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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Caro(a) aluno(a), A Universidade Candido Mendes (UCAM), tem o interesse contínuo em proporcionar um ensino de qualidade, com estratégias de acesso aos saberes que conduzem ao conhecimento. Todos os projetos são fortemente comprometidos com o progresso educacional para o desempenho do aluno-profissional permissivo à busca do crescimento intelectual. Através do conhecimento, homens e mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam opiniões, constroem visão de mundo, produzem cultura, é desejo desta Instituição, garantir a todos os alunos, o direito às informações necessárias para o exercício de suas variadas funções. Expressamos nossa satisfação em apresentar o seu novo material de estudo, totalmente reformulado e empenhado na facilitação de um construto melhor para os respaldos teóricos e práticos exigidos ao longo do curso. Dispensem tempo específico para a leitura deste material, produzido com muita dedicação pelos Doutores, Mestres e Especialistas que compõem a equipe docente da Universidade Candido Mendes (UCAM). Leia com atenção os conteúdos aqui abordados, pois eles nortearão o princípio de suas ideias, que se iniciam com um intenso processo de reflexão, análise e síntese dos saberes. Desejamos sucesso nesta caminhada e esperamos, mais uma vez, alcançar o equilíbrio e contribuição profícua no processo de conhecimento de todos! Atenciosamente, Setor Pedagógico Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 3 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................................4 CAPÍTULO 1 - ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ......................................................................................................................................5 OS SIGNIFICADOS DA ALFABETIZAÇÃO .........................................................................10 ALFABETIZAÇÃO COMO BUSCA DE EMPREGO .........................................................10 ALFABETIZAÇÃO COMO VALORIZAÇÃO DA IMAGEM SOCIAL ............................11 ALFABETIZAÇÃO COMO PRAZER EM APRENDER ....................................................12 ALFABETIZAÇÃO COMO EXERCÍCIO DA CIDADANIA .............................................13 ALFABETIZAÇÃO COMO USO DA NORMA-PADRÃO DA LÍNGUA .........................13 ALFABETIZAÇÃO COMO BUSCA DE MAIS CONVIVÊNCIA SOCIAL ......................15 CAPÍTULO 2 – A RELAÇÃO ENTRE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: QUESTÕES CONCEITUAIS E SEUS REFLEXOS NAS PRÁTICAS DE ENSINO E NOS LIVROS DIDÁTICOS .......................19 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: CONCEITOS DISTINTOS, MAS INDISSOCIÁVEIS ....................................................................................................................21 A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO ........................................................................................................................25 CAPÍTULO 3 - ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: O DIREITO DE SER USUÁRIO DA LÍNGUA ESCRITA ..............................................................................................................26 DIALOGICIDADE ENTRE OS TEMAS: LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO ..............27 A PRÁTICA DE LETRAMENTO DENTRO E FORA DA ESCOLA: O DIREITO DE SER USUÁRIO DA LÍNGUA ...........................................................................................................31 CAPÍTULO 4 - AS ESTATÍSTICAS DA ALFABETIZAÇÃO ..............................................37 GRANDES TENDÊNCIAS .......................................................................................................37 UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA ......................................................................................40 INDICAÇÕES PARA AS POLÍTICAS ....................................................................................48 CAPÍTULO 5 - PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: DO QUE ESTAMOS FALANDO E O QUE ESTAMOS APRENDENDO .........................................................................................52 SOBRE O QUE ESTAMOS FALANDO? ................................................................................53 SOBRE O QUE ESTAMOS APRENDENDO? ........................................................................58 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................65 Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 4 INTRODUÇÃO Os termos Alfabetização e Letramento estão no topo das discussões no tocante a educação e desenvolvimento das sociedades. Nunca se viu tantas ações afirmativas, medidas compensatórias, com o objetivo de dirimir os altíssimos níveis de analfabetismo no país, legado este que tem sua origem nos primórdios de nossa história colonial. É valido ressaltar que o analfabetismo não está presente somente no contexto histórico brasileiro, trata-se, portanto de um legado da história da educação e porque não dizer da história da humanidade, irrigado por seu contexto preconceituoso, elitista e excludente. Para tentar compreender o que é alfabetização e letramento, quais as diferenças entre os termos, se é que realmente há ou deve haver estas diferenças, é preciso inicialmente conhecer alguns caminhos percorridos pela história da educação. Em meio a tantos discursos utópicos sobre práticas e métodos de alfabetização e importante refletir sobre o sentido da educação. Para tanto, convido-o a pensar, o que é educação? Qual sua missão na história da humanidade? Como, onde e quando esta educação acontece dentro do contexto social? Educar na contemporaneidade tem se tornado um desafio cada vez maior para os educadores e governantes, uma vez que a educação atual exige perpassar muitos obstáculos, dentre estes, destaque para a formação adequada de educadores de jovens e adultos, já que exige o rompimento de paradigmas e conceitos prévios de como conceber a educação para esta modalidade de ensino, para tanto não se trata apenas de munir os educandos de capacidades cognitivas para o domínio das técnicas de leitura e escrita é preciso ir além preparando-os para o exercício da cidadania. Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 5 CAPÍTULO 1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Inez Helena Muniz Garcia1 esde 1993 estamos envolvidas com a educação de jovens e adultos através do Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos do Banco do Brasil, BB Educar, sobre o qual, o Professor Paulo Freire, em entrevista2 concedida ao Departamento de Formação Profissional dos Funcionários do Banco do Brasil, em 1994, assim se expressou: Hoje, eu tenho uma certa autoridade como pedagogo, como gente, para dizer que esse projeto tem sentido. Para mim, é uma alegria eu não ter morrido antes e que possa dizer, gravar, publicar, escrever, fazer discursos em beira de estrada, que esse é um projeto pelo qual vale a pena brigar e no qual vale a pena lutar. A nossa experiência como alfabetizadora de jovens e adultos e como educadora formadora de alfabetizadores (as) de jovens e adultos levou-nos a uma pesquisa sobre jovens e adultos em processo de alfabetização. A pesquisafoi realizada no município de São Gonçalo (RJ), situado na região metropolitana do Rio de Janeiro, em uma escola pública municipal, com alunos (as) na faixa etária entre 18 e 70 anos, dos gêneros feminino e masculino. A nossa pesquisa e esse nosso texto tiveram como premissa a pedagogia freireana: a crença de que “o mundo não é. O mundo está sendo” (FREIRE, 1983, p.85), ou seja, o oprimido não pode perder a liberdade de um outro mundo possível. A questão que se colocou como ponto de partida para nossa pesquisa foi: o que move jovens e adultos em processo de alfabetização e escolarização a iniciarem seus estudos ou retornarem à escola nessa fase de suas vidas. Definimos grupo focal como técnica de investigação a ser adotada. A opção por essa estratégia de pesquisa se deu, pois compreendemos que o trabalho com um grupo focal proporcionaria uma maior escuta, capaz de apreender brechas, atalhos, frestas, que possibilitasse ao pequeno grupo, através das interações e compartilhamento de idéias, trazer à tona o não-dito, 1 Mestre em Educação pela UFF. Educadora formadora de alfabetizadores do Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos do Banco do Brasil, BB Educar. (inezhmg@superig.com.br). 