco do Brasil, BB Educar, 
sobre o qual, o Professor Paulo Freire, em entrevista2 concedida ao Departamento 
de Formação Profissional dos Funcionários do Banco do Brasil, em 1994, assim se 
expressou: 
Hoje, eu tenho uma certa autoridade como pedagogo, como gente, para dizer que esse 
projeto tem sentido. Para mim, é uma alegria eu não ter morrido antes e que possa dizer, 
gravar, publicar, escrever, fazer discursos em beira de estrada, que esse é um projeto 
pelo qual vale a pena brigar e no qual vale a pena lutar. 
 
A nossa experiência como alfabetizadora de jovens e adultos e como educadora 
formadora de alfabetizadores (as) de jovens e adultos levou-nos a uma pesquisa sobre jovens e 
adultos em processo de alfabetização. A pesquisafoi realizada no município de São Gonçalo 
(RJ), situado na região metropolitana do Rio de Janeiro, em uma escola pública municipal, com 
alunos (as) na faixa etária entre 18 e 70 anos, dos gêneros feminino e masculino. 
A nossa pesquisa e esse nosso texto tiveram como premissa a pedagogia freireana: a 
crença de que “o mundo não é. O mundo está sendo” (FREIRE, 1983, p.85), ou seja, o oprimido 
não pode perder a liberdade de um outro mundo possível. 
A questão que se colocou como ponto de partida para nossa pesquisa foi: o que move 
jovens e adultos em processo de alfabetização e escolarização a iniciarem seus estudos ou 
retornarem à escola nessa fase de suas vidas. 
Definimos grupo focal como técnica de investigação a ser adotada. A opção por essa 
estratégia de pesquisa se deu, pois compreendemos que o trabalho com um grupo focal 
proporcionaria uma maior escuta, capaz de apreender brechas, atalhos, frestas, que possibilitasse 
ao pequeno grupo, através das interações e compartilhamento de idéias, trazer à tona o não-dito, 
 
1 Mestre em Educação pela UFF. Educadora formadora de alfabetizadores do Programa de Alfabetização de Jovens 
e Adultos do Banco do Brasil, BB Educar. (inezhmg@superig.com.br). 
2 Gravada em fita VHS. 
D 
 
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o encoberto e uma reflexão crítica sobre o seu próprio discurso. Numa perspectiva freireana de 
educação, buscou-se privilegiar o diálogo como “pronúncia” do mundo. Mundo esse que os 
alunos querem ter a coragem de pronunciar com as suas palavras, formuladoras de suas 
necessidades e desejos, com as suas “leituras”, que ainda não são as da palavra escrita. 
As falas dos (as) alunos (as) pesquisados são depoimentos que, no contexto nacional de 
analfabetismo, podem ser representativos do perfil das pessoas adultas em processo de 
alfabetização/escolarização, para nos fazerem refletir sobre as condições sócio-político-
econômicas que contribuíram para os índices de analfabetismo que ainda hoje temos3. 
O adulto não retorna à escola com a intenção de recuperar um tempo perdido ou para 
aprender algo que não aprendeu quando criança. O que ele busca é um aprendizado para as suas 
necessidades atuais. 
Levando em conta então as demandas por leitura e escrita dos (as) alunos pesquisados 
(as), recorremos à noção de letramento e buscamos averiguar as relações entre o processo de 
letramento e o processo de escolarização. 
A noção de letramento é relativamente recente no cenário educacional e está relacionada 
à participação dos sujeitos nas práticas sociais que têm como eixo a linguagem escrita. Em 
sociedades letradas, o atravessamento da escrita na vida como um todo se faz de um modo forte, 
não só nas atividades de leitura e de escrita propriamente, mas nas atividades orais, já que a fala 
das pessoas letradas é muito marcada pela linguagem que se escreve. Este quadro se modifica 
dependendo do acesso que se tem a círculos letrados, diferenciando-se, portanto, entre as classes 
sociais. Uma perspectiva de letramento, de certo modo diversa, nos é mostrada por Mey (2001). 
Conforme Mey (2001, p. 240): “o letramento é também produto de uma participação 
ativa em determinada atividade social e produz uma certa disposição; o modo como alguém 
participa de certa atividade, e, conseqüentemente, a voz que alguém está apto a assumir [...]”. O 
autor utiliza a palavra “voz” no sentido metafórico “para qualquer atividade relativa ao uso da 
linguagem”. Podemos relacionar tais vozes às variedades lingüísticas e especialmente à 
variedade considerada padrão, a chamada norma culta. Quer dizer, a participação ativa em 
determinada atividade social letrada me torna apto a assumir a voz letrada. A voz letrada seria a 
 
3 Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Censo Demográfico 2000, a taxa de 
analfabetismo na população de 15 anos ou mais é de 13,6%, o que corresponde a 16.295.000 de brasileiros (as). 
 
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voz legitimada socialmente. De acordo com Mey (2001, p.241): “o letramento não é o que torna 
as pessoas letradas, mas sim a maneira como essas pessoas funcionam em um discurso societal 
utilizando suas próprias vozes”. 
Como, então, tratar a questão do letramento levando em conta uma sociedade em que 
estão presentes muitas vozes? Tfouni (2004, p. 10) nos diz que: “o letramento tem por objetivo 
investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse 
sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social”. 
Muito se tem discutido sobre os significados do letramento, mas algo parece ser comum 
a alguns autores (Goulart, 2001, 2002; Kleiman, 2001; Ribeiro, 1999; Soares, 2001, 2002, 2003 e 
Tfouni, 1988, 2004). A noção surge da necessidade de explicar algo que é mais amplo que 
alfabetização, ou seja, que vai além do domínio da tecnologia da leitura e da escrita, uma vez que 
nas sociedades grafocêntricas em que vivemos hoje, novas formas de uso social da leitura e da 
escrita, inclusive por aquelas pessoas consideradas analfabetas, vêm se dando. Os analfabetos 
envolvem-se em práticas sociais diárias de leitura e de escrita, quer seja ao pedir alguém que leia 
o nome de um ônibus ou de uma rua, que leia uma carta que recebe, que veja o prazo de validade 
de um produto no supermercado, que anote um recado para alguém etc. Embora não saibam ler e 
escrever, essas pessoas, de certo modo já apresentam graus de letramento, uma vez que estão 
imersas num mundo letrado e fazem uso, de uma forma ou de outra, da leitura e da escrita. 
Soares (2001, p. 37) diz que “tornar-se letrado traz, também, conseqüências 
lingüísticas”, conforme apontamos na parte inicial desta seção. O depoimento, abaixo transcrito, 
de uma das alunas com quem conversamos, sugere que ela já se percebe falando de uma forma 
diferente da que falava anteriormente: Então você estudando, você vai aprendendo, vai 
desenvolvendo, vai falando um monte de coisa. (NEIDA, 28 anos, doméstica). 
Soares (2002, p. 145) apresenta letramento como: “o estado ou condição de indivíduos 
ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de 
leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento”. A autora identifica 
duas dimensões de letramento: a individual e a social. 
A dimensão individual de letramento, que envolve especificamente a competência de ler 
e escrever e compreender o que está lendo e escrevendo, requer um conjunto de habilidades, 
 
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quais sejam: motoras, cognitivas e metacognitivas. Soares ressalta ainda que ler e escrever são 
processos diversos, embora complementares, que requerem habilidades diferenciadas. 
A dimensão social do letramento apresenta-se como uma prática social, ou seja, de que 
forma, em um determinado contexto, as pessoas demonstram familiaridade com algumas práticas 
de leitura e de escrita. 
Ainda para Soares (2001), o que é fundamental na questão do letramento são os 
chamados eventos de letramento, conceituados por Heath (1983), que ela mesma traduz por: “um 
evento de letramento é qualquer situação em que um portador qualquer de escrita é parte 
integrante da natureza das interações entre os participantese de seus processos de interpretação”. 
Soares (2001) e também Kleiman (2001) dão destaque a dois modelos de letramento 
propostos por Street (1984, 1993): o autônomo e o ideológico. 
O modelo autônomo de letramento é aquele em que o problema da não aprendizagem é 
uma questão individual. Vejamos o depoimento, abaixo transcrito, de uma das alunas com quem 
conversamos: 
Quando eu era pequena, eu morava com madrinha, né! E minha madrinha me deixava 
estudar, mas tinha que fazer tudo dentro de casa. Tinha que lavar, passar, cozinhar, tudo. 
Aí ela me colocava estudar à noite, né! Trabalhar o dia inteiro e só podia estudar à noite. 
Aí quando chegava a noite eu não queria mais nada, já estava cansada, já tinha feito um 
monte de coisa, aí, quer dizer, não escrevi nada, não aprendi nada. Aí eu parei. (STELA, 
53 anos, manicure). 
 