2 Gravada em fita VHS. D Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 6 o encoberto e uma reflexão crítica sobre o seu próprio discurso. Numa perspectiva freireana de educação, buscou-se privilegiar o diálogo como “pronúncia” do mundo. Mundo esse que os alunos querem ter a coragem de pronunciar com as suas palavras, formuladoras de suas necessidades e desejos, com as suas “leituras”, que ainda não são as da palavra escrita. As falas dos (as) alunos (as) pesquisados são depoimentos que, no contexto nacional de analfabetismo, podem ser representativos do perfil das pessoas adultas em processo de alfabetização/escolarização, para nos fazerem refletir sobre as condições sócio-político- econômicas que contribuíram para os índices de analfabetismo que ainda hoje temos3. O adulto não retorna à escola com a intenção de recuperar um tempo perdido ou para aprender algo que não aprendeu quando criança. O que ele busca é um aprendizado para as suas necessidades atuais. Levando em conta então as demandas por leitura e escrita dos (as) alunos pesquisados (as), recorremos à noção de letramento e buscamos averiguar as relações entre o processo de letramento e o processo de escolarização. A noção de letramento é relativamente recente no cenário educacional e está relacionada à participação dos sujeitos nas práticas sociais que têm como eixo a linguagem escrita. Em sociedades letradas, o atravessamento da escrita na vida como um todo se faz de um modo forte, não só nas atividades de leitura e de escrita propriamente, mas nas atividades orais, já que a fala das pessoas letradas é muito marcada pela linguagem que se escreve. Este quadro se modifica dependendo do acesso que se tem a círculos letrados, diferenciando-se, portanto, entre as classes sociais. Uma perspectiva de letramento, de certo modo diversa, nos é mostrada por Mey (2001). Conforme Mey (2001, p. 240): “o letramento é também produto de uma participação ativa em determinada atividade social e produz uma certa disposição; o modo como alguém participa de certa atividade, e, conseqüentemente, a voz que alguém está apto a assumir [...]”. O autor utiliza a palavra “voz” no sentido metafórico “para qualquer atividade relativa ao uso da linguagem”. Podemos relacionar tais vozes às variedades lingüísticas e especialmente à variedade considerada padrão, a chamada norma culta. Quer dizer, a participação ativa em determinada atividade social letrada me torna apto a assumir a voz letrada. A voz letrada seria a 3 Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Censo Demográfico 2000, a taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais é de 13,6%, o que corresponde a 16.295.000 de brasileiros (as). Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 7 voz legitimada socialmente. De acordo com Mey (2001, p.241): “o letramento não é o que torna as pessoas letradas, mas sim a maneira como essas pessoas funcionam em um discurso societal utilizando suas próprias vozes”. Como, então, tratar a questão do letramento levando em conta uma sociedade em que estão presentes muitas vozes? Tfouni (2004, p. 10) nos diz que: “o letramento tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social”. Muito se tem discutido sobre os significados do letramento, mas algo parece ser comum a alguns autores (Goulart, 2001, 2002; Kleiman, 2001; Ribeiro, 1999; Soares, 2001, 2002, 2003 e Tfouni, 1988, 2004). A noção surge da necessidade de explicar algo que é mais amplo que alfabetização, ou seja, que vai além do domínio da tecnologia da leitura e da escrita, uma vez que nas sociedades grafocêntricas em que vivemos hoje, novas formas de uso social da leitura e da escrita, inclusive por aquelas pessoas consideradas analfabetas, vêm se dando. Os analfabetos envolvem-se em práticas sociais diárias de leitura e de escrita, quer seja ao pedir alguém que leia o nome de um ônibus ou de uma rua, que leia uma carta que recebe, que veja o prazo de validade de um produto no supermercado, que anote um recado para alguém etc. Embora não saibam ler e escrever, essas pessoas, de certo modo já apresentam graus de letramento, uma vez que estão imersas num mundo letrado e fazem uso, de uma forma ou de outra, da leitura e da escrita. Soares (2001, p. 37) diz que “tornar-se letrado traz, também, conseqüências lingüísticas”, conforme apontamos na parte inicial desta seção. O depoimento, abaixo transcrito, de uma das alunas com quem conversamos, sugere que ela já se percebe falando de uma forma diferente da que falava anteriormente: Então você estudando, você vai aprendendo, vai desenvolvendo, vai falando um monte de coisa. (NEIDA, 28 anos, doméstica). Soares (2002, p. 145) apresenta letramento como: “o estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento”. A autora identifica duas dimensões de letramento: a individual e a social. A dimensão individual de letramento, que envolve especificamente a competência de ler e escrever e compreender o que está lendo e escrevendo, requer um conjunto de habilidades, Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 8 quais sejam: motoras, cognitivas e metacognitivas. Soares ressalta ainda que ler e escrever são processos diversos, embora complementares, que requerem habilidades diferenciadas. A dimensão social do letramento apresenta-se como uma prática social, ou seja, de que forma, em um determinado contexto, as pessoas demonstram familiaridade com algumas práticas de leitura e de escrita. Ainda para Soares (2001), o que é fundamental na questão do letramento são os chamados eventos de letramento, conceituados por Heath (1983), que ela mesma traduz por: “um evento de letramento é qualquer situação em que um portador qualquer de escrita é parte integrante da natureza das interações entre os participantese de seus processos de interpretação”. Soares (2001) e também Kleiman (2001) dão destaque a dois modelos de letramento propostos por Street (1984, 1993): o autônomo e o ideológico. O modelo autônomo de letramento é aquele em que o problema da não aprendizagem é uma questão individual. Vejamos o depoimento, abaixo transcrito, de uma das alunas com quem conversamos: Quando eu era pequena, eu morava com madrinha, né! E minha madrinha me deixava estudar, mas tinha que fazer tudo dentro de casa. Tinha que lavar, passar, cozinhar, tudo. Aí ela me colocava estudar à noite, né! Trabalhar o dia inteiro e só podia estudar à noite. Aí quando chegava a noite eu não queria mais nada, já estava cansada, já tinha feito um monte de coisa, aí, quer dizer, não escrevi nada, não aprendi nada. Aí eu parei. (STELA, 53 anos, manicure). Como podemos perceber, a aluna atribui a si própria a responsabilidade de não ter aprendido, uma vez que à noite, já cansada, não tinha mais ânimo para estudar. Quando os alunos pesquisados nos dizem: “A gente só pode ser alguém na vida através do estudo” (Dalto) e “Porque a gente sem o estudo não é nada, né?” (PAULO), suas falas estão impregnadas por uma concepção autônoma de letramento, ou seja, é natural para eles se sentirem inferiorizados, pois se o discurso do poder dominante, das classes privilegiadas afirma que analfabetismo é “mancha”, “escravidão”, “erva daninha” etc. com que autoridade os alfabetizandos poderão questionar ou discordar desse pressuposto? No modelo ideológico de letramento, o que se destaca é que “todas as práticas de letramento são aspectos não apenas da cultura, mas também das estruturas de poder numa sociedade”. (KLEIMAN 2001, p. 38). Partindo-se, portanto, dessa afirmação: o que pode ser feito para superar o modelo autônomo de letramento, imposto pelos poderosos, que discrimina e Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 9 exclui? Como desnaturalizar a desigualdade? A transformação da prática escolar de forma que o conflito discursivo em sala de aula seja estabelecido para que práticas sociais dominantes possam ser discutidas, examinadas e repensadas poderão construir contextos de aprendizagem, em que os alunos tragam seus conhecimentos, suas experiências, suas vivências, é uma das propostas de Kleiman (op. cit.,p. 57). O que não se pode perder de vista é que as diferenças (culturais, sociais, econômicas etc.) devem ser levadas em conta num processo de alfabetização de jovens e adultos, ou seja, com que finalidade a leitura e a escrita são ensinadas e praticadas, buscando-se desfazer do “mito da neutralidade da educação”, como nos diz Freire (1983). Nossa discussão busca mostrar que ao se estabelecer o diálogo (no sentido de debate, de confronto de opiniões e não apenas na convergência de idéias) como ponto de partida num processo de alfabetização de jovens e adultos, a voz dos alfabetizandos, ao ser ouvida e respeitada, propicia um contexto de aprendizagem onde o “saber da experiência vivida” é considerado. Como nos diz Freire (1983, p. 29): “nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo”. Ao participarem de atividades letradas, as vozes dos (as) alunos (as), mesmo que não portadoras da norma da língua considerada padrão, se tornam também legitimadas socialmente. As práticas de alfabetização nem sempre são capazes de promover a inserção dos alfabetizandos na cultura da leitura e da escrita. Daí, nossa pesquisa estar voltada para a maneira como os alunos estão se apropriando de seu aprendizado e utilizando a leitura e a escrita em seu dia-a-dia. O que de fato está sendo ensinado quando se ensina a leitura e a escrita na alfabetização de jovens e adultos? Como esses alunos estão se apropriando da leitura e da escrita? O processo de alfabetização está desenvolvendo uma condição letrada nos alunos que lhes permita o efetivo uso da leitura e da escrita em suas práticas sociais? Alfabetizar letrando é o desafio posto para a educação de jovens e adultos. Assim como os autores com os quais dialogamos, consideramos distintos os conceitos de alfabetização e letramento, embora entendamos que são processos que se interpenetram, uma vez que a leitura do mundo precede a leitura da palavra e aprender a ler e a escrever é também compreender o mundo no seu contexto, vinculando linguagem e realidade (FREIRE, 1983). Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 10 OS SIGNIFICADOS DA ALFABETIZAÇÃO A alfabetização para esses jovens e adultos parece surgir com diferentes significados. Entretanto, um fato marcante nas falas desses alunos é o sentimento de culpa, de ser um “nada”, de ser “burro” por não saber ler e escrever. Aqui podemos perceber a força do “discurso oficial” na fala desses alunos, pois o analfabetismo é visto como uma mancha, como algo que impede o progresso social e econômico e daí as falas de muitos alunos serem marcadas por esse sentimento de incompetência, de não servirem para nada. Com base nas falas e narrativas dos alunos apresentamos algumas categorias4 que organizamos para compreender as motivações dos alunos para aprender a ler e a escrever. Muito tem se falado em relação ao que move jovens e adultos a buscarem a escola e não há dúvidas de que muitos sonham com uma possibilidade de ascensão profissional, pois se encontram insatisfeitos com as atividades profissionais que desempenham e daí a necessidade da: ALFABETIZAÇÃO COMO BUSCA DE EMPREGO Aí agora arrumei um servicinho em terra, consegui arrumar uma vaga, né. Fui animei estudar um pouco, porque a gente sem o estudo não é nada... mas que é difícil é, viver sem estudo... A senhora vê: pra trabalhar na Comlurb, para colher lixo na rua tem que ter o 2º. grau ou senão a 4a. série, 5a. série... E qualquer servicinho que vai fazer hoje tem que ter a 5a. série, né!? [...] Eu não consegui trabalhar em prédio porque eu não sei assim anotar recado, essas coisas de portaria, né? Aí tem que encarar esse serviço[...] É muito difícil hoje em dia, pra viver sem estudo tá difícil. (PAULO, 46 anos, gari). Paulo, à primeira vista, não questiona a estrutura social e nem atribui a ela qualquer responsabilidade por não estar apto para um trabalho melhor. Temos a impressão de que para ele, a escola é muito importante, se apresenta como redentora, que poderá instrumentalizá-lo e lhe possibilitará conquistar melhores condições de vida (SOARES, 2002a, p.71). Entretanto, ao mesmo tempo Paulo questiona a necessidade dos saberes escolares para ser gari, pois ele é um deles, e sabe que não há necessidade ter cursado a 4a. ou 5a. série, como ele mesmo diz, para executar tal trabalho. O que será que Paulo quer nos dizer com isso? Onde ele quer chegar? A 4 Essas categorias foram pensadas a partir da análise de dados apresentados por Melo (1997), mas não são as mesmas utilizadas pela autora. Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 11 exigência do mercado de trabalho não é de uma formação específica, mas de uma escolaridade, ou seja, de uma formação genérica. Quer dizer, a concorrência é tanta que é preciso selecionar de alguma forma, não porque o trabalho a ser executadoexija esse nível de escolaridade, mas como não há trabalho para todos, é necessário que as oportunidades de emprego se definam em função da escolarização, como nos diz Britto (2003, p. 198). Se Paulo questiona a necessidade dos saberes escolares para ser gari, por outro lado ele deseja se apropriar desses saberes, pois tem a expectativa de que esse domínio possa possibilitar- lhe melhores empregos, pois ele mesmo nos afirma que não conseguiu trabalhar na portaria de um prédio por não saber anotar recados e distribuir a correspondência. Como a escola poderá atender a essas expectativas do aluno? Conforme Soares (2002a, p. 73), primeiramente a escola precisa estar comprometida com a luta contra as desigualdades para assim garantir a aquisição dos conhecimentos e habilidades que possam instrumentalizar as classes populares para que elas participem no processo de transformação social, ou seja, uma escola transformadora, que dê aos alunos condições de reivindicação social. Mas, talvez, contrariando o que vem sendo um discurso que parece ser predominante, alguns dos alunos que entrevistamos demonstram que são movidos por outros desejos, querem ser valorizados socialmente, desejam ser reconhecidos pelos outros e assim: ALFABETIZAÇÃO COMO VALORIZAÇÃO DA IMAGEM SOCIAL Trabalhei de 1985 até o ano 2000 no grupo Gerdau, saí aposentado. Descansei um pouco, achei que era tempo de voltar ao colégio para tentar cumprir um sonho que sempre, quando iniciei, eu iniciei com esse sonho... Forçar, ver se consigo chegar a eletro-técnico [...] Se a senhora me der um esquadro, eu esquadreio um prédio desse, mas não posso assinar um projeto. Eu sei com qual material começa e como termina. Mas como vou assumir se não tenho a base para assinar um papel? Não posso. A mesma coisa a parte elétrica. A senhora pega um projeto grande, a senhora tem que instalar aí, vamos supor, cinco ou dez relógios, de vários modelos de relógio. A senhora tem que ter um projeto, tem que assinar aquilo, pedir alguém para assinar. Por quê? A CERJ não aprova se não tiver a assinatura de um técnico. (DALTO, 51 anos, aposentado). Para outros, o aprendizado é uma questão identitária, diz respeito à dimensão individual: querem mostrar para si mesmos que são capazes de aprender e daí: Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 12 ALFABETIZAÇÃO COMO PRAZER EM APRENDER Eu hoje estou aposentado [...] mas é muito importante a gente aprender cada vez mais. Enquanto estou vivo, vou aprendendo cada vez mais porque abre espaço para novos relacionamentos [...] Cada vez eu me aprofundo mais. O meu grupo aí é o terceiro. Eles acham que eu sou muito sabido, mas não sou. Eu procuro me aprofundar e vou embora. Enquanto estiver vivo vou, entendeu? [...] Eu já com essa idade... os mais jovens então, esses adolescentes então têm que se aprofundar [...]. (ANTÔNIO, 70 anos, aposentado). Em todas as suas falas Antônio faz questão de frisar o quanto é importante para ele aprender e os outros alunos sempre se referiam a ele como aquele que sabe mais. Vejamos o que ele nos diz: “Eles acham que sou muito sabido, mas não sou”. Charlot (2000, p. 72) nos afirma que qualquer relação com o saber comporta também uma dimensão de identidade. Nas palavras do autor: “aprender faz sentido por referência à história do sujeito, às suas expectativas, às suas referências, às suas concepções de vida, às suas relações com os outros, à imagem que tem de si e à que quer dar de si aos outros”. Antônio sente prazer em aprender; isso ele declara e é perceptível em cada atitude sua, seja no interesse que demonstra em entender um termo que desconhece, em levar para casa uma cópia da poesia que foi lida no grupo para ler com sua neta. Ele também necessita de que os outros reconheçam nele esse conhecimento que demonstra ter e que em alguns momentos sobressai no grupo. Ou seja, para que seu discurso tenha a sua marca, a sua autoria, ele precisa da colaboração dos outros. A esse respeito, ou seja, sobre a formação do eu Bakhtin (2000) destaca três categorias: o eu para mim (como eu me percebo): “Eles acham que eu sou muito sabido, mas não sou”, ou seja, eu acho que não sou sabido; o eu para os outros (como os outros me vêem): “Eles acham que sou muito sabido...” e o outro para mim (como eu vejo o outro): “Eles acham que...”, mas eu não acho, ou seja, Antônio não está apenas aprendendo coisas que não sabia, está também, nesse processo, se construindo enquanto um sujeito do conhecimento, mas para assumir isso ele precisa que os outros com os quais se relaciona estejam lhe dizendo. Há casos em que a pessoa volta a estudar porque deseja ter uma participação social mais ativa, não quer depender dos outros para tomar um ônibus, quer, por si própria, ter acesso às informações de que necessita, quer poder ir numa loja e assinar um crediário e, assim, a necessidade da: Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 13 ALFABETIZAÇÃO COMO EXERCÍCIO DA CIDADANIA Eu quero falar que estou muito satisfeito com o estudo. Eu quero continuar porque é muita dificuldade a gente ler o nome de uma rua, uma vista de um ônibus, entendeu? Porque por muitas das vezes eu passei dificuldade de chegar numa loja, comprar assim um rádio, umas coisas assim, uma roupa, que pedia pra assinar o nome, coisa e tal que eu não sabia e agora graças a Deus que hoje em dia eu sei fazer esse tipo de coisa, sei ler, sei escrever, não é tanto, um