Como podemos perceber, a aluna atribui a si própria a responsabilidade de não ter 
aprendido, uma vez que à noite, já cansada, não tinha mais ânimo para estudar. 
Quando os alunos pesquisados nos dizem: “A gente só pode ser alguém na vida através 
do estudo” (Dalto) e “Porque a gente sem o estudo não é nada, né?” (PAULO), suas falas estão 
impregnadas por uma concepção autônoma de letramento, ou seja, é natural para eles se sentirem 
inferiorizados, pois se o discurso do poder dominante, das classes privilegiadas afirma que 
analfabetismo é “mancha”, “escravidão”, “erva daninha” etc. com que autoridade os 
alfabetizandos poderão questionar ou discordar desse pressuposto? 
No modelo ideológico de letramento, o que se destaca é que “todas as práticas de 
letramento são aspectos não apenas da cultura, mas também das estruturas de poder numa 
sociedade”. (KLEIMAN 2001, p. 38). Partindo-se, portanto, dessa afirmação: o que pode ser 
feito para superar o modelo autônomo de letramento, imposto pelos poderosos, que discrimina e 
 
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exclui? Como desnaturalizar a desigualdade? A transformação da prática escolar de forma que o 
conflito discursivo em sala de aula seja estabelecido para que práticas sociais dominantes possam 
ser discutidas, examinadas e repensadas poderão construir contextos de aprendizagem, em que os 
alunos tragam seus conhecimentos, suas experiências, suas vivências, é uma das propostas de 
Kleiman (op. cit.,p. 57). O que não se pode perder de vista é que as diferenças (culturais, sociais, 
econômicas etc.) devem ser levadas em conta num processo de alfabetização de jovens e adultos, 
ou seja, com que finalidade a leitura e a escrita são ensinadas e praticadas, buscando-se desfazer 
do “mito da neutralidade da educação”, como nos diz Freire (1983). 
Nossa discussão busca mostrar que ao se estabelecer o diálogo (no sentido de debate, de 
confronto de opiniões e não apenas na convergência de idéias) como ponto de partida num 
processo de alfabetização de jovens e adultos, a voz dos alfabetizandos, ao ser ouvida e 
respeitada, propicia um contexto de aprendizagem onde o “saber da experiência vivida” é 
considerado. Como nos diz Freire (1983, p. 29): “nas condições de verdadeira aprendizagem os 
educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber 
ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo”. Ao participarem de atividades 
letradas, as vozes dos (as) alunos (as), mesmo que não portadoras da norma da língua 
considerada padrão, se tornam também legitimadas socialmente. 
As práticas de alfabetização nem sempre são capazes de promover a inserção dos 
alfabetizandos na cultura da leitura e da escrita. Daí, nossa pesquisa estar voltada para a maneira 
como os alunos estão se apropriando de seu aprendizado e utilizando a leitura e a escrita em seu 
dia-a-dia. O que de fato está sendo ensinado quando se ensina a leitura e a escrita na 
alfabetização de jovens e adultos? Como esses alunos estão se apropriando da leitura e da 
escrita? O processo de alfabetização está desenvolvendo uma condição letrada nos alunos que 
lhes permita o efetivo uso da leitura e da escrita em suas práticas sociais? 
Alfabetizar letrando é o desafio posto para a educação de jovens e adultos. Assim como 
os autores com os quais dialogamos, consideramos distintos os conceitos de alfabetização e 
letramento, embora entendamos que são processos que se interpenetram, uma vez que a leitura 
do mundo precede a leitura da palavra e aprender a ler e a escrever é também compreender o 
mundo no seu contexto, vinculando linguagem e realidade (FREIRE, 1983). 
 
 
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OS SIGNIFICADOS DA ALFABETIZAÇÃO 
 
A alfabetização para esses jovens e adultos parece surgir com diferentes significados. 
Entretanto, um fato marcante nas falas desses alunos é o sentimento de culpa, de ser um “nada”, 
de ser “burro” por não saber ler e escrever. Aqui podemos perceber a força do “discurso oficial” 
na fala desses alunos, pois o analfabetismo é visto como uma mancha, como algo que impede o 
progresso social e econômico e daí as falas de muitos alunos serem marcadas por esse 
sentimento de incompetência, de não servirem para nada. 
Com base nas falas e narrativas dos alunos apresentamos algumas categorias4 que 
organizamos para compreender as motivações dos alunos para aprender a ler e a escrever. 
Muito tem se falado em relação ao que move jovens e adultos a buscarem a escola e não 
há dúvidas de que muitos sonham com uma possibilidade de ascensão profissional, pois se 
encontram insatisfeitos com as atividades profissionais que desempenham e daí a necessidade 
da: 
 
ALFABETIZAÇÃO COMO BUSCA DE EMPREGO 
 
Aí agora arrumei um servicinho em terra, consegui arrumar uma vaga, né. Fui animei 
estudar um pouco, porque a gente sem o estudo não é nada... mas que é difícil é, viver 
sem estudo... A senhora vê: pra trabalhar na Comlurb, para colher lixo na rua tem que 
ter o 2º. grau ou senão a 4a. série, 5a. série... E qualquer servicinho que vai fazer hoje 
tem que ter a 5a. série, né!? [...] Eu não consegui trabalhar em prédio porque eu não sei 
assim anotar recado, essas coisas de portaria, né? Aí tem que encarar esse serviço[...] É 
muito difícil hoje em dia, pra viver sem estudo tá difícil. (PAULO, 46 anos, gari). 
 
Paulo, à primeira vista, não questiona a estrutura social e nem atribui a ela qualquer 
responsabilidade por não estar apto para um trabalho melhor. Temos a impressão de que para ele, 
a escola é muito importante, se apresenta como redentora, que poderá instrumentalizá-lo e lhe 
possibilitará conquistar melhores condições de vida (SOARES, 2002a, p.71). Entretanto, ao 
mesmo tempo Paulo questiona a necessidade dos saberes escolares para ser gari, pois ele é um 
deles, e sabe que não há necessidade ter cursado a 4a. ou 5a. série, como ele mesmo diz, para 
executar tal trabalho. O que será que Paulo quer nos dizer com isso? Onde ele quer chegar? A 
 
4 Essas categorias foram pensadas a partir da análise de dados apresentados por Melo (1997), mas não são as 
mesmas utilizadas pela autora. 
 
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exigência do mercado de trabalho não é de uma formação específica, mas de uma escolaridade, 
ou seja, de uma formação genérica. Quer dizer, a concorrência é tanta que é preciso selecionar de 
alguma forma, não porque o trabalho a ser executadoexija esse nível de escolaridade, mas como 
não há trabalho para todos, é necessário que as oportunidades de emprego se definam em função 
da escolarização, como nos diz Britto (2003, p. 198). 
Se Paulo questiona a necessidade dos saberes escolares para ser gari, por outro lado ele 
deseja se apropriar desses saberes, pois tem a expectativa de que esse domínio possa possibilitar-
lhe melhores empregos, pois ele mesmo nos afirma que não conseguiu trabalhar na portaria de 
um prédio por não saber anotar recados e distribuir a correspondência. 
Como a escola poderá atender a essas expectativas do aluno? Conforme Soares (2002a, 
p. 73), primeiramente a escola precisa estar comprometida com a luta contra as desigualdades 
para assim garantir a aquisição dos conhecimentos e habilidades que possam instrumentalizar as 
classes populares para que elas participem no processo de transformação social, ou seja, uma 
escola transformadora, que dê aos alunos condições de reivindicação social. 
Mas, talvez, contrariando o que vem sendo um discurso que parece ser predominante, 
alguns dos alunos que entrevistamos demonstram que são movidos por outros desejos, querem 
ser valorizados socialmente, desejam ser reconhecidos pelos outros e assim: 
 
ALFABETIZAÇÃO COMO VALORIZAÇÃO DA IMAGEM SOCIAL 
 
Trabalhei de 1985 até o ano 2000 no grupo Gerdau, saí aposentado. Descansei um 
pouco, achei que era tempo de voltar ao colégio para tentar cumprir um sonho que 
sempre, quando iniciei, eu iniciei com esse sonho... Forçar, ver se consigo chegar a 
eletro-técnico [...] Se a senhora me der um esquadro, eu esquadreio um prédio desse, 
mas não posso assinar um projeto. Eu sei com qual material começa e como termina. 
Mas como vou assumir se não tenho a base para assinar um papel? Não posso. A mesma 
coisa a parte elétrica. A senhora pega um projeto grande, a senhora tem que instalar aí, 
vamos supor, cinco ou dez relógios, de vários modelos de relógio. A senhora tem que 
ter um projeto, tem que assinar aquilo, pedir alguém para assinar. Por quê? A CERJ não 
aprova se não tiver a assinatura de um técnico. (DALTO, 51 anos, aposentado). 
 
Para outros, o aprendizado é uma questão identitária, diz respeito à dimensão 
individual: querem mostrar para si mesmos que são capazes de aprender e daí: 
 
 
 
 
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ALFABETIZAÇÃO COMO PRAZER EM APRENDER 
Eu hoje estou aposentado [...] mas é muito importante a gente aprender cada vez mais. 
Enquanto estou vivo, vou aprendendo cada vez mais porque abre espaço para novos 
relacionamentos [...] Cada vez eu me aprofundo mais. O meu grupo aí é o terceiro. Eles 
acham que eu sou muito sabido, mas não sou. Eu procuro me aprofundar e vou embora. 
Enquanto estiver vivo vou, entendeu? [...] Eu já com essa idade... os mais jovens então, 
esses adolescentes então têm que se aprofundar [...]. (ANTÔNIO, 70 anos, aposentado). 
 
Em todas as suas falas Antônio faz questão de frisar o quanto é importante para ele 
aprender e os outros alunos sempre se referiam a ele como aquele que sabe mais. Vejamos o que 
ele nos diz: “Eles acham que sou muito sabido, mas não sou”. 
Charlot (2000, p. 72) nos afirma que qualquer relação com o saber comporta também 
uma dimensão de identidade. Nas palavras do autor: “aprender faz sentido por referência à 
história do sujeito, às suas expectativas, às suas referências, às suas concepções de vida, às suas 
relações com os outros, à imagem que tem de si e à que quer dar de si aos outros”. 
Antônio sente prazer em aprender; isso ele declara e é perceptível em cada atitude sua, 
seja no interesse que demonstra em entender um termo que desconhece, em levar para casa uma 
cópia da poesia que foi lida no grupo para ler com sua neta. Ele também necessita de que os 
outros reconheçam nele esse conhecimento que demonstra ter e que em alguns momentos 
sobressai no grupo. Ou seja, para que seu discurso tenha a sua marca, a sua autoria, ele precisa 
da colaboração dos outros. A esse respeito, ou seja, sobre a formação do eu Bakhtin (2000) 
destaca três categorias: o eu para mim (como eu me percebo): “Eles acham que eu sou muito 
sabido, mas não sou”, ou seja, eu acho que não sou sabido; o eu para os outros (como os outros 
me vêem): “Eles acham que sou muito sabido...” e o outro para mim (como eu vejo o outro): 
“Eles acham que...”, mas eu não acho, ou seja, Antônio não está apenas aprendendo coisas que 
não sabia, está também, nesse processo, se construindo enquanto um sujeito do conhecimento, 
mas para assumir isso ele precisa que os outros com os quais se relaciona estejam lhe dizendo. 
Há casos em que a pessoa volta a estudar porque deseja ter uma participação social mais 
ativa, não quer depender dos outros para tomar um ônibus, quer, por si própria, ter acesso às 
informações de que necessita, quer poder ir numa loja e assinar um crediário e, assim, a 
necessidade da: 
 
 
 
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ALFABETIZAÇÃO COMO EXERCÍCIO DA CIDADANIA 
 
Eu quero falar que estou muito satisfeito com o estudo. Eu quero continuar porque é 
muita dificuldade a gente ler o nome de uma rua, uma vista de um ônibus, entendeu? 
Porque por muitas das vezes eu passei dificuldade de chegar numa loja, comprar assim 
um rádio, umas coisas assim, uma roupa, que pedia pra assinar o nome, coisa e tal que 
eu não sabia e agora graças a Deus que hoje em dia eu sei fazer esse tipo de coisa, sei 
ler, sei escrever, não é tanto, um pouco [...] (SIMÃO, 32 anos, lancheiro). 
 
Ao chegar em locais em que a pessoa percebe que os outros falam de uma forma diferente da 
sua, as pessoas se sentem inibidas, envergonhadas, ficam sentadas de lado, sem terem coragem 
de participar, de conversar e daí a necessidade da: 
 
ALFABETIZAÇÃO COMO USO DA NORMA-PADRÃO DA LÍNGUA 
 
Você vai numa festa cheia de gente falando bem e você fica lá, sentado. Aí perguntam: -
“Por que você não fala”? – Ah, eu não quero falar não. -“Ah, mas por que não quer falar 
não”? Mas só você sabe porque você está com vergonha de falar, né? Então você 
estudando, não, você vai aprendendo, vai desenvolvendo, vai falando um monte de 
coisa (NEIDA, 34 anos, doméstica). 
 
Por que Neida rejeita sua fala? O que faz com que ela sinta vergonha de falar com 
pessoas desconhecidas? Para entender por que Neida se sente inibida de falar, chegando mesmo 
a afirmar “não consigo falar direito em português”, é preciso saber: quem é a Neida? Mulher, 
nordestina (e isso ela destaca quando diz: “apesar de que eu tenha um pouco o sotaque de lá” ou 
seja, ela sabe que essa marca regional em sua pronúncia pode concorrer também para discriminá-
la), semi-analfabeta, doméstica, que sabe muito bem que o lugar social que ocupa não lhe dá 
prestígio. Neida sabe que a palavra confere poder às pessoas e entende que para ser valorizada, 
em determinados meios sociais, é necessário que se utilize de uma variedade lingüística 
“culta”ou “padrão”, daí seu esforço para aprender falar dessa forma. 
Vejamos o que Britto (2003, p. 24-25) nos diz a esse respeito: 
É sabido que o preconceito lingüístico resulta do preconceito social e das formas 
políticas e econômicas de exclusão, e não será eliminado por uma política lingüística 
corretiva... a eficiência da gramática do certo e errado não está em manter a unidade 
lingüística nacional nem em contribuir pra o uso eficiente das formas lingüísticas, mas 
sim em criar um padrão que corrobora uma idéia de cultura que sustentae reproduz 
privilégios sociais. 
 
Neida sabe que existe um código, como nos afirma Gnerre (1991, p. 9), que é aceito 
pelas classes dominantes e que é tido como superior. 
 
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Interessante, contudo, é percebermos também que os próprios alunos se dão conta de 
que as formas de falar que não seguem a norma-padrão não devem ser consideradas incorretas, 
mas é preciso saber onde e quando podem falar do “seu jeito”. 
Ao discutir sobre as variedades lingüísticas, Mey (2001, p. 148) afirma que questões 
como as de Neida não são apenas puramente lingüísticas, mas também uma questão social. Nas 
palavras do autor: 
[...] as línguas são vozes da sociedade e se sua sociedade (ou segmento da sociedade, 
conhecido também como ‘classe social’) é poderosa, então sua voz será ouvida como 
um poderoso rugido; do contrário, não passará de um fraco balido (isto é, se você não 
for comido antes de balir). 
 
Goulart (2001, p. 13) a esse respeito nos fala: 
Pressupomos que seja através do prisma social concreto vivo que nos engloba que 
lemos o mundo. Mas com que lentes o lemos? Lemos com as lentes da variedade de 
língua que constituímos interativamente no nosso grupo social, que vive em tensão com 
as outras variedades usadas, inclusive a padrão. 
 