pouco [...] (SIMÃO, 32 anos, lancheiro). Ao chegar em locais em que a pessoa percebe que os outros falam de uma forma diferente da sua, as pessoas se sentem inibidas, envergonhadas, ficam sentadas de lado, sem terem coragem de participar, de conversar e daí a necessidade da: ALFABETIZAÇÃO COMO USO DA NORMA-PADRÃO DA LÍNGUA Você vai numa festa cheia de gente falando bem e você fica lá, sentado. Aí perguntam: - “Por que você não fala”? – Ah, eu não quero falar não. -“Ah, mas por que não quer falar não”? Mas só você sabe porque você está com vergonha de falar, né? Então você estudando, não, você vai aprendendo, vai desenvolvendo, vai falando um monte de coisa (NEIDA, 34 anos, doméstica). Por que Neida rejeita sua fala? O que faz com que ela sinta vergonha de falar com pessoas desconhecidas? Para entender por que Neida se sente inibida de falar, chegando mesmo a afirmar “não consigo falar direito em português”, é preciso saber: quem é a Neida? Mulher, nordestina (e isso ela destaca quando diz: “apesar de que eu tenha um pouco o sotaque de lá” ou seja, ela sabe que essa marca regional em sua pronúncia pode concorrer também para discriminá- la), semi-analfabeta, doméstica, que sabe muito bem que o lugar social que ocupa não lhe dá prestígio. Neida sabe que a palavra confere poder às pessoas e entende que para ser valorizada, em determinados meios sociais, é necessário que se utilize de uma variedade lingüística “culta”ou “padrão”, daí seu esforço para aprender falar dessa forma. Vejamos o que Britto (2003, p. 24-25) nos diz a esse respeito: É sabido que o preconceito lingüístico resulta do preconceito social e das formas políticas e econômicas de exclusão, e não será eliminado por uma política lingüística corretiva... a eficiência da gramática do certo e errado não está em manter a unidade lingüística nacional nem em contribuir pra o uso eficiente das formas lingüísticas, mas sim em criar um padrão que corrobora uma idéia de cultura que sustentae reproduz privilégios sociais. Neida sabe que existe um código, como nos afirma Gnerre (1991, p. 9), que é aceito pelas classes dominantes e que é tido como superior. Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 14 Interessante, contudo, é percebermos também que os próprios alunos se dão conta de que as formas de falar que não seguem a norma-padrão não devem ser consideradas incorretas, mas é preciso saber onde e quando podem falar do “seu jeito”. Ao discutir sobre as variedades lingüísticas, Mey (2001, p. 148) afirma que questões como as de Neida não são apenas puramente lingüísticas, mas também uma questão social. Nas palavras do autor: [...] as línguas são vozes da sociedade e se sua sociedade (ou segmento da sociedade, conhecido também como ‘classe social’) é poderosa, então sua voz será ouvida como um poderoso rugido; do contrário, não passará de um fraco balido (isto é, se você não for comido antes de balir). Goulart (2001, p. 13) a esse respeito nos fala: Pressupomos que seja através do prisma social concreto vivo que nos engloba que lemos o mundo. Mas com que lentes o lemos? Lemos com as lentes da variedade de língua que constituímos interativamente no nosso grupo social, que vive em tensão com as outras variedades usadas, inclusive a padrão. E Geraldi (1995, p. 16) nos lembra que as escolas hoje recebem muitos alunos para os quais suas portas estavam fechadas até então e assim o cotidiano escolar defronta-se com diferentes modos de ver o mundo e diferentes formas de falar sobre ele, pois alunos que são oriundos das classes populares falam e compreendem o mundo de um modo que a escola não aceita e às vezes sequer compreende. Retomemos a fala da Neida: “a gente estuda nessa escola e se a gente for estudar lá a gente vai estranhar, sabia? O modo de falar!” O que Neida quer nos dizer? Que aqui nessa escola existe uma forma de falar que é considerada “correta”, mas que lá no Piauí, também numa escola, existe uma outra forma de falar que também é considerada “correta”. O que pode então a escola fazer diante dessa inquietação da aluna? Soares (1985, p. 17, apud Geraldi, 1995, p. 18) nos traz o seguinte questionamento: “Como podem ser trabalhadas as relações entre linguagem, educação e classe social, numa escola que pretende estar realmente a serviço das camadas populares?” O que Geraldi (1995) sugere é que a escola não se aproprie apenas da variedade lingüística considerada de prestígio e que possibilite ao aluno interlocuções com outras variedades, inclusive a padrão, pois também essa se constrói historicamente e se modifica. Certamente os alunos chegam à escola falando português, mas a maneira como falam quase sempre foi desconsiderada como saber pela escola. Vamos nos lembrar aqui mais uma vez da Neida, quando nos diz: “não consigo falar direito em português?” O que será que ela quer nos Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 15 dizer? Eu não me sinto bem com o jeito que falo, porque não é a “forma (f(ô)rma)” que a escola ensina? Vamos então, mais uma vez, recorrer a Britto (op. cit., p. 39): O preconceito lingüístico, diferentemente de outras formas de discriminação, não tem sido combatido. Quando se ridiculariza em público uma pessoa por seu jeito de falar, o agente do preconceito é avaliado positivamente, como se fosse culto, inteligente, enquanto o agredido é avaliado negativamente, como se fosse ignorante, estúpido. Lembram-se da Neida, quando nos diz: “Você vai numa festa cheia de gente falando bem e você fica lá, sentado... Mas só você sabe porque você está com vergonha de falar, né?” Dá para perceber o motivo pelo qual ela tem vergonha de falar, pois tem medo que a julguem ignorante ou burra, uma vez que não fala “bem” como aquelas pessoas. Bakhtin (1988, p. 109) nos diz: Na realidade, o ato da fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo: não pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A enunciação é de natureza social. Há ainda aqueles que voltaram a estudar como uma forma de preencher o tempo, de suprir um vazio, uma vez que os filhos já são independentes e daí: ALFABETIZAÇÃO COMO BUSCA DE MAIS CONVIVÊNCIA SOCIAL [...] Porque eu já sei ler, escrever, eu já sei tudo, então como eu fico muito em casa, assim, à noite, então eu achei melhor, em vez de ver novela, né! Então agora, nessa idade, é que eu resolvi estudar para aprender mais, mais é conta, o resto das coisas eu sei, entendeu? [...] todo mundo até pergunta: nem parece que você nem estudou o segundo ano, porque eu sempre fui muito desembaraçada. (STELA, 53 anos, manicure). Então agora eu sou viúva, fiquei sozinha, só com meu filho. Meu filho sai pra trabalhar... mas ficar sozinha é muita solidão, aí passei a voltar pra estudar, pra eu sair dessa, entendeu? (ZILÁ, 52 anos, passadeira). Para Stela e Zilá a escola surge com um significado diverso, não é o local onde se vai buscar apenas algum aprendizado, é o espaço de encontrar pessoas, fazer amizades, de buscar novas experiências. Como nos diz Charlot (op. cit., p. 39): “ o sentido da escola deixa de ser dado e deve ser construído pelos atores”. Stela busca um sentido novo na escola, pois quando diz: “eu sei tudo”, essa não é uma atitude prepotente, mas o que ela está querendo nos dizer é que ela sabe tudo que é necessário Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 16 para resolver a sua vida, cuidar do seu dia-a-dia, ou seja, que apesar de os saberes escolares terem um valor neste mercado cultural e se imporem como conhecimentos necessários, mesmo que não sejam, conforme Britto (2003, p. 203) essa lógica não é importante para ela, a sua busca é outra. CONCLUSÕES Nosso texto buscou centrar-se nos fatores que levam jovens e adultos a iniciarem ou reiniciarem seus estudos formalmente nessa fase de suas vidas. Se um texto só vive em contato com outro texto, como nos diz Bakhtin, nesse percurso de pesquisa os textos (narrativas) dos (as) alunos (as) pesquisados (as) têm um texto: a história de jovens e adultos que se viram impossibilitados de estudar quando crianças. Os motivos dessa impossibilidade foram os mais diversos, explicitados pelos (as) próprios (as) alunos (as). Buscamos não perder de vista que para todo contexto existe algo que à primeira vista pode não se fazer visível, mas que é fundamental para uma análise do tipo dessa a que nos propusemos: a realidade sócio-político-econômica de onde esses textos foram produzidos. As expectativas dos alunos pesquisados em relação ao processo de alfabetização vêm, algumas vezes, desmitificar aquilo que muitas das vezes julgávamos ser o mais relevante para eles, pois ao buscarem o ensino formal muitas foram as suas motivações, conforme apresentamos acima. Suas falas nos mostram também que a escola para eles não é a fórmula mágica, que vai resolver todos os problemas de suas vidas, pois conhecem a realidade na qual estão inseridos e sabem que o aprendizado que fazem e de que necessitam não se dá apenas no espaço formal da escola. Sempre muito cientes de suas necessidades de alfabetização para um uso prático no seu cotidiano: tomar ônibus, escrever cartas, ler a Bíblia, fazer um crediário,um desejo de aprender a ler e a escrever com fluência também fazia parte da busca dos jovens e adultos pesquisados. A escola pode dar um conhecimento sistemático, científico, mas a prática cotidiana, o “saber da experiência vivida”, também os torna capazes de realizarem com êxito seu trabalho. Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 17 Apesar das dificuldades que enfrentam e enfrentam, principalmente no que diz respeito a melhores condições de trabalho, não se mostraram desesperançados ou pessimistas, pois se valorizam enquanto seres humanos que lutam, que buscam dar condições de vida melhores e estudo para seus filhos. Se os (as) alfabetizandos (as) adultos (as) são capazes de fazer com competência a leitura do mundo, podem também ser competentes para a leitura de revistas, jornais, livros, Bíblia, folhetos etc. Segundo Freire (1983, p. 11): “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto e contexto”. Sendo assim, o ato de ler, antes de tudo, é um ato crítico e aquele que está aprendendo a ler e a escrever, deve ser concebido como o sujeito do conhecimento, ou seja, é por meio das interações que se constrói o contexto. Um dos aprendizados que essa pesquisa me proporcionou foi o de que esses jovens e adultos em processo de alfabetização querem falar muitas coisas e sabem realmente daquilo de que mais necessitam para que aprendam não apenas a ler e a escrever, mas que possam se alfabetizar letrando. Disso tudo fica uma certeza: que há muito ainda a ser pesquisado, principalmente sobre as condições que propiciam letramento aos jovens e adultos e qual a implicação disso em suas vidas, ou seja, se a alfabetização e o letramento operam alguma mudança em suas vidas e que tipo de mudanças são essas. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 4. ed. São Paulo: HUCITEC, 1988. BRITTO, L. P. L. Contra o consenso: cultura escrita, educação e participação. Campinas: Mercado de Letras, 2003. Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 18 CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados:Cortez, 1983. GERALDI, J. W. Convívio paradoxal com o ensino da leitura e da escrita. Texto em versão preliminar, escrito para discussão em mesa redonda do GT Alfabetização, Leitura e escrita, na 18ª Reunião Anual da ANPED, Caxambu, 1995. GNERRE, M. Linguagem, Escrita e Poder. 3. ed. Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. GOULART, C. M. A. Letramento e Polifonia:um estudo de aspectos discursivos do processo de alfabetização. Revista Brasileira de Educação, 18. Campinas: Autores Associados, dez.2002, p. 5-21. GOULART, C. M. A.A noção de letramento como horizonte ético-político para o trabalho pedagógico: explorando diferentes modos de ser letrado. Projeto de pesquisa, 2001. HEATH, S. B. Ways with Words. Cambridge: Cambridge University Press, 1983. KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, A. B. (Org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. 3. reimpr. Campinas: Mercado de Letras, 2001. p. 15-61. MEY, J. As vozes da sociedade: seminários de pragmática. Campinas: Mercado de Letras, 2001. SOARES, M. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, V.M. (Org.) Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003, p 89-113. SOARES, M. Linguagem e escola – Uma perspectiva social. 17. ed. 9. reimpr. São Paulo: Ática, 2002. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. 3. reimpr. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. STREET, B.V. (Org.) Cross-Cultural Approaches to Literacy. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. STREET, B.V. Literacy in Theory and Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984. TFOUNI, L. V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 2004. TFOUNI, L. V. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas: Pontes, 1988. Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 19 CAPÍTULO 2 – A RELAÇÃO ENTRE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: QUESTÕES CONCEITUAIS E SEUS REFLEXOS NAS PRÁTICAS DE ENSINO E NOS LIVROS DIDÁTICOS Eliana Borges Correia de Albuquerque Artur Gomes de Morais Andréa Tereza Brito Ferreira “Conheço todas as letras, mas juntar é que é o difícil. Minha professora, quando eu era garoto, ensinava... A lição era assim: letra por letra. Eu chegava, ficava feliz quando terminava a lição, porque ia escapulindo. Agora não tem mais nesse panorama. Mas de primeiro era assim”. “Comprar um jornal com tanta letra sem saber ler, era um problema. Eu pelo menos pedia para a pessoa ler alto para eu ouvir.” “Eu tinha uma namorada em Caruaru, uma menina bem bonita. Aí ela mandava carta para mim. Aí eu mandava um colega ler. Aí ele lia e ele mesmo fazia para mim, eu pagava a ele. Ele tinha uma caligrafia bonita. Quando eu ia lá pra Caruaru – eu trabalhava na Rodoviária Caruaruense, nessa época eu era cobrador de ônibus – aí ela ficava elogiando minha caligrafia e eu não sabia de nada. Era ele que escrevia, né? Ler eu não lia, nem escrevia.” Depoimentos de Seu Aguinaldo5, 60 anos ntender a relação entre alfabetização e letramento é fundamental para que possamos construir práticas construtivas e efetivas de ensino da leitura e da escrita em turmas da Educação de Jovens e Adultos. Nesse texto, buscaremos refletir sobre esses dois conceitos que, como propôs Soares (1998), consideramos distintos, mas indissociáveis. Para começar a nossa discussão, tomaremos os depoimentos de Seu Aguinaldo, há pouco apresentados. Na primeira fala, ele afirma que conhece todas as letras do nosso alfabeto, mas não sabe juntá-las. O que isso tem a ver com alfabetização? Na segunda fala, ele nos relata que comprava o jornal e pedia para outras pessoas lerem alto, para ele ouvir, porque não sabia ler. Já no terceiro depoimento, ele discorre sobre como se comunicava com uma namorada por meio de cartas, sem saber ler e escrever. Novamente, observamos que a mediação de uma pessoa que lia e escrevia para ele foi necessária. Como essas duas falas nos ajudam a entender a relação entre letramento e alfabetização? 5 Seu Aguinaldo foi aluno de uma turma de um projeto de alfabetização de jovens e adultos, desenvolvido em Recife, no período de 2003/2004, no âmbito do Programa Brasil Alfabetizado. E Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 20 Todos estaremos de acordo quanto a um dado de realidade, ilustrado pelos dois últimos depoimentos. Eles nos mostram que pessoas analfabetas, como seu Aguinaldo, se envolvem em práticas de leitura e de escrita de diferentes textos, por meio da mediação de uma pessoa alfabetizada:elas escutam a leitura de notícias de jornais escritos ou televisivos, para se manterem atualizadas; solicitam que pessoas de seu convívio leiam as cartas que recebem ou escrevam cartas ditadas por elas; leem textos religiosos, por meio da leitura oral realizada por um membro da igreja que frequentam, etc. Se considerarmos que as práticas de leitura e de escrita estão se tornando cada vez mais complexas, é difícil encontrarmos, atualmente, pessoas que não possuam experiências com a linguagem escrita. Não existem, especialmente nos meios urbanos, pessoas que não participem, mesmo que indiretamente, de práticas envolvendo a língua escrita. Recordemos, por exemplo, que ao assistirmos a um telejornal, mesmo que não o saibamos, estamos presenciando a leitura que o locutor faz das notícias no “tele-prompting”. Por outro lado, a inserção em práticas que envolvem a leitura e a escrita de diferentes textos não possibilita, por si só, que crianças, jovens e adultos analfabetos desenvolvam uma autonomia para ler e escrever os diferentes textos que circulam na sociedade. Embora alguns sujeitos tenham se alfabetizado por meio da inserção nessas práticas (Galvão, 2001), essas experiências autodidatas são raras e não podem ser generalizadas. Como demonstra o primeiro depoimento de seu Aguinaldo, as experiências vivenciadas pelos sujeitos no mundo onde a escrita se faz cada vez mais presente possibilitam a construção de conhecimentos sobre a escrita alfabética, mas não garantem que compreendam o seu funcionamento. Ao falar que conhece todas as letras, mas não sabe juntá-las, ele quis dizer que não compreende o funcionamento da escrita alfabética, não entende como esse conjunto de letras pode possibilitar a escrita de infinitas palavras. Enfim, os depoimentos revelam que pessoas analfabetas se inserem em práticas de leitura e escrita, possuem conhecimentos sobre a escrita alfabética, mas não têm autonomia para ler e escrever textos que circulam na sociedade. Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 21 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: CONCEITOS DISTINTOS, MAS INDISSOCIÁVEIS A alfabetização consiste na ação de alfabetizar, de ensinar crianças, jovens ou adultos a ler e escrever. Vista pela ótica do aprendiz, ela consiste no processo de ser alfabetizado, de ser ensinado a ler e a escrever. Até hoje, é o desejo de aprender a ler e escrever palavras e textos que circulam em nossa sociedade que leva jovens e adultos analfabetos a irem/retornarem à escola, às salas de aulas de alfabetização. Não há consenso, no entanto, sobre o que significa esse ensino/ aprendizagem da leitura e da escrita. Ao longo da nossa história, diversas mudanças na concepção de alfabetização foram efetivadas, o que é bastante compreensível, dada a natureza cultural dos conhecimentos (sobre o funcionamento do alfabeto, sobre os textos em que é usado) e das práticas em que exercitamos tais conhecimentos. No período de colonização brasileira, por exemplo, as práticas de alfabetização se relacionavam à catequização dos índios, ao ensino da leitura, visando à inserção dos primeiros habitantes de nossa terra nos rituais da igreja Católica. Como material didático, os Jesuítas utilizavam alguns materiais escritos, como as gramáticas da língua Tupi e os catecismos e doutrinas. A alfabetização consistia apenas no ensino da leitura, realizado, principalmente, através da oralização dos textos presentes nesses materiais e de sua memorização por parte dos alunos (Galvão; Soares, 2004). Como abordado por Corrêa (2005), na primeira metade do século XIX, formar leitores no Brasil implicava conviver ainda com um conjunto muito reduzido de materiais impressos para o ensino da leitura. Boa parte desse material era de natureza religiosa (Bíblia, Evangelho) ou legal (Constituição Política do Império, Código Criminal) tal como previa o art. 6° da Lei Imperial de 15 de outubro de 1827. Esse mesmo século assistiu ao processo de institucionalização da escola no Brasil e ao desenvolvimento de práticas de ensino da leitura e da escrita realizadas de forma simultânea, com base em métodos de alfabetização de base alfabética e silábica (Galvão; Soares, 2004). Como afirma Corrêa, referindo-se ao século XIX: Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 22 A partir da década de 50, algumas escolas primárias brasileiras já podiam contar com outros objetos para iniciarem os seus alunos no aprendizado da leitura e escrita. São os catecismos, cartas de abc ou cartilhas que, de modo geral, eram produzidas ou traduzidas por autores portugueses. As cartas de abc são constituídas por: cartas contendo o alfabeto; cartas de sílabas (compostas com segmentos de uma, duas ou três letras) e cartas de nomes (onde são apresentadas palavras cujas sílabas são separadas por hífen). As cartas de abc firmaram uma tradição na história da escola primária brasileira. Mesmo sendo um utensílio vinculado a um dos mais tradicionais métodos de alfabetização (método sintético), resistiu às inovações promovidas por partidários de outros métodos de alfabetização e continuou sendo editado até os anos 50 do século XX (p. 3). O depoimento de Graciliano Ramos, extraído do livro Infância, é revelador da concepção de leitura que norteava o uso desse material. Rememorando sua experiência com as primeiras letras a partir de 1894, ele nos diz: Respirei, meti-me na soletração, guiado por Mocinha. Gaguejei sílabas um mês. No fim da carta elas se reuniam, formavam sentenças graves, arrevesadas, que me atordoavam. Eu não lia direito, mas, arfando penosamente, conseguia mastigar os conceitos sisudos: “A preguiça é a chave da pobreza – Quem não ouve conselhos raras vezes acerta – Fala pouco e bem: ter-te-ão por alguém. Esse Terteão para mim era um homem, e não pude saber que fazia ele na página final da carta. – Mocinha, quem é Terteão? Mocinha estranhou a pergunta. Não havia pensado que Terteão fosse homem. Talvez fosse. Mocinha confessou honestamente que não conhecia Terteão. E eu fiquei triste, remoendo a promessa de meu pai, aguardando novas decepções (Graciliano Ramos, Infância). Ensinar a ler, na perspectiva dos métodos sintéticos – alfabéticos, silábicos ou fônicos – era ensinar a “decodificar”, ou seja, traduzir em sons as letras ou sílabas que formavam as palavras, frases e textos. Para isso, era necessário que, primeiro, o sujeito aprendesse todas as letras, sílabas ou fonemas que, uma vez memorizados, possibilitariam que lesse qualquer palavra. Graciliano Ramos, em seu depoimento, mostra que memorizou as correspondências ensinadas, ao ponto de saber decodificar as palavras escritas, mas não conseguia entender o significado do que era lido. Nem mesmo sua professora, Mocinha, conseguia compreender o que lia. Durante muitas décadas do século XX, quando aqueles métodos ainda reinavam, o senso comum tratava como alfabetizado o indivíduo que soubesse assinar seu nome, em oposição ao analfabeto que, por não conseguir fazer tal assinatura, era proibido de votar nas eleições. Vemos, assim, que, durante esse período, muito pouco podia ser exigido de alguém, para que não sofresse publicamente o estigma de analfabeto (Galvão; Di pierro, 2007). Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 23 O ensino da leitura e da escrita baseado em métodos sintéticosou analíticos predominou em nosso país até meados da década de 1980. Ainda naquela época, as experiências de alfabetização de crianças e adultos se apoiavam, principalmente, no uso de cartilhas de base silábica ou fônica, nas quais predominavam a leitura de textos artificiais e o trabalho com palavras-chave. Consideravam-se “alfabetizadas” aquelas pessoas que conseguissem ler (decodificar) e escrever (codificar), ao final do ano letivo da alfabetização, as palavras, frases e textos presentes em tais materiais. Acreditava-se, nessa perspectiva, que uma vez que os alunos – crianças, jovens ou adultos – tivessem memorizado todas as correspondências grafofônicas, eles seriam capazes de ler e escrever quaisquer textos. Como abordamos em outro trabalho (Morais; Albuquerque, 2004), essa prática tradicional de alfabetização, na qual primeiro se aprende a “decifrar” a partir de uma sequência de passos/ etapas, para só depois se ler efetivamente, não garante a formação de leitores/escritores. Pesquisas têm apontado que mesmo em países desenvolvidos, que apresentam índice de analfabetismo zero, muitas pessoas com níveis elevados de escolarização não conseguem fazer uso da leitura e da escrita para finalidades corriqueiras, como preencher um requerimento ou formulário e compreender textos instrucionais, como regras de jogos. Em função dessa constatação, foi criada após a primeira Guerra Mundial a noção de “analfabetismo funcional” (cf. ribeiro, 2003), que só mais recentemente vem sendo divulgada pela mídia. Em nossa sociedade brasileira, as práticas sociais de leitura e escrita foram tornando-se mais numerosas e complexas e passaram a exigir, no caso da aprendizagem da leitura e da escrita, mais que as habilidades denominadas muitas vezes “codificação” e “decodificação”. Nesse contexto, no Brasil, a partir da década de 1990, o termo alfabetização foi ampliado e passou a englobar outro fenômeno: o letramento. No Dicionário Houaiss (2001), letramento é definido como um “conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material escrito”. Soares (1998) destaca que o termo letramento é a versão para o Português da palavra de língua inglesa literacy, que significa o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. É importante destacar que a palavra literacy engloba todo a complexo processo de alfabetização. Embora alguns pesquisadores (Ferreiro, 2003) defendam o uso de um único termo – alfabetização – para englobar os processos de aprendizagem e uso da leitura e da escrita, temos defendido, em Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 24 concordância com Soares (1998), a manutenção das duas palavras – letramento e alfabetização – para designar processos distintos, mas indissociáveis. Concebemos alfabetização como o processo de apropriação da escrita alfabética, ou seja, a compreensão, por parte dos sujeitos, dos princípios que regem esse sistema notacional. Já letramento se relaciona aos usos efetivos da escrita em atividades de leitura e escrita de textos, em contextos diversos. O primeiro estaria relacionado, portanto, à aprendizagem da notação alfabética, enquanto o segundo envolveria o uso e produção da linguagem que se usa ao escrever, isto é, dos gêneros textuais escritos que circulam nas interações sociais. Com essa distinção, consideramos que os alunos que ingressam em turmas de alfabetização, sejam crianças, jovens ou adultos, possuem experiências de letramento e conhecimentos sobre diferentes gêneros com os quais convivem, cotidianamente. Essas experiências, no entanto, não garantem que desenvolvam uma autonomia para ler ou escrever textos diversos. Nessa perspectiva, embora apresentem conhecimentos letrados, essas pessoas não são alfabetizadas, uma vez que não dominam o Sistema de Escrita Alfabética (doravante, SEA) e não possuem autonomia para ler e escrever sem a mediação de outra pessoa. O caso de seu Aguinaldo, autor dos depoimentos que abriram esse capítulo, ilustra muito claramente a distinção conceitual que agora formalizamos. Nas práticas de ensino da leitura e da escrita desenvolvidas em diferentes níveis de ensino – Educação Infantil, Ensino Fundamental e EJA – torna-se essencial, hoje, considerarmos esses dois fenômenos como processos que têm suas especificidades, mas que são indissociáveis. Como nos propõe Soares (1998) “alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado” (Soares, 1998, p. 47). Tornar-se alfabetizado – ter domínio da escrita alfabética – é um direito de todos e um conhecimento necessário para que alguém seja, de fato, cidadão letrado. No entanto, aquele conhecimento não dá conta do aprendizado dos diferentes gêneros textuais e de suas funções e usos em diferentes contextos sociais. Vivemos um momento de construção de práticas de alfabetização em uma perspectiva de letramento. O que os professores têm feito? O que sugerem os livros didáticos? São essas questões que buscaremos responder nas próximas seções. Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 25 A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO Não há dúvidas de que, se temos o objetivo de ampliar as experiências de letramento de nossos alunos, sejam adultos, jovens ou crianças, precisamos escolarizar de forma adequada as práticas sociais de leitura e escrita com as quais convivemos no nosso dia a dia. Já no final do século XX, as propostas oficiais de diferentes Secretarias de Educação têm apontado para a necessidade, na área de Língua Portuguesa, de um trabalho que envolva a leitura e produção de diferentes gêneros textuais (Marinho, 998). Acompanhando o trabalho de professores de EJA, tanto em projetos de pesquisa como em atividades de formação continuada, temos observado como esses docentes estão construindo práticas pautadas na perspectiva do “alfabetizar letrando”. A seguir, apresentaremos uma breve descrição da prática desenvolvida pela professora Marta6 (nome fictício), que lecionava em uma turma do Módulo 1 (alfabetização) da EJA, na rede municipal de educação da cidade do Recife. Em seis das oito aulas observadas na turma da professora Marta, houve leitura de textos feita por ela. Assim, por exemplo, na 1ª aula ela releu o poema “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu; na 3ª leu um poema de Manuel Bandeira (“Trova”); na 5ª aula houve a leitura do texto “A história de Dulce” (retirado de um material que ela elaborou com alunos do Módulo 2 sobre histórias de vida); e na 6ª aula também foi feita a leitura de um texto biográfico intitulado “Folha Amassada” (extraído da revista “Pensamento”, Nov-Dez 2007). Em cada situação, algumas perguntas orais eram realizadas, após a leitura do dia. Os textos lidos pela professora eram, na sua maioria, autobiográficos, uma vez que ela estava trabalhando a temática infância e juventude, na perspectiva de resgatar as histórias de vida dos alunos. Assim, além da leitura dos textos, a docente enfatizou a escrita e leitura de frases sobre a vida deles. Alguns alunos conseguiam produzir oralmente as frases, e a estagiária as copiava no quadro ou em uma cartolina. Vejamos alguns exemplos extraídos da 1ª aula: “Eu brincava de boneca”; “Eu jogava bola com meus amigos”; “Eu gostava de ir paraa feira com minha mãe”; “Eu fazia boneca de papel”; “Minha boneca era de pano”. 6 A professora Marta participou da pesquisa “As práticas de alfabetização de professores de EJA e seus reflexos nas aprendizagens dos alunos”, desenvolvida pelas professoras Eliana Albuquerque (UFPE) e Andréa Tereza Brito Ferreira (UFRPE) e por alunos de iniciação científica (Josemar Guedes – UFPE; Joselene Nascimento da Conceição e Rita Cássia de Lima Costa – UFRPE), com financiamento do CNPq. Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 26 CAPÍTULO 3 - ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: O DIREITO DE SER USUÁRIO DA LÍNGUA ESCRITA Bianca Santos Chiste7 PARA INÍCIO DE CONVERSA o contexto de estudos e pesquisas sobre a aprendizagem da leitura e da escrita há dois termos que atualmente tem ocupado o cenário da área: alfabetização e letramento. Vários estudiosos e pesquisadores vêm tentando explicitar a diferença entre os dois sem chegarem a um consenso definitivo tamanha é a complexidade do termo. Apesar de serem processos distintos e diferenciados, indissociáveis e diretamente ligados entre si, alfabetização e letramento, têm sido com freqüência, mal interpretados, de modo confuso, aludindo-se que um está sobreposto ao outro, ou ainda considerado, o letramento, como preparação para a alfabetização. Embora a relação entre os dois seja inegável e necessária, embora enfoque as diferenças é preciso cuidado para não diluir a especificidade dos dois fenômenos. Portanto, entender o conceito e a evolução histórica de ambos constitui fator imprescindível para os educadores e as educadoras que almejam ampliarem suas propostas pedagógicas, rompendo deste modo, com a pedagogia mecânica, instrucional e empirista tanto tempo praticada em nossas escolas. Assim procura-se nesse trabalho travar um diálogo provisório entre esses dois termos, explicitando suas relações e distinções, analisando concepções diferenciadas sobre o mesmo tema e ainda enfocando o papel da escola na aprendizagem significativa da leitura e da escrita por parte dos sujeitos. 7 Mestranda em Ciências da Linguagem pela Universidade Federal de Rondônia e professora da Rede Estadual de Educação de Rondônia Endereço: Av: 15 de Novembro, nº 2592, Bairro: Serraria, Guajará Mirim– RO, CEP: 78957000 N Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 27 DIALOGICIDADE ENTRE OS TEMAS: LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO Todas as transformações nos setores social, político, econômico e cultural contribuíram significativamente para que se repensasse o modelo de educação até então existente; um desses focos de discussão tem se dirigido à ampliação do significado do termo alfabetização. Ao olharmos para a história da alfabetização, observamos que o termo começou a ser utilizado na década de 1910 para se referir ao ensino inicial da leitura e da escrita. Aprender a ler e escrever era "privilégio" de poucos e ocorria por meio de transmissão assistemática, no âmbito do lar ou de maneira informal. Com a escolarização do ensino da leitura e da escrita, alfabetizar tornou-se ligado à instrução e às práticas escolares. Essa escolarização foi marcada por uma aprendizagem mecânica de decodificação e codificação do sistema escrito. Na verdade a língua era tratada como um código a ser transmitido aos alunos de forma mecânica e repetitiva. Este ensino fundamenta-se nos métodos sintético e analítico e orientam uma didática mecanicista de aquisição do conhecimento, priorizando as conexões estímulos e resposta. Esse modelo pressupõe que o indivíduo registra na mente as informações exteriores que vão construir as representações. Esse método é mais comum em cartilhas, no qual o aluno não escreve para interagir ou comunicar-se com alguém, mas como exercício para aprender a ler e escrever ou demonstrar este domínio ao avaliador (professor ou supervisor). Algumas pesquisas (Teberosky e Ferreiro: 1986), contribuíram para a compreensão do processo de aquisição da leitura e escrita pela criança. Os estudos evidenciaram que a aprendizagem da língua escrita não é um processo mecânico, mas conceitual, em que a criança elabora hipóteses sobre o que está aprendendo, evidenciando o conflito cognitivo para construção de novas idéias. Assim o objeto a ser ensinado precisa ser apresentado como um todo e não em partes como pressupõe a concepção supracitada. A partir desses estudos, que consideram o sujeito agente ativo no processo de aquisição de seu conhecimento, passou-se a ter um olhar diferenciado sobre o processo de alfabetização contradizendo a concepção anterior. Segundo Leite (2001, p. 25) as duas concepções de alfabetização são diferenciadas pelos seguintes critérios: Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 28 Modelo tradicional: escrita entendida como um simples reflexo da linguagem oral, ou seja, a escrita era concebida como uma mera representação da fala; nessa perspectiva, ler e escrever são entendidos como atividades de codificação e decodificação, sendo o processo de alfabetização reduzido ao ensino do código escrito, centrado na mecânica da leitura e da escrita. Concepção atual de alfabetização: Nessa perspectiva, assume-se que o ponto de partida e de chegada do processo de educação escolar é o texto: trecho falado ou escrito, caracterizado pela unidade de sentido que se estabelece em uma determinada situação discursiva. O novo modelo em discussão não se prende apenas ao ensino de decodificação dos signos, mas também ao desenvolvimento de habilidades de produção oral, onde o texto é uma unidade de sentido: falado ou escrito, "o