E Geraldi (1995, p. 16) nos lembra que as escolas hoje recebem muitos alunos para os 
quais suas portas estavam fechadas até então e assim o cotidiano escolar defronta-se com 
diferentes modos de ver o mundo e diferentes formas de falar sobre ele, pois alunos que são 
oriundos das classes populares falam e compreendem o mundo de um modo que a escola não 
aceita e às vezes sequer compreende. Retomemos a fala da Neida: “a gente estuda nessa escola e 
se a gente for estudar lá a gente vai estranhar, sabia? O modo de falar!” O que Neida quer nos 
dizer? Que aqui nessa escola existe uma forma de falar que é considerada “correta”, mas que lá 
no Piauí, também numa escola, existe uma outra forma de falar que também é considerada 
“correta”. O que pode então a escola fazer diante dessa inquietação da aluna? 
Soares (1985, p. 17, apud Geraldi, 1995, p. 18) nos traz o seguinte questionamento: 
“Como podem ser trabalhadas as relações entre linguagem, educação e classe social, numa 
escola que pretende estar realmente a serviço das camadas populares?” 
O que Geraldi (1995) sugere é que a escola não se aproprie apenas da variedade 
lingüística considerada de prestígio e que possibilite ao aluno interlocuções com outras 
variedades, inclusive a padrão, pois também essa se constrói historicamente e se modifica. 
Certamente os alunos chegam à escola falando português, mas a maneira como falam quase 
sempre foi desconsiderada como saber pela escola. Vamos nos lembrar aqui mais uma vez da 
Neida, quando nos diz: “não consigo falar direito em português?” O que será que ela quer nos 
 
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dizer? Eu não me sinto bem com o jeito que falo, porque não é a “forma (f(ô)rma)” que a escola 
ensina? 
Vamos então, mais uma vez, recorrer a Britto (op. cit., p. 39): 
 
O preconceito lingüístico, diferentemente de outras formas de discriminação, não tem 
sido combatido. Quando se ridiculariza em público uma pessoa por seu jeito de falar, o 
agente do preconceito é avaliado positivamente, como se fosse culto, inteligente, 
enquanto o agredido é avaliado negativamente, como se fosse ignorante, estúpido. 
 
Lembram-se da Neida, quando nos diz: “Você vai numa festa cheia de gente falando 
bem e você fica lá, sentado... Mas só você sabe porque você está com vergonha de falar, né?” Dá 
para perceber o motivo pelo qual ela tem vergonha de falar, pois tem medo que a julguem 
ignorante ou burra, uma vez que não fala “bem” como aquelas pessoas. 
Bakhtin (1988, p. 109) nos diz: 
Na realidade, o ato da fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de 
forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo: não pode ser 
explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A enunciação é de 
natureza social. 
 
Há ainda aqueles que voltaram a estudar como uma forma de preencher o tempo, de 
suprir um vazio, uma vez que os filhos já são independentes e daí: 
 
ALFABETIZAÇÃO COMO BUSCA DE MAIS CONVIVÊNCIA SOCIAL 
 
[...] Porque eu já sei ler, escrever, eu já sei tudo, então como eu fico muito em casa, 
assim, à noite, então eu achei melhor, em vez de ver novela, né! Então agora, nessa 
idade, é que eu resolvi estudar para aprender mais, mais é conta, o resto das coisas eu 
sei, entendeu? [...] todo mundo até pergunta: nem parece que você nem estudou o 
segundo ano, porque eu sempre fui muito desembaraçada. (STELA, 53 anos, manicure). 
Então agora eu sou viúva, fiquei sozinha, só com meu filho. Meu filho sai pra 
trabalhar... mas ficar sozinha é muita solidão, aí passei a voltar pra estudar, pra eu sair 
dessa, entendeu? (ZILÁ, 52 anos, passadeira). 
 
Para Stela e Zilá a escola surge com um significado diverso, não é o local onde se vai 
buscar apenas algum aprendizado, é o espaço de encontrar pessoas, fazer amizades, de buscar 
novas experiências. Como nos diz Charlot (op. cit., p. 39): “ o sentido da escola deixa de ser 
dado e deve ser construído pelos atores”. 
Stela busca um sentido novo na escola, pois quando diz: “eu sei tudo”, essa não é uma 
atitude prepotente, mas o que ela está querendo nos dizer é que ela sabe tudo que é necessário 
 
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para resolver a sua vida, cuidar do seu dia-a-dia, ou seja, que apesar de os saberes escolares 
terem um valor neste mercado cultural e se imporem como conhecimentos necessários, mesmo 
que não sejam, conforme Britto (2003, p. 203) essa lógica não é importante para ela, a sua busca 
é outra. 
 
CONCLUSÕES 
 
Nosso texto buscou centrar-se nos fatores que levam jovens e adultos a iniciarem ou 
reiniciarem seus estudos formalmente nessa fase de suas vidas. 
Se um texto só vive em contato com outro texto, como nos diz Bakhtin, nesse percurso 
de pesquisa os textos (narrativas) dos (as) alunos (as) pesquisados (as) têm um texto: a história 
de jovens e adultos que se viram impossibilitados de estudar quando crianças. Os motivos dessa 
impossibilidade foram os mais diversos, explicitados pelos (as) próprios (as) alunos (as). 
Buscamos não perder de vista que para todo contexto existe algo que à primeira vista pode não 
se fazer visível, mas que é fundamental para uma análise do tipo dessa a que nos propusemos: a 
realidade sócio-político-econômica de onde esses textos foram produzidos. 
As expectativas dos alunos pesquisados em relação ao processo de alfabetização vêm, 
algumas vezes, desmitificar aquilo que muitas das vezes julgávamos ser o mais relevante para 
eles, pois ao buscarem o ensino formal muitas foram as suas motivações, conforme apresentamos 
acima. 
Suas falas nos mostram também que a escola para eles não é a fórmula mágica, que vai 
resolver todos os problemas de suas vidas, pois conhecem a realidade na qual estão inseridos e 
sabem que o aprendizado que fazem e de que necessitam não se dá apenas no espaço formal da 
escola. 
Sempre muito cientes de suas necessidades de alfabetização para um uso prático no seu 
cotidiano: tomar ônibus, escrever cartas, ler a Bíblia, fazer um crediário,um desejo de aprender a 
ler e a escrever com fluência também fazia parte da busca dos jovens e adultos pesquisados. A 
escola pode dar um conhecimento sistemático, científico, mas a prática cotidiana, o “saber da 
experiência vivida”, também os torna capazes de realizarem com êxito seu trabalho. 
 
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Apesar das dificuldades que enfrentam e enfrentam, principalmente no que diz respeito 
a melhores condições de trabalho, não se mostraram desesperançados ou pessimistas, pois se 
valorizam enquanto seres humanos que lutam, que buscam dar condições de vida melhores e 
estudo para seus filhos. 
Se os (as) alfabetizandos (as) adultos (as) são capazes de fazer com competência a 
leitura do mundo, podem também ser competentes para a leitura de revistas, jornais, livros, 
Bíblia, folhetos etc. Segundo Freire (1983, p. 11): “A leitura do mundo precede a leitura da 
palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. 
Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por 
sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto e contexto”. 
Sendo assim, o ato de ler, antes de tudo, é um ato crítico e aquele que está aprendendo a 
ler e a escrever, deve ser concebido como o sujeito do conhecimento, ou seja, é por meio das 
interações que se constrói o contexto. 
Um dos aprendizados que essa pesquisa me proporcionou foi o de que esses jovens e 
adultos em processo de alfabetização querem falar muitas coisas e sabem realmente daquilo de 
que mais necessitam para que aprendam não apenas a ler e a escrever, mas que possam se 
alfabetizar letrando. Disso tudo fica uma certeza: que há muito ainda a ser pesquisado, 
principalmente sobre as condições que propiciam letramento aos jovens e adultos e qual a 
implicação disso em suas vidas, ou seja, se a alfabetização e o letramento operam alguma 
mudança em suas vidas e que tipo de mudanças são essas. 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 
BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 4. ed. São Paulo: 
HUCITEC, 1988. 
BRITTO, L. P. L. Contra o consenso: cultura escrita, educação e participação. Campinas: 
Mercado de Letras, 2003. 
 
Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 18 
CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes 
Médicas Sul, 2000. 
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores 
Associados:Cortez, 1983. 
GERALDI, J. W. Convívio paradoxal com o ensino da leitura e da escrita. Texto em versão 
preliminar, escrito para discussão em mesa redonda do GT Alfabetização, Leitura e escrita, na 
18ª Reunião Anual da ANPED, Caxambu, 1995. 
GNERRE, M. Linguagem, Escrita e Poder. 3. ed. Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 
GOULART, C. M. A. Letramento e Polifonia:um estudo de aspectos discursivos do processo de 
alfabetização. Revista Brasileira de Educação, 18. Campinas: Autores Associados, dez.2002, p. 
5-21. 
GOULART, C. M. A.A noção de letramento como horizonte ético-político para o trabalho 
pedagógico: explorando diferentes modos de ser letrado. Projeto de pesquisa, 2001. 
HEATH, S. B. Ways with Words. Cambridge: Cambridge University Press, 1983. 
KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: 
KLEIMAN, A. B. (Org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática 
social da escrita. 3. reimpr. Campinas: Mercado de Letras, 2001. p. 15-61. 
MEY, J. As vozes da sociedade: seminários de pragmática. Campinas: Mercado de Letras, 
2001. 
SOARES, M. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, V.M. (Org.) Letramento no Brasil: 
reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003, p 89-113. 
SOARES, M. Linguagem e escola – Uma perspectiva social. 17. ed. 9. reimpr. São Paulo: 
Ática, 2002. 
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. 3. reimpr. Belo Horizonte: 
Autêntica, 2001. 
STREET, B.V. (Org.) Cross-Cultural Approaches to Literacy. Cambridge: Cambridge 
University Press, 1993. 
STREET, B.V. Literacy in Theory and Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 
1984. 
TFOUNI, L. V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 2004. 
TFOUNI, L. V. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas: Pontes, 1988. 
 
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CAPÍTULO 2 – A RELAÇÃO ENTRE ALFABETIZAÇÃO E 
LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: 
QUESTÕES CONCEITUAIS E SEUS REFLEXOS NAS PRÁTICAS DE 
ENSINO E NOS LIVROS DIDÁTICOS 
 
Eliana Borges Correia de Albuquerque 
Artur Gomes de Morais 
Andréa Tereza Brito Ferreira 
 
“Conheço todas as letras, mas juntar é que é o difícil. Minha professora, quando eu 
era garoto, ensinava... A lição era assim: letra por letra. Eu chegava, ficava feliz 
quando terminava a lição, porque ia escapulindo. Agora não tem mais nesse 
panorama. Mas de primeiro era assim”. “Comprar um jornal com tanta letra sem 
saber ler, era um problema. Eu pelo menos pedia para a pessoa ler alto para eu 
ouvir.” 
“Eu tinha uma namorada em Caruaru, uma menina bem bonita. Aí ela mandava 
carta para mim. Aí eu mandava um colega ler. Aí ele lia e ele mesmo fazia para 
mim, eu pagava a ele. Ele tinha uma caligrafia bonita. Quando eu ia lá pra Caruaru – 
eu trabalhava na Rodoviária Caruaruense, nessa época eu era cobrador de ônibus – 
aí ela ficava elogiando minha caligrafia e eu não sabia de nada. Era ele que escrevia, 
né? Ler eu não lia, nem escrevia.” Depoimentos de Seu Aguinaldo5, 60 anos 
 
ntender a relação entre alfabetização e letramento é fundamental para que possamos 
construir práticas construtivas e efetivas de ensino da leitura e da escrita em turmas 
da Educação de Jovens e Adultos. Nesse texto, buscaremos refletir sobre esses dois 
conceitos que, como propôs Soares (1998), consideramos distintos, mas 
indissociáveis. 
Para começar a nossa discussão, tomaremos os depoimentos de Seu Aguinaldo, há 
pouco apresentados. Na primeira fala, ele afirma que conhece todas as letras do nosso alfabeto, 
mas não sabe juntá-las. O que isso tem a ver com alfabetização? Na segunda fala, ele nos relata 
que comprava o jornal e pedia para outras pessoas lerem alto, para ele ouvir, porque não sabia 
ler. Já no terceiro depoimento, ele discorre sobre como se comunicava com uma namorada por 
meio de cartas, sem saber ler e escrever. Novamente, observamos que a mediação de uma pessoa 
que lia e escrevia para ele foi necessária. Como essas duas falas nos ajudam a entender a relação 
entre letramento e alfabetização? 
 
5 Seu Aguinaldo foi aluno de uma turma de um projeto de alfabetização de jovens e adultos, desenvolvido em Recife, no período de 2003/2004, 
no âmbito do Programa Brasil Alfabetizado. 
E 
 
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Todos estaremos de acordo quanto a um dado de realidade, ilustrado pelos dois últimos 
depoimentos. Eles nos mostram que pessoas analfabetas, como seu Aguinaldo, se envolvem em 
práticas de leitura e de escrita de diferentes textos, por meio da mediação de uma pessoa 
alfabetizada:elas escutam a leitura de notícias de jornais escritos ou televisivos, para se 
manterem atualizadas; solicitam que pessoas de seu convívio leiam as cartas que recebem ou 
escrevam cartas ditadas por elas; leem textos religiosos, por meio da leitura oral realizada por um 
membro da igreja que frequentam, etc. Se considerarmos que as práticas de leitura e de escrita 
estão se tornando cada vez mais complexas, é difícil encontrarmos, atualmente, pessoas que não 
possuam experiências com a linguagem escrita. Não existem, especialmente nos meios urbanos, 
pessoas que não participem, mesmo que indiretamente, de práticas envolvendo a língua escrita. 
Recordemos, por exemplo, que ao assistirmos a um telejornal, mesmo que não o saibamos, 
estamos presenciando a leitura que o locutor faz das notícias no “tele-prompting”. 
Por outro lado, a inserção em práticas que envolvem a leitura e a escrita de diferentes 
textos não possibilita, por si só, que crianças, jovens e adultos analfabetos desenvolvam uma 
autonomia para ler e escrever os diferentes textos que circulam na sociedade. Embora alguns 
sujeitos tenham se alfabetizado por meio da inserção nessas práticas (Galvão, 2001), essas 
experiências autodidatas são raras e não podem ser generalizadas. Como demonstra o primeiro 
depoimento de seu Aguinaldo, as experiências vivenciadas pelos sujeitos no mundo onde a 
escrita se faz cada vez mais presente possibilitam a construção de conhecimentos sobre a escrita 
alfabética, mas não garantem que compreendam o seu funcionamento. Ao falar que conhece 
todas as letras, mas não sabe juntá-las, ele quis dizer que não compreende o funcionamento da 
escrita alfabética, não entende como esse conjunto de letras pode possibilitar a escrita de infinitas 
palavras. 
Enfim, os depoimentos revelam que pessoas analfabetas se inserem em práticas de 
leitura e escrita, possuem conhecimentos sobre a escrita alfabética, mas não têm autonomia para 
ler e escrever textos que circulam na sociedade. 
 
 
 
 
 
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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: CONCEITOS DISTINTOS, MAS 
INDISSOCIÁVEIS 
 
A alfabetização consiste na ação de alfabetizar, de ensinar crianças, jovens ou adultos a 
ler e escrever. Vista pela ótica do aprendiz, ela consiste no processo de ser alfabetizado, de ser 
ensinado a ler e a escrever. Até hoje, é o desejo de aprender a ler e escrever palavras e textos que 
circulam em nossa sociedade que leva jovens e adultos analfabetos a irem/retornarem à escola, às 
salas de aulas de alfabetização. 
Não há consenso, no entanto, sobre o que significa esse ensino/ aprendizagem da leitura 
e da escrita. Ao longo da nossa história, diversas mudanças na concepção de alfabetização foram 
efetivadas, o que é bastante compreensível, dada a natureza cultural dos conhecimentos (sobre o 
funcionamento do alfabeto, sobre os textos em que é usado) e das práticas em que exercitamos 
tais conhecimentos. 
No período de colonização brasileira, por exemplo, as práticas de alfabetização se 
relacionavam à catequização dos índios, ao ensino da leitura, visando à inserção dos primeiros 
habitantes de nossa terra nos rituais da igreja Católica. Como material didático, os Jesuítas 
utilizavam alguns materiais escritos, como as gramáticas da língua Tupi e os catecismos e 
doutrinas. A alfabetização consistia apenas no ensino da leitura, realizado, principalmente, 
através da oralização dos textos presentes nesses materiais e de sua memorização por parte dos 
alunos (Galvão; Soares, 2004). 
Como abordado por Corrêa (2005), na primeira metade do século XIX, formar leitores 
no Brasil implicava conviver ainda com um conjunto muito reduzido de materiais impressos para 
o ensino da leitura. Boa parte desse material era de natureza religiosa (Bíblia, Evangelho) ou 
legal (Constituição Política do Império, Código Criminal) tal como previa o art. 6° da Lei 
Imperial de 15 de outubro de 1827. Esse mesmo século assistiu ao processo de 
institucionalização da escola no Brasil e ao desenvolvimento de práticas de ensino da leitura e da 
escrita realizadas de forma simultânea, com base em métodos de alfabetização de base alfabética 
e silábica (Galvão; Soares, 2004). Como afirma Corrêa, referindo-se ao século XIX: 
 
 
 
 
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A partir da década de 50, algumas escolas primárias brasileiras já podiam contar com 
outros objetos para iniciarem os seus alunos no aprendizado da leitura e escrita. São os 
catecismos, cartas de abc ou cartilhas que, de modo geral, eram produzidas ou 
traduzidas por autores portugueses. As cartas de abc são constituídas por: cartas 
contendo o alfabeto; cartas de sílabas (compostas com segmentos de uma, duas ou três 
letras) e cartas de nomes (onde são apresentadas palavras cujas sílabas são separadas 
por hífen). As cartas de abc firmaram uma tradição na história da escola primária 
brasileira. Mesmo sendo um utensílio vinculado a um dos mais tradicionais métodos de 
alfabetização (método sintético), resistiu às inovações promovidas por partidários de 
outros métodos de alfabetização e continuou sendo editado até os anos 50 do século 
XX (p. 3). 
 
O depoimento de Graciliano Ramos, extraído do livro Infância, é revelador da 
concepção de leitura que norteava o uso desse material. Rememorando sua experiência com as 
primeiras letras a partir de 1894, ele nos diz: 
 
Respirei, meti-me na soletração, guiado por Mocinha. Gaguejei sílabas um mês. No fim 
da carta elas se reuniam, formavam sentenças graves, arrevesadas, que me atordoavam. 
Eu não lia direito, mas, arfando penosamente, conseguia mastigar os conceitos sisudos: 
“A preguiça é a chave da pobreza – Quem não ouve conselhos raras vezes acerta – Fala 
pouco e bem: ter-te-ão por alguém. 
Esse Terteão para mim era um homem, e não pude saber que fazia ele na página final 
da carta. 
– Mocinha, quem é Terteão? 
Mocinha estranhou a pergunta. Não havia pensado que Terteão fosse homem. Talvez 
fosse. Mocinha confessou honestamente que não conhecia Terteão. E eu fiquei triste, 
remoendo a promessa de meu pai, aguardando novas decepções (Graciliano Ramos, 
Infância). 
 
Ensinar a ler, na perspectiva dos métodos sintéticos – alfabéticos, silábicos ou fônicos – 
era ensinar a “decodificar”, ou seja, traduzir em sons as letras ou sílabas que formavam as 
palavras, frases e textos. Para isso, era necessário que, primeiro, o sujeito aprendesse todas as 
letras, sílabas ou fonemas que, uma vez memorizados, possibilitariam que lesse qualquer 
palavra. Graciliano Ramos, em seu depoimento, mostra que memorizou as correspondências 
ensinadas, ao ponto de saber decodificar as palavras escritas, mas não conseguia entender o 
significado do que era lido. Nem mesmo sua professora, Mocinha, conseguia compreender o que 
lia. 
Durante muitas décadas do século XX, quando aqueles métodos ainda reinavam, o 
senso comum tratava como alfabetizado o indivíduo que soubesse assinar seu nome, em 
oposição ao analfabeto que, por não conseguir fazer tal assinatura, era proibido de votar nas 
eleições. Vemos, assim, que, durante esse período, muito pouco podia ser exigido de alguém, 
para que não sofresse publicamente o estigma de analfabeto (Galvão; Di pierro, 2007). 
 
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 O ensino da leitura e da escrita baseado em métodos sintéticosou analíticos 
predominou em nosso país até meados da década de 1980. Ainda naquela época, as experiências 
de alfabetização de crianças e adultos se apoiavam, principalmente, no uso de cartilhas de base 
silábica ou fônica, nas quais predominavam a leitura de textos artificiais e o trabalho com 
palavras-chave. Consideravam-se “alfabetizadas” aquelas pessoas que conseguissem ler 
(decodificar) e escrever (codificar), ao final do ano letivo da alfabetização, as palavras, frases e 
textos presentes em tais materiais. 
Acreditava-se, nessa perspectiva, que uma vez que os alunos – crianças, jovens ou 
adultos – tivessem memorizado todas as correspondências grafofônicas, eles seriam capazes de 
ler e escrever quaisquer textos. Como abordamos em outro trabalho (Morais; Albuquerque, 
2004), essa prática tradicional de alfabetização, na qual primeiro se aprende a “decifrar” a partir 
de uma sequência de passos/ etapas, para só depois se ler efetivamente, não garante a formação 
de leitores/escritores. Pesquisas têm apontado que mesmo em países desenvolvidos, que 
apresentam índice de analfabetismo zero, muitas pessoas com níveis elevados de escolarização 
não conseguem fazer uso da leitura e da escrita para finalidades corriqueiras, como preencher um 
requerimento ou formulário e compreender textos instrucionais, como regras de jogos. Em 
função dessa constatação, foi criada após a primeira Guerra Mundial a noção de “analfabetismo 
funcional” (cf. ribeiro, 2003), que só mais recentemente vem sendo divulgada pela mídia. 
Em nossa sociedade brasileira, as práticas sociais de leitura e escrita foram tornando-se 
mais numerosas e complexas e passaram a exigir, no caso da aprendizagem da leitura e da 
escrita, mais que as habilidades denominadas muitas vezes “codificação” e “decodificação”. 
Nesse contexto, no Brasil, a partir da década de 1990, o termo alfabetização foi ampliado e 
passou a englobar outro fenômeno: o letramento. 
No Dicionário Houaiss (2001), letramento é definido como um “conjunto de práticas 
que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material escrito”. Soares (1998) destaca 
que o termo letramento é a versão para o Português da palavra de língua inglesa literacy, que 
significa o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. É importante 
destacar que a palavra literacy engloba todo a complexo processo de alfabetização. Embora 
alguns pesquisadores (Ferreiro, 2003) defendam o uso de um único termo – alfabetização – para 
englobar os processos de aprendizagem e uso da leitura e da escrita, temos defendido, em 
 
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concordância com Soares (1998), a manutenção das duas palavras – letramento e alfabetização – 
para designar processos distintos, mas indissociáveis. 
Concebemos alfabetização como o processo de apropriação da escrita alfabética, ou 
seja, a compreensão, por parte dos sujeitos, dos princípios que regem esse sistema notacional. Já 
letramento se relaciona aos usos efetivos da escrita em atividades de leitura e escrita de textos, 
em contextos diversos. O primeiro estaria relacionado, portanto, à aprendizagem da notação 
alfabética, enquanto o segundo envolveria o uso e produção da linguagem que se usa ao escrever, 
isto é, dos gêneros textuais escritos que circulam nas interações sociais. 
Com essa distinção, consideramos que os alunos que ingressam em turmas de 
alfabetização, sejam crianças, jovens ou adultos, possuem experiências de letramento e 
conhecimentos sobre diferentes gêneros com os quais convivem, cotidianamente. Essas 
experiências, no entanto, não garantem que desenvolvam uma autonomia para ler ou escrever 
textos diversos. Nessa perspectiva, embora apresentem conhecimentos letrados, essas pessoas 
não são alfabetizadas, uma vez que não dominam o Sistema de Escrita Alfabética (doravante, 
SEA) e não possuem autonomia para ler e escrever sem a mediação de outra pessoa. O caso de 
seu Aguinaldo, autor dos depoimentos que abriram esse capítulo, ilustra muito claramente a 
distinção conceitual que agora formalizamos. 
Nas práticas de ensino da leitura e da escrita desenvolvidas em diferentes níveis de 
ensino – Educação Infantil, Ensino Fundamental e EJA – torna-se essencial, hoje, considerarmos 
esses dois fenômenos como processos que têm suas especificidades, mas que são indissociáveis. 
Como nos propõe Soares (1998) “alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não 
inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no 
contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao 
mesmo tempo, alfabetizado e letrado” (Soares, 1998, p. 47). 
Tornar-se alfabetizado – ter domínio da escrita alfabética – é um direito de todos e um 
conhecimento necessário para que alguém seja, de fato, cidadão letrado. No entanto, aquele 
conhecimento não dá conta do aprendizado dos diferentes gêneros textuais e de suas funções e 
usos em diferentes contextos sociais. Vivemos um momento de construção de práticas de 
alfabetização em uma perspectiva de letramento. O que os professores têm feito? O que sugerem 
os livros didáticos? São essas questões que buscaremos responder nas próximas seções. 
 