que implica o domínio por parte do aluno dos diversos gêneros textuais, orais ou escritos, que correspondem aos seus diversos usos sociais”. (Leite, 2001, p.25). Nesse paradigma o objetivo de ensino da língua escrita, visa à formação do leitor e produtor de textos competente, possibilitando-o fazer uso da leitura e da escrita no contexto social. O ato de alfabetizar, nesse sentido, demanda um ensino pautado em todo tipo de conhecimento que envolve a língua escrita (aspectos fonéticos, fonológicos, morfológicos, sintáticos e culturais). Não é possível considerar apenas o conhecimento escolar, uma vez que este por si só não garante a formação de praticantes, da leitura e da escrita, capazes de usar a escrita como ferramenta de crescimento pessoal, intelectual, e principalmente de transformação e intervenção social. Com a expansão industrial e o avanço tecnológico foi-se exigindo cada vez mais dos indivíduos habilidades e competências relacionadas ao uso da leitura e da escrita em diferentes contextos sociais. Ressalta-se aqui que o sistema de escrita é um conhecimento cultural que evolui historicamente. A exemplo disso temos em nossa sociedade práticas de leitura e escrita que se difundiram na última década, como o e-mail (as mensagens eletrônicas), o hipertexto, entre outros, bem como, outros que de circular com menos freqüência, no caso a carta. Devido a essa mudança e evolução de como se entende a língua escrita e suas práticas sociais, o termo letramento tem marcado presença no cenário social e educacional. Letramento pode ser definido como resultado da participação em práticas sociaisque usam a escrita enquanto sistema simbólico, é o estado de quem abarca o uso efetivo da escrita. Pode ter diferentes níveis ou dimensão dependendo das necessidades sociais, do meio em que o sujeito está inserido e das exigências que a sociedade impõe no âmbito social e cultural. Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 29 Do ponto de vista de Soares, há duas dimensões de letramento, sendo elas: individual e social. Na dimensão individual, letramento está relacionado a diversidades de habilidades desenvolvidas pelo sujeito para utilizar a leitura e a escrita. O ato de ler envolve habilidades individuais lingüísticas e psicológicas, parte da decodificação do código até a compreensão do texto escrito. A escrita também requer do indivíduo o domínio de habilidades e conhecimentos que o possibilitem relacionar-se com os símbolos sonoros e escritos e a partir disso comunicar-se com o leitor expressando suas idéias e pensamentos. Letramento no aspecto individual não está dissociado da dimensão social, que é definido por Soares (2001, 72) como (...) o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita que os indivíduos se envolvem em seu contexto social. O letramento também tem um enfoque revolucionário, no qual é considerado como um “conjunto de práticas socialmente construídas que envolvem a leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais amplos, e responsáveis por reforçar ou conquistar valores, tradições e formas de distribuição do poder presentes nos contextos sociais. Analisando as duas dimensões de letramento discutidas por Soares, é possível perceber que ambas estão interligadas: uma precisa da outra para acontecer; não basta o indivíduo contar com as habilidades de ler e escrever, se não o faz socialmente. Em contrapartida apenas relacionar-se com a escrita sem dominar o código também não garante, nesta perspectiva, que o indivíduo seja de fato letrado. Nesse sentido dominar o sistema de escrita e realizar a leitura de mundo é fundamental para o sucesso do ser social e individual. Como afirma Soares (2001, p. 18) “(...) letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita”. O letramento abrange mais que simplesmente ler e escrever. O indivíduo letrado inserido em práticas sociais de leitura e escrita deve ser capaz de usar esse conhecimento em benefício da sociedade e de si próprio. Tomando uma atitude crítica em relação a tudo o que o cerca, buscando uma forma de transformar a sociedade em que está inserido. As práticas sociais de leitura e escrita devem gerar questionamentos, reforçar valores, tradições e formas de distribuição do poder. Paulo Freire na construção de um método de alfabetização sempre considerou eventos de letramento como fator importante para o aprendizado do alfabetizando, uma vez que ponderou sua história de vida, suas experiências, algo que evidencia a necessidade do autor em Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 30 valorizar o conhecimento de todos os envolvidos, acreditando ser o ponto de partida para a alfabetização emancipatória. Isso fica mais evidente quando declara que “a leitura de mundo precede mesmo a leitura da palavra. Os alfabetizandos precisam compreender o mundo, o que implica falar a respeito do mundo”. (Freire, 1990, p. 32). Para o autor, alfabetização além de garantir o ensino da leitura e da escrita deve explicar e discutir outros eventos sociais e culturais, diversas linguagens como: a música, poesia, tendências, acontecimentos, movimentos e tudo que envolve os interesses geral e particulares de uma sociedade ou nação. O modelo ideal de alfabetização para Freire deveria ser capaz de emancipar social e culturalmente todo indivíduo, permitindo compreender sua importância, discutindo suas experiências e relacionando-se conscientemente com o mundo. Giroux (1990, p. 7) discorre que, “(...) a alfabetização para Freire é, inerentemente, um projeto político no qual homens e mulheres afirmam seu direito e sua responsabilidade não apenas de ler, compreender e transformar suas experiências pessoais, mas também reconstruir sua relação com a sociedade mais ampla”. Já Kleiman ao tratar de letramento, afirma que há várias agências de letramento, sendo a escola a mais importante, porém a mesma preocupa-se apenas com um tipo de prática de letramento, a alfabetização, a qual a autora define como “(...) o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico) que gera competência individual para o sucesso e promoção na escola. (...) outras agências de letramento como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho mostram orientações de letramento muito diferentes. (KLEIMAN, 1995, p. 20)”. Kleiman ainda discute que existem dois modelos de letramento: o autônomo e o ideológico. No modelo autônomo a escrita é um produto, completo em si mesmo, não estando presa ao contexto de sua produção para ser interpretada. Essa “concepção pressupõe que há apenas um tipo de letramento a ser desenvolvido”, (Ibid, p.21), sendo associado casualmente com o progresso. Já no modelo ideológico, a autora afirma que “(...) as práticas sociais de letramento, no plural, são social e culturalmente determinadas, e, como tal, os significados específicos que a escrita assume para um grupo social depende dos contextos e instituições em que ela foi adquirida. (Ibid, p. 21)”. Por outro lado, Ferreiro denomina letramento como “cultura escrita”, isso acontece, por exemplo, no momento em que um adulto lê em voz alta para uma criança, ocorrendo muito antes Este módulo deverá ser utilizado apenas como base para estudos. Os créditos da autoria dos conteúdos aqui apresentados são dados aos seus respectivos autores. 31 do início da escolarização. Nos diz Ferreiro (2003, p. 30) que “(...) é improvável usar os dois termos: alfabetização e letramento, pois nessa definição distinta, alfabetização virou sinônimo de decodificação e letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o compreender o que se lê”. Para ela a coexistência dos dois termos é incabível”. Observa-se a discordância entre estudiosos no uso e no entendimento dos termos alfabetização e letramento. Enquanto Ferreiro propõe uma alfabetização mais abrangente, não simplesmente a decifração de códigos, Soares, Kleiman e outros fazem distinção entre os dois termos, mas garantem a necessidade de alfabetizar considerando a função social da língua escrita, ampliando as experiências dos sujeitos em práticas sociais de leitura e escrita. Por ser um termo complexo, diversos estudiosos, de várias áreas (lingüística, educação, psicolingüística, sociolingüística) buscam conceituar e entender o letramento. Ainda não existe uma questão fechada quanto ao seu entendimento, o que evidencia às pesquisas que vem sendo feitas tanto no campo teórico quanto no campo prático, bem como em diferentes contextos sociais. Independente da conceituação do letramento ressalta-se aqui que a alfabetização não pode perder a sua especificidade que é o processo específico e indispensável de apropriação do sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que possibilita ao aluno ler com autonomia. Porém, deve ser levada em conta a evolução da compreensão do ato de alfabetizar. A PRÁTICA DE LETRAMENTO DENTRO E FORA DA ESCOLA: O DIREITO DE SER USUÁRIO DA LÍNGUA
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