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A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA PERSPECTIVA DO 
LETRAMENTO 
 
Não há dúvidas de que, se temos o objetivo de ampliar as experiências de letramento de 
nossos alunos, sejam adultos, jovens ou crianças, precisamos escolarizar de forma adequada as 
práticas sociais de leitura e escrita com as quais convivemos no nosso dia a dia. Já no final do 
século XX, as propostas oficiais de diferentes Secretarias de Educação têm apontado para a 
necessidade, na área de Língua Portuguesa, de um trabalho que envolva a leitura e produção de 
diferentes gêneros textuais (Marinho, 998). 
Acompanhando o trabalho de professores de EJA, tanto em projetos de pesquisa como 
em atividades de formação continuada, temos observado como esses docentes estão construindo 
práticas pautadas na perspectiva do “alfabetizar letrando”. A seguir, apresentaremos uma breve 
descrição da prática desenvolvida pela professora Marta6 (nome fictício), que lecionava em uma 
turma do Módulo 1 (alfabetização) da EJA, na rede municipal de educação da cidade do Recife. 
 
Em seis das oito aulas observadas na turma da professora Marta, houve leitura de textos 
feita por ela. Assim, por exemplo, na 1ª aula ela releu o poema “Meus oito anos” de 
Casimiro de Abreu; na 3ª leu um poema de Manuel Bandeira (“Trova”); na 5ª aula 
houve a leitura do texto “A história de Dulce” (retirado de um material que ela 
elaborou com alunos do Módulo 2 sobre histórias de vida); e na 6ª aula também foi 
feita a leitura de um texto biográfico intitulado “Folha Amassada” (extraído da revista 
“Pensamento”, Nov-Dez 2007). Em cada situação, algumas perguntas orais eram 
realizadas, após a leitura do dia. 
Os textos lidos pela professora eram, na sua maioria, autobiográficos, uma vez que ela 
estava trabalhando a temática infância e juventude, na perspectiva de resgatar as 
histórias de vida dos alunos. Assim, além da leitura dos textos, a docente enfatizou a 
escrita e leitura de frases sobre a vida deles. Alguns alunos conseguiam produzir 
oralmente as frases, e a estagiária as copiava no quadro ou em uma cartolina. Vejamos 
alguns exemplos extraídos da 1ª aula: “Eu brincava de boneca”; 
“Eu jogava bola com meus amigos”; 
“Eu gostava de ir paraa feira com minha mãe”; 
“Eu fazia boneca de papel”; 
“Minha boneca era de pano”. 
 
 
 
 
6 A professora Marta participou da pesquisa “As práticas de alfabetização de professores de EJA e seus reflexos nas 
aprendizagens dos alunos”, desenvolvida pelas professoras Eliana Albuquerque (UFPE) e Andréa Tereza Brito 
Ferreira (UFRPE) e por alunos de iniciação científica (Josemar Guedes – UFPE; Joselene Nascimento da 
Conceição e Rita Cássia de Lima Costa – UFRPE), com financiamento do CNPq. 
 
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CAPÍTULO 3 - ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: 
O DIREITO DE SER USUÁRIO DA LÍNGUA ESCRITA 
 
Bianca Santos Chiste7 
 
PARA INÍCIO DE CONVERSA 
 
o contexto de estudos e pesquisas sobre a aprendizagem da leitura e da escrita há 
dois termos que atualmente tem ocupado o cenário da área: alfabetização e 
letramento. Vários estudiosos e pesquisadores vêm tentando explicitar a diferença 
entre os dois sem chegarem a um consenso definitivo tamanha é a complexidade do 
termo. 
Apesar de serem processos distintos e diferenciados, indissociáveis e diretamente 
ligados entre si, alfabetização e letramento, têm sido com freqüência, mal interpretados, de modo 
confuso, aludindo-se que um está sobreposto ao outro, ou ainda considerado, o letramento, como 
preparação para a alfabetização. 
Embora a relação entre os dois seja inegável e necessária, embora enfoque as diferenças 
é preciso cuidado para não diluir a especificidade dos dois fenômenos. 
Portanto, entender o conceito e a evolução histórica de ambos constitui fator 
imprescindível para os educadores e as educadoras que almejam ampliarem suas propostas 
pedagógicas, rompendo deste modo, com a pedagogia mecânica, instrucional e empirista tanto 
tempo praticada em nossas escolas. 
Assim procura-se nesse trabalho travar um diálogo provisório entre esses dois termos, 
explicitando suas relações e distinções, analisando concepções diferenciadas sobre o mesmo 
tema e ainda enfocando o papel da escola na aprendizagem significativa da leitura e da escrita 
por parte dos sujeitos. 
 
 
 
7 Mestranda em Ciências da Linguagem pela Universidade Federal de Rondônia e professora da Rede Estadual de 
Educação de Rondônia Endereço: Av: 15 de Novembro, nº 2592, Bairro: Serraria, Guajará Mirim– RO, CEP: 
78957000 
N 
 
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DIALOGICIDADE ENTRE OS TEMAS: LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO 
 
Todas as transformações nos setores social, político, econômico e cultural contribuíram 
significativamente para que se repensasse o modelo de educação até então existente; um desses 
focos de discussão tem se dirigido à ampliação do significado do termo alfabetização. 
Ao olharmos para a história da alfabetização, observamos que o termo começou a ser 
utilizado na década de 1910 para se referir ao ensino inicial da leitura e da escrita. Aprender a ler 
e escrever era "privilégio" de poucos e ocorria por meio de transmissão assistemática, no âmbito 
do lar ou de maneira informal. 
Com a escolarização do ensino da leitura e da escrita, alfabetizar tornou-se ligado à 
instrução e às práticas escolares. Essa escolarização foi marcada por uma aprendizagem 
mecânica de decodificação e codificação do sistema escrito. Na verdade a língua era tratada 
como um código a ser transmitido aos alunos de forma mecânica e repetitiva. 
Este ensino fundamenta-se nos métodos sintético e analítico e orientam uma didática 
mecanicista de aquisição do conhecimento, priorizando as conexões estímulos e resposta. Esse 
modelo pressupõe que o indivíduo registra na mente as informações exteriores que vão construir 
as representações. Esse método é mais comum em cartilhas, no qual o aluno não escreve para 
interagir ou comunicar-se com alguém, mas como exercício para aprender a ler e escrever ou 
demonstrar este domínio ao avaliador (professor ou supervisor). 
Algumas pesquisas (Teberosky e Ferreiro: 1986), contribuíram para a compreensão do 
processo de aquisição da leitura e escrita pela criança. Os estudos evidenciaram que a 
aprendizagem da língua escrita não é um processo mecânico, mas conceitual, em que a criança 
elabora hipóteses sobre o que está aprendendo, evidenciando o conflito cognitivo para 
construção de novas idéias. 
Assim o objeto a ser ensinado precisa ser apresentado como um todo e não em partes 
como pressupõe a concepção supracitada. 
A partir desses estudos, que consideram o sujeito agente ativo no processo de aquisição 
de seu conhecimento, passou-se a ter um olhar diferenciado sobre o processo de alfabetização 
contradizendo a concepção anterior. Segundo Leite (2001, p. 25) as duas concepções de 
alfabetização são diferenciadas pelos seguintes critérios: 
 
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Modelo tradicional: escrita entendida como um simples reflexo da linguagem oral, ou 
seja, a escrita era concebida como uma mera representação da fala; nessa perspectiva, 
ler e escrever são entendidos como atividades de codificação e decodificação, sendo o 
processo de alfabetização reduzido ao ensino do código escrito, centrado na mecânica 
da leitura e da escrita. 
Concepção atual de alfabetização: Nessa perspectiva, assume-se que o ponto de partida 
e de chegada do processo de educação escolar é o texto: trecho falado ou escrito, 
caracterizado pela unidade de sentido que se estabelece em uma determinada situação 
discursiva. 
 
O novo modelo em discussão não se prende apenas ao ensino de decodificação dos 
signos, mas também ao desenvolvimento de habilidades de produção oral, onde o texto é uma 
unidade de sentido: falado ou escrito, "o que implica o domínio por parte do aluno dos diversos 
gêneros textuais, orais ou escritos, que correspondem aos seus diversos usos sociais”. (Leite, 
2001, p.25). 
Nesse paradigma o objetivo de ensino da língua escrita, visa à formação do leitor e 
produtor de textos competente, possibilitando-o fazer uso da leitura e da escrita no contexto 
social. O ato de alfabetizar, nesse sentido, demanda um ensino pautado em todo tipo de 
conhecimento que envolve a língua escrita (aspectos fonéticos, fonológicos, morfológicos, 
sintáticos e culturais). Não é possível considerar apenas o conhecimento escolar, uma vez que 
este por si só não garante a formação de praticantes, da leitura e da escrita, capazes de usar a 
escrita como ferramenta de crescimento pessoal, intelectual, e principalmente de transformação e 
intervenção social. 
Com a expansão industrial e o avanço tecnológico foi-se exigindo cada vez mais dos 
indivíduos habilidades e competências relacionadas ao uso da leitura e da escrita em diferentes 
contextos sociais. Ressalta-se aqui que o sistema de escrita é um conhecimento cultural que 
evolui historicamente. A exemplo disso temos em nossa sociedade práticas de leitura e escrita 
que se difundiram na última década, como o e-mail (as mensagens eletrônicas), o hipertexto, 
entre outros, bem como, outros que de circular com menos freqüência, no caso a carta. Devido a 
essa mudança e evolução de como se entende a língua escrita e suas práticas sociais, o termo 
letramento tem marcado presença no cenário social e educacional. 
Letramento pode ser definido como resultado da participação em práticas sociaisque 
usam a escrita enquanto sistema simbólico, é o estado de quem abarca o uso efetivo da escrita. 
Pode ter diferentes níveis ou dimensão dependendo das necessidades sociais, do meio em que o 
sujeito está inserido e das exigências que a sociedade impõe no âmbito social e cultural. 
 
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Do ponto de vista de Soares, há duas dimensões de letramento, sendo elas: individual e 
social. Na dimensão individual, letramento está relacionado a diversidades de habilidades 
desenvolvidas pelo sujeito para utilizar a leitura e a escrita. O ato de ler envolve habilidades 
individuais lingüísticas e psicológicas, parte da decodificação do código até a compreensão do 
texto escrito. A escrita também requer do indivíduo o domínio de habilidades e conhecimentos 
que o possibilitem relacionar-se com os símbolos sonoros e escritos e a partir disso comunicar-se 
com o leitor expressando suas idéias e pensamentos. Letramento no aspecto individual não está 
dissociado da dimensão social, que é definido por Soares (2001, 72) como 
(...) o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita que os indivíduos se 
envolvem em seu contexto social. O letramento também tem um enfoque 
revolucionário, no qual é considerado como um “conjunto de práticas socialmente 
construídas que envolvem a leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais 
amplos, e responsáveis por reforçar ou conquistar valores, tradições e formas de 
distribuição do poder presentes nos contextos sociais. 
 
Analisando as duas dimensões de letramento discutidas por Soares, é possível perceber 
que ambas estão interligadas: uma precisa da outra para acontecer; não basta o indivíduo contar 
com as habilidades de ler e escrever, se não o faz socialmente. Em contrapartida apenas 
relacionar-se com a escrita sem dominar o código também não garante, nesta perspectiva, que o 
indivíduo seja de fato letrado. Nesse sentido dominar o sistema de escrita e realizar a leitura de 
mundo é fundamental para o sucesso do ser social e individual. Como afirma Soares (2001, p. 
18) “(...) letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o 
estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se 
apropriado da escrita”. 
O letramento abrange mais que simplesmente ler e escrever. O indivíduo letrado 
inserido em práticas sociais de leitura e escrita deve ser capaz de usar esse conhecimento em 
benefício da sociedade e de si próprio. Tomando uma atitude crítica em relação a tudo o que o 
cerca, buscando uma forma de transformar a sociedade em que está inserido. As práticas sociais 
de leitura e escrita devem gerar questionamentos, reforçar valores, tradições e formas de 
distribuição do poder. 
Paulo Freire na construção de um método de alfabetização sempre considerou eventos 
de letramento como fator importante para o aprendizado do alfabetizando, uma vez que 
ponderou sua história de vida, suas experiências, algo que evidencia a necessidade do autor em 
 
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valorizar o conhecimento de todos os envolvidos, acreditando ser o ponto de partida para a 
alfabetização emancipatória. 
Isso fica mais evidente quando declara que “a leitura de mundo precede mesmo a leitura 
da palavra. Os alfabetizandos precisam compreender o mundo, o que implica falar a respeito do 
mundo”. (Freire, 1990, p. 32). Para o autor, alfabetização além de garantir o ensino da leitura e 
da escrita deve explicar e discutir outros eventos sociais e culturais, diversas linguagens como: a 
música, poesia, tendências, acontecimentos, movimentos e tudo que envolve os interesses geral e 
particulares de uma sociedade ou nação. 
O modelo ideal de alfabetização para Freire deveria ser capaz de emancipar social e 
culturalmente todo indivíduo, permitindo compreender sua importância, discutindo suas 
experiências e relacionando-se conscientemente com o mundo. Giroux (1990, p. 7) discorre que, 
“(...) a alfabetização para Freire é, inerentemente, um projeto político no qual homens e mulheres 
afirmam seu direito e sua responsabilidade não apenas de ler, compreender e transformar suas 
experiências pessoais, mas também reconstruir sua relação com a sociedade mais ampla”. 
Já Kleiman ao tratar de letramento, afirma que há várias agências de letramento, sendo a 
escola a mais importante, porém a mesma preocupa-se apenas com um tipo de prática de 
letramento, a alfabetização, a qual a autora define como “(...) o processo de aquisição de códigos 
(alfabético, numérico) que gera competência individual para o sucesso e promoção na escola. 
(...) outras agências de letramento como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho mostram 
orientações de letramento muito diferentes. (KLEIMAN, 1995, p. 20)”. 
Kleiman ainda discute que existem dois modelos de letramento: o autônomo e o 
ideológico. No modelo autônomo a escrita é um produto, completo em si mesmo, não estando 
presa ao contexto de sua produção para ser interpretada. Essa “concepção pressupõe que há 
apenas um tipo de letramento a ser desenvolvido”, (Ibid, p.21), sendo associado casualmente 
com o progresso. Já no modelo ideológico, a autora afirma que “(...) as práticas sociais de 
letramento, no plural, são social e culturalmente determinadas, e, como tal, os significados 
específicos que a escrita assume para um grupo social depende dos contextos e instituições em 
que ela foi adquirida. (Ibid, p. 21)”. 
Por outro lado, Ferreiro denomina letramento como “cultura escrita”, isso acontece, por 
exemplo, no momento em que um adulto lê em voz alta para uma criança, ocorrendo muito antes 
 
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do início da escolarização. Nos diz Ferreiro (2003, p. 30) que “(...) é improvável usar os dois 
termos: alfabetização e letramento, pois nessa definição distinta, alfabetização virou sinônimo de 
decodificação e letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o 
compreender o que se lê”. Para ela a coexistência dos dois termos é incabível”. 
Observa-se a discordância entre estudiosos no uso e no entendimento dos termos 
alfabetização e letramento. Enquanto Ferreiro propõe uma alfabetização mais abrangente, não 
simplesmente a decifração de códigos, Soares, Kleiman e outros fazem distinção entre os dois 
termos, mas garantem a necessidade de alfabetizar considerando a função social da língua 
escrita, ampliando as experiências dos sujeitos em práticas sociais de leitura e escrita. 
Por ser um termo complexo, diversos estudiosos, de várias áreas (lingüística, educação, 
psicolingüística, sociolingüística) buscam conceituar e entender o letramento. Ainda não existe 
uma questão fechada quanto ao seu entendimento, o que evidencia às pesquisas que vem sendo 
feitas tanto no campo teórico quanto no campo prático, bem como em diferentes contextos 
sociais. 
Independente da conceituação do letramento ressalta-se aqui que a alfabetização não 
pode perder a sua especificidade que é o processo específico e indispensável de apropriação do 
sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que possibilita ao aluno ler 
com autonomia. Porém, deve ser levada em conta a evolução da compreensão do ato de 
alfabetizar. 
 
A PRÁTICA DE LETRAMENTO DENTRO E FORA DA ESCOLA: O DIREITO DE 
SER USUÁRIO DA LÍNGUA

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